Análise de tensões em eixos ferroviários usinados, utilizando o método de elementos finitos 1º Raidam Pereira Fernandes¹*, 2º Bruno Teixeira Barros², 3º Emanuel Amorim Da Silva², 4º Leandro Prates Ferreira de Almeida¹ 5º Rafael Azevedo Gripp² 1 Departamento de Engenharia e Melhorial Operacional, Av. Dante Micheline 5500, 29090-900, Vitória - ES 2 Departamento de Manutenção de Vagões, Av. Dante Micheline 5500, 29090-900, Vitória - ES e-mail: 1º raidam.fernandes@vale.com, 2º bruno.teixeira.barros@vale.com, 3º emanuel.silva@vale.com, 4º leandro.almeida@vale.com, 5º rafael.gripp@vale.com. Resumo: Nos vagões gôndola GDE da EFVM, os drenos ficam posicionados sobre os rodeiros nas posições 2 e 3 (são 4 ao todo, contando de uma extremidade a outra do vagão). Com isso, os eixos destes rodeiros estão apresentando corrosão seguida de trinca na região da sede de assentamento das rodas, sendo necessária a retirada dos eixos do processo para usinagem e remoção da trinca, despadronizando-os e em alguns casos sendo necessário o sucateamento dos mesmos. Para cada eixo despadronizado, é instalada uma roda nova com medida do cubo menor, para seu assentamento com interferência adequada. Estudou-se, com auxilio do método de elementos finitos, uma proposta de usinagem para remoção da trinca mantendo a padronização da frota e garantindo a segurança operacional da EFVM, evitando o sucateamento prematuro de eixos, sem prejudicar a vida em fadiga dos mesmos. Palavras-Chaves: Eixos, trincas, Elementos Finitos, Fadiga 1. INTRODUÇÃO Os eixos ferroviários utilizados na EFVM seguem a norma AAR, seção G, que os classifica de acordo com o tipo de tratamento térmico utilizado. No desenho Vale, determina-se que os eixos devem sofrer pintura ou aplicação de graxa protetora, de modo a prevenir contra a corrosão. Porém, essa proteção não tem sido suficiente para evitar corrosão em algumas regiões do eixo que ficam expostas a intempéries e a produtos corrosivos transportados pela ferrovia (fertilizantes, minério, dentre outros). Assim, alguns eixos vêm apresentando corrosão seguida de trincas na região da sede de assentamento das rodas, necessitando de usinagem para remoção. Para que na usinagem ocorra a remoção total da trinca, é necessária a usinagem total da sede de assentamento das rodas. Isso ocasiona uma despadronização do eixo, necessitando de uma roda nova para o mesmo. Propôs-se então uma usinagem parcial para remoção somente da trinca, sem a necessidade de usinagem total da sede. Porém, esse tipo de usinagem pode gerar concentração de tensões na região usinada e, consequentemente, redução da vida do eixo devido à fadiga. Utilizando o método de elementos finitos foi possível analisar se os valores de tensões atendem às caracteristicas de projeto do eixo.
2. ANÁLISE DO CASO 2.1 Entendendo o problema A corrosão ocorre entre o cubo da roda e a sede de assentamento da roda no eixo, como pode ser visto na figura abaixo 2.3 Proposta de solução do problema Para remoção da trinca sem a usinagem total da sede, propôs-se uma usinagem somente da região trincada, confome desenho abaixo: Trinca Usinagem Sede Sede Proposta Padrão Usinada Fig. 1 Identificação da trinca 2.2 Identificação da origem do problema Em inspeções nos vagões na Oficina de Vagões de Tubarão, em Vitória-ES, constatou-se que ocorre queda de água nos rodeiros localizados nas posições 2 e 3 (sob os drenos), conforme figura abaixo. Fig. 3 Proposta de usinagem para remoção das trincas 3. ANÁLISE TÉCNICA RODAS E EIXOS FERROVIÁRIOS CONCEITOS BÁSICOS, 1ª Edição, Parte 6, Julho 2011, os eixos de vagões são tracionados pela locomotiva, necessitando então ser dimensionados pela flexão, que é a solicitação mais crítica. Assim, o diagrama típico de carga do eixo de vagão fica como mostrado na figura abaixo: Fig. 2 Rodeiro posição 03 A queda de água contaminada com minério de ferro ou carvão sobre o rodeiro retira a sua proteção atual contra corrosão (esmalte sintético ou graxa protetora), deixando o rodeiro exposto a intempéries. Fig. 4 Diagrama de carga de eixo de vagão (Minicucci, 2011). A usinagem da sede, conforme proposto, gera uma região com ressalto que pode ser crítica para concentração de tensões e redução da vida à fadiga. A análise de viabilidade técnica da usinagem da sede foi realizada de forma comparativa, considerando as tensões de flexão impostas aos eixos com dimensões nominais e comparando com a proposta de usinagem.
Para isto, realizou-se análise de elementos finitos através do software SolidWorks e de sua plataforma de simulação Cosmus. Foi utilizado o critério de Von Mises (máxima energia de distorção), válida para materiais com características dúcteis (caso dos aços em geral). 3.1 Premissas do estudo 3.1.1 Definição do valor de força atuante sobre sedes dos rolamentos vezes a carga estática (285 / 134,75). Para o estudo, foi considerada a condição mais conservadora (fator de multiplicação por 2,11), logo a carga dinâmica máxima por eixo considerada foi de 58,025 toneladas, distribuídas pelas sedes das rodas. 3.1.2 Propriedades do aço A composição química dos aços grau F (norma AAR, seção G) está definida na tabela 7.1 da Especificação M-101: Conforme tabela 3.1 na norma AAR - seção G-II- RP632, o peso bruto máximo de vagões de carga equipados com eixos classe E é 220.000 libras, o que equivale a aproximadamente 100 toneladas. Assim, a carga por eixo máxima em eixos 6 x 11 é 25 toneladas (carga estática). Fig. 6 Tabela 7.1 da norma AAR seção G-II M101 Fig. 5 Tabela 3.1 da norma AAR seção G-II RP632 Atualmente os vagões da EFVM tem um peso bruto de 110 toneladas, este foi o valor de carga considerado no estudo, pois é a condição real de trabalho dos eixos atualmente na EFVM. Para suportar a carga de 110 toneladas, utilizam-se eixos com mangas de rolamento nas dimensões 6.1/2 x 9 (classe K). Pelo item 5.0 da norma AAR (seção G, S-660), as magnitudes de carregamento nas rodas de vagões devem ser calculadas em virtude das máximas cargas estáticas. A norma diz que, para carregamento vertical, deve-se considerar um valor duas vezes maior do que a máxima carga estática. Atualmente, a regra de retenção de vagões pelo Detector de Impacto de Rodas é de alarmes a partir de 285 kn, ou seja, abaixo disso o vagão está em condições normais de operação. Hoje, a carga bruta máxima de vagões GDE é 110 toneladas, ou seja, 13,75 toneladas por roda. Isso significa um peso estático de 134,75 kn (13.750 kg x 9,8 m/s²). Assim, em condições normais de operação, os valores de carga dinâmica podem ser até 2,11 Para análise de elementos finitos pelo SolidWorks, foi necessário o input de algumas propriedades do aço, de modo a tornar o estudo o mais próximo possível da realidade. Os valores de módulo de elasticidade (E = 210.000 MPa), módulo de cisalhamento (G = 80.000 MPa) e coeficiente de Poisson ( ν = 0,3) foram definidos a partir das propriedades mecânicas do aço ABNT 1045, pois esta é uma boa aproximação, considerando a composição química do aço grau F. Os valores de limite de resistência à tração (σr = 88.000 psi, equivalente a 606,74 MPa) e tensão de escoamento ( σ e = 50.000 psi, equivalente a 344,74 MPa) requeridos para os eixos grau F foram definidos pela tabela 10.1 da norma AAR - seção G - Especificação M-101. Fig. 7 Tabela 10.1 da norma AAR seção G M101
3.2 Análise de elementos finitos Para análise de elementos finitos, foi gerado um modelo padrão de um rodeiro com eixo no software SolidWorks, conforme desenho Vale. De posse dos valores definidos no item 3.1 foi possível realizar o estudo por elementos finitos. O modelo foi fixado no trilho e foi considerada a aplicação da carga dinâmica calculada no item 3.1.1, distribuída nas mangas do eixo, onde são montados os rolamentos. Segue imagem retirada do software, com o modelo de distribuição de cargas definido: De posse do valor de tensão nominal do eixo, efetuamos uma simulação do modelo com a geometria modificada (usinagem para remoção da trinca), a fim de comparar os valores e obter o resultado do aumento de tensão na região usinada da sede. Para isso foi gerado um modelo do eixo simulando a usinagem proposta para remoção da trinca, conforme figura a seguir. Fig. 10 Simulação da usinagem da proposta de remoção da trinca Com o modelo do eixo usinado, foi realizada uma nova simulação e se obteve o valor de tensão na região usinada de 152,260 Mpa, conforme figura abaixo. Fig. 8 Modelo de distribuição de cargas de flexão no rodeiro/eixo O objetivo do estudo foi analisar o comportamento da região da sede quanto à concentração de tensões, para eixo com dimensões originais e posteriormente com a mudança de geometria, conforme proposta de usinagem. A simulação de aplicação de carga no eixo com as dimensões nominais, a partir das premissas definidas, gerou um resultado de tensão máxima na região da sede de 136,049 MPa, conforme figura a seguir: Fig. 11 Resultado de simulação de carga de flexão no eixo com geometria modificada 3.3 Estimativa de limite de resistência à fadiga RODAS E EIXOS FERROVIÁRIOS CONCEITOS BÁSICOS, 1ª Edição, Parte 6, Julho 2011, explica que para dimensionamento de eixos, deve-se levar em conta a fadiga, ou seja, eixos são dimensionados para não romper por fadiga (conceito da vida infinita). Define também que qualquer eixo que suporte mais do que 7 x 10 6 ciclos sem falhar pode ser considerado como eixo de vida infinita. Fig. 9 Resultado de simulação de carga de flexão no eixo com dimensões nominais METALURGIA MECÂNICA, 2ª Edição, Parte
3, Março 1981, cita que As propriedades de fadiga são frequentemente correlacionadas com as propriedades de tração e que geralmente o limite de fadiga de aços fundidos e trabalhados é de cerca 50 por cento do limite de resistência à tração. Partindo do princípio que os eixos grau F são projetados para terem vida infinita e são fabricados de modo a atingirem um limite de resistência à tração mínimo de 88.000 psi (606,74 MPa), pode-se concluir que seu limite de resistência à fadiga é pelo menos metade deste valor, isto é, 44.000 psi (ou 303,37 MPa). Ou seja, as tensões na região da sede do eixo usinado, considerando esta premissa, ficam abaixo do limite de resistência à fadiga. Entretanto, o valor acima calculado deve levar em conta fatores de modificação empíricos devido ao acabamento superficial (Cs) e tamanho (Ct), obtendo-se um limite de fadiga efetivo LF : Fundamentals of Metal Fatigue Analysis, 1ª Edição, Parte 1, Junho de 1990, explica que o limite de fadiga (LF) e o fator de tamanho podem ser calculados com as equações abaixo: LF = LF C s C t (1) C t = 1,189 d 0,097 (2) Considerando o diâmentro da sede do eixo, conforme desenho Vale de 212,00 mm, substituímos na equação 2 para calcular o fator de tamanho C t = 1,189. 212 0,097 (3) C t = 0,7 Para o valor de resistência do material conforme norma AAR (aços grau F) de 88 Ksi, considerando um acabamento superficial usinado, estimou-se um fator de superfície (Cs) em torno de 0,77, conforme figura abaixo. Fig. 12 Fatores de correção do limite de fadiga para acabamento superficial para aços. Assim, com o fator de superfície (Cs) estimado e o fator de tamanho (Ct) calculado, substituíremos na equação 1 para calcular o valor do limite de fadiga como usinado. LF = 303,37. 0,68. 0,77 (4) LF = 163,5 MPa Numa análise de fadiga, o valor de tensão máxima deve ser comparado à tensão máxima admissível para o eixo sob fadiga, levando-se em conta o limite de fadiga (LF) efetivo do material e as condições de carregamento, para isso montamos a tabela abaixo com o limite de fadiga e as tensões máximas do eixo padrão e do eixo com a proposta de usinagem. Tabela 1. Comparação limite de fadiga x tensão máxima Eixo Propriedades Padrão Proposta Limite de escomanto - AAR M107/208 GRAU F [MPa] 344,7 344,7 Limite de fadiga 163,5 Tensão calculada - SolidWorks [MPa] 136,0 152,3 Assim, podemos verificar que as tensões máximas não ultrapassam o limite de fadiga do material, logo a proposta mantém a característica original de vida teórica infinita do eixo.
3.4 Roda em balanço (OVERHANG) Com a remoção da trinca como proposto pela de usinagem, a região da remoção irá ficar com um vazio no conjunto (rodeiro) roda e eixo. Essa condição da roda em balanço pode variar de 9,99 a 18,94 mm conforme simulações abaixo. Esses fatores ou a soma deles podem gerar um overhang de até 18,94 mm. Makino (2013) estudou rodeiros com overhang de até 10 mm. Na ocasião, o overhang foi benéfico para o aumento da vida em fadiga do eixo, de acordo com a figura 8 de Makino (2013): Fig. 13 Simulação de overhang mínimo Fig. 15 gráfico Overhang x tensão Fig. 14 Simulação de overhang máximo Alguns fatores do processo de montagem do rodeiro e/ou tolerâncias dimensões de fabricação dos eixos/rodas podem aumentar ou diminuir o overhang, são eles: Bitola de eixamento (quanto maior, menor o overhang); Tolerância dimensionais do cubo da roda (quanto menor, menor o overhang ); Tolerância dimensional do eixo (deslocamento da sede para parte central do eixo = menor overhang ); Eixos que já sofreram usinagem na parte central (quanto maior a medida da parte central, menor o overhang). As condições do estudo de Makino (2013) se assemelham bastante com as nossas condições, porém não é possível afirmar que overhangs maiores que 10 mm (nossa condição) serão benéficos para um aumento da vida em fadiga do eixo. 4. ANÁLISE PRÁTICA Após a análise técnica do estudo, verificou-se a viabilidade da usinagem. Para então prosseguirmos com o estudo, faremos uma análise e testes práticos a fim de verificar qualquer condição não prevista anteriormente na usinagem para remoção da trinca, sem o rebaixamento total da sede.
4.1 Usinagem do eixo para remoção da trinca Para a usinagem teste do eixo, foi selecionado um eixo e posicionado no torno horizontal de controle número (CNC) LOGIC-500. Após a programação CNC do torno, foi possível efetuar a usinagem garantindo o padrão geométrico proposto inicialmente, que resultou na usinagem conforme foto a seguir: Outro ponto importante a ser analisado, é o gráfico de pressão de eixamento que é definido pela figura 4.19 da norma AAR - seção G2 - Especificação M-101: Fig. 18 Gráfico de pressão de eixamento Fig. 16 Eixo usinado com trinca removida O desenho Vale determina que o comprimento total da sede de assentamento das rodas seja de 193 mm, para que o overhang esteja dentro dos valores esperados, o comprimento total da sede não poderá ser inferior a 162 mm. Como premissa para o cálculo teórico do limite de vida em fadiga, a região é considerada usinada, assim deve ser garantido o acabamento superficial de 60 ± 10 micropolegadas, conforme desenho Vale. Assim, como poderá ser visto nas figuras abaixo, o eixamento do rodeiro com eixo usinado atendeu todos os padrões da norma AAR com pressão de eixamento de 110 Ton. 4.2 Eixamento de rodeiro com eixo usinado Prosseguindo com os testes práticos, foi eixado um rodeiro com o eixo usinado anteriormente para avaliar o gráfico de pressão durante seu eixamento. A faixa de pressão é definida pela tabela 4.1 da norma AAR - seção G2 - Especificação M-101: Fig. 19 Gráfico do eixamento do rodeiro com eixo usinado Fig. 17 tabela com limites de pressão de eixamento de rodeiros
5. CONCLUSÃO Após a verificação dos fatos, constata-se duas situações de possível risco com o processo de usinagem: deseixamento de rodas e aumento da tensão no eixo. Conforme mostrado na figura 19 do capitulo 4 deste documento, a pressão de eixamento após a usinagem está respeitando a curva padrão definida pela norma AAR, indicando que o processo adotado não compromete as forças de eixamento. No capitulo 3 deste documento, a tabela 1 apresenta a variação da tensão solicitante no eixo com a geometria padrão e com a usinagem proposta. Como visto pela simulação por elementos finitos, o valor da tensão máxima solicitante no eixo na região usinada é inferior ao limite de fadiga do material do eixo descrito no item 3.3. Desta maneira, pode-se considerar que os esforços provocados após a adoção deste procedimento não afetam a vida em fadiga teórica do eixo. [9] Propriedades dos Materiais. Disponível em: <http://webensino.unicamp.br/disciplin as/em423056120/apoio/3/propriedade s_dos_materiais_em_423_unicamp. pdf> Acesso em: 01 jun. 2015. 6. REFERÊNCIAS [1] DIETER, George E. Metalurgia Mecânica. 2ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1981. [2] MINICUCCI, Domingos José. Rodas e eixos ferroviários: conceitos básicos. São Paulo [s. n.], 2011. [3] SHIGLEY, J.E. MISCHKE, C.R. (2001). Mechanical Engineering Design. McGraw-Hill Book Company, 6ª edição, New York. [4] Bannantine, J.A. et al., Fundamentals of Metal Fatigue Analysis. 1ª Edição. Junho de 1990. [5] FILHO, Avelino Alves. Elementos finitos - a base da tecnologia cae, 6ª edição, São Paulo: Érica, 2013. [6] MAKINO, Taizo; SAKAI, Hiroki. Fatigue Property of Railway Axles for Shinkansen Vehicles. Dezembro 2013 [7] Manual de Campo AAR, 2011. [8] Norma AAR 2004, seções G e G-II.