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Transcrição:

PREVALÊNCIA DE DISFUNÇÃO NEUROCOGNITIVA PÓS OPERATÓRIA EM CIRURGIA CARDÍACA EM UM HOSPITAL DE GRANDE PORTE E REFERÊNCIA DO SUL DE SANTA CATARINA Prevalence of neurocognitive dysfunction after cardiac surgery in a large hospital and reference in south of Santa Catarina Maykon Bongiolo 1, Juliana Crippa Silvestre 2, Alexandre Carlos Silvestre 3, Priscyla Waleska Targino de Azevedo Simões 4, Eric Benedet Lineburguer 5 1 Graduado em Medicina - Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). 2 Graduada em Medicina - Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). 3 Médico. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Especialista em Cirurgia Geral e Torácica. Professor de Cirurgia da Universidade do Extremo Sul Catarinense - Criciúma SC. 4 Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Professora de Informática Médica. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Epidemiologia e do Grupo de Pesquisa em Tecnologia da Informação e Comunicação na Saúde da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Universidade do Extremo Sul Catarinense - Criciúma SC. 5 Médico Especialista em Anestesiologia. Professor de Anestesiologia na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Endereço para correspondência: Eric Benedet Lineburger Curso de Medicina Universidade do Extremo Sul Catarinense, Av. Universitária, 1105, Criciúma SC Bairro Universitário. CEP: 88806-000. Email: lineburger@hotmail.com. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 35

Resumo As complicações neurológicas da cirurgia cardíaca têm sido reconhecidas desde a descrição inicial na década de cinquenta. O conhecimento de marcadores de risco é importante para a compreensão da patogênese e, com isso, planejar estratégias que possam minimizar desfechos desfavoráveis. O objetivo dessa pesquisa buscou conhecer a prevalência de disfunção neurocognitiva após a cirurgia cardiovascular em um hospital de referência e grande porte do sul de Santa Catarina no período de Outubro de 2011 a Fevereiro de 2012. Realizamos um estudo observacional, transversal e descritivo, no qual os dados foram levantados mediante aplicação de questionários. Dos 20 pacientes entrevistados, obteve-se uma totalidade de raça branca, predomínio de relacionamento estável (75%), sendo a maioria tabagista (60%), com baixa escolaridade (45%), não havendo mortalidade do intercurso operatório à alta hospitalar. A maioria das cirurgias não teve indicação de circulação extracorpórea (75%) e a maior parte dos pacientes não apresentou disfunção neurocognitiva no pós-operatório (60%). Verificou-se ainda que os participantes do estudo apresentaram risco moderado de complicações pós-cirurgia cardíaca. Palavras-chave: Disfunção neurocognitiva; Cirurgia cardíaca; Anestesiologia; Epidemiologia. Abstract Neurologic complications of cardiac surgery have been recognized since the first description in the fifties. Knowledge of risk markers is important to the comprehension of the pathogenesis and thereby planning strategies that minimize adverse outcomes. Knowing the prevalence of neurocognitive dysfunction after cardiovascular surgery in a referral hospital and large southern Santa Catarina in the period October 2011 to February 2012. We conducted an observational, transversal and descriptive study in which data were collected through questionnaires. We obtained a total white and predominantly stable relationship (75%), most smokers (60%) with low education (45%), with no operative mortality of intercourse to the hospital. Most surgeries had no indication for extracorporeal circulation (75%) and most patients had no neurocognitive dysfunction postoperatively (60%). It is found that study participants have a moderate risk of complications after cardiac surgery. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 36

Keywords: Deficit neurologic; Cardiac surgery; Anesthesiology; Epidemiology. INTRODUÇÃO A incidência de complicações neurológicas após a cirurgia cardíaca ainda permanece elevada, embora esta complicação seja variável em diferentes estudos, principalmente devido às diferentes populações estudadas e definições de disfunção neurológica. Assim, o conhecimento sobre o tema representa um importante marcador de risco e de compreensão da patogênese no planejamento de estratégias que possam minimizar o surgimento e desenvolvimento dessas complicações e contribuir para a redução de suas consequências (Regidor et al., 2007). Os pacientes particularmente suscetíveis às disfunções neurológicas no período pós-operatório são principalmente aqueles submetidos a procedimentos de revascularização miocárdica, no qual os problemas neurológicos mais significativos podem ocorrer após a cirurgia cardíaca e com isso implicar em alta mortalidade com os sobreviventes constantemente adquirindo um déficit funcional permanente (Guaragna et al., 2006). A Circulação extracorpórea (CEC) instituída por John Gibbon em 1953 alterou o rumo da história da cirurgia cardiovascular, e permitiu a realização de procedimentos intra e extracardíacos com efetiva segurança em campo operatório exangue, graças a essa máquina de coração pulmão artificial. No entanto, principalmente nos procedimentos envolvendo o arco aórtico, a lesão cerebral secundária aos fenômenos embólicos, assim como o período da Parada Circulatória Total, ou aos métodos de perfusão inicial ou total de forma imperfeita, continuam sendo uma importante causa de morte com relatos de sequelas motoras e cognitivas, podendo ser permanentes ou transitórias (Dias et al., 2007). Neste contexto, esta pesquisa apresenta a prevalência de disfunção neurocognitiva pós-operatória em cirurgia cardíaca realizada em um hospital de grande porte e referência do Sul de Santa Catarina no período de outubro de 2011 a fevereiro de 2012. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 37

MÉTODOS Foi realizado um estudo observacional, transversal e descritivo, envolvendo 20 indivíduos, maiores de 18 anos, de ambos os sexos e em condições mentais para decidir sobre sua participação no referido estudo e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi desenvolvido no período de outubro de 2011 a março de 2012 em um hospital de referência e alta complexidade do município de Criciúma-SC. Constituíram a amostra 20 pacientes com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos, com indicação para a realização de cirurgia cardíaca, e aplicou-se o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) antes do procedimento cirúrgico e após a realização deste, comparando o desempenho e o grau de disfunção neurocognitiva após o ato operatório. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do local onde foi realizada a pesquisa, sob o protocolo 352/2011. O levantamento dos dados aconteceu através da aplicação de questionários aos participantes do estudo, que foram abordados individualmente, no dia em que compareceram à consulta agendada, que aconteceu após o seu acolhimento na instituição de saúde supracitada. A variável dependente voltou-se a prevalência das disfunções neurocognitivas, e as independentes foram: idade, sexo, raça, estado civil, escolaridade, fumo, tempo de internação hospitalar, tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mortalidade durante a cirurgia, circulação extracorpórea, glicemia, além dos fatores de risco. Os dados foram organizados num banco de dados desenvolvido no software Microsoft Excel versão 2010. Para a análise estatística foi utilizado aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. As variáveis contínuas foram descritas por medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio-padrão), e as categóricas pela frequência absoluta (n) e relativa (%). A associação entre as variáveis categóricas foi investigada pelo teste de Quiquadrado, e utilizou-se o Teste T de Student na comparação das médias das variáveis contínuas (distribuídas normalmente) em relação às categóricas. A significância estatística foi estabelecida em 5% (p<0,05). Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 38

RESULTADOS A Tabela 1 ilustra as características sócio demográficas dos participantes. Foram estudados 20 pacientes, dos quais 10 (50%) do sexo feminino; 15 (75%) casados; 20 (100%) brancos; a maioria apresentou ensino fundamental completo (45%; n=9); 12 (60%) eram tabagistas e 12 (60%) não se declararam etilistas. A média de idade entre os pacientes que apresentaram disfunção neurológica foi de 63,13 (±6,69) anos, não havendo evidências da existência de associação entre a idade e a prevalência de déficit neurológico (p=0,643). Tabela 1. Características da amostra. Variável n (%) n=20 Sexo Masculino 10(50,0) Feminino 10(50,0) Raça Branca 20(100,0) Estado civil Casado 15(75,0) Viúvo 5(25,0) Escolaridade Ensino fundamental incompleto 1(5,0) Ensino fundamental completo 9(45,0) Ensino médio incompleto 8(40,0) Ensino médio completo 2(10,0) Tabagismo Sim 12(60,0) Não 8(40,0) Etilismo Sim 8(40,0) Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 39

Em relação à prevalência de disfunção neurocognitiva, dos 20 pacientes entrevistados, 8 (40%) apresentaram algum comprometimento neurológico, sendo que um destes apresentou delirium no pós-operatório. De acordo com a Tabela 2, dos 20 pacientes que foram submetidos à cirurgia cardíaca, 5 (25,0%) a realizaram com circulação extracorpórea, destes, 4 (80,0%) apresentaram algum comprometimento neurológico, o restante dos pacientes, 15 (75,0%), revelaram-se sem a circulação extracorpórea, destes, 11 (73,3%) não apresentaram déficit neurológico. Embora os dados sugiram associação entre a CEC e a disfunção neurocognitiva, não há evidências de que ela exista em nossa casuística (p=0,109). Tabela 2. Influência da CEC na Disfunção Neurocognitiva. Prevalência da disfunção CEC Sim n=5 n(%) Não n=15 n(%) Valor p Sim 4(80,0) 1(20,0) 0,109 Não 4(26,7) 11(73,3) Com relação à Tabela 3, a média da taxa de glicemia mínima dos pacientes que apresentaram alteração no MEEM foi de 75,00 (±16,03) mg/dl, já os que não apresentaram disfunção foi de 78,58 (±11,72) mg/dl. Em comparação com a glicemia média, o valor entre os pacientes que apresentaram algum comprometimento neurológico foi de 115,50 (±13,44) mg/dl, e os que não apresentaram foi de 110,33 (±14,64) mg/dl. Quanto à média da glicemia máxima encontrada naqueles que apresentaram déficit neurológico, foi de 141,13 (±9,97) mg/dl, os que não apresentaram disfunção obtiveram uma média de 141,00 (±25,60) mg/dl. Todavia, a diferença na média da taxa de glicemia entre os grupos não foi considerada estatisticamente significativa nos seus diferentes níveis (p=0,536). Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 40

Tabela 3. Influência da Glicemia na Disfunção Neurocognitiva. Glicemia Disfunção neurocognitiva Sim Não Total Valor p Mínima 75,0(±16,03) 78,5(±11,72) 77,1(±13,31) 0,536 Média 115,5(±13,44) 110,3(±14,64) 112,4(±14,09) 0,373 Máxima 141,1(±9,97) 141,0(±25,60) 141,0(±20,39) 0,877 O tempo médio de internação na UTI dos pacientes que apresentaram disfunção neurocognitiva foi de 1,25 (±0,46) dias; em relação aos que não a apresentaram, o tempo médio na UTI em dias foi de 1,50 (±0,52) dias. Em comparação ao tempo de internação hospitalar, a média dos pacientes que apresentaram déficit neurológico foi de 5,38 (±1,06) dias, já o tempo de internação hospitalar dos que não a apresentaram foi de 5,42 (± 0,70) dias (Tabela 4). Portanto, não há evidencias de que a presença de disfunção neurocognitiva influencie o tempo de internação tanto na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) quanto na alta hospitalar (p=0,276). Tabela 4. Tempo de Internação hospitalar e na UTI em ambos os grupos do estudo. Tempo Disfunção neurocognitiva Sim Não Total Valor p Internação hospitalar 5,38(±1,06) 5,42(±0,69) 5,40(±0,82) 0,934 (dias) Internação UTI (dias) 1,25(±0,46) 1,50(±0,52) 1,40(±0,50) 0,276 alta hospitalar. Segundo nossos achados, não houve mortalidade no intercurso operatório a DISCUSSÃO Revelando o perfil epidemiológico da população estudada, a faixa etária predominante foi de 51 e 70 anos (média de 62,4±5,5), outros estudos que consideraram amostras maiores, demonstraram médias semelhantes: 61,5±11,0 Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 41

(n=90) (Lopes et al., 2008) e 59,3±12,3 (n=23) (Brasil et al., 2000). O gênero masculino correspondeu a 50% dos indivíduos, em contraste a estudos prévios na literatura que mostraram evidências da predominância no gênero masculino (Pinheiro et al., 2002; Carvalho et al., 2006; Lima et al., 2005; Lobo Filho et al., 2002; Silva; Bachur, 2005). As divergências apresentadas podem ter ocorrido devido à pequena amostra de nossa casuística. Não encontramos dados relacionados na literatura atual quanto ao estado civil dos pacientes, bem como, raça, escolaridade, tabagismo e etilismo, possivelmente devido às características demográficas e ao perfil dos pacientes no local onde o estudo foi realizado. Segundo uma pesquisa recente realizada com 35 pacientes candidatos a cirurgia cardíaca, foi observada uma prevalência de déficit neurológico em 43% dos pacientes após a cirurgia cardiovascular (Fudickar et al., 2011). Nossa amostra apresentou similaridade a esse estudo, com prevalência de 40% nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Essa questão apresenta resultados variados na literatura, assim, em outra pesquisa atual com uma amostra de 296 pacientes selecionados para a cirurgia cardíaca eletiva, 33 (11,2%) indivíduos apresentaram comprometimento neurológico após o ato cirúrgico (Strabelli; Stolf, 2008). Tal diferença provavelmente seja atribuída ao tempo que foi realizada a avaliação dos pacientes após a cirurgia cardíaca. Poucos são os trabalhos que descrevem as possíveis intercorrências encontradas na prática da CEC (Strabelli; Stolf, 2008). Nossa análise mostrou que dos 5 pacientes que realizaram a cirurgia cardiovascular com CEC, 4 (80%) apresentaram algum distúrbio cognitivo, em contrapartida, um estudo realizado por Navia verificou que 12% (n=3) dos indivíduos apresentaram sequelas neurológicas (Navia et al., 2005). Tal diferença deve-se possivelmente ao tipo de cirurgia cardíaca realizada, bem como à definição de disfunção neurocognitiva caracterizada pelos autores (Navia et al., 2005). Em nossa casuística, a taxa de glicemia mínima no intercurso operatório encontrada nos pacientes que apresentaram distúrbio neurológico foi de 75,00(±16,03) mg/dl, a glicemia média de 115,50(±13,44) mg/dl, e a máxima de 141,13(±9,97) mg/dl. No entanto, alguns estudos sugerem que a hiperglicemia (glicose > 200 mg/dl) é comum em cirurgias cardíacas, cujas consequências Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 42

neurológicas, embora não totalmente esclarecidas, possam influenciar largamente o metabolismo cerebral (Puskas et al., 2007). Com relação à internação na UTI hospitalar, nossa pesquisa evidenciou que o tempo transcorrido de internação na UTI daqueles que tiveram comprometimento neuronal foi de 1,25(±0,46) dias, e o tempo médio de internação hospitalar nesse mesmo grupo foi de 5,38(±1,06) dias. De acordo com um estudo recente que avaliou 203 pacientes selecionados para cirurgia coronariana (Navia et al., 2005), a média de internação na UTI foi de 1,4 (±1,2) dias, e o tempo total de internação hospitalar de 5,1 (±2,4) dias, revelando semelhança com nossos resultados. Nossos achados corroboram também com outra pesquisa atual, com destaque ao tempo de internação e à alta hospitalar (Brasil et al., 2000). Nossa pesquisa revelou ausência de óbitos registrados, diferentemente dos resultados encontrados em pesquisas recentes, que apresentaram taxa variável de mortalidade (Brasil et al., 2000; Navia et al., 2005). Essa diferença pode ser explicada pela gravidade de cada paciente, bem como pelo limitado tamanho de nossa amostra. As melhorias nas técnicas cirúrgicas e anestésicas, bem como o melhor entendimento da CEC, resultam em uma baixa incidência de complicações no intercurso operatório. Porém, as complicações neurológicas ainda continuam a ser um risco para a morbimortalidade desses pacientes. Muitos apresentam um quadro de sintomas leves ou até assintomáticos, no entanto, a detecção de lesão é de extrema importância em relação a melhorias futuras tanto na evolução da técnica operatória quanto no procedimento de CEC. Nossa pesquisa objetivou conhecer a prevalência de disfunção neurocognitiva nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca em um hospital de alta complexidade e referência localizado no município de Criciúma-SC, que foi de 40%. A população predominante foi composta por indivíduos com mais de 60 anos, da raça branca, com relacionamento estável, tabagistas, com baixa escolaridade, e sem mortalidade do intercurso operatório à alta hospitalar. A maioria das cirurgias não teve indicação de circulação extracorpórea, e a maior parte dos pacientes não apresentou disfunção neurocognitiva no pós-operatório. Verificou-se ainda a presença de risco moderado de complicações pós-cirurgia cardíaca. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 43

Podemos ainda destacar alguns vieses, dentre eles o limitado tamanho da amostra e o local de um só centro pesquisado, correspondendo a uma população específica de uma região. Portanto, novas pesquisas devem ser desenvolvidas, para melhor elucidação e entendimento dessas complicações pós-operatórias, prevenindo, assim, os efeitos deletérios e os prejuízos funcionais que as comorbidades representam a esses pacientes. REFERÊNCIAS Brasil LA, Mariano JB, Santos FM et al. Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea: experiência e resultados iniciais. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular 2000, 15 (1): 6 15. Carvalho ARS, Matsuda LM, Carvalho MSS et al. Complicações No Pós-operatório De Revascularização Miocárdica. Ciência, Cuidado e Saúde 2006, 5 ( 1): 50-59. Dias RR, Silva IA, Fiorelli AI et al. Proteção cerebral: sítios de canulação arterial e vias de perfusão do cérebro. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 2007; 22 (2): 235-140. Fudickar A, Peters S, Stapelfeldt C et al. Postoperative cognitive deficit after cardiopulmonary bypass with preserved cerebral oxygenation: a prospective observational pilot study. Departament of Anesthesiology and Intensive Care Medicine, University Hospital Scheleswig Holstein 2011, 21(1): 01-6. Guaragna JCVC, Bolsi DC, Jaeger CP et al. Preditores de disfunção neurológica maior após cirurgia de revascularização miocárdica isolada. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006 June; 21(2): 173-179. Lima R, Diniz R, Césio A et al. Revascularização miocárdica em pacientes octogenários: estudo retrospectivo e comparativo entre pacientes operados com e sem circulação extracorpórea. Revista Brasileira de Cardiologia 2005, 20 (1): 8-13. Lobo Filho JG, Leitão MCA, Lobo FHG et al. Cirurgia de revascularização coronariana esquerda sem CEC e sem manuseio da aorta em pacientes acima de 75 anos. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular 2002, 17 (1): 208-14. Lopes JB, Puig LB, Dallan LAO et al. Revascularização híbrida do miocárdio: uma alternativa para reduzir o tempo de perfusão. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular 2008, 23(2): 240-44. Navia D, Vrancic M, Vaccarino G et al. Cirurgia coronária com condutos arteriais múltiplos sem circulação extracorpórea. Serviço de Cirurgia Cardíaca do Instituto Cardiovascular de Buenos Aires (ICBA) 2005, 20 (1): 39 45. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 44

Pinheiro BB, Fagundes WV, Ramos MC, Azevedo VL, Silva JM. Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea em pacientes multiarteriais: experiência de 250 casos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002 Sep; 17(3): 242-247. Puskas F, Grocott HP, White WD, Mathew JP, Newman MF, Bar-Yosef S. Intraoperative hyperglycemia and cognitive decline after CABG. Ann Thorac Surg. 2007;84(5):1467-73. Regidor RM, Pérez VJL, Escribá BA et al. Unidad de Postoperatorio de Cirurgía Cardíaca. Med. Intensiva 2007; 31(5): 241-50. Silva ML, Bachur CK, Estudo Retrospectivo: Acidente Vascular Cerebral Como Complicação No Pós-operatório De Cirurgia Cardíaca Com Circulação Extracorpórea. Revista Científica da Universidade de Franca 2005, 5 (1-6): 145-53. Strabelli TMV, Stolf NAG, Uip DE. Uso Prático de um Índice de Risco de Complicações após Cirurgia Cardíaca. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas 2008, 91: 342-47. Revista Inova Saúde, Criciúma, vol. 3, n. 1, jul. 2014. 45