NOTA TÉCNICA COMPETÊNCIA PARA REALIZAR ABORDAGEM POLICIAL

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Transcrição:

CONSELHO NACIONAL DE COMANDANTES GERAIS DAS POLÍCIAS MILITARES E CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES CNCG - PM/CBM NOTA TÉCNICA COMPETÊNCIA PARA REALIZAR ABORDAGEM POLICIAL I.OBJETIVO A presente nota técnica tem por objetivo explicitar o conceito técnico de abordagem policial e ao mesmo tempo demonstrar a competência legal dos órgãos que a podem realizá-la; servindo, portanto, como instrumento de orientação/esclarecimento aos profissionais de segurança pública e à população sobre o tema em questão. II. DEFINIÇÕES Inicialmente, é necessário entender o conceito de abordagem policial. No contexto dessa nota, a abordagem é a ação rotineira, que ocorre durante o patrulhamento diário ou operação policial. No jargão popular são as chamadas blitz, batidas policiais, revista, baculejo, dentre outras expressões. Este tipo de abordagem, decorrente da atuação policial, limita temporariamente o direito à locomoção dos cidadãos (art. 5º, XV, CF), sendo necessária para verificar situações fáticas que poderão atingir a sociedade de forma negativa, consubstanciando verdadeira prevenção à prática de eventuais delitos. Nesse sentido, ROGÉRIO GRECO afirma que as blitz policiais, tão comuns nos dias de hoje, podem e devem ser realizadas normalmente, como parte da atividade de prevenção aos delitos. 1 Ela é fundamental, portanto, nas ações de polícia preventiva, na medida que é instrumento necessário para garantir que armas e objetos ilícitos não sejam utilizados na prática de crimes. Ademais, permite que criminosos sejam identificados antes de ações delituosas, preservando a vida e garantindo a ordem social. Ao citarmos a ordem social, remetemos à Jean-Jacques Rousseau que a define como o direito que não existe na natureza e fundamenta-se em convenções e, destas, 1 GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Niterói, RJ: Impetus, 2012, pag. 34 1

surge o contrato social, em que, em benefício da coletividade, o homem deixa de exercer sua liberdade natural em prol da liberdade civil, o que possibilita a convivência em sociedade. 2 No caso da abordagem, o Estado adota a restrição momentânea de determinados direitos e liberdades civis, em proveito de uma ação que garanta preventivamente a segurança pública, um dos direitos supremos da sociedade que garante o exercício dos demais direitos. Essa limitação do direito à liberdade provém do poder de polícia, cujo conceito está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 78, in verbis: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (BRASIL, 1966). Destarte, o policial ao abordar o cidadão interrompe sua trajetória, cerceando, naquele momento o seu direito de locomoção, permanecendo a pessoa sob tutela temporária do agente. Assim, na abordagem policial há o conflito de direitos fundamentais, pois o direito de locomoção 3 é, momentaneamente, tolhido pelo poder de polícia, que garante o direito à segurança 4. Deste modo, na ocorrência destes conflitos, buscar-se-á a harmonização, prevalecendo o interesse público sobre o interesse particular 5. Nesse sentido, Alexandre de Moraes destaca: [...]quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito [...] 6 Em relação à abordagem policial, é importante destacar, ainda, que constitui ato administrativo o qual, Meirelles, define: [...] é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, 2 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Ricardo Rodrigues da Gama. 1ª ed. São Paulo: Russel, 2006. 3 Artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal. 4 Artigo 5º, caput, da Constituição Federal. 5 Celso Antônio Bandeira de Mello diz que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005, pag. 96. 6 MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003. 2

transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. 7 Desse modo, as características oriundas dos atos administrativos necessariamente estão presentes no momento da abordagem policial, resguardando a atuação dos agentes do Estado. Noutro giro, em termos práticos, em regra a abordagem é a aproximação do policial das pessoas para realização de procedimentos que visam inibir a prática de crimes. Nessa linha, Tânia Pinc 8, citando Ramos e Musumeci, define a abordagem policial como o contato cotidiano comum entre a polícia e a sociedade com a finalidade de prevenção: Na relação cotidiana entre a polícia e o público, a abordagem policial é um dos momentos mais comuns da interface entre esses atores. Ramos e Musumeci a definem como situações peculiares de encontro entre a polícia e população, em princípio não relacionadas ao contexto criminal. Acrescento a esta definição que a abordagem representa um encontro entre a polícia e o público e os procedimentos adotados pelos policiais variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com que interage, podendo estar relacionada ao crime ou não. Essa é uma ação policial proativa 9, que ocorre durante as atividades de policiamento, cujos procedimentos prevêem a interceptação de pessoas e veículos na via pública e a realização de busca pessoal e revista veicular, com o objetivo de localizar algum objeto ilícito, como drogas e armas de fogo. A decisão de agir é exclusiva do policial e é respaldada por lei. (PINC, 2007). 10 Convém ainda, trazer à colação o conceito introduzido pelo Caderno Doutrinário nº 1 da Polícia Militar de Minas Gerais que trata da intervenção policial, verbalização e uso da força: Trata-se de um conjunto de ações policiais ordenadas e qualificadas para que o policial possa se aproximar de pessoas, veículos ou edificações com o intuito de orientar, identificar, advertir, realizar buscas e efetuar detenções. Para tanto, utiliza-se de técnicas, táticas e meios apropriados que irão variar de acordo com as circunstâncias e com a avaliação de risco. 11 Nesse diapasão, ASSIS entende a abordagem policial como ato de aproximarse. Daí a palavra abordagem. Na técnica policial, podemos conceituar abordagem como o ato de aproximar-se de pessoas, veículos, embarcações, aeronaves ou edificações 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores: 2011, pag. 156. 8 Tânia Pinc. Abordagem Policial: avaliação do desempenho operacional frente à nova dinâmica dos padrões procedimentais. 2007. Disponível em : http://www.uece.br/labvida/dmdocuments/abordagem_policial_avaliacao_do_desempenho_operacional.pdf. Acesso em 21/02/2018. 9 PINC (2007) em sua pesquisa cita Shermam para definir a ação policial proativa, como a relação direta entre o cidadão e a polícia podendo ocorrer de duas maneiras: (1) ação policial reativa; quando a iniciativa é do cidadão as ligações ao 190 são exemplo; e (2) ação policial proativa, quando a iniciativa é da polícia como exemplo a abordagem. (cf. Bayley; 1985: 36) 10 Idem. 11 MINAS GERAIS, Polícia Militar de. Prática policial básica. Caderno Doutrinário 1 - intervenção policial, verbalização e uso da força. Belo Horizonte: Academia da Polícia Militar, 2010. p. 48. 3

visando confirmar ou não a suspeição que motivou a ação policial: fundada suspeita (quando houver indícios de que a pessoa traga consigo objetos ou coisas relacionadas a ilícitos penais, tendo por base a lei processual penal) ou fundada motivação (para prevenir ofensas à segurança e à ordem pública, tendo por fundamento o Poder de Polícia). 12 Portanto, conjugando todas esses conceitos podemos definir abordagem policial como instrumento administrativo, preventivo, em que o policial aproxima-se do abordado, limitando temporariamente o direito à locomoção com fundamento no poder de polícia, visando, primordialmente, a prevenção da prática de delitos. III. ABORDAGEM POLICIAL E A BUSCA PESSOAL No Brasil, a abordagem policial é usada equivocadamente como sinônimo de busca pessoal, uma vez que, geralmente, há a necessidade de realizar tal procedimento em decorrência daquela. Ocorre, entretanto, que o conceito de abordagem policial é mais amplo. Na realidade, a abordagem é o ato administrativo em que o policial, por meio de um conjunto de ações ordenadas e qualificadas, aproxima-se de pessoas, veículos ou edificações com o intuito de orientar, identificar, advertir, realizar buscas e efetuar detenções. Com efeito, a abordagem possui finalidade precípua de prevenção da prática de eventuais delitos, constituindo verdadeiro exercício do poder de polícia. Já o instituto da busca pessoal é instrumento jurídico que está definido no Código de Processo Penal, in verbis: Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Do dispositivo, extraímos que a busca pessoal é imperativa, exige a necessidade de fundada suspeita, e ocorre sem necessidade de consentimento, e é autoexecutável, uma vez que dispensa a necessidade de mandado judicial para realização. Segundo Carvalho Filho, a aplicação do instituto jurídico em apreço: É possível quando houver fundada suspeita de que alguém oculte ou traga consigo coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de fal- 12 ASSIS. José Wilson Gomes de. Considerações acerca da abordagem policial no direito brasileiro e no direito comparado. 2015 Disponível em < http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/abordagemwilsongomes.pd f> Acesso em 22/05/2017 4

sificação ou de contrafação, objetos falsificados ou contrafeitos, armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu ou qualquer elemento de convicção. 13 Dessa forma, a busca pessoal está inserida no contexto de abordagem policial, porém não constitui seu todo, é um instrumento dela. Existem, por exemplo, abordagens sem a execução da busca pessoal, como abordagens de trânsito, orientações, assistência etc. Por fim, podemos dizer que a busca pessoal é instrumento legal que garante ao policial, durante a abordagem e dentro das hipóteses previstas em lei, a possibilidade de realizar procedimentos para verificar se pessoas ocultam ou trazem consigo objetos ilícitos para prática de crimes. IV. COMPETÊNCIA PARA ABORDAR No direito público, o competente é a autoridade que tem investidura legal para praticar determinado ato administrativo. 14 Mauro Sérgio dos Santos a define como o poder conferido por lei para a atuação do agente, com vistas a praticar determinada conduta visando a consecução do interesse público. 15 E no caso da abordagem policial, qual autoridade está investida legalmente do poder de intervir e limitar o direito à locomoção do cidadão para realização de busca pessoal e outros procedimentos policiais? O primeiro pressuposto para que a abordagem possa ocorrer é que o agente seja integrante de instituição policial, ou seja, não basta ser possuidor do poder de polícia, mas estar investido do poder da polícia. ALVARO LAZZARINI, define bem o que consiste o poder intrínseco ao conceito de polícia, in verbis: Polícia designa o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo- se a propriedade e outros direitos individuais. Importante é, no entanto, o ensinamento de José Cretella Júnior no sentido de que "ao passo que a polícia é algo em concreto, é um conjunto de atividades coercitivas exercidas na prática dentro de um grupo social, o poder de polícia é uma facultas, uma faculdade, uma possibilidade, um direito que o Estado tem de, através da polícia, que é uma força organizada, limitar as atividades nefastas dos cidadãos.usando a linguagem aristotélica-tomista" - continua José Cretella Júnior -, "podemos dizer que o poder de polícia é uma potencialidade, é alto em potência, ao passo que a polícia é uma realidade, é algo em 13 CARVALHO FILHO,José dos Santos.Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro,: Lumen Juris, 2007, p.309. 14 CAVALCANTI, Teoria dos atos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 67. 15 SANTOS, Mauro Sergio dos. Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 202. 5

policiais. ato. O poder de polícia legitima a ação da polícia e a sua própria existência", concluiu, com exatidão científica, o festejado mestre21 Como poder administrativo, assim, o Poder de Polícia, que legitima o poder da polícia... 16 Portanto, não há que se falar em instituições não policiais realizando abordagens Nas blitz de trânsito feitas por órgãos não policiais, por exemplo, o que ocorre é mera fiscalização de trânsito, estando os agentes vinculados às ações determinadas pelo Código de trânsito brasileiro. Vejamos a definição do CTB: FISCALIZAÇÃO - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código. 17 Diante do exposto, excluídos os órgãos não policiais na execução do objeto em estudo, é importante identificar qual a instituição policial está autorizada a sair nas ruas para, de forma preventiva, proceder em abordagem aos cidadãos. Para tanto, faz-se necessário recorrer a carta Magna vigente. O artigo 144 da Constituição Federal é quem define os integrantes do sistema de segurança pública brasileiro, in verbis: in verbis : Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: a I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. Nesse contexto, a Constituição Federal atribui a cada órgão funções específicas, 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. 16 LAZZARINI, Álvaro. Limites do poder de polícia. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 198,, out. 1994, p. 73. 17 Anexo I do Código Brasileiro de trânsito. 6

2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Destarte, a atividade policial no Brasil compreende duas grandes áreas, a administrativa e a judiciária. Moreira Neto esclarece as diferenças entre elas: O Estado atua na prevenção (precedendo o rompimento da ordem pública) e na repressão (sucedendo o rompimento da ordem pública) desempenhando funções de polícia de ordem pública. Também atua no desempenho da função de polícia judiciária, quando da preparação da repressão penal. Daí decorrem as duas modalidades de polícia que atuam na segurança pública: a polícia administrativa de ordem pública e a polícia judiciária, cada uma delas desempenhando funções distintas e definidas, embora possam estar cumuladas na mesma instituição, tudo dependendo dos critériosdo legislador. 18 Em suma, a polícia administrativa tem cunho preventivo, atuando para que o crime não ocorra. Já a polícia judiciária, atua após a ocorrência do delito, possuindo natureza de atividade repressiva. Portanto, temos a Polícia Federal com características de polícia administrativa e judiciária da União, as polícias civis como polícias judiciárias dos Estados e as polícias militares, rodoviária federal e ferroviária federal como polícias administrativas e de repressão imediata. Com isso, ao definirmos a abordagem policial como instrumento de prevenção da prática delituosa, fica claro que é ato próprio de polícia administrativa e não de polícia judiciária. Em sendo, a abordagem policial ato administrativo discricionário de polícia preventiva, há no instituto em apreço a indagação da oportunidade e conveniência do ato, zona livre em que a vontade do administrador decide sobre situações mais adequadas ao interesse público. 19 18 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p.328-329. 19 MEDAUAR, Odete. Poder discricionário da administração. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 610, p. 39-45, ago-1986, p. 42. 7

Assim, o poder para decidir sobre a conveniência e oportunidade para realização de abordagem recai exclusivamente sobre a polícia ostensiva. Cumpre destacar que para o exercício desse poder os limites legais devem ser respeitados, como é caso da busca pessoal que exige a fundada suspeita. Na concepção de Álvaro Lazzarini : Polícia Ostensiva é atribuição com extensão ampla, abrangendo todas as fases do poder de polícia, onde o militar estadual no exercício de sua autoridade pública, identificada de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, visa ilidir condutas ilícitas, protegendo a integridade de pessoas, bens e serviços. 20 Deste modo, o conceito de abordagem policial, segundo a carta Magna vigente, está intrinsecamente ligado à atividade das Polícias Militares, constituindo o principal elemento para que estas corporações coíbam a prática de delitos. Para ASSIS, a abordagem preventiva é o fundamento da competência constitucional da prevenção e garantia da ordem pública : Busca pessoal preventiva é aquela executada pela Polícia Militar no exercício de sua atividade de polícia preventiva, com fulcro no seu poder discricionário de Polícia Ostensiva de Segurança Pública, visando à preservação da ordem pública e a prevenção da prática de delitos. (ASSIS, 2015, P. 6) 21 Destarte, a competência para realização das abordagens policiais, como prática de prevenção de crimes, é exclusiva das polícias militares, ressalvadas as competências da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal. Em relação às abordagens realizadas pela polícia judiciária, diferentemente das abordagens executadas em sede de polícia ostensiva, constituem atos administrativos vinculados, ou seja, só pode ocorrer no exercício das suas atribuições legais. A esse respeito, é importante salientar que no ato vinculado não existe a liberdade atribuída ao agente administrativo, ou seja, ele só pode agir dentro dos parâmetros pré estabelecidos em lei. Nesse sentido, BACELLAR FILHO e VLADIMIR FRANÇA afirmam que o mérito só existe nos atos administrativos discricionários, pois nos atos vinculados o juízo de oportunidade já foi analisado e definido pelo legislador no momento de criação da lei e, portanto, não há espaço para uma avaliação de conveniência e oportunidade por parte de Administração Pública. 22 20 Estudos de Direito Administrativo.2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999,p. 103. 21 ASSIS. José Wilson Gomes de. Considerações acerca da abordagem policial no direito brasileiro e no direito comparado. 2015. Disponível em <http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/abordagemwilsongomes.pd f> Acesso em 22/05/2017 22 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito administrativo..., op. cit., p. 73 e FRANÇA, Vladimir da Rocha. Vinculação e discricionariedade..., op. cit., p.106. 8

Em suma, este tipo de abordagem pode ocorrer somente quando o agente, no cumprimento do seu dever de ofício, imposto por lei (diligências para cumprimento de mandado judicial, investigações criminais, etc.), se depara com a necessidade de realização de busca pessoal ou outro procedimento policial necessário para o cumprimento de sua missão. Para Assis, o fundamento para essa abordagem é a lei processual penal visando apenas a obtenção de provas para a persecução penal: Busca pessoal processual é uma medida de natureza cautelar coercitiva, realizada pós-delito, visando o acautelamento de material probatório de ilícito penal. É regida pelas normas processuais penais (notadamente pelo art. 244, caput) e, em regra, só poderá ser executada em virtude de mandado, exceto por ocasião de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo coisa obtida por meio criminoso, ou de porte proibido ou de interesse probatório, ou quando determinada durante a busca domiciliar, como estabelece o artigo supracitado. 23 Portanto, a polícia judiciária não pode sair ostensivamente nas ruas para realizar abordagens policiais preventivas, uma vez que a prática de polícia ostensiva é defeso às Polícias Militares, conforme determina a Constituição Federal, ressalvadas as competências das polícias rodoviária e ferroviária federal. V. CONCLUSÃO Ex positis, a abordagem policial é instrumento essencialmente preventivo e usado na garantia constitucional de segurança ao cidadão. Com isso, a abordagem é ato administrativo discricionário próprio de polícia administrativa (preventivas), especialmente das polícias militares, as quais recaem, no contexto do sistema de segurança pública brasileiro, a missão de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, conforme preceitos constitucionais. Assim, as milhares de abordagens realizadas, diuturnamente, pelas polícias militares garantem a segurança pública e a paz social, assegurando que o iter criminis não se consubstancie em execução e consumação. CONSELHO NACIONAL DE COMANDANTES GERAIS DAS POLÍCIAS MILITARES E CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES - CNCG 23 ASSIS. José Wilson Gomes de. Considerações acerca da abordagem policial no direito brasileiro e no direito comparado. 2015. Disponível em <http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/abordagemwilsongomes.pd f> Acesso em 20/02/2018 9