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Transcrição:

Contribuição da supercondutividade na detecção de ondas gravitacionais Odylio Denys de Aguiar Nei Fernandes de Oliveira Jr. U ma das importantes contribuições atuais da supercondutividade tem sido no desenvolvimento de uma das técnicas que são utilizadas para se tentar detectar ondas gravitacionais. Previstas pela teoria da relatividade geral de Einstein, ondas gravitacionais são perturbações do campo gravitacional que se propagam pelo universo com a velocidade da luz (Einstein, 1916). Embora haja evidências indiretas convincentes de sua existência (Taylor Jr., 1994), até hoje uma detecção direta ainda não foi possível, inclusive, porque sua interação com a matéria é extremamente pequena, demandando sensibilidades altíssimas para a aparelhagem de detecção. A observação direta de ondas gravitacionais com certeza permitirá avanços significativos na astronomia e na cosmologia. Por isso, grandes programas estão em curso atualmente com duas técnicas distintas: antenas ressonantes; e interferômetros gigantes (Vinet, 2010). Os primeiros esforços vieram de um físico americano, Joseph Weber, que propôs e construiu uma antena em forma de barra cilíndrica de alumínio, com um metro de diâmetro e um metro e meio de comprimento. As vibrações ressonantes da barra, ocasionadas pela passagem de uma onda gravitacional, seriam detectadas por transdutores piezoelétricos atados à sua superfície (Weber, 1960). O experimento de Weber não logrou sensibilidade suficiente para a detecção, mas seus seguidores continuaram a aperfeiçoar a antena resfriando-a até temperaturas extremamente baixas para minimizar o ruído térmico, e substituindo os transdutores piezoelétricos por técnicas indutivas e capaciti ODYLIO DENYS DE AGUIAR é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). NEI FERNANDES DE OLIVEIRA JR. é diretor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-IF-USP). REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012 167

100 anos de supercondutividade vas, ou mesmo por cavidades de micro-onda (Tsubono, Hiramatsu & Hirakawa, 1977; Blair & Mann, 1981). A utilização de baixas temperaturas permitiu, então, o uso da supercondutividade, principalmente na transdução, embora uma antena de Nb maciça tenha sido também construída (Blair, 1980). Os primeiros transdutores utilizavam correntes DC aprisionadas em circuitos com bobinas supercondutoras em forma de panqueca que ficavam em frente a superfícies planas também supercondutoras. O efeito Meissner forçava as linhas de campo das bobinas a ficarem concentradas no pequeno intervalo de espaço entre a bobina e a superfície plana. Qualquer movimento relativo oscilatório entre as duas mudava fortemente a indutância da bobina, causando uma modulação AC na corrente DC. Nas Figuras 1, 2 e 3 são mostrados alguns desses transdutores, que normalmente utilizavam um squid (superconductor quantum interference device) como pré-amplificador. Os primeiros squids a serem utilizados foram os squids AC (com apenas uma junção Josephson) (Jaklevic et al., 1964). Logo foram substituídos pelos squids DC (com duas junções Josephson). O material empregado era o Nb puro ou a liga de NbTi. A qualidade do processo de transdução era tanto menos ruidoso quanto maior a figura de mérito ou fator de qualidade do circuito supercondutor, o chamado Q elétrico do circuito. A pureza do nióbio empregado era crucial para a obtenção de altos Q elétricos. Nióbio com menos de 500 partes por milhão de impurezas (das quais a mais abundante é o tântalo) era o mais procurado. Como o ruído sísmico/vibracional do chão do laboratório também era outro a ser minimizado, a supercondutividade também foi tentada no isolamento vibracional das barras. As primeiras barras construídas por Fairbank e Hamilton, na década de 70, que pesavam de duas a quase cinco toneladas, eram apoiadas em chapas de NbTi, que se pretendia levitar com a ajuda de bobinas supercondutoras colocadas abaixo delas As antenas construídas na Universidade Estadual da Louisiana são mostradas na Figura 4. Inicialmente FIGURA 1 Acima: um dos primeiros transdutores não ressonantes a utilizar circuitos supercondutores (Blair, 1979). Um carretel supercondutor levitava sobre um fio com corrente e era posicionado para não correr para a direita ou esquerda (na figura) por duas bobinas panqueca energizadas; uma terceira bobina panqueca captava o sinal do movimento relativo entre a extremidade da barra, onde a base do transdutor era fixada, e o carretel, que ficava levitando e, portanto, era uma referência inercial. Abaixo: bobina panqueca (foto de coleção particular de ODA). 168 REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012

FIGURA 2 Esquerda: primeiro transdutor ressonante supercondutor utilizado em detecção de ondas gravitacionais (Paik, 1976); Direita: circuito desse transdutor utilizado na Universidade de Stanford. Uma corrente DC era aprisionada no circuito das bobinas panqueca, que faceavam uma membrana supercondutora, cuja ressonância mecânica ocorria na mesma frequência de oscilação longitudinal da barra (portanto, barra e membrana tinham oscilações acopladas). Qualquer movimento relativo entre a membrana e as bobinas mudava fortemente as impedâncias destas, pois as linhas de campo magnético estavam comprimidas entre as bobinas e a membrana por efeito Meissner. Esse transdutor utilizava squid AC. FIGURA 3 Transdutor utilizado na Universidade Estadual da Louisiana na década de 90 (Solomonson, 1990). O princípio de funcionamento era semelhante. A membrana de nióbio foi substituída por uma placa de nióbio que oscilava presa à sua região central; o squid utilizado era o do tipo DC. REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012 169

100 anos de supercondutividade FIGURA 4 Esquerda: a primeira barra da Universidade Estadual de Louisiana, de 4,8 toneladas. A foto (Hamilton et al., 1978) mostra a equipe colando NbTi na região central da barra. Direita: detector da Universidade Estadual da Louisiana com a sua barra definitiva de 2,3 toneladas, de 3 metros de comprimento e 60 cm de diâmetro. O transdutor da Figura 3 se encontra na extremidade da barra. O cilindro paralelo na parte de cima do Dewar é um reservatório de hélio líquido. Um dos autores (ODA) é visto observando com uma lupa esse transdutor (http://www.phys.lsu.edu/newwebsite). FIGURA 5 Acima: squid DC fabricado na Universidade de Maryland. O squid propriamente dito se encontra no quadrado verde abaixo da cabeça de parafuso (foto de coleção particular de ODA). Abaixo: foto ampliada do squid DC (foto de coleção particular de ODA). 170 REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012

foi utilizada uma antena de alumínio de 4,8 toneladas, que foi levitada por supercondutividade. Depois a levitação por supercondutividade foi abandonada na utilização de uma barra de menor diâmetro e 2,3 toneladas de massa. A efetividade e a simplicidade de filtros mecânicos acabaram se impondo. Outro uso da supercondutividade na área de detecção de ondas gravitacionais foi com o emprego do squid como transdutor magnetoelétrico (que converte o campo magnético medido em uma voltagem de sinal elétrico). Aqueles transdutores com bobinas e fiação supercondutora eram perfeitos para serem utilizados em conjunto com os squids. Na Figura 5 é mostrado um squid DC não comercial totalmente produzido na Universidade de Maryland. Os transdutores posteriormente evoluíram para circuitos AC, envolvendo cavidades ressonantes de micro-ondas de alto Q elétrico. Esse tipo de transdutor é o utilizado pelo grupo brasileiro do detector Mario Schenberg, que se encontra instalado no Laboratório de Estado Sólido e Baixas Temperaturas do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. O Brasil também contribui para o esforço mundial com um projeto próprio de antena, financiado pela Fapesp, o projeto Gráviton. Sob a coordenação de um grupo do Inpe, esse projeto congrega várias outras instituições, principalmente o IF-USP, onde a antena está instalada. O projeto brasileiro inova em vários aspectos e não apenas no sistema de transdução. Pela primeira vez utiliza uma antena de forma esférica. A ideia é antiga, pois foi proposta por Robert Forward ainda nos anos 70 (Forward, 1971), mas nunca antes utilizada. Ela tem grandes vantagens sobre a barra: devido às características da onda gravitacional, sua sensibilidade é maior; e sua omnidirecionalidade permite a instalação de transdutores de forma a poder determinar, por exemplo, a direção de propagação da onda. Outro aspecto inovador do projeto brasileiro é o material da antena. Para uma antena ressonante pretende-se um material com alto fator de qualidade mecânica (Q mec ), de maneira que, uma vez excitada em sua frequência de ressonância, permaneça vibrando por longo tempo (como um sino) para facilitar a detecção, possibilitando que o sinal da onda gravitacional, que varia na escala de tempo da ordem do seu período, seja discriminado computacionalmente em relação ao ruído browniano, o qual varia na escala de tempo do decaimento da oscilação, que é muito maior, por causa do alto Q mec. Até aqui o material sempre utilizado foi a liga de alumínio 5056. Infelizmente, abaixo de ~ 0,9 K esse material se torna supercondutor (Coccia & Niinikoski, 1983) e, como supercondutores são maus condutores térmicos, seu resfriamento abaixo dessa temperatura se torna impraticável. Como o projeto brasileiro pretende um super-resfriamento da antena (~ 0,02 K), foi necessário inicialmente pesquisar uma liga de cobre (bom condutor térmico e que não fica supercondutor) que reproduzisse a qualidade mecânica da liga de alumínio. Isso foi possível com a liga 94% cobre-6% alumínio (Frossati, 1997). Aqui, a supercondutividade do alumínio foi um entrave. Na Figura 6 é mostrado um desenho do detector brasileiro Mario Schenberg com sua antena esférica. Os transdutores têm cerca de 3 cm de diâmetro e 3 cm de comprimento. Eles são presos por contração térmica diferencial entre o material da antena e os transdutores fabricados de molibdênio com partes de nióbio e membranas de silício. Nas figuras 7 e 8 são mostradas fotos do detector, desenho do circuito transdutor e foto do sítio (laboratório) onde se encontra o detector. Os transdutores são mostrados na Figura 9. Eles são do quinto modelo, que foi desenvolvido com o objetivo de maximizar os fatores de qualidade (Q mec ) dos modos de oscilação mecânica e o acoplamento do sinal de micro-ondas com a cavidade supercondutora. Todos esses desenvolvimentos foram realizados pelo grupo brasileiro. As deposições de nióbio nas membranas de silício, por outro lado, são feitas no Laboratório de Luz Síncroton (ABTLuS), em Campinas. Estão sendo construídos dezesseis transdutores desse modelo, oito com membranas de silício de 12 mm (a primeira fileira na REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012 171

100 anos de supercondutividade FIGURA 6 Esquerda: desenho do detector brasileiro Mario Schenberg com sua antena esférica (Aguiar et al., 2002). Os transdutores têm cerca de 3 cm de diâmetro e 3 cm de comprimento. Eles são alojados em orifícios na superfície da esfera e presos por contração térmica diferencial entre o material da antena (cobre-alumínio, 94%-6%) e os transdutores, fabricados de molibdênio com partes de nióbio e membranas de silício, quando a antena esférica é resfriada até as baixas temperaturas de funcionamento (< 4,2 K). Em vez de uma corrente DC, esses transdutores são energizados com um sinal AC puro de em torno de 10 GHz, que ressoa nas suas respectivas cavidades de micro-ondas supercondutoras (detalhe na figura de baixo à esquerda). O movimento oscilatório da esfera é transmitido para a membrana, com um fator de 10 mil de amplificação mecânica. Esse movimento oscilatório da membrana modula o sinal puro de micro-ondas dentro da cavidade supercondutora, produzindo bandas laterais que são pré-amplificadas por HEMTs (high electron mobility transistors). No caso do detector Schenberg, esses HEMTs têm apenas dez vezes mais ruído que o limite quântico em 10 GHz. Direita: experimento de medição do fator de qualidade elétrico (Qe) das cavidades de micro-ondas supercondutoras. Figuras de mérito elétricas de até 300 mil foram medidas para essas cavidades em torno de 10 GHz (Furtado, 2009). 172 REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012

caixa) e oito com membranas de silício de 16 mm (a segunda fileira). O transdutor que saiu na foto da esfera é o faltante na caixa e, portanto, tem membrana de 12 mm. Já aquele da foto ampliada é um dos que utilizará uma membrana de 16 mm. Existe uma diferença de diâmetro da parte que contém a membrana entre esses dois grupos. Em razão do alto Q elétrico (~ 300 mil), graças à supercondutividade do nióbio, o acoplamento da cavidade com as duas sondas (a que traz o sinal puro de micro-ondas e a que leva o sinal modulado) será tentado através de dois orifícios situados na região central da capa de nióbio. Simulações computacionais indicam que as sondas podem ter acoplamento unitário com as cavidades sem tocar nas paredes dos orifícios de 4 mm situa dos na capa de nióbio, dispensando o uso de antenas de microfitas. Testes serão realizados para confirmar essas simulações. FIGURA 8 Foto recente do detector Mario Schenberg sendo preparado para operar com um conjunto completo de seis transdutores de maior sensibilidade, já operando com cavidades supercondutoras. FIGURA 7 Esquerda: foto do detector brasileiro Mario Schenberg na época da sua primeira corrida operacional em setembro de 2006 (Costa et al., 2008), com apenas três transdutores (ele está sendo preparado para operar com o conjunto completo de seis transdutores). Direita: desenho esquemático do circuito eletrônico para cada transdutor (de autoria de Xavier Gratens). REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012 173

100 anos de supercondutividade FIGURA 9 Desenhos e fotos dos transdutores que estão sendo construídos. No centro, à esquerda, é mostrado um dos transdutores (o que está faltando na caixa) alojado em um dos orifícios de 3 cm de diâmetro da antena esférica e a montagem que vai posicionar o cabeamento na frente do transdutor, sem tocá-lo, para transmitir o sinal de micro-ondas puro e receber o sinal modulado, com a informação da oscilação da antena esférica. Cada transdutor é composto: por uma peça de molibdênio, que inclui as molas do primeiro modo mecânico e a parte que é presa nos orifícios da antena esférica de CuAl (6%) por contração diferencial, após resfriamento; uma capa de nióbio, que forma mais da metade da cavidade supercondutora; uma membrana de silício de poucos miligramas, que oscila na mesma frequência da antena esférica e que se constitui no elemento sensor da cavidade de micro-ondas supercondutora; o filme de nióbio depositado sobre essa membrana de silício, doze parafusos M2 de aço inox, que mantêm a capa de nióbio unida à peça de molibdênio. BIBLIOGRAFIA AGU IAR, O. D.; ANDRADE, L. A.; CAMARGO FILHO, L.; COSTA, C. A.; ARAUJO, J. C. N. de; REY NETO, E. C. de; SOUZA, S. T. de; FAUTH, A. C.; FRAJUCA, C.; FROSSATI, G.; FURTADO, S. R.; FURTADO, V. G. S.; MAGALHÃES, N. S.; MARINHO JR., R. M.; MATOS, E. S.; MELIANI, M. T.; MELO, J. L.; MIRANDA, O. D.; OLIVEIRA JR., N. F.; RIBEIRO, K. L.; SALLES, K. B. M.; STELLATI, C.; VELLOSO JR.,W. F. The Status of the Brazilian Spherical Detector, in Class. Quantum Grav., 19, 2002, pp. 1.949-53. BLA IR, David G. Superconducting Accelerometer Using Niobium-on-sapphire of Resonator, in Rev. Sci. Instruments, 50, 1979, pp. 286-91.. Progress in the Development of High Sensitivity Gravitational Radiation Antennas, in Australian Journal of Physics, 33, 1980, pp. 923-39. 174 REVISTA USP São Paulo n. 92 p. 167-175 dezembro/fevereiro 2011-2012

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