O PROJETO PARALELA - ROMPENDO FRONTEIRAS E A BUSCA PELA EFETIVIDADE DA LEI MARIA PENHA NA COMARCA DE CORUMBÁ/MS Maria Angélica Biroli Ferreira da Silva 1 Emilly Ferreira da Silva Sakurai 2 RESUMO: O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre a efetividade da Lei Maria da Penha e o seu papel jurídico-social no combate a violência doméstica por meio do Projeto Paralelas Rompendo Fronteiras, convenio firmado em novembro de 2016, entre o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul (6ª Promotoria de Justiça de Corumbá), o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (2ª Vara Criminal de Corumbá) e o Município de Corumbá, e tem como escopo buscar romper o ciclo de violência domestica, familiar e intima de afeto. Palavras-chave: direitos humanos da mulher; Lei Maria da Penha; efetividade; Projeto Paralelas-Rompendo Fronteiras Grupo de Trabalho 5. Fundamentos teóricos e contemporaneidade dos Direitos Humanos Problema da Pesquisa: O presente trabalho aborda os direitos fundamentais da mulher e seu desenvolvimento ao longo direito constitucional brasileiro, até o advento da lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que completou 10 anos em 2016, e nesse contexto, centra-se, notadamente, na busca pela sua efetividade jurídico-social através da implantação na Comarca de Corumbá/MS do Projeto Paralelas Rompendo Fronteiras. O projeto tem por escopo romper o ciclo de violência doméstica, familiar e intima de afeto, através de um acompanhamento humanizado, oferecido de forma compulsória ao agressor numa perspectiva reflexiva e responsabilizante, permitindo, assim, uma mudança de comportamento nos relacionamentos a partir do acompanhamento e orientação de profissionais técnicos especializados, mediante dialogo e o relacionamento interpessoal. Objetivo Objetivou-se com o presente estudo apurar a efetividade da Lei Maria da Penha à luz da implantação na Comarca de Corumbá do Projeto Paralelas-Rompendo Fronteira que impõe ao agressor a participação em reuniões que visam uma mudança de comportamento a partir da sua conscientização. 1 Professora Mestre do Curso de Direito da UFMS-Campus do Pantanal 2 Graduanda do Curso de Direito do Curso de Direito da UFMS-Campus do Pantanal
2 Referencial Teórico metodologia: Na lição de Barroso (2014, p. 231) Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição a norma constitucional do status de norma jurídica. A Constituição deixou de ser apenas uma Carta Política, e passou a atuar como centro gerador das normas jurídicas do Estado, a ocupar o espaço de Lei Maior do Estado. Sarlet, Marioni e Mitidiero (2016, p. 198) salientam que os dispositivos constitucionais são parâmetro para a interpretação, integração e aplicação das demais normas jurídicas, influenciando, nesse sentido, toda a ordem jurídica, ademais de implicarem um dever de interpretação conforme a Constituição. Ainda seguindo o pensamento de Barroso (2014, p. 233), em sendo a Lei Maior do Estado brasileiro à Constituição de 1988 está imbuída uma série de características singulares, dentre elas destacamos a superioridade jurídica e a efetividade. Lecionam Sarlet, Marioni e Mitidiero (2016, p. 193): A efetividade das normas constitucionais diz respeito, portanto, a pretensão de máxima realização, no plano da vida real, do programa normativo abstratamente estabelecido (embora tal programa normativo seja ele próprio fruto de uma articulação com o mundo dos fatos, da economia, dos movimentos sociais etc.), em outras palavras, como também pontua Luís Roberto Barroso, ao processo de migração do dever ser normativo para o do plano do ser da realidade social. Apelidada de Constituição Cidadã pelo Deputado Constituinte Ulisses Guimaraes, a Constituição Federal de 1988, também inova ao positivar uma série de Direitos Fundamentais e dispõe logo em seu art. 1º, inciso III, a Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do Estado Brasileiro. Como leciona Sarlet (2009, p. 69), o constituinte de 1988, de forma clara e inequívoca outorgou aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a nossa ordem constitucional, e assim, os direitos fundamentais passaram a ser considerados como núcleo essencial da nossa Constituição Federal de 1988. Como já mencionado, a Constituição Federal de 1988, tratou de positivar uma série de Direito Fundamentais tendo como fundamento maior o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Vários desses direitos fundamentais estão concentrados no art. 5º, mas não fechados num rol taxativo, sendo assim, encontramos vários dispositivos que versam sobre direitos fundamentais além dos enunciados no art. 5º. Dessa forma, invocamos o art. 226, 8 da Constituição Federal para inaugurarmos a primeiras falas acerca da Lei Maria da Penha. O artigo em debate está localizado no Titulo VIII, que trata da Ordem Social, e no Capítulo VI, que dispõe de várias normas programáticas acerca da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso. O 8º, do art. 226, da Constituição Federal dispõe que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Bastos (2002, p 790), enfatiza que O importante é reter a ideia de que a nossa Constituição vela pela integridade da família na pessoa de cada um de seus integrantes, criando até mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
3 A Constituição Federal de 1988 elenca como objetivos da Republica Federativa do Brasil, a realização da justiça social, a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3o, I a IV, da Constituição Federal). Não há como se falar em justiça social sem erradicar a discriminação e a violência contra as mulheres e a família. (Fernandes, p. 40) Fernandes (2015, p. 40) salienta ainda, que, no âmbito das relações de gênero e das relações familiares, a Constituição Federal prevê a igualdade entre homens e mulheres (art. 5o, I, da Constituição Federal) e a família como base da sociedade, com proteção do Estado. Na Constituição Federal de 1988, previu-se, expressamente, a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações (art. 5o, I), rompendo-se, assim, pelo menos, no tocante a igualdade formal, como o sistema patriarcal que imperava no ordenamento jurídico pátrio. Em 2006, foi sancionada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. A Maria da Penha era uma farmacêutica, casada com um professor universitário. Após anos de violência domestica, foi vitima de duas tentativas de homicídio praticadas por seu marido e ficou paraplégica em 1983. Houve dois julgamentos pelo Tribunal do Júri, mas o agressor de Maria da Penha somente foi preso em 2002 e cumpriu dois anos de pena. Fernandes, p. 16) Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ficou clara a falta de compromisso do Brasil, país signatário de tratados internacionais sobre defesa de Direitos da Mulher, quanto à eficiência dos procedimentos policiais e jurídicos para reagir de forma adequada à violência doméstica, uma vez que as providências tomadas não eram providas de praticidade e de efeitos positivos, causando, por vezes mais dores às vitimas que recorriam ao Poder Judiciário no intuito de ver solucionado um problema tão delicado, por ter origem no ambiente familiar, e ao mesmo tempo em que causa tanta dor as suas vitimas. (OLIVEIRA, Elisa Rezende e CAMACHO, Henrique, 2012, 98-99). No caso da Maria da Penha o Brasil foi condenado a pagar vinte mil dólares de indenização tendo por base o descumprimento do art. 7º da Convenção de Belém do Pará e dos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, fato que gerou além da condenação em dinheiro a Maria da Penha, um dever de reformular todo o sistema processual vigente voltado à defesa das vitimas de violência doméstica. (OLIVEIRA, Elisa Rezende e CAMACHO, Henrique, 2012, 98-99). Na busca pela efetividade da Lei Maria da Penha, após dez anos de sua promulgação e de um olhar, quase, exclusivamente, voltado às vitimas da violência doméstica, a rede de proteção à mulher vitima de agressão passou a considerar que o agressor também precisava fazer parte desse processo e não apenas como agente ativo da agressão e merecedor de uma punição por parte do Estado. O agressor recebia do Poder Publico a condenação ao fim do processo ou, durante o curso do mesmo, lhe eram impostas medidas restritivas como, por exemplo, o afastamento do lar. Todavia pelos números aferidos a cada ano era visível que havia uma falha quanto à efetividade da Lei no combate e prevenção da violência doméstica e familiar, com a clara percepção de que a Lei não estava, de fato, cumprindo o seu papel.
4 A partir dessa percepção, depois de dez anos de vigência da Lei Maria da Penha, a rede de proteção sentiu a necessidade de ampliar o foco de visão e passou a considerar que não era somente a mulher que era vitima da agressão, mas também a sua família, a Lei estava tendo um papel, na maioria das vezes, apenas paliativo, já que cuidava apenas dos sintomas e não das causas. Partindo dessa premissa verificou-se a necessidade de mudar a forma como vinha sendo tratado o agressor, passando a considerá-lo, não somente como sujeito ativo de um delito e merecedor de receber a sua punição, mas também de receber ajuda psicossocial numa perspectiva reflexiva e responsabilizante de seus atos. Com o intuito de tornar a Lei Maria da Penha mais efetiva no seu papel de combate e prevenção à violência doméstica e familiar que foi firmando em novembro de 2016, um convenio entre o Ministério Publico, o Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul e a Prefeitura de Corumbá para atender aos agressores que por meio de uma medida imposta pela 2ª Vara Criminal de Corumbá são obrigados a frequentar durante cinco semanas, sendo uma reunião por semana, um grupo formado por psicólogos e assistentes sociais, bem como um operador do direito com o objetivo de levar esses agressores a refletir sobre seus atos, permitindo a eles uma mudança de comportamento em seus relacionamentos. Conforme Convênio de Cooperação Técnica firmado com base na Lei 8.666/93 e suas alterações pelo Decreto n. 11.261 de 16 de junho de 2003, Processo n. PGJ/10/3619/2016, o Projeto desenvolve encontro semanais para os grupos de homens agressores, contra os quais foi aplicada medida protetiva, abordando temas como gênero, família, violência, sentimento, machismo, alcoolismo, resolução de conflitos dentre outros. Após a abordagem desses temas será realizado um intervalo de 30 dias, para se avaliar o impacto do trabalho para os participantes. O presente estudo foi realizado em Corumbá, Mato Grosso do Sul, promovendo-se levantamento de dados perante o Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal, Polícia rodoviária Federal, bem como perante a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho local, além pesquisa bibliográfica. O presente estudo foi realizado em Corumbá, Mato Grosso do Sul, promovendo-se levantamento de dados perante o Ministério Público e Poder Judiciário do Mato Grosso do Sul, Prefeitura Municipal de Corumbá e revisão bibliográfica. Resultados Alcançados: O Projeto Paralelas - Rompendo Fronteira vem sendo realizado desde março de 2017, encontra-se na quarta turma, tendo sido finalizada a ultima turma em julho de 2017. O comparecimento do agressor de violência doméstica é obrigatório, por determinação do Juiz da 2ª Vara Criminal de Corumbá, com base no art. 152, único, da Lei de Execução Penal quando se trata de agressores já condenados e nos termos do art. 22, 1º e 4º da Lei Maria da Penha em caso de medida protetiva. Referencia bibliográfica: BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo Os Conceitos Fundamentais E A Construção Do Novo Modelo. 2- edição. São Paulo. Saraiva, p. 231, 233. 2010.
5 BASTOS, Celso Ribeiro de Bastos. Curso de Direito Constitucional. Editora Celso Bastos. São Paulo. p. 790. 2002; FERNANDES, Valéria Dies Scarance. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no caminho da efetividade. Tese. Doutorado em Processo Penal. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP, 2013. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6177/1/valeria%20diez%20scarance%20ferna ndes.pdf. OLIVEIRA, Elisa Rezende e CAMACHO, Henrique. Lei Maria da Penha e Política Criminal: Uma constante luta em prol da efetivação dos direitos humanos das mulheres., 2012, p. 98-99. Ed. 9, Revista do Laboratório de Estudos da Violência e Segurança. Unesp/Marilia/SP, 2012. Disponível em: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/view/2239 PIOVEZAN, Flavia. Temas de Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2014. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7ª ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado. p. 69. 2009. SARLET, Ingo, MARIONINI, Luiz Guilhermo, Mitiero Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. ampl., incluindo novo capítulo sobre princípios fundamentais São Paulo. Saraiva, p. 193, 198. 2015;