Tumor odontogênico ceratocístico: relato de caso clínico

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Transcrição:

51 Peralta FS, Quadros JG, Magnabosco Neto AE, Araujo KL, Scherma AP. Tumor odontogênico ceratocístico: relato de caso clínico. ClipeOdonto. 2016; 8(2):51-7. Tumor odontogênico ceratocístico: relato de caso clínico Keratocystic odontogenic tumor: A case study Felipe da Silva Peralta 1 Jill Guilherme de Quadros 1 Antônio Eugênio Magnabosco Neto 1 Kleber Lisboa de Araujo 2 Alexandre Prado Scherma 3 Correspondência: apscd27@yahoo.com.br Submetido: 30/10/2016 Aceito: 08/12/2016 Resumo O Tumor Odontogênico Ceratocístico (TOC) é uma neoplasia odontogênica que apresenta comportamento clínico localmente agressivo e alta taxa de recidiva. O presente estudo apresenta um caso clínico de TOC tratado com enucleação e curetagem, com acompanhamento radiográfico de um ano. Paciente do gênero masculino, 58 anos, leucoderma, procurou atendimento especializado em curso de pós-graduação com queixa de pouca abertura bucal e aumento de volume mandibular no lado direito. Após anamnese e exames clínico e radiográfico, o paciente foi submetido à biópsia incisional que confirmou o diagnóstico de Tumor Odontogênico Ceratocístico. Posteriormente, realizou-se procedimento cirúrgico para enucleação e curetagem da lesão em ambiente hospitalar sob anestesia geral. O paciente esteve em controle ambulatorial e radiográfico com um ano de acompanhamento, sem evidências de recidiva da lesão e sem queixas estéticas ou funcionais. A região operada apresentou-se praticamente remodelada. É fundamental que relatos de casos clínicos com experiências de tratamento e acompanhamento do TOC sejam descritos na literatura para que aspectos inerentes ao próprio tratamento possam ser discutidos, como morbidade cirúrgica, recidivada da lesão, entre outros, pois ainda não há um consenso absoluto a respeito do tratamento do TOC. Palavras-chave: Tumores Odontogênicos; Mandíbula; Enucleação Abstract The keratocystic odontogenic tumor (KOT) is an odontogenic neoplasia that presents locally aggressive clinical behavior and a high relapse rate. The aim of this work was to present a case study of a patient with KOT who was treated using enucleation and curettage and followed up radiographically for 1 year. A 58-year-old man with leukoderma sought specialized care in the graduate course; he could only open his mouth slightly, and had increased mandibular volume on the right side. After anamnesis, as well as clinical and X-ray examinations, the patient underwent an incisional biopsy, which confirmed the diagnosis of KOT. Later, enucleation and curettage of the lesion were performed under general anesthesia. The man was followed up as an outpatient and underwent regular radiographic examination for one year. There was no evidence of injury recurrence, and the man had no subsequent esthetic or functional complaints. The operated region has been practically remodeled. It is essential that clinical case studies regarding the treatment and monitoring of KOT be described in the literature. After all, because there is still no absolute consensus on KOT treatment, clinicians must discuss some characteristics inherent to the treatment, such as surgical morbidity, recurrent injury, etc. Key words: Odontogenic Tumors; Mandible; Enucleation. 1 Faculdade Sete Lagoas- FACSETE, Joinville, SC, Brasil. 2 Hospital e Maternidade Jaraguá, Jaraguá do Sul, SC, Brasil. 3 Universidade de Taubaté-UNITAU, Taubaté, SP, Brasil.

52 Introdução O Tumor Odontogênico Ceratocístico (TOC), anteriormente denominado Ceratocisto Odontogênico, foi reclassificado no ano de 2005 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma neoplasia odontogênica, que apresenta comportamento clínico localmente agressivo e alta taxa de recidiva [1,2,3,4,5]. A lesão ocorre principalmente entre a segunda e terceira década de vida, com predileção por indivíduos leucodermas. Os homens são mais afetados do que as mulheres. Sintomas como dor e abaulamento local podem ser percebidos, assim como a presença de abscessos decorrentes de infecções secundárias [2,5,6,7,8]. A odontogênese explica a maior ocorrência da patologia nos ossos gnáticos, já que a lesão se desenvolve a partir da proliferação e multiplicação de remanescentes da lâmina dentária. Assim, a mandíbula é mais afetada do que a maxila e as lesões se localizam principalmente em ângulo mandibular [9]. Histologicamente, o TOC tem a principal característica de se apresentar revestido de epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado com camada basal composta por células colunares ou cúbicas dispostas em paliçada, muitas vezes com hipercromatismo nuclear. Este epitélio delimita uma cavidade que pode estar preenchida com material caseoso, que consiste de restos de ceratina. A junção epitélio-conjuntivo frequentemente é plana. Mais externamente, apresenta um tecido conjuntivo fibroso, friável e bem vascularizado, geralmente sem infiltrado inflamatório. Em alguns casos, podem ser observados ilhas, cordões ou pequenos cistos-satélites neste tecido conjuntivo fibroso [6]. A grande maioria das lesões é intraóssea, sendo raro o acometimento periférico. A lesão pode causar espaçamento entre os dentes adjacentes e reabsorção radicular. Uma das características marcantes do TOC é a elevada capacidade proliferativa do epitélio, formando os chamados cistos satélites, os quais podem ser responsáveis pela sua agressividade local e alta taxa de recidiva [6,10]. Em alguns casos, a presença do tumor odontogênico ceratocístico pode estar associada com a Síndrome do Carcinoma Nevóide Basocelular (Síndrome de Gorlin-Goltz). Essa síndrome se caracteriza justamente pela presença de tumores odontogênicos ceratocísticos e carcinomas basocelulares. Além disso, outras manifestações que compõem essa síndrome são: costela bífida, prognatismo mandibular e anomalias neurológicas [1,6,8]. Com relação ao tempo de evolução, as lesões podem apresentar crescimento lento, não havendo predominância de um padrão radiográfico específico. Contudo, o TOC se apresenta normalmente nas radiografias como imagem radiolúcida de margens escleróticas bem definidas [4,6]. A análise radiográfica, embora sugestiva, não é suficiente para o diagnóstico. Considerando que esta patologia se assemelha a outras lesões císticas ou neoplásicas, pode-se ter como diagnóstico diferencial as seguintes patologias: cisto radicular inflamatório, cisto dentígero e ameloblastoma. Assim, se faz necessária uma avaliação histopatológica para o diagnóstico definitivo da lesão [2]. Como citado anteriormente, a recidiva é uma característica marcante do TOC, que requer atenção especial no tratamento e acompanhamento da patologia. Assim, algumas tentativas foram realizadas para explicar a capacidade recidivante dessa lesão, dentre as quais podemos citar: persistência de restos epiteliais ou microcistos nos tecidos adjacentes após a remoção cirúrgica, cápsula friável, extensão, localização da lesão e tratamento inadequado [4]. Múltiplos tratamentos para o TOC têm sido propostos e discutidos na literatura [6]. O desafio implica em minimizar os riscos de recidivas e diminuir a morbidade cirúrgica causada pela ressecção da lesão. Assim, modalidades terapêuticas como uma simples descompressão, enucleação com ou sem curetagem da lesão e ressecção radical com margem de segurança são discutidos [11].

53 Prolongados períodos de acompanhamento são necessários após tratamento do TOC para se constatar realmente que o indivíduo foi curado da patologia [8]. Relato do caso Paciente do gênero masculino, 58 anos, leucoderma, apresentou-se no Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial com queixa de pouca abertura bucal e inchaço na mandíbula do lado direito do rosto. Durante a anamnese, o paciente apresentou boa condição geral de saúde, sem sinais e sintomas de doença crônica. Ao exame físico intra e extrabucal, verificou-se um aumento de volume na região de mucosa jugal do lado direito, sem alteração de cor, ausência de sangramento ou supuração, sem dor à palpação e de consistência dura (Figura 1). Figura 1 - Aumento de volume na região de mucosa jugal do lado direito Após avaliação clínica inicial, foi solicitada radiografia panorâmica, na qual se pôde observar a presença de uma lesão situada em ângulo e ramo da mandíbula. Em seguida, tomografia computadorizada foi realizada para determinar os limites da lesão. Através desse exame, foi possível observar nitidamente a presença de lesão hipodensa multilocular, de grandes proporções, com seus limites bem definidos, que provocou expansão das corticais vestibular e lingual, com consequente deformação do processo coronóide (Figura 2). Figura 2- Imagem do cisto em visão panorâmica da tomografia computadorizada Visando determinar o diagnóstico definitivo da lesão, o paciente foi submetido a uma punção aspirativa e biópsia incisional sob anestesia local. Durante a punção, foi verificado que o conteúdo líquido da lesão era espesso, sendo esse conteúdo verificado no exame microscópico como resto de ceratina. Como resultado da biópsia incisional, o laudo histopatológico em

54 macroscopia evidenciou a presença de fragmentos irregulares de tecido ósseo acompanhado por fragmentos membranáceos. Em microscopia, verificou-se que a parede do cisto era constituída por tecido fibroso densamente infiltrado por linfócitos e células plasmáticas, revestida por epitélio escamoso com proeminente camada basal e paraceratose superficial, que confirmou o diagnóstico de Tumor Odontogênico Ceratocístico tipo Paraceratinizado. Baseado no diagnóstico definitivo de TOC, o paciente foi submetido a procedimento cirúrgico para enucleação e curetagem da lesão, sob anestesia geral e intubação nasotraqueal no hospital Dona Helena, Joinville-SC. Iniciou-se o acesso cirúrgico extraoral com a técnica incisional de Risdon. Em seguida, realizou-se a divulsão dos tecidos moles até chegar ao tecido ósseo, sendo removida a cortical vestibular do ramo mandibular visando à localização da lesão (Figura 3). Figura 3- Remoção da cortical óssea vestibular do ramo da mandíbula Em seguida, realizou-se a enucleação e remoção do conteúdo da lesão com cureta, além de irrigação abundante da loja óssea remanescente (Figura 4). Figura 4- Aspecto clínico da loja óssea remanescente

55 Finalmente, os tecidos foram reposicionados e suturados por planos musculares. A medicação prescrita durante o procedimento cirúrgico foi Kefazol e Dexametasona. Já a medicação prescrita durante o pós-operatório foi Profenid e Dipirona. O paciente esteve em acompanhamento, sendo que, após um ano da realização do procedimento, a primeira radiografia panorâmica foi realizada. Assim, após a análise radiográfica, verificou-se que a região operada encontrava-se praticamente remodelada (Figura 5). Figura 5- Aspecto radiográfico após um ano da realização da cirurgia Discussão O entendimento da patogênese e do comportamento biológico dos cistos e neoplasias odontogênicas pode garantir o sucesso no diagnóstico e tratamento dessas patologias. Na maioria das vezes, o diagnóstico dessas lesões pode ocorrer por meio de achado radiográfico, após radiografia de rotina ou para tratamento ortodôntico [3,4]. O TOC apresenta um mecanismo de crescimento diferenciado, o qual se relaciona a fatores inerentes ao próprio epitélio, ainda não totalmente elucidados, ou à atividade enzimática na cápsula fibrosa, ou como resposta à proliferação de pequenos hamartomas epiteliais do epitélio gengival. Além disso, uma elevada imunoexpressão do Ki-67 e PCNA pode sugerir que o aumento da atividade proliferativa é responsável pelo comportamento neoplásico da patologia. Da mesma forma, Tsuneki et al. [12] afirmam que a presença de perlecan, proteína observada em condições neoplásicas, é uma nova evidência que sustenta a natureza neoplásica do TOC [1,4,13,14]. Partindo da mesma premissa, Khalifa et al. [13] avaliaram a presença de metaloproteinases e caspases em tumores odontogênicos ceratocísticos para comprovar a sua natureza neoplásica, uma vez que essas enzimas são proteases relacionadas com a degradação da matriz celular. Os autores verificaram que essa degradação é um pré-requisito para a migração celular na matriz, representando assim um elemento chave no processo de invasão das células neoplásicas e consequentemente metástases. Assim, o TOC apresenta características de lesão neoplásica, com alta atividade mitótica do epitélio e presença de marcadores de tumor dentro da lesão (Ki-67, PCNA, p5311). Da mesma forma, o gene supressor tumoral PCTH está envolvido na patogênese da lesão, confirmando a sua natureza não inflamatória [1,4]. Ainda, Senguven & Oygur [3] verificaram que a alta expressão de IL-1 e IL-6

56 estão relacionadas com o comportamento agressivo do TOC, que facilmente causa reabsorção óssea. O tumor odontogênico ceratocístico é uma patologia agressiva com altas taxas de recorrência e isso faz com que o tratamento de escolha para esta lesão seja radical [3]. Assim, a busca por novos tratamentos como os baseados em biologia molecular, pode reduzir ou eliminar a necessidade de manobras cirúrgicas agressivas [5,9,16]. Ainda com relação ao tratamento, Madras & Lapointe [5] propuseram que a terapia agressiva deve ser direcionada a lesões com comportamento neoplásico evidente, e deve incluir osteotomia periférica, curetagem com aplicação de solução de Carnoy, ou ressecção em bloco. Os autores afirmam ainda que o tratamento mais agressivo deve ser instituído nos casos de Síndrome de Gorlin- Goltz, TOC de grandes proporções e lesões recorrentes. Os índices de recorrência da lesão estão diretamente relacionados com a possibilidade de removê-la totalmente. Além disso, fatores como tempo de acompanhamento dos pacientes e técnica cirúrgica utilizada devem ser considerados. Grande parte das lesões recorrentes estão relacionada aos casos em que o TOC estava conectado com a mucosa [5,15]. Conclusão É fundamental que os relatos de casos clínicos com as diversas formas de tratamentos do TOC e posterior acompanhamento sejam publicados, com o objetivo de esclarecer os índices de recidiva da lesão, morbidade cirúrgica, entre outros fatores importantes para a discussão científica, haja vista que ainda não há um consenso absoluto entre estomatologistas, patologistas, cirurgiões bucomaxilofaciais e cirurgiões de cabeça e pescoço a respeito do tratamento do TOC. Referências 1. Bregolin GDP. Tumor odontogênico ceratocístico: revisão da literatura e descrição de caso clínico [Trabalho de Conclusão de Curso]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. 2. Cabreira CL. Entendendo o Tumor Odontogênico Ceratocístico: tratamentos e implicações aos pacientes portadores dessa enfermidade. Porto Alegre: Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013. 3. Senguven B, Oygur T. Investigation of interleukin-1 alpha and interleukin-6 expression and interleukin-1 alpha gene polymorphism in keratocystic odontogenic tumors and ameloblastomas. Med Oral Patol Oral cir Bucal. 2011;16(4):467-72. 4. Peixoto RF, Menezes DPB, Pereira JS, Pereira KMA, Costa ALL. Tumor odontogênico ceratocístico: revisão dos achados atuais. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac 2009;9(3):21-8. 5. Madras J, Lapointe H. Keratocystic odontogenic tumour: reclassification of the odontogenic keratocyst from cyst to tumour. J Can Dent Assoc 2008;74(2):165. 6. Grasmuck EA, Nelson BL. Keratocystic odontogenic tumor. Head Neck Pathol 2010;4:94-6. http://dx.doi.org/10.1007/s12105-009-0146-x 7. Lawall MA. Estudo retrospectivo de Tumores Odontogênicos em dois centros de estudo no Brasil e três no México. Bauru: Universidade de São Paulo; 2009. 8. González-Alva P, Tanaka A, Oku Y, Yoshizawa D, Itoh S, Sakashita H et al. Keratocystic odontogenic tumor: a retrospective study of 183 cases. J Oral Sci 2008;50(2):205-12. 9. Varoli FP, Costa E, Buscatti MY, Oliveira JX, Costa C. Tumor odontogênico queratocístico: características intrínsecas e elucidação da nova nomenclatura do queratocisto odontogênico. J Health Sci Inst 2010;28(1):80-83. 10. Mojsa I, Kaczmarzyk T. Keratocystic odontogenic tumor versus odontogenic keratocyst the issue of adequate nomenclature. J Oral Max Surg 2010:1267-1268. 11. Kolokythas A, Schlieve T, Miloro M. Simple method for securing decompression tube for odontogenic cysts and tumors: a technical note. J Oral Maxillofac Surg 2011;69:2392-5. 12. Tsuneki M, Cheng J, Maruyama S, Ida-Yonemochi H, Nakajima M, Saku T. Perlecan-rich epithelial linings as a background of proliferative potentials of keratocystic odontogenic tumor. J Oral Pathol Med 2008;37(5):287-93. http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0714.2007.00620.x 13. Khalifa GA, Shokier HM, Abo-Hager EA. Evaluation of neoplastic nature of keratocystic odontogenic tumor versus ameloblastoma. J Egypt Nat Canc Inst 2010;22(1):61-72.

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