III-137 AÇÃO CIVIL PÚBLICA: OPORTUNIDADE PARA A SOLUÇÂO DE CONFLITOS AMBIENTAIS EM UM CASO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS



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Transcrição:

III-137 AÇÃO CIVIL PÚBLICA: OPORTUNIDADE PARA A SOLUÇÂO DE CONFLITOS AMBIENTAIS EM UM CASO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS Sheila Telles Meyer (1) Engenheira Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diploma in Sanitary Engineering pelo International Institute for Hydraulic and Environmental Engineering (IHE/Delft), Holanda. Analista Pericial/Engenharia Sanitária da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão - Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília. Regina Coeli Montenegro Generino Engenheira Química. Especialista em Saneamento Ambiental. Mestra em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda em Saúde Pública (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo). Trabalhou no setor de licenciamento ambiental do IBAMA em Brasília, no período de abril/1994 a dezembro/2003. Publicou artigos no Brasil e no exterior. Cláudio Valentim Cristani Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito pela Universidade Federal em Santa Catarina (UFSC). Professor do Curso de Graduação da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Procurador da República no Município de Joinville - SC. Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em SC. Endereço (1) : SQN 215, Bloco A, ap. 506 - Brasília - DF - CEP: 70874-010 Brasil - Tel: +55 (61)3031-6015 - Fax: +55 (61)3031-6118 - e-mail: sheilameyer@pgr.mpf.gov.br RESUMO No presente caso é acompanhada a situação de uma empresa que se propõe a realizar a inertização de resíduos industriais perigosos. Lacunas no processo de licenciamento ambiental, falta de comprovação científica do processo de inertização realizado pela empresa e denúncias de moradores da região e Organizações Não-Governamentais (ONGs) levaram o caso ao Ministério Público Federal (MPF) sendo instaurados um Inquérito Civil e, posteriormente, uma Ação Civil Pública. Durante o processo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) foi instado a cooperar utilizando sua prerrogativa de agir supletivamente. Posteriormente o Exmo. Sr. Juiz nomeou peritos judiciais para acompanhamento da questão e o MPF apresentou assistentes técnicas. A questão ainda está no âmbito da Justiça Federal. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos Perigosos, Resíduos Industriais, Inertização de Resíduos, Ação Civil Pública, Licenciamento Ambiental. INTRODUÇÃO Os conflitos ambientais têm crescido em quantidade e complexidade técnica e têm sido absorvidos e solucionados pelo Poder Judiciário por meio de Ações Civis Públicas (ACPs). Essas ACPs foram instituídas pela Lei Nº 7347/85, principal meio processual de defesa do meio ambiente. O caso em estudo foi iniciado a partir de denúncia de uma Organização Não Governamental (ONG) que, em correspondência ao Ministério Público Federal, apresentou vários questionamentos relativos à empresa, que tinha como objetivo a "inertização" de resíduos perigosos (classe I) para posterior fabricação de lajotas. Esses questionamentos encontram-se a seguir reproduzidos: licenciada em novembro de 1997, sem apresentação de EIA/RIMA; localizada em área urbana; instalações precárias, sem equipamentos de controle de poluição; produto final utilizado sem controle do órgão ambiental; processo industrial desconhecido; a ONG encaminhou cópia de resultados de laboratório que apontavam o fato de que produtos ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

submetidos à análise não se encontravam inertizados; os residentes próximos à empresa reclamavam do mau cheiro exalado da unidade industrial e das conseqüências sobre a saúde: problemas respiratórios, irritação nos olhos e dor de cabeça; produto final também apresentava mau cheiro. METODOLOGIA UTILIZADA: Foi realizada uma comparação entre as ações inerentes a uma Ação Civil Pública, de acordo com a Lei Nº 7347/85, e aquelas desenvolvidas no caso de ACP instaurada contra uma empresa que objetiva a inertização de resíduos perigosos. Neste sentido, foram desenvolvidas as seguintes etapas: Inquérito Civil; Ação Civil Pública; Decisões do Juiz Federal e atuação supletiva do IBAMA; Demandas do Juiz Federal. Neste trabalho a classificação dos resíduos seguiu o disposto na NBR 10004 de 1987. Embora a referida Norma Técnica da ABNT tenha sido atualizada em 2004, como os trabalhos periciais foram realizados em 2003, a versão da NBR 10004 utilizada neste trabalho é aquela de 1987. INQUÉRITO CIVIL A partir da promulgação da Lei Nº 7347/85, foi conferida legitimidade para a ação civil pública de tutela de alguns interesses difusos, não só ao Ministério Público, mas também a associações, sendo também ampliados os poderes investigatórios do Ministério Público, inclusive com a criação da figura jurídica do inquérito civil (Proença, 2001). No parágrafo 1º do Art. 8º da Lei Nº 7347/85, encontramos: O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias... O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia, presidida unicamente pelo Ministério Público, que tem como objetivo buscar elementos para verificar a necessidade ou não de propositura de ação civil pública. É um instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público. Sua instauração compete ao mesmo Procurador que, em tese, teria atribuições para propor a correspondente ação civil pública nele baseada (Mazzilli, 2000). No caso em análise, o Procedimento Administrativo foi instaurado em 22 de outubro de 1999, com vistas a buscar esclarecimentos acerca de atividade de empresa no norte catarinense, que tratava da inertização de resíduos classificados como de Classe I. Dentre os documentos iniciais constava denúncia de uma ONG, encaminhada ao MPF em 04/10/99. Durante o processo investigatório do inquérito civil, por solicitação do MPF, técnico do IBAMA realizou vistoria na empresa em questão. Sua conclusão foi de que a principal fonte de contaminação da empresa pode não estar relacionada aos metais pesados, mas sim aos solventes, organoclorados e outros compostos orgânicos provenientes dos resíduos. Também foi sugerido que a unidade industrial fosse avaliada por uma Delegacia Regional do Trabalho (saúde ocupacional), principalmente em termos de qualidade do ar. O acompanhamento da fase exotérmica do processo de inertização indicou que compostos orgânicos poderiam estar sendo liberados na forma de vapores, expondo os trabalhadores da empresa a um ambiente agressivo. Posteriormente os dados existentes, incluindo cópia do processo de licenciamento ambiental da empresa, foram encaminhados para análise técnica na Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, o que resultou na emissão da Informação Técnica Nº92/00. Nesta Informação foram listados inúmeros questionamentos que não puderam ser esclarecidos pelo exame dos documentos, entre os quais a cópia do processo de licenciamento ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2

ambiental. Dentre os questionamentos mais relevantes podem ser citados: a falta de esclarecimento do destino final dos resíduos inertizados pela empresa; a falta de análises laboratoriais para caracterização do resíduo recebido e do resíduo inertizado, ou seja, a não comprovação da eficiência do processo; o licenciamento de unidade de tratamento de resíduos industriais perigosos sem apresentação de EIA/RIMA e sem serem informados todos os reagentes utilizados no processo. Foi sugerida a possibilidade de atuação supletiva do IBAMA no caso (art.10, Lei Nº 6938). AÇÃO CIVIL PÚBLICA A atuação do Ministério Público na propositura de ação civil pública por danos causados ao meio ambiente está estabelecida nos seguintes dispositivos legais: preâmbulo da Lei Nº 7347/85 Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. no artigo 14, 1º da Lei Nº 6938/81 O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. no artigo 25 da Lei Orgânica Nacional do MP, Lei Nº 8625/93 Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na lei Orgânica e em outras leis... IV promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei. No caso em análise, a ação civil pública foi proposta em 23/10/00 pelo Procurador da República no Município de Joinville - SC. A referida ação foi instaurada em desfavor: - da empresa que se auto-denominava inertizadora de resíduos perigosos, e - do órgão ambiental do estado. Foi pedida liminar nos seguintes termos: - que a empresa fosse compelida a apresentar, a cada 60 dias, medição do índice de inertização de todos os produtos; - suspensão dos efeitos legais do licenciamento emitido pelo órgão ambiental estadual, devendo a referida empresa sofrer novo processo de licenciamento, desta vez junto ao IBAMA (atuação supletiva, Lei Nº 6938/81); - que o órgão ambiental estadual fosse terminantemente proibido de licenciar qualquer atividade da empresa; - que fosse determinado ao IBAMA sua ação supletiva no caso, ficando a cargo do mesmo o licenciamento da empresa. A liminar foi concedida em 31/10/00. DECISÕES DO JUIZ FEDERAL E ATUAÇÃO SUPLETIVA DO IBAMA Em 02/03/01, o IBAMA encaminhou ofício para a empresa informando que estava assumindo supletivamente a responsabilidade pelo seu monitoramento e licenciamento ambiental. Na ocasião, solicitou informações e documentos necessários à comprovação do processo de inertização. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3

Em 05/04/01, o IBAMA informou ao MPF e ao Juízo Federal que havia solicitado informações à empresa para proceder ao seu licenciamento ambiental. Entretanto, as informações recebidas não foram suficientes para dar continuidade ao processo de licenciamento. Em 18/05/01, o MPF solicitou que o IBAMA vistoriasse a empresa. Em 19/07/01, o IBAMA realizou vistoria na unidade de inertização de resíduos industriais e solicitou, da empresa, a apresentação de informações e a realização de amostragem dos resíduos considerados inertizados. Como a empresa não apresentou as informações solicitadas, o IBAMA, juntamente com técnicos do Departamento de Química Industrial da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), coletaram uma amostra dos resíduos existentes na empresa após terem sido processados (resíduos inertizados ). A amostra foi submetida às análises especificadas na NBR 10004/87 e classificada como não inerte (classe II). Como a empresa não havia comprovado a efetividade do seu processo industrial e a amostra coletada por técnicos do IBAMA e da UNIVILLE, no resíduo considerado inertizado pela empresa, foi classificada como não inerte (classe II), não havia o que licenciar. Como resultado, o IBAMA indeferiu o processo de licenciamento ambiental da empresa em 25/10/01, sendo essa decisão comunicada ao Juízo Federal na mesma data. Também foi solicitada pelo IBAMA a paralisação das atividades da empresa, tendo em vista que a continuidade das suas operações industriais poderia provocar riscos ao meio ambiente e à saúde pública, já que a empresa não apresentou documentos que comprovassem a eficiência do seu processo de inertização de resíduos. De acordo com o Art. 11º da Lei Nº 7347/85: na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica Em 23/11/01, acolhendo pedido do MPF e IBAMA, o Juiz Federal da Vara de Jaraguá do Sul determinou a imediata cessação das atividades da empresa-ré e deferiu a produção de prova testemunhal requerida pelas partes, sendo designada data para audiência de instrução e julgamento (28/03/02), nomeou peritos e intimou as partes para, querendo, indicar assistentes técnicos. DEMANDAS DO JUIZ FEDERAL Em 27/06/02, na audiência realizada na Justiça Federal em Jaraguá do Sul, foi decidido que a empresa-ré demonstrasse o funcionamento do seu processo industrial, em regime fechado, para acompanhamento pelos peritos do Juízo e assistentes técnicos das partes. O Ministério Público Federal indicou duas assistentes técnicas para acompanhar o caso (técnicas do IBAMA e MPF/4ª CCR). De acordo com Machado (1986), proposta a ação civil pública a requisição passará para o crivo do Magistrado e será este o requisitante. O funcionamento da empresa, de acordo com a decisão judicial, seria realizada em escala-piloto e compreendeu o recebimento de amostras representativas dos tipos de resíduos anteriormente processados pela empresa e sua classificação, no início e ao final do processo, para verificar se ocorreu a inertização dos mesmos. Os resíduos foram recebidos na empresa, sendo realizadas coletas/análises para verificar sua composição. Em 27/03/03, foi realizada reunião com o objetivo de dar continuidade aos trabalhos periciais. Estavam presentes os peritos do juiz, as assistentes técnicas do MPF, e os assistentes técnicos da empresa e do escritório de advocacia que a representa. Foram analisados os laudos dos sete lotes de resíduos recebidos pela empresa em 31/10/02. Três lotes foram caracterizados como resíduos perigosos (classe I) e quatro como resíduos não-inertes (classe II), de acordo com os requisitos da NBR 10004/87. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4

Em 24/04/03, foi iniciado o processamento dos resíduos na empresa. Dois oficiais de justiça se revezaram para acompanhar o processamento dos resíduos em tempo integral. Ao final de cada dia o galpão da empresa era lacrado por um oficial de justiça sendo o lacre retirado no dia seguinte para o prosseguimento dos trabalhos. Os resultados das análises realizadas no material inertizado (ao final do processo), comprovaram que um dos resíduos ainda era classificado como perigoso (classe I) e os outros que continuavam classe II. Portanto, o processo industrial adotado pela empresa não atingiu a finalidade a que se propôs, ou seja, inertizar (tornar classe III) resíduos perigosos (classe I). Os peritos do Juiz elaboraram um Parecer Técnico sobre o processamento dos resíduos e responderam aos quesitos constantes da ACP. Posteriormente as assistentes técnicas do MPF elaboraram uma Informação Técnica com base no documento redigido pelos peritos do Juiz, nas informações colhidas durante o acompanhamento do processo e em pesquisas bibliográficas. A manifestação do MPF também foi acompanhada de parecer elaborado por técnico do órgão ambiental estadual, sendo este material juntado ao processo em 04/05/04. Em 24/05/04, foi também juntado ao processo o parecer técnico do assistente técnico do escritório de advocacia que representa a empresa. O Juiz Federal considerou que havia algumas divergências entre o documento elaborado pelos peritos do juízo e o redigido pelas assistentes técnicas do MPF. Como conseqüência, determinou, em 15/06/04, que os peritos do juízo apresentassem manifestação a respeito das divergências. Em 10/12/04, os esclarecimentos elaborados pelos peritos ficaram disponíveis para vista pelas partes. O MPF foi intimado a se manifestar em 15/03/05, tendo para tanto um prazo de 30 (trinta dias). As assistentes técnicas do MPF elaboraram novo documento que foi juntado aos autos da ação civil pública em 07/04/05, juntamente com as considerações de ordem jurídica do Procurador sobre a questão. No momento está sendo aguardada a sentença do MM. Juízo sobre o caso. CONCLUSÕES A conjunção de esforços de instituições que têm competências afins é sempre benéfica. No caso em análise, a atuação conjunta do IBAMA e do MPF resultou na transferência, para o órgão ambiental federal, da atividade de licenciamento ambiental da empresa (ação supletiva) e no trabalho conjunto de profissionais das duas entidades, inclusive como assistentes técnicas. O acompanhamento de todo o processo industrial da empresa foi também uma experiência positiva no sentido de esclarecer os diversos aspectos da questão e possibilitar ao MM. Juízo maior segurança na sua decisão final. Da forma como se encontra estruturada, a Ação Civil Pública favorece a participação de diversas instituições na solução de conflitos ambientais, fazendo com que os fatos sejam esclarecidos a partir da realização de provas documentais (no caso em exame, a realização da operação em escala-piloto), a análise dos dados obtidos a partir dessa primeira fase e a análise do processo de licenciamento desenvolvido até então. Cada uma dessas fases envolve a participação de diversas instituições que desempenham papéis específicos e têm regras pré-estabelecidas a serem seguidas, de acordo com a Lei Nº 7347/85. Com isso, há a possibilidade de apresentação, de forma estruturada e com base em dados técnicos, de todos os aspectos do conflito ambiental objeto de análise para posterior julgamento pelo juiz. Outro aspecto a ser ressaltado nesse trabalho é a importância da participação de ONGs como representantes da sociedade civil em questões ambientais. Essas instituições podem apresentar denúncia ao Ministério Público que, em seguida, inicia um processo administrativo para avaliação quanto à pertinência ou não de uma Ação Civil Pública nos termos da lei. As análises realizadas comprovaram que um dos resíduos usados na operação em escala-piloto continuava sendo perigoso, mesmo após ser submetido ao processo de tratamento. Este exemplo demonstra a relevância ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5

do acompanhamento das etapas de destinação final de resíduos perigosos, bem como da comprovação da eficiência dos processos de tratamento desses resíduos. O gerador de um resíduo continua sendo responsável pelo mesmo, daí a importância do acompanhamento do seu transporte, beneficiamento e destinação final. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10.004: resíduos sólidos classificação. Rio de Janeiro, 1987. 2.. NBR 10.005: lixiviação de resíduos procedimento. Rio de Janeiro, 1987. 3.. NBR 10.006: solubilização de resíduos procedimento. Rio de Janeiro, 1987. 4. MACHADO, P. A. L. Ação civil pública (ambiente, consumidor e patrimônio cultural) e tombamento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. 132 p. 5. MANCUSO, R. de C. Ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 447 p. 6. MAZZILLI, H. N. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 2000. 566 p. 7. PROENÇA, L. R. Inquérito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 197 p. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6