Mata Ciliar PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DAS NASCENTES DE ÁGUA E VIDA. Cadernos da ISSN 1981-6235 NO 1 2009



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Transcrição:

Mata Ciliar Cadernos da 1 PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DAS NASCENTES DE ÁGUA E VIDA SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE 4 26471001 capa.indd Spread 1 of 2 - Pages(4, 1) Cad. Mata Ciliar, São Paulo, no 1, 2009 Cad. Mata Ciliar, São Paulo, no 1, 2009 1 ISSN 1981-6235 NO 1 2009 6/15/09 3:31 PM

Cadernos da Mata Ciliar N o 1 2009 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO José Serra Governador SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE Francisco Graziano Neto Secretário Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais CBRN Departamento de Proteção da Biodiversidade DPB Projeto de Recuperação de Matas Ciliares Redação Rinaldo de Oliveira Calheiros - CPDEB / IAC / APTA Fernando César Vitti Tabai - Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí Sebastião Vainer Bosquilia - DAEE Márcia Calamari - DEPRN Revisão Científica Prof. Dr. Walter de P. Lima - Depto. de Ciências Florestais/ESALQ/USP Prof. Dr. Ricardo R. Rodrigues - Depto. de Ciências Biológicas/ESALQ/USP Agradecimentos O COMITÊ DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS PIRACICABA, CA- PIVARI E JUNDIAÍ consignam seus agradecimentos a todos quantos, direta ou indiretamente, auxiliaram na elaboração dessa cartilha e em especial às instituições relacionadas abaixo pelo apoio recebido: Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Ecofisiologia e Biofísica / Instituto Agronômico / APTA / SAA Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí Departamento de Águas e Energia Elétrica - DAEE Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN Revisão Técnica, Adaptação e Autorização Câmara Técnica de Conservação e Proteção aos Recursos Naturais Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivarí e Jundiaí Editores Roberto Ulisses Resende - DPB Marina Eduarte - DPB Revisão de Citações e Referências Margot Terada - Cetesb Supervisão Editorial Luiz Roberto Moretti - DAEE Fotografias Rinaldo de Oliveira Calheiros Sebastião Vainer Bosquilia Ilustrações Richard McFadden Capa e Projeto Gráfico Vera Severo Fotos da Capa Clayton F. Lino Fausto Pires de Campos Editoração Eletrônica Antonio Carlos Palácios Edimar Dias Vieira Wilson Issao Shiguemoto CTP, impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Secretaria do Meio Ambiente Departamento de Proteção da Biodiversidade Projeto de Recuperação de Matas Ciliares Av. Frederico Hermann Jr, 345 - Alto de Pinheiros 05459-900 - São Paulo - SP tel: 11 3133 3243 fax: 11 3133 3294 matasciliares@ambiente.sp.gov.br www.ambiente.sp.gov.br/mataciliar 2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (CETESB - Biblioteca, SP, Brasil) C 129 Cadernos da Mata Ciliar / Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Departamento de Proteção da Biodiversidade. - N 1 (2009)--São Paulo : SMA, 2009 v. : il. ; 21 cm Irregular N. 1 Reprodução de: Preservação e recuperação das nascentes de água e de vida / Redação Rinaldo de Oliveira Calheiros...[et al.]. -- 2.ed. -- São Paulo : SMA, 2006. Disponível também em: <http://ambiente.sp.gov.br/mataciliar>. ISSN 1981-6235 1. Áreas degradadas - recuperação 2. Biodiversidade - conservação 3. Cerrado 4. Desenvolvimento sustentável 5. Florestas - aspectos sócio-econômicos 6. Mata Ciliar 7. Mata Atlântica I. São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente CDD (21. ed. Esp.) 333.751 53 CDU (ed. 99 port.) 504.062.4 (253) 2009. SMA. DPB Qualquer parte deste documento pode ser reproduzido desde citada a fonte. Os artigos desta revista são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Disponível também em: http://ambiente.sp.gov.br/mataciliar Periodicidade: Irregular Tiragem: 1.500 exemplares ISSN 1981-6235

PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DAS NASCENTES DE ÁGUA E VIDA Trabalho desenvolvido no âmbito do Programa de Recuperação de Matas Ciliares do Estado de São Paulo com recursos advindos do Fehidro. SUMÁRIO Apresentação 3 1. Introdução 4 2. Ciclo hidrológico e hidrogeologia da nascente 5 3. Legislacão relacionada às nascentes e aos outros recursos hídricos decorrentes 8 4. Cuidados primários essenciais em relação à área adjacente às nascentes 12 5. Cobertura vegetal em torno das nascentes 15 6. Quanto se produz de água 20 7. Aproveitamento da nascente para consumo humano 22 8. Apresentação de algumas nascentes e detalhes sobre o estado de preservação 28 9. Referências bibliográficas e literatura complementar 32 Cad. Mata Ciliar, São Paulo, no 1, 2009 1

Nascente A poesia canta, em verso e prosa... Um rio passou dentro de mim, que eu não tive jeito de atravessar... A lua é branca, e o sol tem rastro vermelho, e o lago é um grande espelho, onde os dois vêm se mirar... Você pensa que cachaça é água, cachaça não é água não, cachaça vem do alambique, água vem do ribeirão... Canoa, canoa desce, no meio do rio Araguaia desce... O sertão vai virar mar, dá no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão... Cachoeira, mambucaba, porto novo, água fria, andorinha, guanabara, sumidouro, olho d água... Ah! Ouve essas fontes murmurantes, onde eu mato a minha sede, e onde a lua vem brincar... Água de beber, bica no quintal, sede de viver tudo... Riacho do Navio, nasce no Pajeu, o Rio Pajeu, vai despejar no São Francisco... O Rio da minha aldeia é mais importante que o Tejo... Águas que nascem da fonte... Essa rua, sem céu sem horizonte, foi um rio de águas cristalinas......que numa pororoca deságua no Tejo... É pau, é pedra, é o fim do caminho......ninamata, taineiros, estão distantes daqui, engana-se redondamente o dragão chega ao Moji... Foi um rio que passou em minha vida......enquanto este velho trem atravessa o pantanal... É desse jeito que nasce. Como a poesia, a água brota, vencendo a força da terra que teima em prendê-la, tenra e terna uma boa idéia vai se transformando em uma união de vontades, que repartidas, se multiplicam, vão ganhando forças para fundir mais possibilidades. O que no início seria um boletim, foi ganhando forma, letra, novo nome, e foi chamado de cartilha. Hoje é um livro, que é mais. É uma demonstração de que o CBH-PCJ é um fórum de trabalho e generosidade, onde cada participante doa o melhor de si para o todo. Este livro, que foi inicialmente idealizado na CT-RN, é uma ferramenta de trabalho para técnicos, agricultores, educadores, enfim, todo aquele que busca a informação sobre a proteção e recuperação dos berços dos nossos rios. Vamos tratá-lo como ele merece. Sorvendo seus ensinamentos e disseminando-os, como uma generosa árvore bebe dessas águas e espalha suas boas sementes. Nossos parabéns e agradecimentos a seus autores, que tiveram a centelha, aos coordenadores da Câmara que nos antecederam, que cuidaram e deram calor à chama, àqueles que viabilizaram esta edição e a todos que fizerem uso deste belo trabalho. Só para lembrar, no dia em que não houver mais nascentes, não haverá mais nosso café, nosso leite, nosso pão, nossa cerveja, nem mais qualquer poesia. Só por isso a importância deste livro... CARLOS ALBERTO DE AQUINO

Apresentação Água e matas são indissociáveis. A vegetação, por ser diretamente relacionada à permeabilidade dos solos, é determinante para a regularidade da vazão dos rios. A relação é ainda mais clara quando se trata daquela que ladeia os cursos d água a mata ciliar, estabilizando as margens, impedindo a erosão e o assoreamento dos cursos hídricos, entre tantas outras funções importantes. O Estado de São Paulo desenvolve, desde 2005, o Projeto de Recuperação das Matas Ciliares, que se iniciou na parceria com o Global Environment Facility (GEF) do Banco Mundial, e agregou outras importantes ações e parcerias, tornando-se um dos 21 Projetos Ambientais Estratégicos da atual gestão da Secretaria do Meio Ambiente. Protetoras da água e da vida, as matas ciliares garantem a manutenção de nossos meios de produção. Como é frequente a ocorrência de matas ciliares em propriedades rurais, quem mais sente a importância desse tipo de vegetação são os pequenos produtores rurais. Eles são os protagonistas do processo de proteção e recuperação das matas ciliares. É o agricultor ambientalista. Para tanto, precisa de acesso a conhecimento e auxílio técnico, já que o uso do solo pode influenciar o estado dos recursos hídricos de modo positivo ou negativo. A série Cadernos da Mata Ciliar foi concebida com o objetivo de disseminar esse conhecimento técnico. Nas publicações, serão abordados os assuntos de preservação de recursos naturais e biodiversidade, densidade de biomassa potencial do Estado, recuperação de áreas degradadas e nascentes, gestão do solo, mudanças climáticas, entre outros. É importante que todos conheçam o que são matas ciliares, a legislação incidente sobre elas e como garantir sua conservação. Para isso, é necessária a soma de esforços e a partilha de responsabilidades, processos nos quais o Estado toma a iniciativa, mas não é o único ator. É papel de todos conservar o verde para proteger o azul. FRANCISCO GRAZIANO NETO Secretário de Estado do Meio Ambiente

1. Introdução Entende-se por nascente o afloramento do lençol freático que vai dar origem a uma fonte de água de acúmulo (represa), ou cursos d água (regatos, ribeirões e rios). Em virtude de seu valor inestimável dentro de uma propriedade agrícola, deve ser tratada com cuidado todo especial. A nascente ideal é aquela que fornece água de boa qualidade, abundante e contínua, localizada próxima do local de uso e de cota topográfica elevada, possibilitando sua distribuição por gravidade, sem gasto de energia. É bom ressaltar que, além da quantidade de água produzida pela nascente, é desejável que tenha boa distribuição no tempo, ou seja, a variação da vazão situe-se dentro de um mínimo adequado ao longo do ano. Esse fato implica que a bacia não deve funcionar como um recipiente impermeável, escoando em curto espaço de tempo toda a água recebida durante uma precipitação pluvial. Ao contrário, a bacia deve absorver boa parte dessa água através do solo, armazená-la em seu lençol subterrâneo e cedê-la, aos poucos, aos cursos d água através das nascentes, inclusive mantendo a vazão, sobretudo durante os períodos de seca. Isso é fundamental tanto para o uso econômico e social da água bebedouros, irrigação e abastecimento público como para a manutenção do regime hídrico do corpo d água principal, garantindo a disponibilidade de água no período do ano em que mais se precisa dela. Assim, o manejo de bacias hidrográficas deve contemplar a preservação e melhoria da água quanto à quantidade e qualidade, além de seus interferentes em uma unidade geomorfológica da paisagem como forma mais adequada de manipulação sistêmica dos recursos de uma região. As nascentes, cursos d água e represas, embora distintos entre si por várias particularidades quanto às estratégias de preservação, apresentam como pontos básicos comuns o controle da erosão do solo por meio de estruturas físicas e barreiras vegetais de contenção, minimização de contaminação química e biológica e ações mitigadoras de perdas de água por evaporação e consumo pelas plantas. Quanto à qualidade, deve-se salientar que, além da contaminação com produtos químicos, a poluição da água resultante de toda e qualquer ação que acarrete aumento de partículas minerais no solo, da matéria orgânica e dos coliformes totais pode comprometer a saúde dos usuários pessoas ou animais. Por fim, deve-se estar ciente de que a adequada conservação de uma nascente envolve diferentes áreas do conhecimento, tais como hidrologia, conservação do solo, reflorestamento, etc. Objetiva-se, neste trabalho, apresentar cada um dos interferentes principais, de modo sistemático e integrado. 4

2. Ciclo hidrológico e hidrogeologia da nascente Segundo Castro e Lopes (2001), simplificadamente, ciclo hidrológico é o caminho que a água percorre desde a evaporação no mar, passando pelo continente e voltando novamente ao mar. Dentro de uma bacia hidrográfica, a água das chuvas apresenta os seguintes destinos: parte é interceptada pelas plantas, evapora-se e volta para a atmosfera, parte escoa superficialmente formando as enxurradas e, através de um córrego ou rio, abandona rapidamente a bacia (Figura 1). Outra parte, a de mais interesse, é aquela que se infiltra no solo, com uma parcela temporariamente retida nos espaços porosos, outra parte absorvida pelas plantas ou evaporada através da superfície do solo, e outra alimenta os aqüíferos, que constituem o horizonte saturado do perfil do solo (LOUREIRO, 1983). Essa região saturada pode situar-se próxima à superfície ou a grandes profundidades, e a água ali presente pode estar ou não sob pressão. Quando a região saturada se localiza sobre uma camada impermeável e possui uma superfície livre sem pressão, a não ser a atmosférica, tem-se o chamado lençol freático ou lençol não-confinado. Quando se localiza entre camadas impermeáveis e condições especiais que façam a água movimentar-se sob pressão, tem-se o lençol artesiano ou lençol confinado. Hidrogeologicamente, em sua expressão mais comum, lençol freático é uma camada saturada de água no subsolo, cujo limite inferior é uma outra camada impermeável, geralmente um substrato rochoso. Em sua dinâmica, usualmente é de formação local, delimitado pelos contornos da bacia hidrográfica, origina-se das águas de chuva que se infiltram através das camadas permeáveis do terreno até encontrar uma camada impermeável ou de permeabilidade muito menor que a superior. Nesse local, fica em equilíbrio com a gravidade, satura os horizontes de solos porosos logo acima, deslocando-se de acordo com a configuração geomorfológica do terreno e a permeabilidade do substrato (Figura 1). As nascentes localizam-se em encostas ou depressões do terreno, ou ainda, no nível de base representado Figura 1. Ciclo hidrológico 5

pelo curso d água local; podem ser perenes (de fluxo contínuo), temporárias (de fluxo apenas na estação chuvosa) e efêmeras (surgem durante a chuva, permanecendo por apenas alguns dias ou horas). Pode-se ainda dividir as nascentes em dois tipos quanto à sua formação. Segundo Linsley e Franzini (1978), quando a descarga de um aqüífero se concentra em uma pequena área localizada, tem-se a nascente ou olho d água. Esse pode ser o tipo de nascente sem acumulo d água inicial, comum quando o afloramento ocorre em um terreno declivoso, surgindo em um único ponto em decorrência de a inclinação da camada impermeável ser menor que a da encosta. São exemplos desse tipo as nascentes de encosta e de contato (Figura 2). Figura 2. Nascente sem acúmulo inicial Figura 3. Vereda Por outro lado, se quando a superfície freática ou um aqüífero artesiano interceptar a superfície do terreno e o escoamento for espraiado numa área, o afloramento tenderá a ser difuso, formando um grande número de pequenas nascentes por todo o terreno, originando as veredas (Figura 3). Se a vazão for pequena, pode apenas molhar o terreno, e se for grande, pode originar o tipo com acúmulo inicial, comum quando a camada impermeável fica paralela à parte mais baixa do terreno e, estando próximo a superfície, acaba por formar um lago (Figura 4). São exemplos desse tipo as nascentes de fundo de vale e as originárias de rios subterrâneos (Figura 5). 6

Figura 4. Nascente com acúmulo inicial Figura 5. Tipos mais comuns de nascentes originárias de lençol não confinado: de encosta, de fundo de vale, de contato e de rio subterrâneo (LINSLEY E FRANZINI, 1978). 7

3. Legislacão relacionada às nascentes e aos outros recursos hídricos decorrentes. Trâmites necessários para legalizar ações interferentes Dentre os principais aspectos legais do processo de legalização/regularização de interferências relacionadas aos corpos hídricos, tem-se o seguinte: 3.1. Ligados à cobertura vegetal Segundo a Lei Federal 4.771/65, alterada pela Lei 7.803/89 e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, Consideram-se de preservação permanente, pelo efeito de Lei, as áreas situadas nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos d água, qualquer que seja a sua situação topográfica, devendo ter um raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura. Segundo os Artigos 2.º e 3.º dessa Lei A área protegida pode ser coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Quanto às penalidades, a Lei de Crimes Ambientais 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, (Artigo 39), determina que é proibido destruir ou danificar floresta da área de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção. É prevista pena de detenção de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas, cumulativamente. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. A fim de regulamentar o Art. 2º da Lei nº 4.771/65, publicaram-se a Resolução nº 303 e a Resolução nº 302, de março de 2002 (CONAMA) a primeira revoga a Resolução Conama 004, de novembro de 1985, relativa às Áreas de Preservação Permanente (APP) quanto ao tamanho das áreas adjacentes a recursos hídricos; a segunda refere-se às áreas de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais (figura 5), determinando que: 8 a) As áreas de preservação permanentes ao redor de nascente ou olho d água, localizada em área rural, ainda que intermitente ou seja, que só aparece em alguns períodos (na estação chuvosa, por exemplo) deve ter raio mínimo de 50 metros, de modo que proteja, em cada caso, a bacia hidrográfica contribuinte. b) Em veredas e em faixa marginal, em projeção horizontal, deve apresentar a largura mínima de 50 metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado. Vereda é o espaço brejoso ou encharcado que contém nascentes ou cabeceiras de cursos d água, onde há ocorrência de solos hidromórficos, caracterizado predominantemente por renques de buritis do brejo (Mauritia flexuosa) e outras formas de vegetação típica. c) Para cursos d água, a área situada em faixa marginal (APP), medida a partir do nível mais alto alcançado pela água por ocasião da cheia sazonal do curso d água perene ou intermitente, em projeção horizontal, deverá ter larguras mínimas de: 30 metros, para cursos d água com menos de 10 metros de largura; 50 metros, para cursos d água com 10 a 50 metros de largura; 100 metros, para cursos d água com 50 a 200 metros de largura; 200 metros, para cursos d água com 200 a 600 metros de largura; 500 metros, para cursos d água com mais de 600 metros de largura. d) No entorno de lagos e lagoas naturais, a faixa deve ter largura mínima de: 30 metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas, 100 metros, aproximadamen-

te, para os que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d água com até 20 hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 metros. Área urbana consolidada é aquela que atende aos seguintes critérios: Definição legal pelo poder público e existência de no mínimo quatro dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: malha viária com canalização de águas pluviais; rede de abastecimento de água; rede de esgoto; distribuição de energia elétrica e iluminação pública; recolhimento de resíduos sólidos urbanos; tratamento de resíduos sólidos urbanos e densidade demográfica superior a 5 mil habitantes por quilômetro quadrado. e) No entorno de reservatórios artificiais, a faixa deve ter largura mínima, a partir da cota máxima normal de operação do reservatório, de: 30 metros para reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e 100 metros para áreas rurais; essas larguras poderão ser ampliadas ou reduzidas, sempre observado o patamar mínimo de 30 metros, conforme o estabelecido no licenciamento ambiental e no plano de recursos hídricos da bacia, se houver. Essa redução, no entanto, não se aplica às áreas de ocorrência original da floresta ombrófila densa porção amazônica, inclusive os cerradões, e aos reservatórios artificiais utilizados para fins de abastecimento público. 15 metros, no mínimo, para os reservatórios artificiais de geração de energia elétrica com até 10 hectares, sem prejuízo da compensação ambiental; 15 metros, no mínimo, para reservatórios artificiais não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até 20 hectares de superfície e localizados na área rural. Essas disposições não se aplicam às acumulações artificiais de água inferiores a 5 hectares de superfície, desde que não sejam resultantes do barramento ou re- presamento de cursos d água e não localizadas em APPs, exceto aquelas destinadas ao abastecimento público. Para os reservatórios artificiais destinados à geração de energia e ao abastecimento público, o empreendedor, no âmbito do procedimento de licenciamento ambiental, deve elaborar o Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial, em conformidade com o termo de referência expedido pelo órgão competente, devendo, no entanto, sua aprovação ser precedida da realização de consulta pública. O comitê de bacia hidrográfica também deverá ser ouvido na análise desse plano. A Figura 6 apresenta um exemplo de uma bacia com diferentes tipos de corpos hídricos (nascente, curso d água, barramentos e reservatórios artificiais), com as respectivas, exigidas ou não, áreas de preservação permanente, em vista de usos e dimensões. Utilizaram-se imagens das nascentes do rio Corumbataí, afluente do rio Piracicaba (SP). Toda intervenção em nascente, bem como nas demais APPs (o mesmo se aplica para rios, córregos e lagos) deve ser precedida de consulta e respectiva autorização por parte dos órgãos competentes de controle, orientação e fiscalização das atividades de uso e exploração dos recursos naturais. No Estado de São Paulo, por exemplo, essas atividades são exercidas pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) e pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Para se obter autorização para intervenção ou corte de vegetação na APP, é necessário protocolar um processo de licenciamento no DEPRN. Somente serão permitidas as situações no Artigo 4.º da Lei 4.771/65, alterada pela 7.803/ 89 e pela Medida Provisória 2.166/67/2001, ou seja, A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. 9

A Resolução Conama nº 369, de 28/3/2006 (CONA- MA), regulamenta este assunto, dispondo sobre os casos quando é possível a intervenção ou supressão de vegetação em APP em caso de: utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental Para tanto, deverá ser feito o devido processo de licenciamento, no qual se deve demonstrar a inexistência de alternativa técnica e locacional às obras, planos, atividades ou projetos propostos, prevendo-se também as medidas ecológicas, de caráter mitigador e compensatório. É importante ressaltar que conforme o Artigo 6º dessa Resolução, Independe de autorização do poder público o plantio de espécies nativas com a finalidade de recuperação de APP, respeitadas as obrigações anteriormente acordadas, se existentes, e as normas e requisitos técnicos aplicáveis. Figura 6. Exemplo de bacia com diferentes tipos de corpos hídricos 10

3.2. Ligados aos Recursos Hídricos Com o objetivo de evitar que as interferências sem critérios nas nascentes e ao longo dos cursos d água venham causar danos irreversíveis à rede natural de drenagem visando, portanto, preservar os recursos hídricos para o bem do ambiente como um todo, na utilização de uma nascente, há que se respeitar e atender a legislação específica de recursos hídricos. De modo geral, a legislação vigente tende a simplificar a regularização de pequenas interferências nas nascentes e garantir que os barramentos tenham tanto estabilidade como capacidade de extravasar as vazões de cheia e a vazão mínima para jusante (Vazão Q7,10). Toda e qualquer interferência promovida nas nascentes ou cursos d água no Estado de São Paulo, tanto para os proprietários rurais como os urbanos, devem cumprir as determinações da Lei 7.663/91, regulamentada pela Portaria DAEE 717/96, que exibem critérios e normas para a obtenção do direito de uso e interferência nos recursos hídricos; ou seja: é necessário obter a outorga de direito do uso dos recursos hídricos. Para nascentes, há as outorgas de direito para: captação de água superficial, barramento e canalização, cada uma delas contendo critérios e normas a serem cumpridas. A documentação a ser entregue no Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), deve ser acompanhada do requerimento protocolado ou Parecer Técnico Florestal do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN), visando o cumprimento do Código Florestal. Assim, enfatiza-se que os usos e as interferências pretendidos pelos proprietários devem ser aprovados tanto pelo DEPRN como pelo DAEE, prevenindo-se das ações fiscalizadoras desses órgãos e da Polícia Ambiental. Vazão Q7,10 é a vazão mínima ecológica quando se considera que as condições ambientais do curso d água são asseguradas. Esse valor de vazão é obtido por meio da análise estatística da série histórica de medidas de vazão, considerando a média de sete dias consecutivos e tempo de recorrência (probabilidade, em anos, para que um evento ocorra novamente) de dez anos. 11

4. Cuidados primários essenciais em relação à área adjacente às nascentes Os cuidados e o condicionamento da área da nascente podem ser ilustrados com o exemplo da situação apresentada por Silveira (1984) na Figura 7. De acordo com a situação inicial, o proprietário de um sítio que planta algodão, milho e pastagem, na distribuição das áreas de cultivo, está permitindo aos animais livre acesso à água, com chiqueiros, fossas e estábulos localizados próximos à nascente, e com isso, provavelmente terá a água contaminada, prejudicando o meio ambiente, os animais e a si próprio (Figura 7A). Assim, devem-se promover as seguintes modificações e tomar os seguintes cuidados para se recuperar e manter a boa condição da nascente: 4.1. Isolamento da área de captação e distribuição adequada dos diferentes usos do solo A área adjacente à nascente (APP) deve ser toda cercada a fim de evitar o acesso de animais, pessoas, veículos, etc. Todas as medidas devem ser tomadas para favorecer seu isolamento, tais como proibir a pesca e a caça, evitandose a contaminação do terreno ou diretamente da água por indivíduos inescrupulosos. Quando da realização de alguma obra ou serviço temporário, devem-se construir fossas secas a 30 metros, no mínimo, mantendo-se uma vigilância constante para não haver poluição da área circundante à nascente. Figura 7. Distribuição espacial das culturas e estruturas rurais nas situações errada e corrigida em função da nascente. Adaptado de Silveira (1984). 12

4.2. Distribuição do uso do solo A posição de uma nascente na propriedade pode determinar a melhor distribuição das diferentes atividades e também da infraestrutura do sistema produtivo. A área imediatamente circundante à nascente, em um raio de 50 metros, é só e exclusivamente uma área de preservação permanente. A restrição para se fazer uso dessa área existe para evitar que, com um cultivo, por exemplo, a nascente fique sujeita à erosão e que as atividades agrícolas de preparo do solo, adubação, plantio, cultivos, colheita e transporte dos produtos levem trabalhadores, máquinas e animais de tração para o local, contaminando física, biológica e quimicamente a água. Assim, o pasto e os animais devem ser afastados ao máximo da nascente, pois, mesmo que os animais não tenham livre acesso à água, seus dejetos contaminam o terreno e, nos períodos de chuvas, acabam por contaminar a água. Essa contaminação pode provocar o aumento da matéria orgânica na água, o que acarretaria o desenvolvimento exagerado de algas, bem como sua contaminação por organismos patogênicos que infestam os animais e podem atingir o homem. A tuberculose bovina, a brucelose, a aftosa, entre outras, são doenças que podem contaminar o homem, tendo como veículo a água contaminada (DAKER, 1976). Por outro lado, permitindo-se o acesso dos animais, o pisoteio torna compactada a superfície do solo próximo às nascentes, diminui sua capacidade de infiltração, deixando-o sujeito à erosão laminar, e consequentemente provoca não só a contaminação da água por partículas do solo, como também a deixa turva pode até mesmo provocar o soterramento da nascente. Quando a água de uma nascente se turva facilmente após uma chuva, é sinal de que está deficiente a capacidade de infiltração da água na APP ou do seu terreno circundante. Dentro da distribuição correta, apresentada no desenho B da Figura 7, ou seja, com os animais distanciados, duas ações complementares são indicadas: 1) desenvolver um programa de manejo de pastoreio para se evitar a compactação exagerada do solo da área do pasto e, 2) providenciar bebedouros para os animais. PINUS OU EUCALIPTO MATA NATIVA BAMBU Estender-se até 1/3 da encosta FRUTÍFERAS Utilização econômica, com senso conservacionista GRAMÍNEAS ÁRVORES COM FOLHAS CADUCAS Função de proteção contra desagregação do solo e carreamento de partículas CULTIVOS AGRÍCOLAS Cerealíferas anuais, fruticultura e pastagens, com práticas conservacionistas ARBUSTIVAS Vegetação rasteira e ou arbustiva e arboreamento freatófitas APP NASCENTE Arbóreas sob manejo Figura 8. Distribuição esquemática adequada das diferentes coberturas vegetais e usos em relação à nascente. 13

Por outro lado, a cultura de maior utilização de produtos químicos (adubos, inseticidas, etc.) deve ser a mais afastada, a fim de evitar que nas épocas das chuvas esses poluidores desçam com as enxurradas para as nascentes ou se infiltrem no solo atingindo mais facilmente o lençol freático. É bom lembrar que muitos desses produtos não são eliminados com fervura, cloração ou filtragem. Castro e Lopes (2001) apresentam, esquematicamente, a distribuição adequada da cobertura vegetal e uso do solo, em áreas ou microbacias com uma nascente (Figura 8). 4.3. Eliminação das instalações rurais Devem ser retiradas todas e quaisquer habitações, galinheiros, estábulos, pocilgas, depósitos de defensivos ou outra construção que possam ou por infiltração das excreções e produtos químicos, ou por carreamento superficial (enxurradas) contaminar o lençol freático ou poluir diretamente a nascente. Recomenda-se desativação da antiga estrutura, possivelmente poluidora, mantendo o local limpo e exposto ao sol pelo menos por alguns meses antes de se reiniciar o aproveitamento da água. No caso de produtos químicos, deve-se proceder a análise da água. 4.4. Redistribuição das estradas A maioria das estradas construídas no meio rural não passou por um planejamento adequado com objetivo de proteger as nascentes. É costume projetar as estradas perto de rios e nascentes por serem esses terrenos naturalmente mais planos e, portanto, de relevo mais favorável. Assim, realizam-se cortes para construção da estrada em locais indevidos do terreno, deixando o solo exposto a diferentes processos de erosão causados pelas chuvas, o que torna o terreno mais compactado e, portanto, mais propício à formação de enxurradas. Os barrancos também soltam terra, que vai atingir a fonte de água. Além de tudo isso, essas estradas expõem a nascente ao acesso de pessoas, animais e trânsito de máquinas. Assim, uma das providências mais importantes é um novo traçado das estradas internas da propriedade, facilitando o isolamento da nascente. 4.5. Conservação de toda a bacia de contribuição. Relação entre a área de contribuição e a de preservação permanente O desempenho e características da nascente são resultantes de infiltração em toda a bacia hidrográfica a chamada área de contribuição e não apenas da área circundante da nascente área de preservação permanente já que, hidrologicamente, por ser de pequena extensão perante a bacia como um todo, a água que infiltra nessa área pouco contribui na vazão. Assim, toda a área de bacia merece atenção quanto à preservação do solo, e todas as técnicas de conservação, objetivando tanto o combate à erosão como a melhoria das características físicas do solo, notadamente aquelas relativas à capacidade de infiltração da água da chuva ou da irrigação, vão determinar maior disponibilidade de água na nascente em quantidade e estabilidade ao longo do ano, incluindo a época das secas. Preocupados com as partes altas da bacia, CASTRO e LOPES (2001) afirmam que é indispensável para a recuperação e conservação das nascentes a presença de árvores nos topos dos morros e das seções convexas, estendendo-se até 1/3 das encostas, tema devidamente regulamentado pela Resolução Conama, no 303, de março de 2002 (CONAMA). 14

5. Cobertura vegetal em torno das nascentes Na recuperação da cobertura vegetal das APPs já degradadas, devem-se distinguir as orientações quanto ao tipo mento e a orientação de um técnico especializado são ção hidrológica e delas fazer-se melhor uso. O planeja- de afloramento de água, ou seja, sem ou com acúmulo fundamentais. de água inicial, pois o encharcamento do solo ou a submersão temporária do sistema radicular das plantas, a 5.1. Recomposição florestal em profundidade do perfil e a fertilidade do solo são alguns áreas de preservação permanente dos fatores que devem ser considerados, pois são seletivos para as espécies que vão conseguir se desenvolver 31/1/2008 dá orientação para recuperação florestal de Para o Estado de São Paulo, a Resolução SMA Nº 08 de (RODRIGUES; SHEPHERD, 2000). áreas degradadas em áreas rurais, ou urbanas com uso Por outro lado deve-se também distinguir a nascente rural. quanto ao regime de vazão, ou seja: De acordo com essa norma, a recuperação florestal a) se é permanente ou temporária, exige diversidade elevada, compatível com o tipo de vegetação nativa ocorrente no local. Para isso, poderão ser b) se varia ao longo do ano. usadas diversas técnicas, como: plantio de mudas, nucleação, semeadura direta, indução e/ou condução da Deve-se também considerar a interferência da vegetação no consumo de água da própria nascente, o qual regeneração natural. é grandemente influenciado pela profundidade do lençol Rodrigues e Gandolfi (1993) observam que a maioria freático no raio compreendido pela área de preservação dos métodos aplicados em reflorestamento de áreas ciliares adota uma seqüência comum de etapas: permanente. Diversos trabalhos apontam que o mosaico vegetacional é resultado de alteração diferenciada da umidade 1. Escolha do sistema de reflorestamento depende do grau de preservação das áreas, avaliado por es- ou do encharcamento do solo na seletividade das espécies na faixa ciliar e que tais encharcamentos ocorrem tudos florísticos e/ou fitossociológicos ou pela avaliação tanto em função do extravasamento fisionômica da vegetação ocorrente do leito do rio, como do afloramento na área. Assim, o sistema de reflorestamento pode ser: permanente ou temporário do lençol freático, caso das nascentes (RODRIa) Implantações (ou plantio total) em áreas bastante perturbadas GUES; SHEPHERD, 2000). Dentre os tipos de cobertura vegetal, a cobertura florestal (Figura 9) que não conservam nenhuma das características bióticas das formações florestais ciliares originais da- é a que maior efeito exerce sobre as nascentes. Não existe a composição quela condição. Essa é uma situação ideal, e sim aquela mais adequada típica de áreas cuja floresta original para cada situação específica. Assim, foi substituída por alguma atividade é importante conhecer as espécies Figura 9. Vista do interior de uma agropastoril. para melhor entender sua contribui- APP bem constituída. 15

b) Enriquecimento em áreas com estágio intermediário de perturbações que mantêm algumas das características bióticas e abióticas das formações ciliares típicas daquela condição, situação de áreas cuja floresta original foi degradada pela ação antrópica, ocupada por capoeiras, com domínio de espécies dos estágios iniciais de sucessão. c) Recuperação natural nas áreas pouco perturbadas que retêm a maioria das características bióticas e abióticas das formações florestais típicas da área. Devem ser isoladas dos possíveis fatores de perturbações para que os processos naturais de sucessão possam atuar. d) Nucleação uso de qualquer elemento, biológico ou abiótico, capaz de propiciar potencialidades para formar novas populações facilitando a criação de novos nichos de regeneração, colonização e situações de conectividade na paisagem. 2. Escolha das espécies baseia-se em levantamentos florísticos de formações florestais ciliares originais remanescentes próximas à área em questão (ou mais distantes, mas com as mesmas características abióticas). A lista de plantas poderá ainda ser acrescida de espécies nativas frutíferas e melíferas não amostradas no levantamento, com o objetivo de fomentar a recuperação da fauna terrestre e aquática. Se possível, deverão ser priorizadas espécies zoocóricas (cujas sementes são dispersadas pelos animais) nativas da vegetação regional. 3. Combinação das espécies há vários métodos de combinação das espécies em projetos de reflorestamento. Diferem entre si, basicamente, em relação a: combinações que considerem os estádios sucessivos das espécies; proporção de espécies nos vários estádios sucessivos considerados no trabalho; espaçamento e densidade dos indivíduos no plantio, e estratégia usada para a implantação das espécies. 16 Outro critério é considerar os grupos ecológicos. Deve-se procurar imitar o modo como as árvores crescem na natureza: primeiramente, nascem as espécies que precisam de luz para germinar e que crescem rápido, chamadas pioneiras, depois aparecem as espécies que precisam da sombra das outras árvores para crescer, chamadas secundárias. Portanto, no plantio deve-se colocar uma linha com as pioneiras e uma linha de espécies secundárias, que vão crescer devagar sob a sombra das primeiras. 4. Distribuição das espécies no campo decidese de acordo com as características adaptativas e biológicas das espécies escolhidas para o projeto. Assim, as espécies adaptadas ao encharcamento permanente ou temporário serão alocadas em área de brejo, ou passíveis de encharcamento, ou de elevação temporária do lençol freático, enquanto as espécies não tolerantes devem ser plantadas em áreas não sujeitas a altos teores de umidade. 5. Plantio e manutenção em relação a essa última etapa, Tabai (2002) aponta, resumidamente, os passos, orientações gerais e cuidados na recomposição da mata nativa de uma área de preservação permanente. a) Preparo do terreno: deve ser executada a limpeza do terreno na área onde será feito o plantio, facilitando a entrada da equipe de trabalho e também protegendo as mudas. Faz-se uma roçada para eliminar as plantas daninhas, preservando as espécies de interesse e retirando o entulho que esteja dentro da área. b) Combate às formigas: devem-se eliminar os olheiros das formigas, pois desfolham e matam as mudas. Contra as cortadeiras (saúvas e quenquéns), pode-se usar a isca granulada, pouco tóxica e fácil de ser aplicada. Devem ser colocados 10 gramas de isca em pequenos sacos plásticos, distribuídas nos carreiros das formigas a cada metro quadrado de terra. Isso deverá ser realizado preferencialmente em épocas de seca. De modo geral,

recomenda-se que seja eliminado tudo o que possa contribuir para a formação de terra solta próxima à nascente. c) Abertura e marcação das covas: as covas de plantio deverão ser marcadas e abertas em linha à distância de 3 metros uma da outra; entre as covas a distância poderá ser de 2 em 2 metros. A abertura das covas, no tamanho de 40 X 40 X 40 centímetros poderá ser feita com enxadão ou uma cavadeira. d) Adubação: a adubação realizada nas covas pode ser orgânica, empregando-se 6 litros de esterco de curral curtido, ou 3 litros de esterco curtido de galinha, por cova, ou adubação química, misturando na terra da cova a fórmula NPK (4:14:8) ou outra fórmula comercial disponível, na quantidade de 200 gramas por cova. Deve-se misturar o adubo químico e/ou o orgânico com a parte de cima do solo retirado da cova, colocando essa mistura no fundo e completando com o restante do solo. Ao distribuir as mudas no campo deve-se procurar não repetir espécies iguais lado a lado (Figura10). O plantio deverá ser feito na época das águas, ou seja, entre os meses de novembro a março na região sudeste do Brasil. A Figura 10 mostra como pode ser feito o plantio com as espécies pioneiras e secundárias e um exemplo de recomposição da vegetação visando unir fragmentos de mata ciliar. e) Plantio: as mudas devem ter boas condições de sanidade e altura mínima de 30 centímetros. No plantio, retirar do saco plástico com cuidado, sem destruir o torrão, colocar a planta na cova sobre a porção de terra já com o adubo e, com o resto da mistura, cobrir o torrão compactando a terra ao redor. Caso não chova, deve-se fazer pelo menos uma irrigação por semana no primeiro mês de plantio, e uma a cada duas semanas no segundo. As mudas devem ser amarradas em varetas-guias de bambu com um metro de altura que, além de dar orientação de crescimento, servirão para ajudar na localização das mudas no campo. f) Manutenção do plantio e replantio: a manutenção do plantio se faz executando o coroamento das mudas: roçar um raio de 50 centímetros ao redor da muda, para que não seja sufocada pelo mato. As entrelinhas de plantio também devem ser roçadas quando o mato estiver com altura de 50 centímetros. Após 60 dias do plantio, executa-se o replantio das mudas que morreram, não sendo necessário adubar novamente. g) Adubação de cobertura: após 90 dias do plantio, faz-se a adubação de cobertura distribuindo-se a lanço o adubo químico em torno da planta, evitando-se a distância de 20 centímetros ao redor da muda. Pode ser usada a formulação NPK (20-00-20), aplicando-se 200 gramas por planta. ESPÉCIE A ESPÉCIE B PIONEIRAS NÃO PIONEIRAS Figura 10. Disposição das pioneiras e secundárias na área de plantio e uma recomposição da vegetação visando unir fragmentos de mata ciliar. Adaptado de Tabai (2002). 17

5.2. Faixa vegetada de interface Recentemente, uma nova corrente de pesquisa tem apontado para a implantação de uma faixa vegetada cumprindo a função de interface (Figura 7) entre a área vegetada da APP e a área de cultivo de contorno, que pode ser constituída por vegetação nativa desenvolvida naturalmente. Esta interface teria a função de proteger a parte periférica da vegetação da APP, diminuindo-se tanto a exposição da APP a defensivos agrícolas e herbicidas, como inibindo o desenvolvimento de plantas indesejáveis, como cipós. Deve apresentar uma largura adequada para a proteção efetiva e que, de preferência, auxilie na contenção do escoamento superficial proveniente dos terrenos situados em cotas superiores. Interfere na definição da largura o tipo e a intensidade das práticas culturais executadas na área cultivada de entorno (pulverizações, por exemplo), a declividade do terreno, o potencial de erodibilidade do solo, a intensidade e frequência das precipitações pluviais, as espécies vegetais e a densidade de população. 5.3. Cobertura natural morta Deve ser ressaltado que, a exemplo da parte aérea das plantas, arbóreas ou herbáceas, a cobertura morta exerce a proteção física da superfície do solo, tanto na diminuição da velocidade ou mesmo eliminação do escorrimento superficial, como impedindo o impacto da gota da água da chuva ou irrigação com as partículas da superfície do solo, o que provocaria seu selamento. Segundo Molchanov (1963), as áreas arborizadas contendo boa cobertura morta na superfície sobre um solo bem estruturado apresentam baixo grau de erosão, independentemente de seu declive. 18 5.4. Particularidades da cobertura vegetal nas nascentes 5.4.1. Em nascentes de restrita ou de significativas alterações temporárias de vazão Notadamente em regiões áridas, há nascentes que apresentam vazão restrita: que diminuem significativamente, ou mesmo secam, temporariamente. Para essas condições, o tipo de vegetação circundante pode representar uma preocupação quanto ao consumo que as próprias plantas, no seu processo de evapotranspiração, possam vir a ter do já escasso recurso hídrico. Essa preocupação baseia-se na hipótese de que as plantas, com diferentes profundidades do sistema radicular, tendem a explorar hidricamente diversas profundidades do solo, em diferentes intensidades. Verifica-se na literatura alguma divergência de resultados e conclusões. Lima (1986), ressaltando ser possível a influência da cobertura vegetal sobre o comportamento das nascentes, afirma não ser possível uma conclusão generalizada, uma vez que os fatores envolvidos na origem e no funcionamento de uma nascente são complexos, acrescentando que são poucos os trabalhos relativos aos efeitos da vegetação sobre o fluxo das nascentes. Citando o próprio trabalho realizado em Piracicaba, SP, o autor informa que monitorou a água do solo durante dois anos em povoamentos de Eucalyptus saligna e Pinus caribaea, ambos com seis anos de idade e uma parcela contendo vegetação herbácea natural. Não encontrou diferença marcante no regime da água do solo entre as três coberturas vegetais, embora tenham se observado comportamentos relativos alternados entre os tratamentos em diferentes épocas do ano. Cita que comparações similares entre espécies arbóreas e herbáceas, com a mesma tendência de resultados, foram obtidas por pelo mesmo autor e outros. Em Lima (1996), o mesmo autor afirma que, em condição