GÊNERO, GERAÇÃO E TAREFAS ACADÊMICAS: investigando os docentes-pesquisadores dos programas de pósgraduação

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Transcrição:

GÊNERO, GERAÇÃO E TAREFAS ACADÊMICAS: investigando os docentes-pesquisadores dos programas de pósgraduação brasileiros 1 INTRODUÇÃO Gilda Olinto (IBICT) gilda@ibict.br Jacqueline Leta (UFRJ) jleta@bioqmed.ufrj.br EIXO TEMÁTICO: Sociologia da Ciência MODALIDADE: Apresentação oral No Brasil, assim como em muitos países, as mulheres, apesar de mostrarem desempenho semelhante ou superior ao dos homens na escola fundamental e média, e apesar de estarem em maioria nos cursos universitários, entram em pequenas proporções em alguns campos do conhecimento (RISTOFF, 2007; EUROPEAN COMMISSION, 2013). Como essas diferenças de gênero se estabelecem e se consolidam no campo da ciência é tema que tem sido tratado por cientistas sociais, por organizações internacionais voltadas para a promoção de igualdade de oportunidades para as mulheres como UNESCO, OCDE - e também pela Cientometria. Entre as reflexões teóricas e evidências empíricas destacam-se aquelas que indagam sobre as desvantagens da mulher geradas pelas tarefas em que ela se envolve fora do ambiente científico, ligadas aos afazeres domésticos e à maternidade, tarefas essas que podem ter impacto no trabalho, como menor oportunidade de colaborar, menor produção científica, etc. As evidências neste sentido são, no entanto, controversas (FOX, 2005). A literatura internacional também destaca que o ambiente da ciência é desvantajoso para as mulheres em diversos outros aspectos, tais como: têm mais dificuldade de galgar os postos de maior prestígio, chegando, em menor proporção do que os homens, ao topo da carreira (SCHIENBINGER, 2001; UNESCO, 2007; EUROPEAN COMMISSION, 2013) e elas sofrem mais discriminação quando são submetidas a avaliações pelos pares (WENNERÅS; WOLD, 1997; BORNMANN; MUTZ; DANIEL, 2007). Essas evidências e reflexões sugerem o uso do conceito de capital científico de Bourdieu como referencial teórico para analisar e mensurar as diferenças de gênero nas atividades científicas (BOURDIEU, 2003; LETA; MARTINS, 2007). Segundo este 1 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 1

autor, o capital científico é o reconhecimento e o prestígio atribuído a membros de um determinado campo científico, capital este que não advém apenas do desempenho das tarefas científicas, mas também da dinâmica social, dos jogos de poder inerentes ao campo científico. Embora Bourdieu não tenha utilizado o conceito para o estudo das mulheres no campo científico, esse conjunto de mecanismos, que determinaria a desvalorização da mulher na ciência, se adéqua perfeitamente ao conceito de capital científico de Bourdieu aplicado à questão da mulher nesta atividade: trata-se de disposições, hábitos e preconceitos enraizados e jogos de poder que atuam no ambiente científico afetando negativamente as oportunidades, o desempenho em diversas tarefas e a produtividade da mulher na carreira científica. O capital científico, segundo Bourdieu, se divide em dois tipos: o puro e o institucionalizado, sendo o primeiro o resultado de produtos científicos objetivos, sobretudo publicações; enquanto que o segundo envolve o aspecto burocrático e político, sendo mais sensível às relações sociais, aos contatos estratégicos e outros condicionamentos socioculturais que afetam o campo científico. O capital puro estaria mais imune a essas influências. Em consonância com essas reflexões e evidências sobre as diferenças de gênero no campo científico, a hipótese proposta em estudo anterior foi a de que às mulheres são, em maior proporção, destinadas a tarefas acadêmicas menos valorizadas, especialmente aquelas que refletem mais de perto o capital científico puro (como trabalhos em congressos e artigos em periódicos), mas também o capital científico institucionalizado (liderança de projetos de pesquisa e participação em bancas) (LETA et al. 2013). Os resultados obtidos para a população de mais de 52 mil docentespesquisadores brasileiros, entretanto, não reforçaram a hipótese: às mulheres e homens são atribuídas equilibradamente tanto as tarefas menos valorizadas - aulas na graduação, orientação de monografias na graduação, aulas na pós-graduação - assim como as tarefas mais valorizadas orientação na pós-graduação, liderança de projetos e participação em bancas. A partir dos resultados apresentados por Leta et al (2013) surgiram questões complementares, tal como: será que tempo de formação dos docentes pesquisadores tem impacto nas tarefas acadêmicas e na produtividade? Partindo desta questão motivadora, o objetivo deste trabalho é identificar em que medida o envolvimento de docentespesquisadores, homens e mulheres, nas diferentes tarefas acadêmicas são influenciadas 2 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 2

pelo tempo de formação. Formulam-se, então, hipóteses: docentes pesquisadores, homens e mulheres, formados há mais tempo tenderiam a desempenhar as tarefas mais valorizadas relacionadas ao capital científico institucional, mas sobretudo aquelas referentes ao capital científico puro. Para as mulheres formadas há mais tempo, é possível imaginar que carregariam também, mais pesadamente, a herança histórica das diferenças de gênero na ciência. As mais novas, entretanto, sofreriam menos o efeito dessa herança histórica e, desta forma, mostrariam alguns tipos de vantagens sobre as mais antigas, com relação ao desempenho de tarefas mais valorizadas e com relação à produtividade. 2 CARACTERÍSTICAS DOS DADOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS Planilhas de acesso público geradas em EXCEL/Microsoft, contendo informações sobre cada docente dos 2.247 programas de pós-graduação do país, referentes ao ano 2009, foram extraídas do site da CAPES. A base de dados, Docentes -Pesquisadores_2009 (DP_2009), com informações sobre as atividades desenvolvidas pela população de docentes-pesquisadores da pós-graduação brasileira mais de 52.294 indivíduos foi, então, organizada e é utilizada nas análises aqui apresentadas. Para identificar o sexo de cada docente-pesquisador (informação não disponível nos dados da CAPES), um software e uma série de estratégias foram utilizados. Assim, foi possível incluir a variável sexo na base DP_2009 que, uma vez completa, foi convertida numa matriz de dados analisada através do Programa SPSS. No presente estudo consideraram-se as variáveis sexo e tempo de formado (a partir da data de titulação no doutorado) do/a pesquisador/a e buscou-se verificar os seus efeitos sobre o envolvimento dele/a em diferentes tarefas acadêmicas. Tais tarefas foram classificadas numa hierarquia de menor a maior valor acadêmico. Assim, aulas em cursos de graduação, teriam o menor valor e publicação de artigos em periódicos teria o maior valor. As tarefas também se distinguem quanto ao tipo de capital científico: aquelas mais ligadas ao capital científico puro as publicações e aquelas que refletem mais o capital científico institucionalizado, o que seria o caso de participação em bancas, liderança de projetos e orientação de teses. 3 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 3

3 ANÁLISE DOS DADOS A Tabela 1 apresenta as variáveis exógenas - o gênero e o período de titulação do doutorado - considerando as informações obtidas dos 52.294 docentes-pesquisadores da pós-graduação brasileira. Os dados da Tabela 1 mostram que ainda há grande maioria de homens nos programas de pós-graduação e que há uma proporção considerável de profissionais formados no último decênio, ou seja, com menos de dez anos de atuação na pós-graduação (considerando que a data de coleta de dados foi o ano de 2009). Esse fato indica a presença de um corpo de profissionais com formação consideravelmente recente compondo a pós-graduação brasileira. Tabela 1 - Sexo e período do doutoramento dos docentes-pesquisadores dos programas de pós-graduação. Brasil, 2009 Sexo Nº % Doutoramento Nº % Homem 31.033 59,4 Até 1999 29.901 57,2 Mulher 21.182 40,6 2000-2009 22.375 42,8 Total 52.215(a) 100 Total 52.276(b) 100 Fonte: CAPES, 2009 (a) Sem informação = 69; (b) Sem informação = 18. Para, então, observar o efeito do sexo e do tempo de formação no desempenho e/ou envolvimento com diferentes tarefas acadêmicas foi elaborada a Figura 1. Os dados desta Figura revelam semelhança no envolvimento de homens e mulheres em quase todas as tarefas acadêmicos das duas coortes de tempo consideradas. A comparação entre os dois momentos mostra diferenças sutis no desempenho de docentes-pesquisadores com mais tempo na carreira e os mais jovens: os primeiros tendem a se envolver menos com as tarefas de menor prestigio, especialmente com a orientação de estudantes da graduação, mas, por outro lado, mostram maior envolvimento com tarefas com maior capital científico, especialmente a publicação de artigos. Também quando analisamos a diferença entre homens e mulheres, observamos diferenças sutis no envolvimento com as tarefas. A variável que mostra maior diferença entre os gêneros é a apresentação de trabalhos em congresso, característica que se mantém ao longo do tempo: os cientistas do sexo masculino mais jovem, assim como os mais velhos, estão presentes nesta atividade em maior proporção que as mulheres. 4 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 4

Considerando que este tipo de publicação demanda frequentemente uma viagem a outro estado ou ao exterior e distanciamento do lar, é possível que o envolvimento menor das mulheres nesta tarefa, o que independente do tempo de formação, seja consequência das tarefas domésticas que ela assume: a de cuidadora da casa e dos filhos. Assim, deixam de participar destes eventos e, consequentemente, têm menor desempenho nesta tarefa, que tem sido considerada fundamental para a formação de contatos acadêmicos, e que podem afetar a visibilidade acadêmica, assim como as perspectivas de formação e participação em grupos de pesquisa e outros aspectos da carreira científica. A média de produção de artigos de homens e mulheres é semelhante nos dois períodos de tempo. Chama atenção, entretanto, que a produção de artigos científicos e a participação em congressos com trabalhos completos, para ambos os sexos, são substancialmente menores entre a coorte formada mais recentemente. Convém destacar que este tipo de produção científica é o mais valorizado pelas agências de fomento, e aqui considerado como indicadores do capital científico mais genuíno ou puro. Figura 1 Média de tarefas acadêmicas, segundo período de formação e sexo dos docentes-pesquisadores da pós-graduação. Brasil, 200 5 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 5

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo buscou verificar a complementaridade do efeito tempo sobre as diferenças de gênero, nas tarefas acadêmicas dos docentes-pesquisadores da pósgraduação. As análises empreendidas, tomando como indicadores as médias de diversas tarefas, não indicam alterações substanciais nessas diferenças, sugerindo que as pequenas diferenças anteriormente observadas permanecem ao longo do tempo. A variável que anteriormente apresentou maiores diferenças de gênero permanece a mesma: apresentação de trabalhos em congresso, uma atividade em que os homens sobressaem. Já a produção de artigos em periódicos permanece semelhante para homens e mulheres ao longo do tempo. Conjetura-se aqui que a apresentação de trabalho em congresso, embora menos valorizada pelas agências de fomento, tem um efeito de trazer maior visibilidade acadêmica, com eventuais efeitos positivos para a carreira científica. O maior destaque das análises advém do exame da simples relação entre o tempo de formação dos pesquisadores e as suas atividades acadêmicas e da originalidade e amplitude do conjunto de dados obtido da CAPES, que dispõe de indicadores das diversas atividades que caracterizam esses profissionais, envolvendo tanto tarefas desempenhadas na graduação quanto na própria pós-graduação, assim como dimensões da produção científica. De certa maneira, esses dados abrem alguns aspectos da caixapreta dos indicadores científicos (MARICATO; NORONHA, 2013) e permitem a identificação das diversas atividades desenvolvidas pelos docentes-pesquisadores dos programas de pós-graduações brasileiros, que representam a maior parte da ciência do pais. Desta forma, é possível visualizar aspectos da dinâmica interna das organizações, incluindo aspectos da dinâmica interna e da gestão da atividade científica. AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que financiou este projeto e a Pablo Batista, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, responsável pela organização e estruturação da base de dados DP_2009. REFERÊNCIAS BORNMANN, L.; MUTZ, R.; DANIEL, HD. Gender differences in grant peer review: A meta-analysis. Journal of Informetrics, v. 1, n. 3, p. 226 238, 2007. 6 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 6

BOURDIEU, P. Os_usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2003. EUROPEAN COMMISSION. She figures 200: statistics and indicators on gender equality in science. Disponível em: <http://ec.europa.eu/research/sciencesociety/document_library/pdf_06/she_figures_2009_en.pdf>. Acesso em: jan. 2013. FOX, M. Gender, Family characteristics, and publication productivity among scientists. Social Studies of Science, n. 1, p. 131-150, 2005. LETA, J.; MARTINS F. Docentes pesquisadores na UFRJ: o capital científico de mulheres e homens. In: SIMPÓSIO GÊNERO E INDICADORES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA. Brasília, 2008, v. 1, p. 85-102. LETA, J.; OLINTO, G; BATISTA, P. D. Gender and academic roles in graduate programs: analyses of Brazilian government data. In: INTERNATIONAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR SCIENTOMETRICS AND INFORMETRICS,14., 2013, Viena. Proceedings... Viena: Austrian Institute of Technology GmbH, 2013. v. 1. p. 796-810. MARICATO, J.; NORONHA, D. Indicadores bibliométricos e cientométricos em CT&I: apontamentos históricos, metodológicos e tendências de aplicação, In: HAYACHI, M. C. P. I; LETA, J. (Org.). Bibliometria e cientometria: reflexões históricas e interfaces. São Carlos: Pedro e João, 2013. v. 1, p. 21-41. RISTOFF, D. et al.(org.). A mulher na educação superior brasileira: 1991-2005. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. 292 p. SCHIENBINGER, L. O feminismo mudou a ciência? Bauru: EDUSC, 2001. UNESCO. Science, technology and gender: an international report. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/en/venice/about-this-office/singleview/news/science_technology_and_gender_an_international_report/#.u0rqdqhdxag>. Acesso: mar. 2014. WENNERÅS, C.; WOLD. A. Nepotism and sexism in peer-review. Nature, n. 387, p. 341-343, 1997. 7 Recife, PE, 14 a 16 de maio de 2014 7