PARECER LEI GERAL DA COPA (Lei nº 12.663/2012) E PL 728/2011 ANÁLISE DA PARTE CRIMINAL Adriana Filizzola D Urso Advogada criminalista, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). A Lei nº 12.663, de 05 de junho de 2012, popularmente conhecida como Lei Geral da Copa, dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA de 2013 e à Copa do Mundo FIFA de 2014, que serão realizadas no Brasil, e traz em seu Capítulo VIII, nomeado de Disposições Penais, os crimes relacionados aos eventos. A justificativa para a criação de tais normas é simplesmente que essas medidas são necessárias para a efetivação dos compromissos assumidos pelo Governo Federal perante a FIFA, quando da escolha do Brasil como sede das competições. No entanto, verificamos que os dispositivos da Lei Geral da Copa, inclusive os seus tipos penais, estão voltados exclusivamente à proteção de interesses dos organizadores, patrocinadores e participantes dos eventos, em detrimento dos interesses mais amplos da população brasileira. Neste sentido, os artigos 30 a 33 da Lei Geral da Copa criam novos tipos penais, que contemplam: (i) o crime de utilização indevida de símbolos oficiais (artigos 30 e 31), (ii) o crime de marketing de emboscada por associação (artigo 32), e (iii) o crime de marketing de 1
emboscada por intrusão (artigo 33), que, com a aprovação da Lei Geral da Copa, passaram a fazer parte temporariamente do nosso sistema penal. Isto porque o artigo 36 da Lei Geral da Copa prevê que os tipos penais estabelecidos terão vigência da publicação da lei até o dia 31 de dezembro de 2014, criando, deste modo, normas penais temporárias, com data certa para entrar em vigor e data certa para sair do nosso ordenamento jurídico. Tal medida demonstra claramente a desnecessidade de criação de referidas normas penais. Também é importante mencionar que todos os crimes são de menor potencial ofensivo (com penas que variam de um mês a um ano) e somente se procedem mediante a representação da FIFA, que neste caso é a vítima. Porém, o mais importante nesta análise é verificar a função desses delitos, ou seja, o que se busca impedir com a criação destas normas penais, partindo da ideia de que a verdadeira razão de ser do Direito Penal está na proteção de bens jurídicos e na necessidade da proteção somente dos bens jurídicos relevantes (que resguardem um interesse elementar para a convivência da sociedade). Assim, quando da elaboração de normas penais, algumas características essenciais do Direito Penal devem ser respeitadas, como a ultima ratio (que busca criminalizar somente as infrações mais graves e como recurso extremo), a fragmentariedade (que não considera lícita uma intervenção punitiva penal quando o mesmo efeito se pode alcançar com medidas menos graves), e a subsidiariedade (que 2
estabelece que o Direito Penal somente deverá ser utilizado quando todos os outros instrumentos tenham fracassado). 1 Desde que respeitados esses princípios, podemos dizer que uma determinada norma penal é legítima, pois estará a criminalizar uma conduta que seja de fato imprescindível, ou seja, um comportamento que se mostre realmente lesivo a um bem jurídico. 2 Obviamente as normas penais contempladas na Lei Geral da Copa excedem a função do Direito Penal e desrespeitam suas características primordiais de ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade ao transformar em crime, por exemplo, a conduta de reproduzir, imitar ou falsificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA, que poderia estar sujeita a uma sanção administrativa ou civil. No mesmo sentido, e também preocupante, temos o Projeto de Lei do Senado nº 728, de 2011, que ainda está em tramitação no Congresso Nacional, e define crimes e infrações administrativas com vistas a incrementar a segurança da Copa das Confederações FIFA de 2013 e da Copa do Mundo de Futebol de 2014, para a proteção da sociedade, de forma a resguardar os direitos do consumidor e a incolumidade física dos participantes e espectadores em geral. Este PL 728/2011 cria oito novos tipos penais, que, segundo o artigo 3º do referido PL, são puníveis quando praticados no 1 PRITTWITZ, Cornelius. El Derecho Penal Alemán: Fragmentario? Subsidiario? Ultima Ratio? Reflexiones sobre la razón y límites de los principios limitadores del Derecho Penal. Trad.: María Teresa Castiñeira Palou. In: Instituto de Ciencias Criminales de Frankfurt (Ed.), Área de Derecho Penal de La Universidad Pompeu Fabra (Ed. Española). La Insostenible Situación del Derecho Penal. Granada, 2000, p. 428-434; 439. 2 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 166. 3
período que antecede e durante a realização dos eventos de que trata a lei. Sobre a determinação de período que antecede, precisamos frisar que é uma expressão por demais genérica, que contempla um período indeterminado. De maneira que teremos como o período que antecede a Copa das Confederações FIFA de 2013 e a Copa do Mundo de Futebol de 2014 qualquer tempo anterior que não o de realização dos eventos. Já sobre os oito novos tipos penais previstos no PL 728/2011, verificamos que, na mesma linha dos tipos penais da Lei Geral da Copa, estes não respeitam as características básicas do Direito Penal, criando normas que criminalizam (i) o terrorismo (artigo 4º), (ii) o ataque a delegação (artigo 5º), (iii) a violação de sistema de informática (artigo 6º), (iv) a falsificação de ingresso (artigo 7º), (v) a revenda ilegal de ingressos (artigo 8º), (vi) a falsificação de credencial (artigo 9º), (vii) o dopping nocivo (artigo 10), e (viii) a venda fraudulenta de serviço turístico (artigo 11), com penas que vão de 6 meses a 30 anos, para condutas que podem se enquadrar em normas penais já existentes no nosso ordenamento jurídico ou que poderiam ser objeto do Direito Administrativo Sancionador. Infelizmente verificamos no Brasil uma criminalização cada vez mais ampla de condutas e a consequente criação de normas penais, com a utilização desenfreada do braço mais forte do Estado, o Direito Penal, simplesmente para atender aos anseios da opinião pública, sem a observância das regras de ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade. 4
Em sentido oposto, ao invés de desenvolver medidas preventivas, como por exemplo, políticas públicas de segurança, o legislador brasileiro se vale da repressão, através da criação de normas penais, para atender a uma demanda social de tutela e segurança, que transforma o Direito Penal em prima ratio, que serve como solução de todo e qualquer problema (inclusive a segurança durante a Copa das Confederações FIFA de 2013 e a Copa do Mundo de Futebol de 2014), resultando em uma desnecessária, ilegítima, ineficaz e inconsequente expansão do Direito Penal, tão criticada pelos estudiosos da área. 5