MODELAGEM MATEMÁTICA PARA APOIO À ELABORAÇÃO DE MAPAS DE PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA DE INUNDAÇÕES Matheus Martins de Sousa 1 * & Osvaldo Moura Rezende 2 & Luiza Batista de França Ribeiro 3 & Ana Caroline Pitzer Jacob 4 Resumo Desde a publicação do Estatuto da Cidade, a gestão urbana exige que o desenvolvimento das cidades brasileiras seja norteado por um Plano Diretor Urbano, que deve apresentar, entre outras coisas, as leis de macrozoneamento e zoneamento do espaço, identificando e incentivando os principais usos potenciais de cada localidade do município. Um importante zoneamento para a gestão do risco de desastres naturais refere-se ao zoneamento das áreas inundáveis, que deve ser feito a partir de um estudo do comportamento das cheias fluviais nas bacias hidrográficas do município. Uma das formas mais usuais de realizar este estudo é com o auxílio de modelagem hidrológico-hidrodinâmica. A partir do estudo das cheias fluviais, resultantes de chuvas com diferentes tempos de recorrência, pode ser gerado um mapa de probabilidade de inundação onde são indicadas as áreas susceptíveis a inundações e a probabilidade de ocorrência em cada área. Nesse artigo foi elaborado um mapa de probabilidade de inundação para um terreno onde existe um empreendimento de alto valor econômico, com objetivo de conhecer os riscos a que cada área está exposta. Esse mapa possibilita uma melhor gestão da área do empreendimento, indicando os locais mais adequados para construções que não podem ser alagadas. Palavras-Chave mapeamento de inundações, modelagem matemática, MODCEL. FLOODING OCCURRENCE PROBABILITY MAP SUPPORTED BY MATHEMATICAL MODELLING Abstract Since the publication of City Statute the urban management requires an Urban Master Plan to guide development of Brazilian cities. This Urban Plan shall present, among other things, the laws of macro zoning and zoning of urban space, identifying and encouraging major potential uses of each municipal locality. An important zoning for natural disaster risk management refers to flooded areas, which is based in a study of river flooding in the municipality. The common way of performing this study is using hydrological-hydrodynamic modeling. The study of floods resulting from storms with different recurrence times allows one to elaborate flooding OCCURRENCE PROBABILITY maps, which indicates the susceptible flooding areas and the probability of occurrence on each one. A flooding probability map for a high-value industrial area was elaborate for this article, in order to know the risks that each local inside and around the industry is exposed. This map allows better management of the industrial area, indicating the most suitable locations for buildings that are sensitive to flood. Keywords flood mapping, cell modelling, MODCEL. 1 AquaFluxus Consultoria Ambiental em Recursos Hídricos matheus@aquafluxus.com.br 2 AquaFluxus Consultoria Ambiental em Recursos Hídricos omrezende@aquafluxus.com.br 3 AquaFluxus Consultoria Ambiental em Recursos Hídricos luiza@aquafluxus.com.br 4 AquaFluxus Consultoria Ambiental em Recursos Hídricos caroline@aquafluxus.com.br XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1
INTRODUÇÃO Desde a publicação do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) a gestão urbana exige que o desenvolvimento das cidades brasileiras seja norteado por um Plano Diretor Urbano, principal instrumento de planejamento municipal, o qual define as diretrizes da atuação do poder público e da iniciativa privada na construção dos espaços urbano e rural, na oferta de serviços públicos essenciais, visando assegurar melhores condições de vida para a população. Dentro do Plano Diretor Urbano, devem ser apresentadas leis de macrozoneamento e zoneamento do espaço, identificando e incentivando os principais usos potenciais de cada localidade do município. Um importante zoneamento para a gestão do risco de desastres naturais refere-se ao zoneamento das áreas inundáveis. O zoneamento das áreas de inundação deve ser feito a partir de um estudo do comportamento das cheias fluviais nas bacias hidrográficas do município. Esse estudo pode ser feito a partir de marcas históricas de inundações, mas, como a sistematização da coleta e armazenagem de dados históricos nem sempre é realizada com a devida atenção, é, geralmente, realizado um estudo com auxílio de modelagem hidrológico-hidrodinâmica das bacias, com uso de modelos computacionais. Um estudo mais completo, considerando cenários de simulação com eventos hidrológicos com diferentes tempos de recorrência, pode fornecer importantes informações para um programa de gestão de risco para as cidades e até mesmo para empreendimentos privados, que desejam proteger suas instalações e precisam saber até que ponto valerá a pena investir em obras para o controle das inundações. A partir do estudo das cheias fluviais, resultantes de chuvas com diferentes tempos de recorrência, pode ser gerado um mapa de probabilidade de inundação. Nesse mapa são indicadas as áreas susceptíveis a inundações e a probabilidade de ocorrência para cada área. Esse mapa pode ser utilizado para hierarquizar diferentes usos do solo para cada região da bacia, considerando a probabilidade que ela poderá ser inundada. Nos casos de empreendimentos privados, o mapa possibilita a indicação dos locais mais adequados para uso mais nobres, como construções que não podem ser alagadas, para armazenagem de produtos de alto valor ou que não podem sofrer interrupção de funcionamento. O cruzamento da informação da probabilidade de inundação com o valor do material exposto poderá ser utilizado para mensurar se uma intervenção de controle de inundação terá benefício em termos econômicos. Nesse artigo foi elaborado um mapa de probabilidade de inundação para um terreno onde existe um empreendimento de alto valor econômico, com objetivo de conhecer os riscos a que cada área do empreendimento está exposta. Para isso, foi construído um modelo hidrodinâmico das bacias onde está localizado o empreendimento e simulados diferentes cenários de cheias fluviais. Com os resultados, foram elaborados mapas de inundação para cada cenário, sobrepondo-os em um mesmo mapa com a indicação da probabilidade de ocorrência de cada evento, em um horizonte de 50 anos. ÁREA DE ESTUDO O local do estudo está situado logo na Estrada dos Bandeirantes, entre duas importantes bacias da região, afluentes da Lagoa de Jacarepaguá. A área do empreendimento possui aproximadamente 85.491m² e sua localização pode ser vista na Figura 1. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2
Figura 1 Localização do empreendimento entre dois importantes rios. METODOLOGIA Inicialmente, foi realizado estudo hidrológico para definir os padrões de chuvas intensas na região de interesse, onde está localizado o empreendimento, possibilitando a estimativa de vazões de cheia decorrentes de eventos pluviométricos com frequências (tempos de recorrência) prédefinidas. Para o presente caso, são utilizados os tempos de recorrência de 2, 10, 25, 50 e 100 anos. O estudo é elaborado a partir das características físicas da região, como relevo, cobertura vegetal e uso do solo, além de características hidráulicas e dados hidrológicos existentes. As informações hidrológicas necessárias são séries históricas de chuva medidas na região, que possibilitam a elaboração de relações intensidade-duração-frequência (IDF) para as precipitações, podendo haver equações elaboradas em estudos precedentes. Para a região do estudo, foram utilizados os dados hidrológicos do Posto Pluviométrico Barra/Rio Centro, localizado aproximadamente nas coordenadas 22 58'52"S e 43 24'18"O, operado pela GEO-RIO. As informações físicas da bacia foram obtidas através da observação de imagens de satélite do software Google Earth, de cartas topográficas do IBGE e levantamento aerofotogramétrico da região de Jacarepaguá na escala 1:2.000. O valor da porcentagem da bacia com cobertura vegetal foi estimado com base no mapeamento do uso e cobertura do solo no estado do Rio de Janeiro. Após levantamento dessas informações, foram estimados os tempos de concentração das duas bacias de interesse, com uso da Equação de George Ribeiro. Assim, os tempos de concentração estimados foram de 71 minutos para a menor bacia e 126 minutos para a maior. Por fim, foi adotada uma duração de 140 minutos para as chuvas de projeto, compatível com o maior tempo de concentração das duas bacias em estudo. Com esses dados, o resultado final do XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3
cálculo das intensidades das chuvas de projeto, com duração de 140 minutos, é apresentado na Tabela 1. Tabela 1 Chuvas de projeto, estimadas através de série histórica de precipitações. Tempo de Recorrência (anos) 2 10 25 50 100 Intensidade da chuva (mm/h) 27,52 52,32 64,81 74,08 83,27 Altura Total da Chuva (mm) 64,20 122,09 151,23 172,84 194,30 As chuvas de projeto foram distribuídas temporalmente pela aplicação do Método dos Blocos Alternados (CHOW et al., 1988), sendo o resultado final apresentado na Figura 2. Figura 2 Hietogramas de projeto MODELAGEM MATEMÁTICA Foi realizada modelagem matemática para avaliação do funcionamento hidrodinâmico dos rios, considerando os trechos vizinhos à área do empreendimento, de forma a se avaliar situações de extravasamento da calha principal desses rios com possíveis alagamentos no interior do terreno. Para essa avaliação, foi utilizado o Modelo de Células de Escoamento, MODCEL (MIGUEZ, 2001), desenvolvido na UFRJ. O MODCEL é uma ferramenta robusta de modelagem hidráulicohidrológica utilizada para a análise do comportamento da bacia e de intervenções de controle de cheias, que permite a determinação do nível da água para toda a região modelada. O cálculo das vazões de projeto das bacias localizadas a montante da região modelada com o MODCEL foi realizado por meio de ferramenta de modelagem tipo chuva-vazão, o Sistema HIDROFLU para Auxílio a Projetos de Drenagem, também desenvolvido na UFRJ (MAGALHÃES XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4
et al, 2005). O HIDROFLU tem sua estrutura de cálculo baseada: no Cálculo do Tempo de Concentração; na Elaboração da Chuva de Projeto; na Separação da Chuva Efetiva; e na Determinação do Hidrograma de Projeto. Além disso, a ferramenta apresenta um módulo para dimensionamentos expeditos de estruturas hidráulicas, como canais e reservatórios. Primeiramente, essa fase visa compreender o funcionamento do sistema de drenagem local, considerando a situação atual do sistema de macrodrenagem. Esse diagnóstico possibilita a análise das interferências existentes e dos níveis máximos alcançados durante eventos de cheia dos rios. O risco de inundação do terreno do empreendimento é definido a partir dos tempos de recorrência dos eventos hidrológicos de 2, 10, 25, 50 e 100 anos. Os resultados permitem definir o padrão do comportamento hidrodinâmico dos cursos d água durante eventos de chuvas intensas, definindo áreas de maior risco às inundações a partir dos resultados de níveis d água ao longo dos dois rios, na região do empreendimento. A partir das informações topográficas, a bacia é subdividida em células de escoamento, que, interligadas entre si por equações hidráulicas, simulam o funcionamento da bacia durante eventos de cheias fluviais. O modelo completo possui 53 células de escoamento, dentre elas, 35 células representam as planícies e 18 células representam os rios. Os canais foram representados no modelo desde a foz na lagoa de Jacarepaguá até seção à montante do empreendimento. Essa configuração permite considerar a influência do nível d água da lagoa no perfil de linha d água dos rios. A divisão em células pode ser vista na Figura 3, assim como as condições de contorno do modelo hidrodinâmico, referentes às bacias de contribuição. Os dados topobatimétricos de trechos dos rios, próximos ao empreendimento, foram obtidos de um levantamento de campo, composto por seções transversais aos leitos fluviais. Figura 3 Discretização da região a ser modelada em células de escoamento. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5
Cota (m) Estrada dos Bandeirantes Cota (m) Estrada dos Bandeirantes RESULTADOS DA MODELAGEM Após as simulações dos cenários hidrológicos, foram avaliados os níveis d água ao longo dos rios estudados e as cotas de alagamento onde havia extravasamento de água para as planícies. As envoltórias de níveis d água máximos foram obtidas para os diversos tempos de recorrência, conforme apresentado na Figura 4 e na Figura 5, para cada um dos rios vizinhos ao empreendimento. 7.0 NA máx - TR2 Empreendimento 6.0 NA máx - TR10 5.0 NA máx - TR25 NA máx - TR50 4.0 NA máx - TR100 3.0 Perfil de fundo 2.0 1.0 0.0-1.0 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 Distância (m) Figura 4 Envoltória de níveis d água máximos paras os diversos TRs no rio do Norte. 8.0 7.0 NA máx - TR2 NA máx - TR10 Empreendimento 6.0 5.0 4.0 NA máx - TR25 NA máx - TR50 NA máx - TR100 Perfil de fundo 3.0 2.0 1.0 0.0-1.0 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Distância (m) Figura 5 Envoltória de níveis d água máximos paras os diversos TRs no rio do Sul. CÁLCULO DO RISCO DE INUNDAÇÕES A definição de risco possui inúmeras formas, de acordo com o objeto em análise. Segundo Zonensein (2007) o risco pode assumir os seguintes conceitos: No âmbito da estatística, o risco costuma ser usado como sinônimo da probabilidade de um evento indesejável. Do ponto de vista econômico, o risco é entendido como a variabilidade ou volatilidade inesperada do retorno financeiro, ou como a possibilidade de um investimento perder seu valor. No campo da engenharia, o risco está relacionado tanto à probabilidade de ocorrência de um evento, quanto à expectativa de perdas causadas por ele. (ZONENSEIN, 2007) XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6
Em estudos de risco de desastres naturais, considera-se a definição que leva em conta tanto a probabilidade da ocorrência de um evento, quanto os possíveis impactos negativos oriundos desse evento. A componente relativa à probabilidade de ocorrência do evento está relacionada ao tempo de recorrência do evento (TR), que, por sua vez, relaciona-se com a frequência que um evento pode ser igualado ou superado em um dado ano. O planejamento para gestão do risco deve considerar diferentes períodos de tempo, dependendo do valor a ser segurado. Eventos com baixo tempo de recorrência tendem a provocar menores danos, enquanto eventos com maiores tempos de recorrência têm potencial para causar grandes prejuízos. A probabilidade de um evento com um tempo de recorrência específico acontecer em um determinado período de tempo é calculada pela seguinte equação (1): (1) Onde: Probabilidade de ocorrência do evento TR Tempo de recorrência (anos) Número de anos do período em análise Dessa forma, podemos calcular as probabilidades de ocorrência dos eventos hidrológicos em análise neste estudo, com tempos de recorrência de 2, 10, 25, 50 e 100 anos, para diferentes períodos de tempo. A Tabela 2 apresenta essas probabilidades. Tabela 2 Probabilidades de ocorrência dos eventos hidrológicos em estudo. TR Probabilidade de que o evento seja igualado ou exercido pelo menos uma vez em um período em anos de: (anos) 2 10 25 50 100 2 0,97 1,00 1,00 1,00 1,00 10 0,41 0,65 0,93 0,99 1,00 25 0,18 0,34 0,64 0,87 0,98 50 0,10 0,18 0,40 0,64 0,87 100 0,05 0,10 0,22 0,39 0,63 A segunda componente do cálculo do risco, relativa à potencialidade de danos possíveis de um evento, deve levar em consideração diversos fatores. No caso das inundações, esses fatores são a profundidade de alagamento e a velocidade dos fluxos de água, além dos valores expostos à inundação. Para o presente estudo, foram estimados apenas as probabilidades de ocorrência de inundações nas áreas internas da área de estudos, não havendo acesso a informações sobre bens expostos. Porém, a indicação das áreas mais vulneráveis às inundações e as probabilidades de ocorrência dos alagamentos já fornecem informações suficientes para a elaboração de diretrizes de gestão de riscos para o empreendimento analisado, no que se refere às inundações fluviais. Para um horizonte de 50 anos, foi elaborado um mapa de probabilidades de ocorrência de inundações na área interna do empreendimento. Esse mapa é apresentado na Figura 6. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7
Empreendimento Figura 6- Mapa de probabilidade de ocorrência de inundações, para um horizonte de tempo de 50 anos. CONCLUSÃO A realização desses estudos para uma cidade poderia fornecer informações imprescindíveis para a definição das estratégias de ocupação das bacias, definindo e hierarquizando regiões do município de acordo com o risco a que estão expostas e, ainda, indicando os prováveis benefícios de obras de controle de inundações, conforme o valor das áreas que protegerão. BIBLIOGRAFIA BRASIL (2001). Estatuto da Cidade. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília. CHOW, V. (1988), Applied Hydrology, McGraw Hill. MAGALHÃES, P. C.; COLONESE, B. L.; BASTOS, E. T.; MASCARENHAS, F. C. B.; MAGALHÃES, L. P. C.; MIGUEZ, M. G. (2005). Sistema HIDRO-FLU para apoio a Projetos de Drenagem in Anais do XVI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, João Pessoa, Novembro 2005. MIGUEZ, M. G. (2001) Modelo Matemático de Células de Escoamento para Bacias Urbanas. Tese de Doutorado, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro RJ. ZONENSEIN, J. (2007), Índice de Risco de Cheia como Ferramenta de Gestão de Enchentes, Dissertação de Mestrado, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro RJ. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8