I IMPACTOS NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO: ESTUDO DE CASO DE GOVERNADOR VALADARES

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I-071 - IMPACTOS NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO: ESTUDO DE CASO DE GOVERNADOR VALADARES Luisa Cardoso Maia (1) Engenheira Ambiental pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Mestranda em Engenharia Ambiental na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Andressa Rezende Pereira Engenheira Ambiental e Sanitarista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Engenharia Ambiental na UFOP. Endereço (1) : Laboratório de Tratamento de Resíduos Sólidos, Campus Morro do Cruzeiro, Universidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto - MG - CEP: 35400-000 - Brasil - Tel: (31) 3559-1711 - e-mail: luisacardosomaia@gmail.com RESUMO A utilização de barragens de rejeito para o armazenamento de resíduos provenientes do beneficiamento de minério de ferro é uma prática comum em complexos minerários. Porém, esta prática oferece uma série de riscos ao meio ambiente e à população estabelecida na área de influência, tal como pode ser verificado pelos diversos incidentes já ocorridos no Brasil. Nessa conjuntura, no dia 05 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da Barragem do Fundão, pertencente ao Complexo Minerário de Germano, no município de Mariana MG, representando o maior desastre ambiental do país. Este fato provocou uma série de impactos socioeconômicos e ambientais, tal como alterações na qualidade da água dos corpos hídricos que carrearam o rejeito lançado até o Oceano. Por conta disso, o município de Governador Valadares, que apresenta a maior população às margens do Rio Doce, teve seu abastecimento de água interrompido devido aos altíssimos níveis de turbidez observados. Em virtude disso, o presente trabalho tem por pressuposto a identificação dos principais impactos do rompimento da Barragem do Fundão sobre a água de abastecimento do município de Governador Valadares/MG. Além disso, verificou-se quais as medidas mitigadoras foram adotadas para solucionar a questão do abastecimento de água do município. Dessa maneira, observou-se que foi necessário o emprego de soluções alternativas para o tratamento da água, destacando-se o uso do polímero de Tanfloc, que, apesar de proporcionar alta eficiência para remoção de turbidez, não foi suficiente para adequar esse parâmetro à Portaria 2.914/2011. Para a adequação deste parâmetro, também foi necessária a lavagem das unidades da estação de tratamento, buscando assim melhorar a eficiência do tratamento. Com isso, o abastecimento de água do município foi reestabelecido. Além disso, também verificou-se que mesmo com o uso desse polímero os níveis de alumínio e manganês mantiveram-se acima do estabelecido pelo padrão de potabilidade, no período analisado. Os demais metais atenderam o valor máximo permitido estabelecido pela Portaria 2.914/2011, neste mesmo período. PALAVRAS-CHAVE: Rompimento de barragem, rejeito de minério, impactos na água, abastecimento de água. INTRODUÇÃO As barragens de rejeitos têm por objetivo conter os materiais resultantes do beneficiamento mineral, sendo estruturas executadas em estágios, a medida em que os rejeitos são gerados. Tratam-se de estruturas que por si só já geram impactos ambientais significantes. Além disso, em caso de falhas, é colocado em risco não só o ambiente, mas também a população inserida na área de influência do empreendimento (DUARTE, 2008). Muitos acidentes já foram reportados no Brasil, como o caso do rompimento da barragem de uma mineradora de bauxita que afetou a qualidade da água dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Porém, o caso de maior dimensão ocorreu no dia 05 de novembro de 2015, dia esse marcado pelo maior crime ambiental do país: o rompimento da barragem de rejeitos do Fundão. 1

A barragem do Fundão está localizada no Complexo Minerário de Germano, no município de Mariana, Minas Gerais. Um volume de 50 milhões de m³ de rejeitos de mineração de ferro foram lançados nos corpos hídricos da região, causando um impacto de grandes dimensões. A lama inicialmente destruiu a localidade de Bento Rodrigues e seguiu pelo Rio Gualaxo do Norte, desaguando no Rio do Carmo que é afluente do Rio Doce. Após 16 dias, os rejeitos chegaram até o Oceano Alântico, totalizando cerca de 663,2 km de corpos d água diretamente atingidos (PINTO-COELHO, 2015). Pires et al. (2003) realizaram a caracterização química e a classificação dos rejeitos provenientes do Complexo de Germano. De posse desses dados, foi possível melhor compreender os impactos ocasionados na água, relacionando os elementos presentes no rejeito em maiores concentrações com os parâmetros em desconformidade com o padrão de potabilidade. De acordo com os mesmos autores, verificou-se a seguinte composição mineralógica do rejeito: goethita (FeOOH), hematita (Fe 2O 3), quartzo (SiO 2) e caulinita (Al 2SiO 5(OH) 4). Considerando essa composição, realizou-se a quantificação dos principais constituintes do rejeito. Os dados indicaram um teor de ferro de 57,20 %, sílica de 14,10 %, água 7,70 % e alumínio 1,30 %. Segundo Pinto-Coelho (2015), dados disponibilizados pela empresa responsável pela barragem indicaram que os rejeitos do Complexo Minerário de Germano são resíduos não perigosos e não inertes, de acordo com a NBR 10.004: 2004 (ABNT, 2004). Isso porque ao serem submetidos ao ensaio de solubilização (NBR 10.006:2004), os rejeitos apresentaram em sua constituição substâncias (ferro e manganês) presentes em concentrações superiores ao limite máximo estabelecido pelo Anexo G da norma NBR 10.004. O mesmo se observou no trabalho de Fontes (2013), que também indicam esta mesma classificação para rejeitos de minério de ferro. Com o rompimento da barragem, os rejeitos atingiram corpos hídricos de toda a Bacia do Rio Doce, comprometendo a qualidade da água de diversos municípios. Considerando a composição já mencionada dos rejeitos, acredita-se que os principais parâmetros influenciados serão a turbidez, ferro, manganês e alumínio (MPMG, 2015). Estes são parâmetros que podem prejudicar a eficiência do tratamento convencional de águas para abastecimento adotado na maioria das estações brasileiras, uma vez que estas são projetadas para valores específicos de turbidez. OBJETIVO O presente trabalho tem como objetivo identificar os principais impactos do rompimento da Barragem do Fundão sobre a água de abastecimento do município de Governador Valadares/MG em relação aos seguintes parâmetros: turbidez, ferro, alumínio, e manganês totais. METODOLOGIA De acordo com a Figura 1, Governador Valadares é o município mais populoso da bacia do rio Doce, sendo um município que exerce grande polaridade na rede urbana regional. O rio Doce intercepta toda a área urbana do município e era, na época, o único manancial de abastecimento (UFMG, UFJF, 2016). Sendo assim, optouse por analisar os impactos do rompimento da barragem sobre as águas de abastecimento desse município em virtude dos sérios prejuízos à população, que teve seu abastecimento totalmente comprometido, acarretando na total interrupção do abastecimento para consumo humano. 2

Fonte: ANA (2016) Figura 1 - Captações superficiais para abastecimento de água na bacia do Rio Doce. Para identificar os principais impactos sobre as águas de abastecimento do município, foram analisados os dados referentes aos parâmetros em estudo à montante do ponto de captação, na entrada e na saída da ETA Central. A análise da turbidez a montante do ponto de captação foi realizada com base em dois relatórios técnicos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), compreendendo uma série histórica de 07 de novembro de 2015 a 26 de março de 2016. Enquanto que os dados referentes ao teor de alumínio, ferro e manganês totais na entrada e saída da ETA, foram obtidos através do Laudo Técnico do Ministério Público de Minas Gerais. RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com o CPRM (2015), o início da passagem da pluma de turbidez pela Estação Fluviométrica Governador Valadares foi registrado na noite do dia 09 de novembro de 2015. Com isso, a qualidade da água foi bruscamente comprometida, causando a suspensão do abastecimento de água no mesmo dia, já que a ETA foi dimensionada para tratar valores de turbidez em torno de 1.000 NTU e este valor foi ultrapassado (Prefeitura Municipal de Governador Valadares, 2016). TURBIDEZ Conforme a Figura 2 (a) é possível observar o pico de 140.000 NTU no dia 11 de nov., que representa o valor máximo de turbidez da pluma. Além disso, verifica-se também que no dia 15 de nov., a turbidez apresentou um valor inferior a 1.000 NTU, possibilitando o retorno do abastecimento público nesta data. Contudo, observase que novamente houve um aumento dos valores de turbidez, devido a diversos fatores, tais como precipitação, movimentação dos sedimentos e outros. 3

Fonte: IGAM (2015; 2016) Figura 2 (a) Variação da turbidez entre o período de 7-nov. a 20-dez. a montante da ETA Central; (b) Variação da turbidez entre o período de 7-nov. a 26-mar. a montante da ETA Central Em virtude disso, foi necessário buscar uma solução que possibilitasse o tratamento da água a fim de atender o padrão de potabilidade (Portaria do Ministério da Saúde 2.914/2011). A solução adotada foi a utilização do polímero Tanfloc, que é extraído de cascas vegetais como da acácia negra, uma vez que uma das vantagens da utilização de polímeros no tratamento de água é o aumento da eficiência de remoção de cor e turbidez (HÉLLER & PÁDUA, 2006). Segundo o Laudo do Ministério Público (2015), com o emprego deste polímero, foi possível alcançar elevada eficiência de remoção de turbidez, chegando ao valor de 7,69 NTU no dia 20 de novembro. Entretanto, como este valor ainda se encontrava fora do limite estabelecido pela portaria de potabilidade, foi programada uma paralisação da ETA no dia 21 de novembro para que fosse feita a lavagem das unidades. O abastecimento foi então restabelecido no dia 22 de novembro de 2015. METAIS Através de análises realizadas no dia de 20 de novembro, foi possível observar que alumínio, ferro e manganês totais foram os metais que sofreram maior influência pela passagem da pluma no município, ou seja, uma elevação anormal de suas concentrações (MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS, 2015). As concentrações destes elementos na entrada e saída da ETA Central podem ser observadas na Tabela 1. Tabela 1 Concentração dos metais mais influenciados pelo rompimento da barragem (20 nov. 2015) Metais Entrada ETA Saída ETA VMP Portaria Eficiência de (mg.l -1 ) (mg.l -1 ) 2914/2011 (mg.l -1 ) remoção (%) Alumínio Total 22,20 0,27 0,2 98,8 Ferro Total 107,00 0,23 0,3 99,8 Manganês Total 1,62 0,23 0,1 85,8 *VMP: Valor Máximo Permitido Foi possível verificar que os metais alumínio, ferro e manganês apresentaram-se em concentrações elevadas no ponto de captação da ETA Central. Em relação ao ferro, observou-se que os resultados apresentados (0,23 mg.l -1 ) estavam em conformidade com o padrão de potabilidade, mesmo com a alta concentração inicial deste parâmetro, destacando assim a eficiência obtida com o uso do polímero. Na estação de tratamento, ocorre a formação de um precipitado de hidróxido de ferro que apresenta boa sedimentabilidade, favorecendo as condições de retenção no meio filtrante (LIBÂNIO, 2010). Em contrapartida, a eficiência de remoção de manganês foi a mais baixa (85,8%), apresentando uma concentração na saída da ETA de 0,23 mg.l -1, encontrando-se fora do VMP estabelecido pela portaria (0,10 mg.l -1 ). Porém, são toleradas concentrações de até 0,40 mg.l -1, desde que os demais parâmetros estejam em conformidade com padrão de potabilidade, o que não verificado. Esses resultados condizem com o que é descrito por Libânio (2010), que relata a formação de flocos pequenos e de baixa sedimentabilidade decorrentes das formas de dióxidos de manganês presentes na água. Com isso, a retenção dos flocos na etapa de filtração é prejudicada, diminuindo a eficiência de remoção desse metal. Entretanto, pode-se relacionar a 4

fração de manganês que foi removida (Tabela 1) à presença do precipitado de hidróxido de ferro, que pode envolver os flocos de dióxido de manganês, possibilitando a sua remoção (LIBÂNIO, 2010). A presença de óxidos de ferro e manganês pode propiciar uma coloração amarelada e turva à água, além de conferir sabor e odor à mesma, podendo levar a população a buscar fontes alternativas e não tão seguras para consumo (VON SPERLING, 2014). Em relação ao alumínio, foi observado que a concentração (0,27 mg.l -1 ) detectada na saída da ETA Central não atendeu o padrão de potabilidade, que é de 0,2 mg.l -1. Este metal pode levar a um aumento da turbidez ao final do tratamento, bem como uma diminuição na eficiência de desinfecção devido à possibilidade de uma nova agregação do precipitado de alumínio com a matéria remanescente. Além disso, a existência de concentrações de alumínio na forma precipitada pode vir a ocasionar a deposição deste na rede de distribuição de água, diminuindo sua capacidade hidráulica (ROSALINO, 2011). Considerando que os rejeitos da barragem Fundão apresentam em sua composição além da sílica e do ferro, elevadas concentrações de alumínio e manganês, é bem possível que eles tenham sido transportados ao longo do Rio Doce. CONCLUSÃO Com base nos resultados analisados, é possível constatar que a água de distribuição, no período de análise em questão, não atende os padrões de potabilidade em relação aos parâmetros organolépticos alumínio, manganês e turbidez. Possivelmente, o teor desses parâmetros, considerados pela portaria de potabilidade como organolépticos, foram os responsáveis por provocar estímulos sensoriais que afetaram a aceitação para consumo humano. Entretanto, é importante destacar que a presença desses elementos não necessariamente implica em riscos à saúde. Em virtude do exposto, os resultados das análises tanto do ponto de captação no Rio Doce quanto na entrada e saída da ETA já eram esperados, devido à dimensão do desastre ambiental em questão. Espera-se que tenham sido tomadas medidas de adequação no sistema de tratamento de água visando à conformidade com o padrão de potabilidade. AGRADECIMENTOS À CAPES, à FAPEMIG e à UFOP pelas bolsas e apoio financeiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Agência Nacional de Águas ANA. 2016. Encarte especial sobre a bacia do Rio Doce. O rompimento da barragem de Mariana. Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos. Brasília, DF. 50 págs. 2. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: Resíduos sólidos - Classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 2004. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. 4. CPRM. SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Monitoramento Especial da Bacia do Rio Doce. Relatório 01: Acompanhamento da onda de cheia. 2015. 33 p. 5. DUARTE, A. P. Classificação das barragens de contenção de rejeitos de mineração e de resíduos de contenção de rejeitos de mineração e de resíduos industriais no Estado de Minas gerais em relação ao potencial de risco. 2008. 130 f. Dissertação (Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. 6. FONTES, W. C. Utilização do rejeito de barragem de minério de ferro como agregado reciclado para argamassas de revestimento e assentamento. 2013. 112 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2013. 5

7. HÉLLER, L.; PÁDUA, V. L. Abastecimento de água para consumo humano. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 859 p. 8. IGAM. INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS. Relatório Técnico: Acompanhamento da Qualidade das Águas do Rio Doce Após o Rompimento da Barragem da Samarco no distrito de Bento Rodrigues-Mariana/MG. 2015. 75 p. 9. IGAM. INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS. Relatório Técnico: Acompanhamento da Qualidade das Águas do Rio Doce Após o Rompimento da Barragem da Samarco no distrito de Bento Rodrigues-Mariana/MG. 2016. 80 p. 10. LIBÂNIO, M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. Campinas: Editora Átomo, 2010. 494 p. 11. MPMG. MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS. Laudo Técnico: qualidade da água no município de Governador Valadares, após o desastre ambiental causado pelo rompimento das barragens da SAMARCO MINERAÇÃO S/A. 2015. 46 p. 12. PINTO-COELHO, R. M. Existe governança das águas no Brasil? Estudo de caso: O rompimento da Barragem de Fundão, Mariana (MG). Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, v. 24, n.1, p.16-43, 2015. 13. PIRES, J. M. M. et al. Potencial poluidor de resíduo sólido da Samarco Mineração: estudo de caso da barragem de Germano. Revista Árvore, v. 27, n. 3, p.393-397, jun. 2003. 14. PREFEITURA MUNICIPAL DE GOVERNADOR VALADARES. Disponível em:<http://www.valadares.mg.gov.br/materia_especifica/22648/a-agua-e-potavel-e-de- QUALIDADE,-SIM!>. Acesso em: 10 dez. 2016. 15. ROSALINO, M. R. R. Potenciais efeitos da presença de alumínio na água de consumo humano. 2011. 85 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia do Ambiente) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. 2011. 16. UFMG; UFJF. Relatório de campo e interpretações preliminares sobre as consequências do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão (Samarco/VALE/BHP). 2016. 27 p. 17. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4ª ed. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2014. 472 p. (Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias, n. I). 6