DOUTRINA ANTICOMUNISTA NO BRASIL: O PROJETO SOCIAL



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Transcrição:

DOUTRINA ANTICOMUNISTA NO BRASIL: O PROJETO SOCIAL DA IGREJA E O CÍRCULO OPERÁRIO DE UBERLÂNDIA * Gustavo Zuquetto Pereira ** A sociedade do trabalho foi uma das grandes idealizações do século XVI que só se consolidou no século XVIII. Para isso, foi necessário estabelecer uma disciplina social por meio de instituições que garantissem a manutenção dessa nova ordem, tais como: fábricas, prisões, hospitais, etc. 1 Se antes desse período o trabalho era visto como algo penoso, a partir do século XVIII o trabalho foi ganhando uma conotação mais positiva. Alguns pensadores como Karl Marx, Max Weber e Adam Smith atribuem ao trabalho como sendo uma fonte de boa parte da riqueza da humanidade. O primeiro não contempla totalmente a concepção de que o trabalho é uma fonte de riqueza por considerar que a natureza também tem seu valor de uso, da mesma forma que percebe o trabalho como uma manifestação do Homem. Nesse caso o trabalho passa a ser fonte de riqueza quando o homem possui os meios de uso do trabalho. Já Max Weber mostra que a Reforma Protestante trouxe consigo novas concepções sobre a forma de se encarar o trabalho. Se antes, de acordo com os princípios católicos, o laboro era visto como algo proveniente * ** A apresentação deste trabalho não seria possível sem o amparo do fomento financeiro do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia PPHIS UFU. Mestrando em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia.

de um castigo, e a usura ou riqueza eram considerados práticas pecaminosas, com o advento da Reforma o trabalho passa a ser considerado uma ação que dignifica o Homem em sua relação com Deus e o desdobramento do mesmo, a acumulação de capital, uma dádiva divina em recompensa ao esforço desprendido. Nesse processo, nenhuma outra instituição perdeu tanto espaço e poder quanto a Igreja Católica que se viu no fim do século XIX diante de uma situação que a obrigou a se re-instrumentalizar e combater os princípios alheios à sua doutrina através de uma atuação social mais incisiva. Essa ação se daria por meio da interação católica com alguns setores da sociedade a fim de mediar os conflitos onde o Estado se fazia ausente. A desigualdade social e a ineficiência do Estado frente às carências da população, sobretudo da classe trabalhadora, motivaram o surgimento do que se entende como movimento operário católico. Diferentemente das outras organizações, o movimento cristão tinha caráter assistencialista, fator que impulsionou seu crescimento, na medida em que pregava o ideal da justiça social defendido pela Igreja Católica. De acordo com Astor Antonio Diehl, a Doutrina Social da Igreja consistia em garantir a: 2 harmoniosa convivência das classes sociais, onde os conflitos sociais seriam abolidos via mutualismo e na cristianização da cultura brasileira. Esta fórmula envolvia tanto a educação da burguesia como a do operariado. (DIEHL, 1990). O principal documento que difunde os ideais da Doutrina Social da Igreja é a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, publicada em 1891 1. Neste documento, o Pontífice denuncia a injustiça social gerada pelo processo de industrialização. Em oposição ao Liberalismo, há o Estado tem uma função fundamental na manuntenção da sociedade idealizada pela Igreja. Cabe a ele garantir um governo justo que possibilite o progresso de todos, evite excessos de ambas as classes, e proteja a propriedade privada: 1 Carta encíclica Rerum Novarum ou das coisas novas, divulgada em 15 de maio de 1891, tornou-se de imediato referência para as discussões sobre os trabalhadores e suas condições de vida nas relações capitalistas, tornando-se posteriormente documento referencial do circulismo. O texto integral está disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html. Acesso em junho de 2009.

A propriedade privada nada mais é, para a Igreja, do que a conversão do salário, que é o produto justo pelo seu trabalho, em um bem. É o resultado de suas economias e esforços. A socialização dos bens não teria outro efeito se não, o de privar o homem do fruto de sua atividade e viciar a humanidade eliminando o seu estímulo de perseverar para ter uma vida melhor. O Papa condena os movimentos revolucionários de orientação socialista, uma vez que essa ideologia instigaria o confronto entre os trabalhadores e a sua classe antagônica. Outro grande perigo expresso no socialismo é o combate que a doutrina prega contra a Igreja e a crença religiosa. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social. ( Leão XIII, 1891.) 3 A Solução socialista prega ações e valores que contrariam os princípios da Igreja como o revanchismo entre os que detém a posse dos bens e os providos apenas de sua força de trabalho. Em uma perspectiva marxista, essa questão social deve ser resolvida por meio de uma ação política em nome de um interesse. Do ponto de vista católico, a questão social deveria ser resolvida religiosamente, em nome de uma idéia (de harmonia). A Igreja voltaria a se manifestar sobre a questão operária quarenta anos depois com a encíclica Quadragésimo Anno de Pio XI. Esses dois documentos além de evidenciarem as desigualdades sociais trazem a proposta de se consolidar uma ordem social harmônica e principalmente, sem um conflito entre as classes sociais antagônicas, com preceitos como a caridade e a solidariedade É notório no conteúdo das Encíclicas que o objetivo do movimento estava em instigar o corporativismo sócioeconomico aliando os interesses entre patrões e

empregados. A Doutrina Social da Igreja exalta a diversidade social colocando essa realidade como algo natural e inerente a humanidade. A vida social requer uma pluralidade social, uma vez instituída uma sociedade igualitária (referencia ao comunismo), a comunidade entraria em colapso. Para manter o clima de paz e harmonia formulou-se as obrigações dos trabalhadores e dos patrões. Cabe ao operário cumprir com seu trabalho de forma disciplinada, não fazer reivindicações de forma violenta, e evitar pessoas que tenham idéias artificiosas. Aos patrões caberia não escravizar o trabalhador e pagar por seu trabalho uma quantia justa. A TRAJETÓRIA DO CÍRCULO OPERÁRIO NO BRASIL Os primeiros núcleos brasileiros foram criados no Rio Grande do Sul, nas cidades de Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria e Caxias, em 1932. Esses foram os mais atuantes e tiveram como um de seus referenciais inspiradores as chamadas greves operárias da Primeira República, a partir dos anos 1910. O primeiro congresso do movimento é realizado em 1935, no Rio Grande do Sul, e no Congresso Eucarístico de Belo Horizonte, em 1937, há uma resolução que determina a fundação de Círculos Operários em todos os centros urbanos. Além disso, há uma indicação para que se organizasse o primeiro congresso operário católico nacional no Rio de Janeiro, no mesmo ano evento que registra a presença de quarenta entidades católicas, sendo trinta e quatro do movimento circulista. 4 A "questão operária" passou a ser interpretada pela Igreja dentro da óptica da necessidade de colaboração e harmonia entre as classes, combatendo assim as "ideologias exóticas" e contribuindo com o governo na regulamentação das relações entre patrões e operários, dentro de um espírito corporativo. Os círculos desenvolviam atividades de educação, lazer, saúde entre os operários e seus familiares. Visavam, entre outras coisas, criar líderes sindicais imbuídos da doutrina social da Igreja que pudessem concorrer com os comunistas e esquerdistas em geral. (RODEGHERO, 2010) O primeiro Congresso dos Círculos Operários de 1935 organizou a Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, que contou com a participação de 21 municípios, tirou como estratégia, a expansão do Circulo fazendo um debate sobre o

sindicalismo para neutralizar o avanço das forças de esquerda tendo na época, a Aliança Nacional Libertadora como principal força. Em 1937 fundou-se a Confederação Nacional dos Círculos Operários, que posteriormente, transformou-se na CBTC (Confederação Brasileira de Trabalhadores Cristãos), com sede em Brasília. Já na fundação havia 34 CO filiados, totalizando 31.000 associados. O governo de Getúlio Vargas propiciou uma conjuntura favorável para o fortalecimento do movimento circulista em nível nacional. Em sua gestão, no ano de 1941 foi lançada uma publicação da Rerun Novarun em latim e em português voltada para os trabalhadores em comemoração ao Jubileu Áureo da Encíclica. No mesmo ano, a Confederação Nacional dos Círculos Operários Católicos obteve a prerrogativa de ser órgão técnico-consultivo do Ministério do Trabalho em sua sede no Rio de Janeiro, além de colocar um quadro de Leão XIII na sede da instituição. (O NORDESTE, 14/05/1941) De 1932 a 1945 a expansão foi favorecida pela legislação trabalhista posta em prática durante o governo de Getúlio Vargas e pela ilegalidade das organizações de esquerda. O quadro abaixo extraído do trabalho de Diehl e demonstra que o numero de circulo e de associados cresce vertiginosamente entre as décadas de 30 a 50. Com a redemocratização, a relação dos CO com outras organizações trabalhistas tornou-se mais competitiva, até a década de 60 quando iniciou-se a sua decadência. 5 Além de representar os interesses da classe, o circulismo visava integrar trabalhadores de diferentes áreas, com momentos de lazer para o operário e sua família. As atividades de formação e as atividades culturais são um elemento característico desse movimento visto que, em sua composição, poucos membro eram envolvidos com a luta sindical ou política. Embora alguns Círculos fossem compostos por um assistente eclesiástico na diretoria (a exemplo do núcleo de Uberlândia), o circulismo não era um movimento eclesiástico, quer dizer, os estatutos dos núcleos não necessitavam de aprovação do clero muito menos exigiam de seus filiados a prática do catolicismo, o que favoreceu a aproximação de mais sócios.

E mais, os Círculos desempenhavam um trabalho de assistência social e caridade que lhes permitia uma grande influência no movimento: Um dos principais motivos que levava os trabalhadores a filiarem-se ao movimento circulista, era a política assistencial que eles desenvolviam junto a seus sócios, indo da assistência médico-jurídica, escolas noturnas e creches, a facilidades para compra de casa própria. (DIEHL, 1990) Esse caráter assistencialista aliado à influência da doutrina cristã entre os operários contribuiu para arregimentar um número tão expressivo de militantes nas fileiras do Círculo. Finalizando, observamos nesse capítulo a trajetória da criação dos CO como uma organização de trabalhadores que visava implementar a visão católica da atuação dos trabalhadores cristãos, em oposição à visão de esquerda, majoritariamente contra a sociedade capitalista e suas conseqüências. Vimos também, que o movimento se desenvolveu rapidamente atraindo muitos filiados e estabeleceu uma articula nacional muito bem estruturada. 6 O CÍRCULO OPERÁRIO EM UBERLÂNDIA De acordo com os trabalhos historiográficos que tratam de questões referentes ao município de Uberlândia, observa-se várias pesquisas que, dentre outras coisas, procuram construir a história local. Trata-se de pesquisas temáticas ou sobre personalidades locais que, a partir de diversas fontes (orais, imprensa, processos criminais, etc.), constroem uma interpretação sobre o município. Uma notável tendência nos escritos sobre a cidade é a defesa de uma Uberlândia cujo ambiente favoreceria o desenvolvimento regional como um grande pólo do Triângulo Mineiro; composta por um ambiente moral consolidado. Há assim o reforço da ideia de uma cidade onde ideias transgressoras ou radicais não teriam espaço para se desenvolverem. Nas palavras de Idalice Ribeiro Silva, esse discurso dominante gera a seguinte ideia de Uberlândia: Uma das cidades de médio porte que se destacou, triunfantemente, no processo de crescimento econômico brasileiro dos últimos tempos. A trajetória de construção da aspirada metrópole regional afigura-se,

nesse discurso, marcada pelas ações das classes dirigentes que, historicamente, idealizaram-na segundo valores morais, políticos e culturais o que a faz transparecer ordeira, pacífica, civilizada, laboriosa e progressista : um lugar idílico em meio às perplexidades do sistema político, econômico e social brasileiro. (SILVA, 2000) De fato, essa interpretação predomina em grande parcela da população. A ideia de que Uberlândia é uma cidade que mantém uma ordem de acordo com a lógica do sistema nacional é bastante predominante. Uma das conseqüências desse imaginário é o enxugamento das tensões ocorridas no século XX no município entre diferentes setores sociais e, principalmente, entre grupos com interesses políticos distintos. Há ainda quem considere que a existência de um movimento comunista em Uberlândia tratar-se-ia apenas de um produto da imaginação de alguns, ou mesmo, um mito local. Isso se deu, provavelmente, pela grande propaganda anticomunista difundida na cidade contra os vermelhos. 2 Sobre o acentuado sentimento anticomunista em Uberlândia, Idalice o classifica como: 7 Corporificado tanto nos discursos da imprensa, quanto nos dizeres e fazeres das instituições sociais, a exemplo das polícias políticas e da Igreja Católica, que estiveram no encalço dos vermelhos, durante o percurso, legal, ilegal, clandestino, e semi-clandestino do partido comunista nessa cidade. (SILVA, 2000) Mas que fatores levaram as organizações sociais, meios de comunicação e demais agentes a se mobilizarem contra esse perigo vermelho? O estudo pontual das ações comunistas em Uberlândia demonstra que esses militantes desempenharam várias ações consideráveis durante a primeira metade do século XX. Em 1935 fundou-se o núcleo da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em Uberlândia, presidida por Manoel Thomaz Texeira de Souza. Na década de 40, com o retorno da legalidade do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundou-se no dia 12 de agosto de 1945, o Comitê Municipal do PCB de Uberlândia e o Comitê Regional do Triângulo Mineiro. Em 1947, sob o slogan Vereadores de Prestes, os comunistas 2 O termo vermelho utilizado em uma conotação política tem várias significações. Aqui, nos referimos a uma expressão pejorativa utilizada por anticomunistas para se referir à socialistas/comunistas e suas dissidências.

conseguiram eleger quatro vereadores: José Virgílio Mineiro (médico); Roberto Margonari (dentista prático); Heckmar Borges (professor e contador) e Enoque Caldeira de Paiva (Trabalhador da construção civil). 3 Outros indícios sinalizam que os comunistas não encontraram apoio dos trabalhadores urbanos nessas cidades. Isso explica o fato de boa parte das atuações comunistas se darem no campo. Dentre essas ações, a região do Triângulo Mineiro tinha um valor estratégico. 4 Cabe ressaltar a importância da imprensa anticomunista na cidade. Durante a década de 30 os jornais O Povo, O Estado de Goiaz (com circulação no município de Uberlândia) e O Repórter, publicavam freqüentemente textos conscientizando a população quanto ao perigo do comunismo. Na contramão desse processo, desenvolveu-se em Uberlândia um núcleo do Círculo Operário de Uberlândia, entidade operária, conservadora e ligada a Igreja Católica, composta em sua maioria por trabalhadores simples e com uma ampla atuação na primeira metade do século com atos públicos, festividades, cursos de formação, etc. 8 Por sua natureza corporativista o Círculo Operário encontrou um cenário político e social apropriado para se expandir. A aprovação e o apoio da Igreja, a simpatia das classes dirigentes e a defesa do governo a iniciativas corporativistas propiciaram um crescimento ao Círculo que desempenhava inclusive a função de órgão consultivo do Ministério do Trabalho. Assim como em sua articulação nacional, o núcleo do Círculo Operário de Uberlândia era muito bem articulado. Com um número considerável de militantes, o núcleo contava com dois barracões pra realizar seus eventos e formações e uma escola para operários de acordo com a Doutrina Social da Igreja. Não obstante, o rico acervo do Museu do Círculo Operário de Uberlândia conta com arquivos de sua época de fundação, neles podemos perceber que durante as primeiras décadas de atividade da entidade católica boa parte das ações eram voltadas para formar ideologicamente os filiados e propagar a Doutrina Social da Igreja entre os cidadãos uberlandenses. 3 4 Idem. P.21. DUTRA, Eliana, O ardil totalitário: imaginário político dos anos 30. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, Belo Horizonte Editora UFMG, 1997.

Essa mobilização se expressa no número de correspondências enviadas nesse período às federações e a confederação nacional solicitando o envio de material de filiação, panfletos, cartilhas e livros que tratam da Doutrina Social da Igreja Católica e sobre anticomunismo. Isso fez com o núcleo uberlandense contasse hoje com um amplo acervo de obras dessa natureza. Com todo esse aparato ideológico, tanto o Círculo Operário Católico quanto as mais diversas manifestações anticomunistas do século passado não possuem uma quantidade de trabalhos que nos permita aprofundar a discussão em um nível tão consolidado como é o caso da esquerda brasileira. Este problema não ocorre com os pesquisadores da esquerda pelo número de trabalhos publicados ao longo principalmente nas décadas de 80 e 90. De acordo com Marco Aurélio Garcia, a grande quantidade de trabalhos sobre a esquerda brasileira produzida pelas várias ciências humanas contribuiu de tal forma, que o campo de interpretações orientado por esse viés é capaz de fazer frente a uma história institucional ou anticomunista. 5 9 Outros autores como Edgar de Decca 6, Eliézer Pacheco 7, Nelson Werneck Sodré 8 e José Antonio Segatto 9, na década de 80 e Paulo Sérgio pinheiro 10 na década de 90, contribuíram para o enriquecimento desse debate. No lado oposto da discussão, poucos são os trabalhos que tratam da trajetória do Círculo Operário no Brasil. Há apenas alguns estudos pontuais como os de Jessie 5 6 7 8 9 10 Garcia, Marco Aurélio. Contribuições para a história de uma esquerda brasileira. In: MORAIS, Reginaldo, ANTUNES, Ricardo, FERRANTE, Vera B. (org). Inteligência Barsileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. O autor problematiza a história política operária no Brasil considerando o PCB um instrumento de manipulação eleitoreira e em determinados momentos, uma força desagregadora de movimentos como as organizações anarquistas da década de 20. Ver em: DE DECCA, Edgar. 1930: o silêncio dos vencidos. 4º Ed. São Paulo. Brasiliense, 1988. PACHECO, Eliézer. Partido Comunista Brasileiro. São Paulo: Alfa. Omega, 1984. SODRÉ, Nelson Werneck. Contribuição à história do PCB. São Paulo: Global, 1984. SEGATTO, José Antônio. Breve história do PCB. São Paulo: Ciências Humanas, 1981. Obra que retrata a trajetória dos comunistas brasileiros desde as prévias da formação do partido até a tentativa de organização da ALN. Ver em: PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922 1935. São Paulo. Cia das Letras, 1991.

Jane Vieira de Sousa 11, analisando a aturação do Círculo no Rio de Janeiro, bem como a pesquisa de Astor Antônio Diehl 12, preocupada em observar os núcleos do Rio Grande do Sul. Posto isso, surge a seguinte questão: quais são as causas dessa escassez de abordagens sobre o anticomunismo e os Círculos Operários? O que faz os escritos sobre a ameaça vermelha representarem um número tão inferior aos estudos analistas e partidários da esquerda? Uma explicação plausível poderia ser o fato de boa parte dos pesquisadores dessa temática terem algum engajamento com essa bandeira, e por escolha temática ou metodologia, acabaram alijando esse conteúdo de suas produções. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção historiográfica sobre os Círculos Operários. In Anos 90, Porto Alegre, nº 7, julho de 1997 DIEHL, Astor Antonio. Os Círculos Operários no Rio Grande do Sul: um projeto social político (1932-1964). Porto Alegre: EDIPURS, 1990. 10 O NORDESTE, Fortaleza/CE, 14 de maio de 1941. RODEGHERO, Carla Simone. Religião e Patriotismo: anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil nos anos da Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol. 22. Nº 44, São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-01882002000200010 acesso em junho de 2010. SILVA, Idalice Ribeiro: Flores do Mal na cidade Jardim: Comunismo e anticomunismo em Uberlândia 1945 1945. Dissertação de Mestrado Campinas, SP: [S,N], 2000. 11 12 SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Da transcendência à disciplina: a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. DIEHL, Astor Antonio. Os círculos operários: um projeto sócio-político da Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1932 1964). Porto Alegre: EDIPURS, 1990.