SOBRE O USO DA REDE DE CERCO NA PESCA DE ATUNS NO BRASIL

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Transcrição:

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte SOBRE O USO DA REDE DE CERCO NA PESCA DE ATUNS NO BRASIL José Heriberto Meneses de LIMA 1, Celso Fernandes LIN 2, José DIAS NETO 3 & Antônio Alberto da Silveira MENEZES 2 RESUMO No presente trabalho foram analisadas informações disponíveis sobre operações de pesca comercial de atuns com rede de cerco por barcos estrangeiros arrendados e por embarcações nacionais e dados de prospecção/pesca experimental com redes de cerco. Avaliaram-se as vantagens e desvantagens da utilização de barcos arrendados nesta modalidade de pesca, com vistas a subsidiar uma eventual tomada de decisão sobre as possibilidades do uso de redes de cerco, especialmente na pesca do bonito-listrado. A utilização do cerco para esta pesca nas águas jurisdicionais brasileiras não tem apresentado desempenho satisfatório do ponto de vista econômico, podendo acarretar sérios problemas sociais, ecológicos e ambientais, tais como o desemprego, no caso de substituição da modalidade de pesca de vara e anzol com isca-viva pela de cerco, e a desativação ou realocação dos barcos nacionais para outras pescarias, cujas alternativas viáveis são desconhecidas. Quanto aos aspectos ecológicos e ambientais podem ocorrer: incremento da captura de indivíduos jovens de bonito-listrado e outras espécies de tunídeos; e, a captura de espécies ameaçadas de extinção. Assim, o uso de cerco pode contribuir para a insustentabilidade da pesca de bonito-listrado no Brasil, uma vez que os problemas podem ser agravados se o caminho for a utilização de barcos arrendados. Diante deste quadro, ao invés da utilização de barcos arrendados para a pesca de cerco do bonito-listrado nas águas jurisdicionais brasileiras, seria recomendável possibilitar que traineiras realizem o cerco de bonitolistrado, desde que não se permita o uso de dispositivo agregador, nem a utilização de isca-viva (sardinhaverdadeira jovem) para engodo. Palavras chave: Bonito-listrado, barcos arrendados, problemas ecológicos e sociais. ON THE USE OF PURSE SEINE NETS FOR TUNA FISHERIES IN BRAZIL ABSTRACT In this paper the available information on purse seine fishing operations for tunas, developed by foreign flagged leased vessels and national vessels in Brazilian waters, as well as exploratory and experimental purse seine fishing operations were analyzed, together with an evaluation of the leasing vessels program adopted in Brazil for development of tuna fisheries, aiming to provide technical subsidies for a possible decision making on the possibilities of developing purse seine fisheries for tunas in Brazil, especially for skipjack tuna. The analysis has shown that the economic performance of purse seine fishing operations for tunas was not satisfactory and that their use may bring about serious social, ecological and environmental problems. Important social aspects to be considered are: possible unemployment of fishermen, if the purse seine comes to replace the baitboat fishery for tunas, decommission and reallocation of the later vessels to other fishing activities, whose viability are not well known. As for the ecological and environmental aspects, the following problems are possible to occur: increased catches of juveniles of skipjack and other tuna species and by catches of extinction threatened species. Therefore, the use of purse seine nets can contribute for un-sustainability of skipjack fishery. Besides, problems can be aggravated if the option were the use of foreign flagged tuna vessels. Taking into account the points raised above it is recommended that leasing vessels arrangements are not implemented for developing skipjack tuna fishery, and that national purse seiners are allowed to fish for skipjack, under the condition that FAD s are prohibited as well as the use of live bait (juveniles of sardine) for chumming of schools. Key words: Skipjack, foreign flagged vessels, social and ecological problems. 1- Analista ambiental do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste/ICMBio. 2- Analista Ambiental do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sul/ICMBio. 3- Analista Ambiental do IBAMA. e-mail: jhmeneseslima@gmail.com Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 81

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR INTRODUÇÃO Até o final da década de 1970 questionava-se a utilização de métodos de pesca de superfície, como a isca-viva e o cerco, nas pescarias de tunídeos em águas brasileiras, por se considerar que as características tropicais das águas não eram favoráveis à formação de cardumes na superfície. As análises de temperatura da coluna d água, que mostravam um padrão de distribuição da termoclina, em grande parte em profundidades superiores aos 100 m, permitiam a dispersão das espécies em amplas faixas da coluna d água, o que também contribuíam para a percepção de que tais métodos de pesca eram inviáveis em águas brasileiras. Aliado a estes fatores, a falta de tradição e desconhecimento destes métodos de pesca pelos pescadores brasileiros, fez com que a pesca com espinhel tenha sido por muito tempo o método mais utilizado nas pescarias brasileiras de atuns e afins. Entretanto, a partir de 1979, com o desenvolvimento da pesca do bonito-listrado pela modalidade de pesca com vara e isca-viva, passou-se a considerar que a pesca de cerco poderia, também, ser uma alternativa viável, pois a ocorrência de cardumes em número suficiente já estava constatada e, de acordo com estudos oceanográficos desenvolvidos pelo National Marine Fisheries Service (Evans, 1981), o habitat do bonito-listrado (Katsuwonus pelamis), numa ampla faixa do litoral brasileiro, estendia-se desde a costa da Bahia até Santa Catarina e encontrava-se limitado pela isóbata de 50 m. Isto indicava que as condições para utilização do cerco para tunídeos, naquela área, eram altamente favoráveis. Mesmo assim, até o ano de 1999, as várias experiências de introdução deste método de pesca não foram bem sucedidas. É importante ressaltar que, a nível mundial, as pescarias com redes de cerco são responsáveis por mais de 60% dos desembarques de tunídeos (ISSF, 2012). No oceano Atlântico, Amandé et al. (2010) citam que 80% das capturas de atuns tropicais (albacoralage, albacora-bandolim e bonito-listrado) são capturados pelo método de cerco. Por este motivo, e considerando que se trata de um método de pesca não seletivo, estas altas capturas são motivo de grande preocupação com relação aos impactos potenciais ao meio ambiente marinho, em decorrências dos elevados níveis de descartes de indivíduos juvenis das espécies alvo e da fauna acompanhante; capturas de mamíferos e tartarugas marinhos. Assim como, das prováveis alterações que as elevadas capturas de atuns causam a cadeia alimentar nos oceanos. Considerando que ainda existe uma série de incertezas quanto à possibilidade do uso da rede de cerco na pesca de atuns no Brasil, especialmente no que se refere ao poder de pesca das embarcações, a seletividade da arte de pesca e a viabilidade ambiental, social e econômica desta pescaria, o presente trabalho tem como objetivo analisar as informações disponíveis sobre os experimentos de pesca com rede de cerco por barcos estrangeiros arrendados e por embarcações de pesca nacionais, bem como, os dados sobre prospecção/pesca experimental com redes de cerco, e ainda, avaliar as vantagens e desvantagens da utilização de barcos arrendados para operar nesta modalidade de pesca, com base numa avaliação histórica da política de arrendamentos implementada ao longo de mais de 30 anos no Brasil, com vistas a fornecer subsídios para uma eventual tomada de decisão sobre as reais possibilidades de desenvolvimento da pesca oceânica de atuns no Brasil, com ênfase sobre as alternativas do uso das redes de cerco na pesca do bonitolistrado. ANTECEDENTES A seguir será feita uma breve retrospectiva sobre a pesca de bonito-listrado no Brasil Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 82

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte e sobre a pesca de cerco no oceano Atlântico. A PESCA DE BONITO-LISTRADO/ATUNS NO BRASIL No final da década de 1970, nas regiões sudeste e sul do Brasil, teve inicio a pesca do bonito-listrado, com vara e isca-viva, cujo desenvolvimento contou, posteriormente, com a participação de barcos estrangeiros arrendados, os quais no início da década de 1990 foram todos nacionalizados. Atualmente esta pescaria vem sendo realizada, exclusivamente por embarcações nacionais, as quais utilizam como isca-viva, preferencialmente, exemplares juvenis de sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis). Outras espécies de pequenos pelágicos, tais como, sardinha-cascuda (Harengula clupeola), manjuba (Cetengraulis edentulus), manjubão (Lycengraulis grossidens) e boqueirão (Anchoa sp), também são utilizadas, contudo, sua menor disponibilidade e rusticidade, assim como, menor poder de atração dos cardumes, tem feito com que a frota utilize prioritariamente a sardinha-verdadeira, espécie esta que de acordo com Lin (1992), representa cerca de 72,4% das iscas utilizadas. Este mesmo autor, com base em dados do ano de 1989 estimou na época que, anualmente, são capturados e utilizados como isca-viva cerca de 505,5 toneladas de juvenis de sardinha-verdadeira. Como o estoque de sardinha-verdadeira está sobreexplotado, em função do elevado esforço de pesca, e das elevadas taxas de captura de juvenis, a utilização de sardinha jovem pelos atuneiros que operam com vara e isca-viva, tem gerado conflitos entre estes e os pescadores da frota de traineiras que capturam sardinha-verdadeira. Assim, a entrada de barcos cerqueiros para operar na pesca do bonito-listrado, tem sido, por diversas vezes, apontada como uma das alternativas para contribuir na recuperação do estoque de sardinha-verdadeira, uma vez que a pesca de cerco, por sua maior eficiência, viria substituir gradativamente a pesca com isca-viva, como tem acontecido em outras regiões de pesca de atuns, como por exemplo, no Atlântico Oriental, onde atualmente predomina a pesca de cerco dirigida aos atuns tropicais. Na região Nordeste, SUDEPE (1984) cita, sem especificar o período de operação, que já houve uma efêmera experiência de pesca de atuns com rede de cerco com barcos arrendados de grande porte, mas tal experiência não pode ser avaliada, pois não houve nenhum desembarque de pescado capturado em águas brasileiras. Nas regiões Sudeste e Sul as primeiras iniciativas de introdução da pesca do bonitolistrado com redes de cerco foram realizadas em 1981. Os barcos utilizados eram arrendados e adaptados a partir de antigos sardinheiros, com redes de pequenas dimensões e guinchos com carregamento lento, portanto não adequados à captura de tunídeos (SUDEPE/PDP, 1984). Outras duas experiências com arrendamentos de barcos cerqueiros foram tentadas entre abril de 1982 e junho de 1983, em Itajaí (SC), com uma embarcação de pequeno porte, entre o 4 trimestre de 1983 e o 1º trimestre de 1984 no, Rio de Janeiro (RJ), com dois barcos cerqueiros de grande porte. Durante o curto período de atuação destes barcos, conseguiu-se realizar o embarque de observadores de bordo para acompanhar as operações de pesca e foram obtidos informações sobre captura, esforço de pesca e áreas de atuação dos barcos, por meio do preenchimento de Mapas de Bordo (SUDEPE/PDP, 1984). Posteriormente, no ano de 1999, foi autorizado o arrendamento de uma embarcação de cerco, de bandeira espanhola, por uma empresa de pesca da região Nordeste, para operar no Atlântico equatorial, tendo como espécies-alvo o bonito-listrado e a albacoralaje. Esta embarcação operou no período entre agosto de 1999 e janeiro de 2000, tendo Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 83

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR realizado quatro viagens de pesca, na área entre as latitudes de 7 N e 4 S, as quais foram acompanhadas por observador de bordo. A pesca com redes de cerco vem, ainda, sendo praticada de forma esporádica na região Sul do Brasil, especialmente durante o período de verão, a partir de barcos sardinheiros, que têm realizado algumas incursões de pesca com capturas do bonito-listrado. No ano de 2003, o interesse pelo desenvolvimento da pesca do bonito-listrado com redes de cerco, foi retomado, justificado pelo fato de que tais embarcações viriam a substituir paulatinamente os barcos de isca-viva e, portanto, contribuíriam para a recuperação dos estoques de sardinha-verdadeira, ao não ser mais demandada a captura de juvenis da espécie para isca. Naquela época, o Subcomitê Científico do Comitê Permanente de Gestão sobre Atuns e Afins-SC-CPG analisou uma proposta de licenciamento da pesca de cerco do bonitolistrado, tendo apresentado um posicionamento sobre o referido pleito, no qual considerou os seguintes pontos: - Os dados analisados pelo CEPSUL-IBAMA, na década de 1980 indicaram que os impactos sobre o estoque da sardinha-verdadeira, pela retirada de juvenis pela frota atuneira de isca viva, são insignificantes, quando comparado ao impacto causado pelas elevadas capturas de juvenis pela frota traineira. - A rede de cerco é uma arte de pesca não seletiva, em relação ao tamanho dos indivíduos capturados, sendo responsável por elevadas capturas de exemplares juvenis, especialmente quando realizada em associação com objetos flutuantes, tal como ocorre nas operações de pesca no Atlântico Oriental, onde cerca de 2/3 das capturas do bonitolistrado são obtidas nas pescarias de cerco, nas quais se registram maiores capturas de juvenis, em comparação aos outros métodos de pesca A partir desta premissa, o Subcomitê considerou que a introdução deste método no Brasil levaria a uma mudança no padrão de explotação, com aumento das capturas de juvenis. Assim, num primeiro momento, haveria aumento das capturas, mas em médio prazo ocorreria uma redução das capturas em função da diminuição do rendimento por recruta. Naquela oportunidade, o Comitê Permanente de Investigação e Estatística SCRS, da Comissão Internacional para Conservação do Atum Atlântico (ICCAT) não havia realizado uma avaliação quantitativa do tamanho do estoque do bonito-listrado do Atlântico Ocidental, entretanto, durante a reunião de avaliação de estoques de atuns tropicais, realizada em 1999, na Ilha da Madeira, a análise dos dados indicou que a pescaria brasileira do bonitolistrado com vara e isca-viva encontrava-se estabilizada. Com base nos fatos acima apresentados e, considerando que a manutenção da estabilidade da pescaria seria o desejável do ponto de vista da sustentabilidade da pesca, o Subcomitê recomendou que se procedesse com cautela na autorização de licenças para a pesca de cerco de atuns no Sudeste/Sul do Brasil, propondo que, em caráter experimental, por um período de um ano, fossem liberadas seis licenças, sendo duas para embarcações que já pescam com isca-viva e quatro para embarcações traineiras. A liberação das licenças de pesca estaria condicionada, a realização do monitoramento adequado das pescarias, para permitir a obtenção de dados técnicos das operações de pesca, tais como a descrição detalhada do equipamento e metodologia de pesca empregada, o esforço de pesca e a composição das capturas, além de dados biológicos, econômicos e ambientais. O Subcomitê recomendou ainda, que as permissões deveriam ser liberadas de forma a abranger a maior diversidade e amplitude de comprimento das embarcações, quanto possível, de forma a permitir uma melhor análise da performance alcançada pelas diferentes embarcações envolvidas. Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 84

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte O Subcomitê considerou ainda que se deveria realizar análises dos rendimentos do bonito-listado para esta pesca experimental com rede de cerco. Com base nestas recomendações, em 18 de dezembro de 2003, com a publicação da Instrução Normativa nº 06 (BRASIL, 2003), foi autorizando, em caráter experimental, a emissão de licenças de pesca para seis embarcações nacionais, de arqueação bruta inferior a 300 toneladas, para operar na pesca de cerco do bonito-listrado no litoral das regiões sudeste e sul do Brasil. Posteriormente, em junho de 2010, o MPA elaborou um quadro de metas para arrendamento de 66 embarcações pesqueiras para a pesca de atuns e afins, distribuídos da seguinte forma: 01 cerqueiro, 12 espinheleiros para a pesca dirigida ao espadarte e 53 espinheleiros para a pesca dirigida às albacoras. Ao submeter a proposta de arrendamento para análise do Subcomitê Cientifico do CPG de Atuns e Afins - (SC-CPG), o MPA argumentou que a retomada da política de arrendamentos de barcos estrangeiros era necessária para viabilizar o cumprimento das quotas de captura do espadarte e permitir ao Brasil ampliar as capturas das demais espécies de albacoras. Com relação ao arrendamento de um barco cerqueiro, nas discussões realizadas no âmbito do Subcomitê Cientifico do CPG de Atuns e Afins houve questionamentos sobre a viabilidade econômica destas pescarias na costa brasileira, por já ter ocorrido pelo menos três experiências sem sucesso, e alguns membros manifestaram preocupação pelo fato de não se conhecer os impactos destas pescarias, que são de maior poder predatório em relação aos demais métodos de pesca de atuns e afins. Neste sentido, mais uma vez o SC-CPG de Atuns e Afins assumiu uma posição cautelosa sobre a pesca com redes de cerco de atuns e afins, adiando qualquer posicionamento sobre a conveniência ou não de se permitir o arrendamento de barcos estrangeiros para esta modalidade de pesca, até que se tenha um levantamento completo dos dados históricos disponíveis sobre as operações de pesca de barcos nacionais e arrendados, especialmente dos dados de composição de tamanho das capturas de embarcações nacionais que operam com cerco no verão (janeiro a março) durante o período de defeso da pesca da sardinha. Recomendou-se, ainda, a realização de estudos de avaliação socioeconômica da pesca de cerco atual. A PESCA DE CERCO NO OCEANO ATLÂNTICO Os três principais métodos de pesca utilizados nas pescarias de atuns e afins são; rede de cerco, vara e isca-viva e espinhel ou long-line. No oceano Atlântico, as pescarias mais importantes de atuns são desenvolvidas com redes de cerco, sendo as principais espécies capturadas a albacora-lage (Thunnus albacares), albacora-bandolim (Thunnus obesus) e bonito-listrado (Katsuwonus pelamis). Em geral, nestas pescarias, a albacora-lage e o bonito-listrado são considerados como espécies-alvo, enquanto que a albacora-bandolim e os tunídeos pequenos, bonito-cachorro (Auxis thazard) e bonito-pintado (Euthynnus alletteratus) fazem parte da captura acidental (ANONIMO, 2001). No Atlântico oriental o bonito-listrado capturado nas pescarias de cerco representa cerca de 2/3 do total capturado, sendo o restante das capturas obtidas quase que totalmente pela pescaria com vara e isca-viva. Na parte ocidental do Atlântico, o bonito-listrado é capturado, também, quase que exclusivamente, por métodos de pesca de superfície. Porém, contrariamente ao que ocorre no lado oriental, as pescarias mais importantes são realizadas com vara e isca-viva, sendo Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 85

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR o cerco o segundo mais importante método de pesca. No Brasil, a partir da década de 1980, a pescaria mais importante de atuns e afins é realizada com vara e isca-viva, nas regiões sudeste e sul, a qual tem como espécie alvo o bonito-listrado, cuja captura representa mais de 60% da captura total da espécie no Atlântico ocidental. Atualmente os barcos de cerco que tem como espécie alvo os atuns, se constituem numa frota muito moderna, que se encontra em continua evolução, tanto em suas características físicas, equipamentos de navegação e auxiliares à pesca, como, no seu modo de operação. No inicio da década de 1980 a localização dos cardumes era realizada utilizando-se com relativa frequência helicópteros e aviões (DELGADO de MOLINA et al., 1999). Ao final desta década (1987), se generalizou o emprego de radares para a localização de pássaros, que se encontram frequentemente associados aos cardumes de atuns. Com a introdução dos objetos flutuantes, nos anos 1990, para atrair e concentrar os cardumes de atuns, foram instalados nas pontes de comando dos barcos numerosos instrumentos dedicados a localização e seguimento dos mesmos (tanto por rádio como via satélite). Atualmente, a frota de atuneiros cerqueiros está dotada dos mais avançados equipamentos para a detecção, captura e conservação de tunídeos, incluindo uma moderna rede de comunicações, interligada com os sistemas de teledetecção, que proporcionam informações via satélite, facilitando a detecção e localização dos cardumes de peixes associados a objetos flutuantes balizados, permitindo o planejamento antecipado da estratégia de pesca. Inclui, ainda, radares para detecção de aves, uma vez que estas se associam frequentemente aos cardumes de atuns (ICCAT, 2008). Segundo Delgado de Molina et al. (2002) e Santana et al. (2002), citados por ICCAT (2008) nas embarcações mais modernas as dimensões das redes utilizadas podem alcançar os 2.000 m de comprimento e uns 300 m de altura, variando em função das características físicas, potência e autonomia do barco, assim como, das espécies alvo. A maioria dos cerqueiros atuneiros tropicais, que atualmente operam em águas do oceano Atlântico, contam com redes em torno de 1.500-1.850 m de comprimento e 250-280 m de altura. A tripulação dos barcos, com pequenas variações, está constituída por umas 23 pessoas: patrão de pesca, capitão, oficial de comando, chefe de máquinas, 3 maquinistas, cozinheiro e ajudante, contramestre, redeiro e uns 12 pescadores. Nos últimos anos, os principais países que operam com frotas que utilizam a modalidade de cerco, na captura das três espécies de maior importância em volume de capturas (albacora-laje, albacora-bandolim e bonito-listrado), no Oceano Atlântico são: Espanha, França e Gana, no Atlântico oriental e a Venezuela no Atlântico ocidental. Na parte oriental do Atlântico, a pesca de cerco se realiza em águas tropicais, entre os paralelos 20º N - 15º S e o meridiano 30º E. Nesta zona, as capturas de bonito-listrado são realizadas, sobretudo, associadas a objetos flutuantes (ainda que, também ocorram capturas elevadas sobre cardumes livres), enquanto que as capturas de albacora-lage, neste tipo de associação, são de pouca importância em relação com a captura total desta espécie. A albacora-bandolim é capturada, quase exclusivamente, quando se encontra associada a objetos flutuantes (ARIZ et al., 2000). No oceano Atlântico ocidental a pesca de cerco que atua sobre tunídeos tropicais é realizada fundamentalmente pelos barcos de cerco venezuelanos. As capturas são realizadas em áreas costeiras da Venezuela (5º N - 15º N), tendo a albacora-lage e o bonitolistrado como as principais espécies capturadas e as maiores capturas são registradas no 4º trimestre do ano (outubro e novembro), e as menores no segundo trimestre (ICCAT, 2008). Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 86

MATERIAL E MÉTODOS Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte Os dados e informações utilizados no presente trabalho foram oriundos de diversas fontes, tais como: relatórios de reuniões técnicas do Grupo Permanente de Estudos sobre Atuns e Afins (GPE de Atuns SUDEPE e IBAMA) e do Subcomitê Cientifico do CPG Atuns (SEAP/PR e MPA); relatórios de projetos de pesquisa e prospecção pesqueira; relatórios de embarque de observadores de bordo, da bibliografia especializada e de entrevistas com mestres e armadores de pesca. Quanto aos dados estatísticos sobre as operações de pesca e produção desembarcada, os mesmos foram obtidos dos registros de mapas de bordo e controle da produção pesqueira desembarcada nos estados de Santa Catarina e Rio de Janeiro, disponíveis no CEPSUL/IBAMA-ICMBio. Os dados de produção foram obtidos em formulários próprios, nas empresas de pesca ou em pontos de desembarque. Em cada formulário foram coletadas as seguintes informações: nome da embarcação, data e local do desembarque, data de saída e chegada ao porto, petrecho de pesca utilizado e peso desembarcado por espécie, em kg. As informações das pescarias foram obtidas dos registros diários dos formulários de Mapas de Bordo, preenchidos pelos mestres dos barcos, nos quais são obtidos dados sobre as operações de pesca com rede de cerco, tais como; horas de procura, início e final do lance de pesca, capturas em peso por espécie e esforço de pesca em número de lances, número de dias empregados na localização (procura de cardumes) e na captura dos cardumes (lances de pesca efetivos). As informações sobre os deslocamentos até os pesqueiros, a posição geográfica dos lances de pesca e os dados de profundidade e temperatura superficial da água do mar também são obtidos nestes formulários. As informações sobre características das embarcações e dos petrechos de pesca foram obtidas tanto dos mapas de bordo como, também, das permissões de pesca quando das entrevistas com armadores e mestres de pesca e da relação de embarcações permissionadas pelo MPA e fornecida ao IBAMA, em 2010. Outra fonte de dados considerada foi o Banco de Dados da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT), do qual foram obtidos dados da captura e esforço de pesca das pescarias de cerco, bem como os dados das distribuições de frequências de comprimento dos bonito-listrados capturados nas pescarias brasileiras com redes de cerco e com vara e isca-viva. Os dados de amostragens de comprimento furcal do bonito-listrado capturado nas pescarias com rede de cerco dos barcos arrendados e com vara e isca-viva, no ano de 1983, agrupados por mês, bloco de um grau de lado e classe de comprimento de 1 cm, foram extraídos do banco de dados da ICCAT. Destes dados, apenas aqueles oriundos de capturas realizadas nos blocos estatísticos em que as duas frotas operaram, no mesmo período do ano, foram plotados na forma de distribuições de frequência de comprimento, com vistas a avaliar a existência de diferenças na composição de tamanho das capturas entre as duas modalidades de pesca. Como os dados de esforço aparecem em unidades diferentes: dias de pesca (1983, 1984 e 2007), número de lances (1999) e número de viagens (2005, 2006 e 2008), tornando difícil a utilização de todo o conjunto dos dados para tentar comparar os rendimentos entre as frotas e períodos anuais. Por este motivo, optou-se por utilizar apenas os dados de esforço em número de dias de pesca. Os mapas de bordo das viagens de pesca da frota de cerco de Santa Catarina, do período 2006-2009, foram analisados com vistas a identificar as viagens de pesca dirigidas ao bonito-listrado, pois estas embarcações, embora estejam licenciadas para a pesca de cerco da sardinha, atualmente, não têm uma espécie alvo definida, podendo numa viagem Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 87

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR de pesca realizar operações de cerco sobre mais de uma espécie, ou seja, operam de forma oportunista e especialmente durante o defeso da sardinha e no verão, período de safra do bonito-listrado, quando os cardumes se encontram distribuídos mais próximos a costa, algumas embarcações direcionam a pesca para a captura desta espécie. Para tanto, foram utilizados apenas os mapas de bordo das viagens de pesca, nas quais a soma das capturas das três espécies de bonitos (listrado, cachorro e pintado) foi superior à soma da captura das demais espécies. Os dados e informações acima citados foram processados e analisados com vistas a conhecer as áreas de pesca, a composição das capturas por espécies e classes de comprimento, o rendimento das pescarias e as características das embarcações e petrechos de pesca utilizados. RESULTADOS E DISCUSSÃO PESCARIAS DE CERCO COM BARCOS ARRENDADOS NA REGIÃO NORDESTE Segundo Vasconcelos e Conolly (1978), em meados da década de 1970 foram realizadas pescarias experimentais com distintas artes de pesca, na região nordeste, que mostraram indícios da ocorrência de cardumes superficiais de bonito-listrado e albacoralage, no 1 e 4 trimestres do ano. Entretanto, tais informações não foram suficientes para dar início a uma pescaria com vara e isca-viva, devido à limitação quanto à disponibilidade de isca-viva. Restaria então a opção da pesca pelo método de cerco. O primeiro registro de pesca com redes de cerco, na região, não deixou qualquer informação sobre as operações de pesca realizadas. Contudo pode-se supor que não foram bem sucedidos, pois não houve nenhum desembarque em portos brasileiros. No período entre 1966 e 1981, durante o trajeto entre seu porto base e as áreas de pesca no Atlântico oriental, barcos cerqueiros americanos realizaram prospecção e pesca de cardumes de atuns, na área entre a Venezuela e 5º S, que compreende a região norte e parte da região nordeste do Brasil. Nesta área, a densidade dos cardumes mostrou-se baixa e os mesmos se encontravam deslocando-se em altas velocidades. A analise dos dados de mapas de bordo destas operações de pesca mostrou ainda que a taxa de sucesso dos lances de cerco realizados sobre o bonito-listrado foi baixa, havendo indicações de que os fortes ventos, que predominam na área durante os meses de outubro a março, impediram a localização e captura efetiva dos cardumes de atuns (SAKAGAWA, 1986). O segundo experimento de pesca, com barco cerqueiro arrendado, denominado Xixili, foi realizado entre agosto de 1999 e janeiro de 2000. As três viagens de pesca realizadas neste período foram devidamente monitoradas, por meio do embarque de observador de bordo e preenchimento de mapas de bordo. Além das informações sobre as capturas e esforço de pesca e áreas de operação, também foram realizadas amostragens de comprimento das capturas de bonito-listrado e albacora-lage. A embarcação arrendada era de bandeira espanhola, tinha 73 metros de comprimento total e autonomia para dois meses de mar. Estava equipada com modernos aparelhos de auxílio à pesca e à navegação, inclusive sonares para detecção de cardumes próximos à superfície do mar e radares para detecção de pássaros. A rede de pesca utilizada tinha 1.200 m de comprimento e 300 m de altura. As operações de pesca foram realizadas em quatro áreas distintas, situadas entre as latitudes de 7º N e 4º S e as longitudes 37º W e 9º W (Figura 1). Nas áreas 2 e 3 os lances de pesca foram realizados sem o auxílio de objetos flutuantes, enquanto nas áreas 1 e 4 os lances foram realizados sobre objetos flutuantes (HAZIN et al., 2000). Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 88

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte Figura 1 - Zonas de operação do barco Xixili, durante o período de outubro de 1999 a janeiro de 2000. Fonte: Hazin et al. (2000). Na tabela 1 são apresentados os dados de três viagens de pesca desta embarcação, que totalizaram 151 dias de mar. Ao todo foram realizados 13 lances de pesca, dos quais cerca de 77% foram bem sucedidos, ou seja, resultaram em capturas. No total foram capturadas 435 t, com um rendimento médio de 33,5 t/lance e 2,9 t/dia de mar. O bonitolistrado foi a espécie predominante, tendo representado 55,3% das capturas. Em todas as áreas de pesca ocorreram capturas do bonito-listrado, contudo, as maiores capturas desta espécie foram registradas na área 1, ao largo da costa nordeste do Brasil. Hazin et al. (2000) citam ainda que as distribuições de frequência de comprimento do bonito-listrado capturado nas áreas 1, 3 e 4 indicaram diferenças na amplitude de comprimentos entre as três áreas, tendo a área 3 registrado a maior proporção de indivíduos pequenos (90% entre as classes de 33 e 51 cm). Tabela 1 - Dados operacionais das viagens de pesca realizadas pelo cerqueiro arrendado Xixili, de bandeira espanhola, no período 1999-2000. Viagem Nº dias no porto* Nº dias no mar Nº de lances Bonito-listrado (Kg) Outros atuns (Kg) Captura total (Kg) Captura/lance (Kg) Captura/dia de mar (Kg) 1 4 27 1 - - - - - 2 9 60 10** 230.000 170.000 400.000 40.000 6.667 3 3 64 2 10.500 24.500 35.000 17.500 547 Total 16 151 13 240.500 194.500 435.000 33.460 2.880,8 Fonte: Hazin et al. (2000) * Subsequentes às viagens de pesca. ** Em dois lançamentos o saco da rede foi aberto, em função do peixe ter sido considerado pequeno. Como os autores citam que na área 3 não foram utilizados objetos flutuantes, enquanto nas áreas 1 e 4 todos os lances foram realizados com o emprego dos mesmos, estes resultados contradizem vários estudos que mostram que os objetos flutuantes favorecem a formação de cardumes de indivíduos pequenos. Pallares et al. (1998) ao analisarem a distribuições das capturas por classe de comprimento, das três espécies de atuns tropicais capturadas nas pescarias de cerco do Atlântico tropical oriental, no período de 1990 a 1994, constataram um aumento nas capturas de indivíduos menores, especialmente da albacoralage, nos lances de pesca de cerco de cardumes associados com objetos flutuantes. Nas capturas com este tipo de associação os pesos médios foram inferiores a 11 kg, enquanto Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 89

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR nas capturas obtidas de cardumes livres os pesos médios foram superiores aos 31 kg. Outras espécies capturadas foram: albacora-lage, albacora-branca(thunnus alalunga), albacora-bandolim, cavala (Acanthocybium solanderi), dourado (Coriphaena hippurus), tubarões e agulhões (Istiophoridae). Hazin et al. (2000) citam que na segunda viagem de pesca foram devolvidas ao mar cerca de 60 t, das espécies cavala, dourado, tubarões e agulhões (fauna acompanhante) e que, nas três viagens de pesca, foram capturadas, acidentalmente, 8 tartarugas, das quais 6 foram liberadas vivas. A tabela 1 mostra que na segunda viagem de pesca foram capturadas 400 t de bonitolistrado e outros atuns. Embora as capturas não estejam discriminadas por espécie, com exceção do bonito-listrado, considerando que no grupo outros atuns foram incluídos apenas as espécies de albacoras e pequenos tunídeos, a rejeição de 60 t da fauna acompanhante representou cerca de 15% da captura total. Hazin et al. (2000) citam que a operação de pesca do cerqueiro Xixili na região nordeste foi realizada em caráter de prospecção e que a produção obtida não foi satisfatória, causando a interrupção desta atividade. A produção média esperada para uma embarcação com as características do Xixili seria da ordem de 1.200 t por viagem de 2 meses, o que corresponderia a 7.200 t ano. Esta informação é corroborada por Hospido e Tyedmers (2005), que realizaram levantamento de dados junto a uma empresa de pesca para conhecer a produtividade média dos barcos cerqueiros espanhóis, operando nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Para barcos com comprimento médio de 63,3 m, potência de motor principal de 3.182 Kw (4326 HP) e tripulação média de 28 homens, a produção média anual das espécies albacoralaje e bonito-listrado, situa-se em torno de 7.800 t. Os barcos que operam no Índico e no Pacífico são maiores, com comprimento médio de 65,7 e 80,5 m, respectivamente, e tem uma maior produtividade, 9.851 t e 8.331 t, respectivamente. É importante notar que a Portaria SUDEPE n-2, de 11 de fevereiro de 1981 proíbe a pesca de cerco de atuns e afins com embarcações com mais de 300 TBA na área compreendida entre 18 20 S e 29 15 S, onde ocorre a maior concentração de cardumes do bonito-listrado durante o verão. Entretanto, mesmo que o barco Xixili tivesse operado na referida área, é pouco provável que pudesse obter rendimentos compatíveis com os elevados custos operacionais desta embarcação. PESCARIAS DE CERCO COM BARCOS ARRENDADOS NAS REGIÕES SUDESTE E SUL Na região Sudeste, a primeira experiência com barcos arrendados, realizada em 1981, não foi bem sucedida, pois as embarcações testadas eram adaptadas a partir de antigos sardinheiros, com redes de pequenas dimensões e, portanto, não adequados à captura de tunídeos (SUDEPE/PDP, 1984). No ano de 1982, uma empresa de Santa Catarina arrendou um cerqueiro (Diane Marie), com bandeira das Ilhas Cayman, que operou entre os anos de 1982 e 1983. Esta embarcação, construída em aço, tinha comprimento total de 23,15 metros, potência do motor principal de 700 Hp, capacidade de carga no porão de 330 t e sistema de conservação do pescado em salmoura refrigerada (Tabela 2). Para as operações de pesca a embarcação dispunha ainda de um guincho com carregadeira de cabo de aço, para fechamento rápido da rede de cerco, cujo comprimento era de 1.500 m, altura de 160 m e malhas com tamanhos de 80-100 mm entre nós opostos. Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 90

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte Tabela 2 - Características físicas dos barcos arrendados que estiveram em operação na pesca do bonito-listrado com rede de cerco no sudeste e sul do Brasil, no período entre 1982 e 1984. Embarcação Porto base Comprimento total (m) Bruta Arqueação Líquida Capacidade de porão Potência do motor (Hp) Diane Marie Itajaí 23,15 190,78 147,53 330 (m3) 700 Almadraba Uno Rio de Janeiro 61,25 983,88 363,96 600 (t.) 3.000 Almadraba Dos Rio de Janeiro 71,55 1.357,00 489,51 1.100 (t.) 4.800 Média Fonte: SUDEPE/PDP (1984) 51,98 843,89 333,67 676,67 2.833,33 Durante o período em que esta embarcação operou no Brasil, foram coletados dados de produção desembarcada. Não foram registrados dados e informações específicas das operações de pesca sejam em formulários próprios ou em mapas de bordo. Entretanto, informações obtidas diretamente dos pescadores e pesquisadores que acompanharam algumas viagens de pesca, indicam que se obteve melhor desempenho durante o período de janeiro a março, em virtude das boas condições climáticas e oceanográficas encontradas na região sul, o que favoreceu o cerco dos cardumes. Neste período realmente ocorrem maiores concentrações de cardumes do bonito-listrado nesta região do Brasil, resultando em maiores volumes de produção da espécie nas pescarias com isca-viva. Nas pescarias com cerco foram utilizadas duas estratégias de pesca: lances de cerco realizados sobre cardumes concentrados com iscas-vivas e, lances sobre cardumes livres. Os melhores rendimentos foram obtidos com o emprego de iscas-vivas para concentração do cardume, quando o rendimento médio por lance situou-se entre 60-70 t, enquanto que nos lances de cerco sobre cardumes livres a captura média por lance foi em torno de 10 t. Entre outubro de 1983 e março de 1984 estiveram em operação dois barcos cerqueiros de grande porte, Almadraba Uno e Almadraba Dos, de bandeira espanhola, que atuaram com base no Rio de Janeiro. As características físicas principais destas embarcações encontram-se na Tabela 2. Estas embarcações eram providas de motores auxiliares com potência de 750 HP, congelavam a captura em salmoura a -13º C e tinham autonomia em média de 90 dias de mar. De acordo com o relatório de um embarque de observador de bordo (BRAILE; NASCIMENTO, 1983), a localização dos cardumes era feita através da visualização do mesmo ( mancha ) na superfície do mar, indicada pela formação de pequenas ondas irregulares e peixes saltando, fora d água, e ainda pela presença de aves (praticamente em todas as manchas ), e mamíferos marinhos. Equipamentos, como ecosonda e sonar eram também usados nesta tarefa.. Nas operações de cerco foram, também, realizados lances com o auxílio de um barco de isca-viva, que em algumas oportunidades trabalhou em conjunto com o barco cerqueiro, realizando o engodo ( atração ) dos cardumes localizados, antes mesmo da realização do lance de cerco. Os dados de captura e esforço de pesca constam no relatório técnico de embarque de observador de bordo (BRAILE; NASCIMENTO, 1983). Entretanto, não foi possível identificar se cada registro representa um dia de atividade ou trata-se de observações coletadas em determinados intervalos de tempo. Desta forma, como não foi possível determinar uma unidade de medida para a atividade procura de cardumes, sendo o número de lances de cerco a única medida do esforço de pesca extraída dos dados, com as capturas expressas em quilogramas. Apesar destas lacunas no registro dos dados pelos observadores de bordo, considerando que as informações contidas no referido relatório permitem a obtenção Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 91

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR de algumas conclusões importantes sobre estas pescarias, os dados e informações foram tabulados e agrupados por bloco estatístico de um grau de lado e são apresentados nas tabelas 3a e 3b. A análise destes dados mostra que a área de pesca situou-se entre 24ºS e 28ºS, com maior concentração entre 25 S e 26 S. Tabela 3a - Dados operacionais de uma viagem de pesca de barco cerqueiro espanhol (Almadraba Uno), realizada no mês de outubro de 1983. Latitude (º) Longitude (º) Procura sem pesca 24 44 5 5 - - - - - 22,6 24 45 1 1 - - - - - 22,0 25 43 1 1 - - - - - 22,8 25 44 5 4 1-1 500 500 23,4 25 45 21 8 9 4 2 54.500 2.600 21,7 25 46 1 1 - - - - - 22,6 26 45 4 1 2 1 1 5.500-22,0 27 46 1 1 - - - - - 22,0 28 47 2 1-1 - - - 21,7 Total Percentual Fonte: Braile; Nascimento (1983) Esforço de Pesca (Lance) Captura (Kg) Temp. média C/Pesca S/Pesca C/Engodo Bonito-listrado Albacora-lage ( C) 41 23 12 6 4 60.500 3.100 56,1 66,7 33,3 22,2 95,1 4,9 Foram realizados avistamentos de cardumes em 58,5% das observações (Tabela 3b), sendo que nem todos resultaram na realização de lances de cerco, pois, segundo os observadores de bordo, alguns cardumes avistados eram de pequeno tamanho e não compensavam a realização da operação de pesca. Dos lances realizados (18), um terço resultou em captura nula. Os lances de cerco com engodo (nos quais o barco de isca-viva auxiliou na concentração dos cardumes) representaram 22,2% dos lances realizados. O bonito-listrado foi a espécie predominante nas capturas com 95,1% do total capturado (Tabela 3a) e a albacora-lage foi responsável pela outra parte da captura (4,9%). Foram avistadas aves marinhas em cerca de 30% das observações de pesca, concluindose que nestes casos as mesmas funcionaram como indicadoras da existência de cardumes na superfície do mar. Tabela 3b - Dados operacionais sobre procura e avistamento de cardumes e espécies associadas, de uma viagem de pesca de barco cerqueiro espanhol (Almadraba Uno), realizada no mês de outubro de 1983. 22,1 Latitude (º) Longitude (º) Procura Avistamento de cardume Avistamento card. s/pesca Ocorrência de mamíferos Ocorrência de aves 24 44 5 - - - - 24 45 1 - - - - 25 43 1 - - - - 25 44 5 1 - - - 25 45 21 17 4 1 8 25 46 1 1 1 1 1 26 45 4 3-1 3 27 46 1 - - - - 28 47 2 2 1 - - Total Percentual Fonte: Braile; Nascimento (1983) 41 24 6 3 12 58,5 25 7,32 29,27 Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 92

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte Também foram observados mamíferos marinhos em 7,3% das observações. O relatório não cita a ocorrência de capturas acidentais de outras espécies, sendo possível que tenham ocorrido mas não foram registradas pelos observadores, cujo interesse maior era coletar dados sobre a tecnologia de pesca utilizada. Ou seja, visavam principalmente observar o método de pesca empregado e o manuseio e congelamento do pescado a bordo. Conforme citado no relatório o arrendamento destas embarcações tinha como objetivo ampliar a atual área de captura, transferir tecnologia e conhecer as condições pesqueiras de nossas áreas de pesca A captura média por lance de cerco foi 3,5 t, enquanto que a captura média por lance efetivo foi 5,3 t. No primeiro caso o rendimento foi calculado considerando todos os lances de pesca efetuados, enquanto no segundo foram considerados apenas os lances em que ocorreram capturas. A temperatura da superfície do mar variou de 19,5 a 23,5 C, com valor médio de 22,1 C em todo o período considerado. Na tabela 4 são apresentados dados mensais de captura, esforço de pesca e rendimento das pescarias dos barcos cerqueiros espanhóis. Entre outubro de 1983 e março de 1984 foram capturadas 1.122 t, tendo o bonito-listrado uma participação de 49,5% e a albacora-lage de 44,7%. Tabela 4 - Dados mensais de captura e esforço das pescarias de cerqueiros espanhóis arrendados, que operaram no sudeste e sul do Brasil, no período de 1983 a 1984. Ano 1 9 8 3 1 9 8 4 Esforço de pesca Captura (Kg) CPUE total (Kg/dia de Participação relativa (%) Dias (Procura e pesca) Dias de procura Bonito-listrado Albacora-lage Outros Total procura e pesca) Bonito-listrado Albacora-lage Outubro 88 4 76.000 2.500-78.500 892,00 96,82 3,18 Novembro 41 6 15.000 43.000-58.000 1.414,60 25,86 74,14 Dezembro 47 19 22.000 123.500-145.500 3.095,70 15,12 84,88 Janeiro 45 13 442.000 202.500 65.000 709.500 15.766,70 62,30 28,54 Fevereiro 25 14-87.500-87.500 3.500,00-100,00 Março 19 13-43.000-43.000 2.263,20-100,00 Total Mês Percentual 265 69 555.000 502.000 65.000 1.122.000 100,0 26,0 49,47 44,74 5,8 100,0 4.234,00 49,47 44,74 Apesar dos percentuais em torno de 50% para cada espécie, os dados de captura mensal mostram maiores capturas do bonito-listrado em outubro e janeiro enquanto nos meses de fevereiro e março as capturas estiveram compostas exclusivamente de albacoralage. Meneses de Lima et al. (2000) citam que, nas pescarias dos barcos de isca-viva do Rio de Janeiro, nos anos de 1983 a 1998, o período de safra da albacora-lage estendeu-se de abril a agosto, com pico de captura em meio-junho e que as maiores CPUE ocorreram no segundo e terceiro trimestres, enquanto para o bonito-listrado as maiores CPUE ocorreram principalmente no primeiro e segundo trimestres. Por ser a albacora-lage uma espécie de maior valor comercial é possível que os cerqueiros espanhóis estiveram direcionando a pesca para a captura desta espécie. Com relação a distribuição geográfica das capturas, as duas espécies foram capturadas entre 20º e 31º de latitude sul. As maiores capturas do bonito-listrado (Figura 2) ocorreram ao sul de São Sebastião (entre 25ºS e 26ºS de latitude); as maiores capturas da albacora-lage (Figura 3) ocorreram em áreas mais afastadas da costa (entre 25ºS e 29ºS de latitude), ao sul de São Sebastião e na altura do Cabo de Santa Marta. Os dados de produção anual por espécie das pescarias realizadas pelos barcos cerqueiros arrendados no período entre 1982 1984 encontram-se na tabela 5. O bonitolistrado foi a espécie predominante nas capturas, seguido da albacora-lage, tendo ocorrido também registro da captura das espécies albacora-bandolim e bonito-cachorro, que juntas representaram 5,7% da captura total. Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 93

Boletim Técnico-Cientifico do CEPNOR Figura 2 - Distribuição geográfica das capturas do bonito-listrado, por barcos cerqueiros espanhóis arrendados, no sudeste e sul do Brasil, no período entre outubro de 1983 e março de 1984. Figura 3 - Distribuição geográfica das capturas de albacora-lage, por barcos cerqueiros espanhóis arrendados, no sudeste e sul do Brasil, no período entre outubro de 1983 e março de 1984. Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 94

Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte Tabela 5 - Desembarques (kg) de atuns e afins das pescarias de cerco de atuneiros arrendados, no sudeste e sul do Brasil, no período de 1982 a 1984. Ano Bonito-listrado Albacora-lage Albacora-bandolim Bonito-cachorro Total 1982 165.851 - - - 165.851 1983 300.900 177.060 6.000 15.000 498.960 1984* 442.000 333.000-65.000 840.000 Total 908.751 510.060 6.000 80.000 1.504.811 1º trimestre. Fonte:SUDEPE/PDP (1984). Os dados de observadores de bordo das pescarias realizadas pelos atuneiros espanhóis indicam que foram realizados lances de pesca com e sem FAD s, os quais não foram identificados nos relatórios consultados e nem nos registros de mapas de bordo que estiveram disponíveis. Desta forma, não foi possível comparar a rentabilidade dos lances com e sem FAD s. As pescarias de atuns tropicais com redes de cerco associados com FAD s se expandiram consideravelmente nos últimos 15 anos. De acordo com Hallier e Gaertner (2008), nos oceanos Atlântico e Indico, 75% das capturas de bonito-listrado, 35% das captura de albacora-lage e 85% das capturas de albacora-bandolim pelo método de cerco são oriundas de cardumes associados com FAD S. O uso de FAD s foi iniciado no Atlântico e rapidamente se expandiu para os oceanos Índico e Pacífico. A eficiência da pesca de cerco com FAD s é várias vezes superior à pesca de cerco sem o seu uso (UOZUMI; OTA, 2001) e foi responsável pelo aumento mundial da captura dos atuns tropicais, especialmente do bonito-listrado, cuja captura praticamente dobrou entre as décadas de 1980 e 1990, passando de 1.000.000 para 2.000.000 t\ano. Apesar do cerco com FAD s ser menos seletivo do que as outras modalidades de cerco, no que diz respeito à composição das espécies e tamanho dos indivíduos capturados, resultando no aumento da captura de juvenis das espécies de albacora-laje e albacorabandolim, cujos indivíduos jovens são capturados em associação com cardumes de bonitolistrado do mesmo tamanho, a expansão do cerco com FAD s deveu-se a maior taxa de sucesso dos lances realizados (lances com captura) e ao maior rendimento por lance, quando comparado com cerco sem FAD s. Entretanto, como o aumento da captura de indivíduos juvenis causa uma diminuição no rendimento por recruta a expansão das pescarias de cerco com FAD s certamente causa um maior impacto negativo sobre os estoques e, ainda, sobre a biodiversidade aquática, com elevados riscos para a sustentabilidade das pescarias. Bromhead et al. 2003 apresenta dados de CPUE da pesca de cerco para o Pacífico oriental, os quais indicam que, no caso do bonito-listrado a captura por lance (28,13 t\lance) foi duas a três vezes maior que a CPUE registrada nos lances sobre cardumes livres (7,27 t\lance). Uma maior diferença entre as taxas de captura foi observada para a albacorabandolim, cuja CPUE nos lances associados com FAD s foi cinco a dez vezes superior Romanov (2002), com base em dados coletados por observadores de bordo, apresenta estimativas da fauna acompanhante na pesca de cerco de atuns desenvolvida por barcos soviéticos no Oceano Índico, entre 1986 e 1992. Compara para distintos tipos de cardumes (cardumes livres, associados com tubarão-baleia, associados com baleias e associados com FAD s), a composição por espécies em lances de cerco que tiveram como espécies alvo, albacora-laje e bonito-listrado. Foram analisados 494 lances de cerco, sendo que 47% sobre cardumes livres, que estavam constituídos por uma única espécie alvo (bonito-listrado ou albacora-laje) e Bol. Téc. Cient. Cepnor, v. 11, n. 1, p: 81-115, 2011 95