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Transcrição:

Avaliação temporal da conectividade e simulação de cenários para o município de Santa Cruz da Conceição São Paulo, Brasil. Ângela Terumi Fushita 1 Ronaldo Tavares Araújo 1,2 José Salatiel Rodrigues Pires 1 1 Universidade Federal de São Carlos Departamento de Hidrobiologia Laboratório de Análise e Planejamento Ambiental - LAPA Rod. Washington Luís (SP-310) km235-13565-905 São Carlos - SP, Brasil angela_fushita@yahoo.com.br 2 Prefeitura Municipal de Santa Cruz da Conceição Casa da Agricultura RUA PASCHOAL GANÉO, 580 13625-000 SANTA CRUZ DA CONCEIÇÃO SP, BRASIL RESUMO Análises do processo fragmentação de habitat baseiam-se na teoria do equilibro de biogeografia de ilhas, no modelo de metapopulação e na dinâmica de fonte-sumidouro. este trabalho, verificou-se a integridade ecológica das áreas de vegetação natural e seminaturais para o ano de 1962 e 2002 do município de Santa Cruz da Conceição, estado de São Paulo, por meio de Sistema de Informação Geográfica e métricas da paisagem e elaboraram-se cenários como proposta de melhoria da conectividade entre fragmentos. Identificou-se 14 tipos principais de uso do solo, sendo que áreas com vegetação natural e semi-natural representam 17,84 e 17,95% do município, para 1962 e 2002, respectivamente. A área de estudo apresentou boa conectividade e cenários elaborados aumentaram a conectividade entre os fragmentos. ABSTRACT Fragmentation analysis is supported by theory of island biogeography, metapopulation models and source-since dynamic. This study analyzed the evaluation of ecological integrity in Santa Cruz da Conceição municipality, São Paulo state, Brazil, in 1962 and 2002, with Geographical Information System and landscape metrics. The fragmentation degree was verified with the number, size, shape and connectivity of fragments. Two sceneries were proposed according to Brazilian legislation. The natural and semi-natural vegetation areas were 17.84% and 17.95% in 1962 and 2002, respectively Seven fragments was classified how source, in 334 fragments. The study area have good connectivity, even thought the sceneries increased the connectivity among fragments. Key words: gis, fragmentation, connectivity, landscape conservation. 5805

I TRODUÇÃO O processo de fragmentação de habitat tem três grandes componentes, que são a perda de habitat original, a redução em tamanho de manchas de habitat e o aumento do isolamento das manchas de habitat (Andrén, 1994), formando paisagens de ilhas de habitats dentro de uma matriz de diversos tipos de cobertura do solo (Gustafson & Gardner, 1996). Com a fragmentação, organismos podem deixar de colonizar outros habitats e espécies podem tornar-se extintas nos fragmentos. Diversos autores citam que a teoria do equilíbio de biogeografia de ilhas (MacArthur & Wilson 1967) e o desenvolvimento de modelos de metapopulação (Levins, 1970) e de fonte-sumidouro (Pulliam, 1988) auxiliaram o estudo das propriedades de persistência das populações no tempo e espaço caracterizado como uma função das taxas de colonização e extinção. A teoria de biogeografia de ilhas enfoca essencialmente na presença/ausência de espécies em relação à área e à distância de áreas fonte de organismos. A dinâmica de metapopulação assume que subpopulações vivem em manchas de habitat relativamente isoladas umas das outras (Andrén, 1994). A dinâmica de fonte-sumidouro refere a paisagens com dois ou mais habitats, onde a taxa de nascimentos excede a taxa de morte em um ou mais habitats "fontes", mas que a taxa de morte excede a taxa de nascimento em um ou mais habitats chamados de "sumidouro" (Ritchie, 1997). O movimento espécies entre áreas de fontes e sumidouros requer a manutenção de populações e que os indivíduos movem entre os fragmentos. (Taylor et al.,1993). Fragmentos de boa qualidade tenderão a render excedente demográfico enquanto que os de qualidade ruim tenderão provavelmente a um déficit demográfico (Delibes et al., 2001). A manutenção da integridade ecológica dos ecossistemas e das funções ambientais implica na manutenção de áreas naturais em condições satisfatórias de tamanho e de qualidade ambiental (Pires et al., 2004) e pode ser estimada e monitorada por meio de indicadores, entre eles a análise de fragmentação de habitats (Forman & Godron, 1986). Meffe & Carroll (1994) cita que para definir estratégias efetivas de manejo e proteção da diversidade em áreas fragmentadas é necessário analisar a paisagem e os padrões de fragmentação. Neste trabalho, verificou-se conectividade dos fragmentos para determinar o grau de fragmentação das áreas de vegetação natural e seminaturais do município de Santa Cruz da Conceição por meio de Sistema de Informação Geográfica e analisou-se a situação do município em 1962 e 2002. Elaboraram-se cenários como proposta de melhoria da conectividade entre fragmentos. MATERIAIS E MÉTODOS Área de estudo. O Município de Santa Cruz da Conceição, localizado no Estado de São Paulo, (Figura 1) está situado entre as coordenadas UTM (Córrego Alegre Zona 23 Sul) 234.000m Oeste e 7.544.500m Sul e 252.500m Oeste e 7.558.000m Sul e a 635 m de altitude. Sua área corresponde 149,43 km² (IBGE, 2000) e pertence a Bacia Hidrográfica do Rio Mogi-Guaçú. A vegetação caracteriza-se por transição entre os domínios fitogeográficos de cerrado e a mata atlântica. Possui 3.531 habitantes, sendo 1.934 residentes na área urbana (IBGE, 2000) Métodos O estudo compreendeu uma primeira etapa de caracterização dos componentes da paisagem para os anos de 1962 e 2002 (mapeamento de uso e ocupação do solo) seguidas da avaliação da paisagem atual (por métricas da paisagem) e da elaboração de cenários. Foram utilizados os equipamentos disponíveis no Laboratório de Análise e Planejamento Ambiental da Universidade Federal de São Carlos 5806

(LAPA/UFSCar), dentre os quais estão a rede de computadores e os softwares MapInfo 7.5, IDRISI 32 e Adobe Photoshop 7.0. Figura 1. Localização do município de Santa Cruz da Conceição, SP, Brasil. Digitalizou-se as informações de hidrografia, hipsometria e malha viária com base nas cartas topográficas 1:10.000 do Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo. As informações sobre uso e ocupação do solo e fragmentos de vegetação natural e seminatural do município de Santa Cruz da Conceição foram obtidas por meio de fotografias aéreas de 1962 (Acervo Fotográfico da Prefeitura Municipal de Santa Cruz da Conceição) e de 2002 (vôo BASE Aerofotogrametria e Projetos S.A., de 17 e 18 de Julho de 2002) tratadas no software Adobe Photoshop 7.0 e georreferenciadas no Mapinfo 7.5 a partir de pontos coletados em campo com receptor GPS GARMIM. Discriminou-se dos fragmentos de vegetação natural e seminatural, aqueles com cobertura arbórea-arbustiva. Para a análise da conectividade da paisagem utilizou-se distância de 30, 50, 100, 150, 200, 250, 300 e 350 para delimitar a borda expandida (distancia d), baseado nos estudos de Ranta et al (1998) e Pires et al. (2004). Os fragmentos foram considerados conectados (pertencentes a um mesmo arquipélago) quando houve sobreposição da distância d de um fragmento com outro e considerado isolado (ilhas) quando na distância d não sobrepôs com outro fragmentoesta etapa realizou-se no SIG MAPINFO 7.5, por meio do comando cobrir (buffer). O número de arquipélagos formados, número de fragmentos isolados, número de arquipélagos formados com dois fragmentos, número de fragmentos que compõem o maior fragmento e a área conectada foram analisados para cada distância d. A distância de 350 metros foi assumida como sendo a máxima na qual parte das espécies com menor capacidade de locomoção tem de deslocar-se de um habitat a outro, portanto, somente indivíduos de espécies com maior plasticidade têm capacidade para atravessar áreas abertas com distâncias superiores a esta (Ranta et al., 1998; Pires et al., 2004.). Simularam-se dois cenários. O primeiro cenário elaborado (Cenário 3) seguiu a Legislação Brasileira vigente (Código Florestal de 1965, alterada pela medida Provisória nº 1956-57 de 14/12/2000, 5807

regulamentada pela Resolução CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002) que define os limites de áreas de preservação permanente (APP) como 30m de cada margem do rio, 50m ao redor de reservatórios de água e nascentes. O segundo cenário elaborado (Cenário 4) considerou que as APPs possuem área de borda de 30m, assim, utilizou-se 60m em cada margem dos rios e 80m ao redor de reservatórios de água e nascentes. A conectividade destes cenários foi analisada com a situação da vegetação natural e seminatural em 1962 (Cenário 1) e em 2002 (Cenário 2). RESULTADOS Caracterização dos componentes da paisagem A interpretação dos fotomosaicos de SCC permitiu identificar 14 tipos principais de uso do solo. No ano de 1962, houve o predomínio de pastagem, que correspondeu a 61.9% da área total do município (Figura 3a e Tabela 1). A paisagem em 2002 destaca-se por pastagem e monocultura de cana de açúcar, que correspondem, respectivamente a 29.98% e 20.89% da área total do município (Tabela 1). Houve aumento em área de estradas, mineração, área urbana, infra-estrutura rural. A classe indústria que não existia em 1962, aparece em 2002. Tabela 1. Quantificação de área para as classes de uso e ocupação da terra para o município de Santa Cruz da Conceição, SP, Brasil. Classes de uso e 1962 2002 ocupação da terra Área (ha) % Área (ha) % Área natural 2670.13 17.84 2686.34 17.95 área urbana 24.11 0.16 250.53 1.67 cana-de-açúcar 0.00 0.00 3126.24 20.89 Culturas perenes 396.63 2.65 2756.52 18.42 Culturas anuais 822.29 5.50 166.23 1.11 Reflorestamento 251.61 1.68 55.36 0.37 Pasto 9263.31 61.90 4486.45 29.98 solo exposto 406.20 2.71 45.77 0.31 Infra-estrutura rural 170.97 1.14 332.61 2.22 Represamento 1.96 0.01 175.45 1.17 Mineração 5.24 0.04 64.16 0.43 Industrias 0.00 0.00 8.415 0.06 pasto sujo 689.78 4.61 466.04 3.11 Estradas 262.08 1.75 344.19 2.30 Conectividade A conectividade da paisagem é o grau no qual a paisagem facilita ou impede movimento entre as manchas e pode ser medida para um dado organismo usando a probabilidade de movimento entre todos os pontos ou manchas em uma paisagem (Taylor et al.,1993). A 30 metros de distância d existem 225 fragmentos conectados em 55 arquipélagos e 109 fragmentos isolados, totalizando 334 fragmentos. Observa-se que conforme aumenta a distância d, diminui o número de fragmentos isolados, sendo que a d = 350m existem oito fragmentos isolados e 326 conectados em nove arquipélagos. Esse mesmo padrão é observado para o número de arquipélago e o número de arquipélagos com dois fragmentos. A área conectada, que corresponde à soma da área dos fragmentos que se encontram em arquipélagos, aumenta com o aumento da distância d, sendo que a maior área conectada é de 2496.984ha, que corresponde a 97,37% da área total de fragmentos. A partir de 150m, a área conectada manteve-se praticamente constante (Figura 3). O número de fragmentos no maior arquipélago na distância d = 30 foi de 16 fragmentos ou 4,79% do número de fragmentos e na distância d máxima foi 295 ou 88,32% dos fragmentos em um 5808

único arquipélago. Foram testadas diferentes distâncias d, e conforme aumentava, fragmentos separados e arquipélagos, tornam-se conectados. Essa variação deve ser considerada, pois fragmentos podem estar isolados para determinados organismos, mas conectado para outros, como exemplifica o estudo de Bennett (2003) no qual cita que um fragmento pode estar isolado para um pequeno roedor, mas pode ser facilmente alcançado por uma ave migratória ou um morcego de floresta. 120 3,000,000 number of fragments 100 80 60 40 20 0 30 50 100150200250300350 distance 2,500,000 2,000,000 1,500,000 1,000,000 500,000 0 area number of fragmets connected area Figura 3. Análise gráfica da conectividade da paisagem (número de fragmentos isolados x distância x área conectada) do município de Santa Cruz da Conceição, SP, Brasil. Cenários A área total dos fragmentos de vegetação natural e semi-natural foi para o cenário 1 (1962) de 2833,55 ha, para o cenário 2 (2002) de 2564,51 ha, para o cenário 3 (2002 com recuperação das APPs) de 3517,34ha e para o cenário 4 (cenário 3 com ampliação das áreas de borda de 30m) de 4788,93 (Figura 5). O número total de fragmentos foi de 550, 334, 137 e 163, para esses quatro cenários, respectivamente. O cenário 3, mostra 24 fragmentos isolados para a distância d = 30 e no cenário 4, observa-se 16 fragmentos isolados para essa distância d. Para todos os cenários (Tabela 3), o número de fragmentos isolados diminui com o aumento da distância d, chegando a se tornar estável entre 150 e 200m, para os cenários 2, 3 e 4. A mesma tendência é observada nos demais atributos analisados. O cenário 1, que representa as áreas naturais e semi-naturais de SCC em 1962, totalizou 550 fragmentos, sendo que a d=350 m, seis fragmentos ficaram isolados e 91% dos fragmentos pertenciam um arquipélago. Já o cenário 2 apresentou 88,32% dos fragmentos em um único arquipélago. Nos cenários 3 e 4, formou-se um arquipélago a essa distância, contendo 97,08% e 95,09% dos fragmentos para esses cenários. A existência de menos fragmentos no cenário 3, em relação ao cenário 2 deve-se ao fato das APPs funcionarem como corredores, unindo fragmentos. No caso do cenário 4 existem mais fragmentos que o cenário 3, pois algumas estradas que antes estavam distantes das áreas analisadas, passam a cortar os fragmentos. Esses dois cenários elaborados aumentaram a conectividade entre os fragmentos, principalmente entre aqueles considerados como área fonte. Assim, não se deve descartar o uso das matas ripárias como corredores de ligação em ecossistemas fragmentados. 5809

Tabela 2. Análise de conectividade do município de Santa Cruz da Conceição, SP, Brasil, em função das distâncias de borda expandida e dos cenários elaborados. Distân Cia n de frag isolados (ilhas) n de frag conectados n arquipelago n de frag do maior arquipélago 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 30 132 109 24 16 418 225 113 147 79 55 10 5 44 16 85 125 50 114 76 21 15 436 258 116 148 58 54 7 5 63 24 102 126 100 66 47 7 11 484 287 130 152 37 43 4 3 119 32 122 146 150 49 26 6 10 501 308 131 153 26 31 4 2 159 65 124 151 200 27 19 6 9 523 315 131 154 18 22 2 2 245 100 129 152 250 13 13 6 8 537 321 131 155 13 11 2 1 257 209 129 155 300 9 13 6 8 541 321 131 155 13 10 2 1 264 211 129 155 350 6 8 4 8 544 326 133 155 7 9 1 1 500 295 133 155 DISCUSSÃO Em SCC, provavelmente o processo de retirada da vegetação nativa tenha acontecido antes de 1962, pois houve pouca diferença entre os valores de áreas de vegetação natural entre 1962 e 2002 (17.95% e 17.84%, respectivamente). Viana et al. (1997) cita que as taxas de desmatamento do estado de São Paulo alcancaram o seu máximo entre 1920 e 1935 e Metzger (2000) e Soares et al. (2003) comentam que a região central do Estado de São Paulo foi severamente desmatada durante a segunda metade do século 19 e começo do século 20, como uma conseqüência da expansão de plantações de café após de 1860, seguida do uso para pasto e agricultura. Essas informações vem ao encontro de Hougton (1994) que cita que metade das áreas cultivadas no mundo surgiu nos últimos 90 anos. Nos trópicos isto ocorreu principalmente a partir dos anos 40, tendo como principal causa a agricultura que nos últimos 10 anos foi responsável por aproximadamente 40% a 90% da conversão de área naturais. Embora exista pouca variação em área dos fragmentos analisados entre os anos de 1962 e 2002, é bastante provável que a qualidade das áreas de vegetação natural e semi-natural de SCC seja diferente, considerando que o processo de fragmentação afeta negativamente as populações pela diminuição da densidade de indivíduos, que ocorre ao longo do tempo (Brotons et al., 2003), e que os efeitos negativos sobre as áreas remanescentes podem exacerbados ou mitigados dependendo da qualidade da matriz (impactos das diferentes atividades de uso da terra, conectividade). Este estudo mostrou que a área analisada está bem conectada do ponto de vista da distância entre fragmentos, mas deve-se acrescentar que não analisou o isolamento proporcionado por características da matriz (permeabilidade) e o quanto algumas barreiras, como estradas, impedem o movimento de organismos entre fragmentos. Estes aspectos podem ser tão importantes quanto à redução do tamanho das manchas de fragmentos. Os cenários propostos apresentam alternativas para aumento da área e da conectividade dos fragmentos, baseando-se na legislação ambiental brasileira e em aspectos teóricos sobre o efeito de borda em remanescentes de área natural. O aumento da área no cenário 3 por meio de matas ripárias permitiu interligar fragmentos, servindo como corredores, que são reconhecidos por serem essenciais no controle de fluxos hídricos e biológicos na paisagem (Forman e Godron, 1986). Pires el al. (2004) cita que a melhor estratégia para a manutenção da integridade ecológica de uma paisagem seria interligar os fragmentos por meio de corredores, ou manter a maior proximidade possível entre os mesmos, para permitir o fluxo de espécies menos plásticas ou de interior de habitat. A simulação do cenário 3 visou a conectividade de áreas de vegetação natural e semi-natural caso fossem tomadas medidas que contemplassem a legislação vigente e no cenário 4 seria com a adoção de medidas sob o ponto de vista da conservação, uma vez que com a ampliação das áreas de borda, aumenta conseqüentemente a área de interior e a chance de sustentar uma alta diversidade de espécies e populações. 5810

Figura 5. Cenários estudados do município de Santa Cruz da Conceição.a) Cenário 1 (1962); b) Cenário 2 (2002); c) Cenário 3 (2002 com a recuperação das APPs) e d) Cenário 4 (2002 com a recuperação das APPs e ampliação das áreas de borda em 30 metros). AGRADECIME TOS O autor agradece ao CNPq pelo apoio financeiro e à Prefeitura de Santa Cruz da Conceição, em particular a Casa da Agricultura, pelo empréstimo as fotografias aéreas e cartas topográficas utilizadas neste trabalho. REFERÊ CIAS Andrén, H. (1994), Effects of habitat fragmentation on birds and mammals in landscapes with different proportions of suitable habitat: a review. Oikos, 71, 355-366. Bender, D. J.; Contreras, T. A. & Fahrig, L. (1998), Habitat loss and population decline: a meta-analysis of the patch size efect. Ecology. 79(2): 517-533. Bennett, A. F. (2003), Linkages in the Landscape: The Role of Corridors and Connectivity in Wildlife Conservation. IUCN, Gland,Switzerland and Cambridge, 254 pp. Brotons, L.; Monkkonen, M. & Martin. J. L. (2003), Are fragments Islands? Landscape context and density-area relationships in boreal forest birds. The American aturalist, 162 (3), 344-357. Chiarello, A. G. (1999). Conservation value of a native forest fragment in a region of extensive agriculture. Revista Brasileira de Biologia, 60 (2): 237-247. 5811

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