OS PROJETOS DE REFORMA DA ESCOLA PÚBLICA PROPOSTOS NO BRASIL ENTRE 1870 E 1880.



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Transcrição:

OS PROJETOS DE REFORMA DA ESCOLA PÚBLICA PROPOSTOS NO BRASIL ENTRE 1870 E 1880. Introdução Maria Cristina Gomes Machado i Universidade Estadual de Maringá - UEM Josie Agatha Parrilha Silva ii Centro Universitário Campos de Andrade - UNIANDRADE Esse texto enfatiza os projetos de reformas voltados à instrução pública que foram apresentados para a câmara dos deputados no final do Império no Brasil, entre os anos 1870 e 1880, selecionados por Rui Barbosa para composição de um anexo ao Projeto/Parecer "Reforma do Ensino Secundário e Superior" 1882 (1942). Selecionou-se para essa apresentação os projetos de Paulino José Soares de Souza (1870), de Antonio Candido Cunha Leitão (1873), o de João Alfredo Corrêa de Oliveira (1874). Os projetos evidenciam a compreensão da importância que os políticos proponentes atribuíam à educação, entendida como fundamental para a sociedade brasileira, num momento marcado por intensas transformações econômicas, sociais e políticas. Rui Barbosa participou de uma comissão da Assembléia Legislativa, encarregada de relatar o Decreto-Lei n. 7247, de autoria de Leôncio de Carvalho, e redigiu os seus Pareceres/Projetos sobre educação: a "Reforma do Ensino Secundário e Superior" (1942) e a "Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares da Instrução Pública" 1883 (1947). Apresentou a educação como uma questão de vida ou morte para o país, buscando com a reforma, queria reorganizar totalmente o programa escolar brasileiro, adaptando-o à nova realidade mundial. De acordo com o projeto seria papel do Estado ampliar o número de escolas, o que exigia aumentar os investimentos destinados ao ensino. Sugeria mudança de programas e métodos de ensino e a obrigatoriedade do ensino para as crianças entre 7 e 14 anos. Determinava o fim do ensino religioso e discutia a necessidade de separação entre o Estado e a Igreja. Deveria o ensino ser laico, gratuito e obrigatório. Nestes Pareceres/Projetos propôs a adoção do ensino das Lições de Coisas, e do método intuitivo no ensino da língua materna. Destacava que se deveria incluir o ensino das ciências a partir da pré-escola, pela observação e experimentação. Sugeriu novos métodos e conteúdos para as diferentes disciplinas, da matemática até moral e cívica. Ressaltava a importância da educação moral, e o papel do professores nessa tarefa. Enfim, o conteúdo da escola deveria ser ligado ciência elementar, associado ao sentimento geral de amor à pátria e ao trabalho. Rui Barbosa defendia a criação de jardins de crianças, de escolas normais, de caixas econômicas escolares. Preocupava-se ainda com a higiene escolar, que ia desde o posicionamento da luz, até as vacinas. Todos esses cuidados exigiriam maiores investimento por parte do governo. Seu Projeto tinha como objetivo principal, preparar a criança para a vida em sociedade, ou seja, formar o cidadão útil para a pátria. Os novos conteúdos, como ginástica, música, canto e ciências, associados aos conteúdos tradicionais, seriam ministrados de forma a desenvolver no aluno o gosto pelo estudo e sua aplicação (MACHADO, 2002). Ele detalhava alguns pontos que louvava ou discordava dos pareceres, bem como aqueles no qual acreditava aparecer timidamente no Decreto. Tal Decreto, apresentado em 1879, por Leôncio de Carvalho, ministro do Império, buscou reformar o ensino no país. Foram executadas apenas as propostas aprovadas pela Assembléia Legislativa, que não Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 200

envolviam muitos gastos. Previa o Decreto a reforma do ensino primário e secundário no Município da Corte e o ensino superior em todo o Império. Destaca-se no Decreto a proposta de ensino livre, em relação à obrigatoriedade do ensino religioso no Liceu Pedro II. Os alunos não católicos não seriam obrigados a freqüentar as aulas de ensino religioso, nas escolas que tivessem essa disciplina. Apesar dessa liberdade, previa a inspeção oficial. Apontava a obrigatoriedade, para o sexo masculino e feminino dos 7 aos 14 anos, com exceção das crianças que morassem muito distante das escolas publicas. Previa multas para descumprimento da norma. O ensino deveria ser organizado em escolas primárias, em primeiro e segundo graus, com duração de quatro anos. O decreto ainda previa a co-educação dos sexos até a idade de dez anos, a criação de jardins de infância para crianças de três a sete anos de idade, pequenas bibliotecas, museus, etc. O decreto não tratou sobre o ensino dos ingênuos, crianças livres, porém, filhos de escravos. Para ampliar a verbas para o ensino, propôs a criação de caixas escolares para receber donativos. O Decreto possibilitava ao governo alterar a distribuição das escolas; subvencionar escolas particulares renomadas que atendessem meninos pobres; contratar professores particulares para ensinar rudimentos do ensino primário; criar ou auxiliar cursos para adultos analfabetos; criar escolas normais nas províncias; reconhecer o título conferido por escolas particulares que preenchessem a exigências determinadas, entre outras medidas. Rui Barbosa, entretanto buscou discutir a questão da educação escolar brasileira de forma mais alargada, para tanto buscou conhecer as experiências educacionais de vários países, principalmente europeus e o norte-americano. Procurou ainda detalhar os avanços e recuos da educação brasileira retomando a sua história, seu intento era mostrar que várias tentativas foram feitas, sempre de maneira fragmentada, sem receber a devida atenção por parte dos parlamentares. Para ilustrar sua proposição organizou o aditamento aqui disponibilizado via on-line dos projetos citados pelo autor iii. Esse material constitui uma importante fonte para os historiadores da educação. Aditamento organizado na secretaria da câmara dos deputados, contendo projetos relativos a instrução pública e seu respectivo andamento apresentado no decênio de 1870 a 1880. A década de 1870, no período imperial, foi marcada por intenso debate sobre a organização do ensino sob a responsabilidade do Estado. Foram apresentados projetos de reforma da educação pública para a Câmara dos Deputados, com ênfase na criação do ensino primário para as classes populares. Ressalta-se que a organização do ensino estava de acordo com o Adicional de 1834, portanto, descentralizada. O governo geral era responsável apenas pela instrução primária e secundária no Município da Corte e ainda, pelo ensino superior em todo o Império. Entre esses projetos destacam-se os de Paulino José Soares de Souza (1870), o de Antônio Cândido Cunha Leitão (1873), o de João Alfredo Corrêa de Oliveira (1874). Podese observar nesses projetos a importância atribuída a educação pelos políticos do período. Que, apesar de algumas divergências, tinham como fundamento a necessidade de implementação de projetos para a instrução pública que ampliassem sua oferta, devendo para tanto, o Estado assumir os encargos financeiros. Os projetos de maneira geral defendiam a gratuidade, reforçando a Constituição de 1824. Isso porque durante o Império, Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 201

apesar do crescente número de escolas criadas, não se conseguira garantir escolas gratuitas para as classes populares. Ocorreram muitas mudanças no período, em especial em relação ao processo produtivo, que se refletiu na necessidade de abolir a escravidão, no trabalho livre e na imigração. Questionava-se a organização de um novo regime, capaz de construir a unidade nacional no país. Todas essas questões apontavam para a necessidade de instruir o povo e em conseqüência ampliava-se a preocupação com a expansão e o conteúdo a ser do ensinado nas escolas. Contudo, o foco de preocupação voltava-se para o ensino superior. Apresenta-se, a seguir, cada um desses projetos. O Primeiro projeto delineado será o de Paulino José Soares de Souza, este assumiu o Ministério do Império em 1868. Em maio de 1870, apresentou o Projeto relativo à instrução pública de nº 183 à Assembléia Geral Legislativa. Nesse, apontou algumas dificuldades da organização escolar, como as poucas verbas, a falta de professores, a precariedade na formação para exercer o magistério, o número reduzido de escolas, a falta de espaço físico e de salubridade nas casas alugadas pelo governo (CALVI, 2003). O projeto propôs a criação, no Município da Corte, de uma universidade composta de quatro faculdades: Direito, Medicina, Ciências Naturais e Matemáticas e Teologia. E ainda, a criação de um conselho superior de instrução pública. Sugeria a criação de estabelecimentos custeados pelo governo central, em todas as províncias. Essas deveriam ter ao menos uma escola de instrução primária para o sexo masculino e outra para o feminino, e deveria-se cumprir a obrigatoriedade do ensino para as crianças de 7 a 15 anos de idade. Previa a reorganização do ensino primário e secundário da Corte, e a organização de uma escola normal, primária (BRASIL, 1870 In: BARBOSA, 1942). O Projeto de Paulino de Souza não teve andamento na Câmara dos Deputados. Após três anos, o deputado de Antônio Cândido Cunha Leitão propôs um novo Projeto relativo à instrução pública de nº 290, em 1873. Nesse, previa a obrigatoriedade do ensino para meninos entre 7 a 14 anos, mas apenas nas cidades e vilas com escolas. Entretanto, criava penas e multas para quem não cumprisse essa determinação legal e conselhos municipais para executar a lei. Seu projeto foi polêmico em relação à dispensa das aulas de religião para os filhos de protestantes, visto ter o país o catolicismo como religião oficial. Apenas com a com a Proclamação da República, em 1889, separou-se a Igreja do Estado. O Projeto ficou sem receber parecer na câmara e eu autor propôs um novo no mesmo ano, sob o nº 463. Entre as propostas estava a liberdade do ensino, do primário ao superior, contudo, os professores deveriam ter algumas obrigações para com as autoridades municipais. Esse projeto também não foi discutido na Câmara. Em 1874, o deputado João Alfredo Corrêa de Oliveira, apresentou o Projeto relativo à instrução pública de nº 73-A. O projeto foi comentado de forma ampla, onde o autor apontou sua preocupação com a educação, o que, segundo ele, era partilhado por toda a sociedade brasileira. Contudo, destacava que havia diferença entre a necessidade de ensino de cada classe social. Destacou que os governos dos países civilizados buscavam disseminar os conhecimentos elementares da leitura e da escrita. Enquanto no Brasil, a educação era atrasada e rudimentar. Este deputado considerava que o ensino primário e secundário não tinha, até aquele momento, uma boa organização (BRASIL, 1874 In: BARBOSA, 1942). Seu Projeto previa a obrigatoriamente do ensino primário elementar, a criação das escolas para adultos, a criação de escolas profissionais, a criação de escolas mistas, a criação de escolas de trabalho para o sexo feminino e o auxílio aos estabelecimentos particulares de instrução gratuita primária e profissional. Destacava que além da obrigatoriedade do ensino deveria esse ser estendido dos 14 a 18 anos. Propôs ainda, o ensino para adultos que não tivessem Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 202

freqüentado a escola regular. O projeto do deputado só entrou em discussão na Câmara dos Deputados em 1875, mas voltou para emendas e não teve andamento. Nesse aditamento encontram-se o projeto nº 92, proposto, em 1877, pela comissão de instrução pública (BRASIL, 1877 In: BARBOSA, 1942, p. 348), bem como o de nº 158 de 1880 que em 23 de novembro, desse mesmo ano, foi remetido à comissão de instrução pública. Em rodapé, o projeto nº 92 apresenta um interessante histórico das discussões realizadas na Câmara: Sobre instrução pública vide atas da assembléia constituinte em 4, 16 e 27 de Junho, 31 de Julho, 4, 5,11 de Agosto de 1823, memória do Sr. Deputado Martin Francisco em 7 de Julho de 1823, o Sr deputado monsenhor Pizarro em Maio de 1826, o mais importante projeto de lei, sobre instrução pública no Império do Brasil apresentado a esta câmara em 16 de Junho de 1826, assinado pelos Srs. deputados Cunha Barbosa, Pereira de Mello e A. Ferreira França com restrições; o projeto dos Srs. deputados Cunha Barbosa e Pereira de Melo, datado de 5 de Julho de 1826; do Sr deputado Feijó, em 2 de Julho de 1827; ns. 82 e de 1839, 35, 36 e 37 de 1846. 31 de 1847 (remetido para o senado em 28 de Agosto de 1847), 55 do mesmo ano, 46, 64 e 93 de 1850, 74 de 1851, 3 e 5 de 1868, 183 de 1870, apresentado pelo Sr. Deputado Paulino de Souza, em 6 de Agosto do mesmo ano; ns. 290 e 463 de 1873. (BRASIL, 1877 In: BARBOSA, 1942, p. 348) Todas as iniciativas de reforma não foram executadas. A questão das motivações que levaram à apresentação de vários projetos de reforma sem que nenhum deles tivesse sido efetivado foi objeto de estudo de Schelbauer (1998) ao investigar as idéias que não se realizam. Neste estudo, tenta-se demonstrar que os esforços para a efetivação de tais projetos contrastavam com o desenvolvimento da sociedade, revelando que a escola desempenhava um papel pequeno no processo de modernização da sociedade. Esta proposição permite o questionamento da tese que coloca a escola como motor de transformação. A escola pública era apontada como aquela capaz de oferecer formação para o trabalho e para a cidadania; responsabilizada, pela questão de vida ou morte da sociedade. Na França, essa dupla função da escola ganhou corpo por meio de debates acirrados após a Revolução de 1848 e da Comuna de Paris de 1871. A escola foi chamada para moralizar as massas descontentes, de modo a torná-las dóceis e ordeiras (LEONEL, 1994). No Brasil, o movimento operário era incipiente, entretanto a escola foi apontada como importante para a modernização pretendida. As condições sociais, econômicas e políticas eram diferentes daquelas postas nos países europeus chamados como modelos, mas à escola cabia a mesma tarefa: formar uma massa ordeira que amasse o trabalho e a pátria. Deveria, desta forma, defender os interesses da burguesia. Considerações finais O século XIX foi marcado por profundas transformações na sociedade burguesa. A reorganização do capital determinou mudanças na forma de trabalho e na organização da sociedade. Nessa reorganização atribuía-se a escola um papel fundamental, responsável pelo desenvolvimento e harmonia social, contribuindo assim, para a unidade nacional. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 203

Essa discussão em relação ao ensino foi mundial. Muitos países propunham a organização de seus sistemas nacionais de ensino, apesar das diferenças e especificidades, as propostas eram muito semelhantes. Muitos intelectuais, representando os mais diferentes países, acreditavam que, com os sistemas nacionais de ensino, seriam alcançados melhoramentos na sociedade. A educação estava sendo posta como resposta a problemas e necessidades sociais e o Brasil adotou essa postura. A escola a ser difundida estaria voltada para a vida, carregada de conteúdos científicos e voltada para a educação moral do homem, formando o trabalhador e o cidadão. Esta pretensão pode ser verificada numa análise mais aprofundada nos Projetos de Reforma apresentados. Com a digitalização das fontes propõe-se torná-la de fácil acesso aos pesquisadores de história da educação, cumprindo uma tarefa assumida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade, História e Educação no Brasil. REFERÊNCIAS BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. Vol. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942.. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. Obras completas. Vol. X, tomo I ao IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto n. 183, de 6 de agosto de 1870 (Paulino José Soares de Souza) In: BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. v. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942, p. 320-324. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto n. 290, de 17 de março de 1873 e n. 463, de 16 de julho de 1873 (Antônio Cândido Cunha Leitão) In: BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. v. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942, p. 324-334. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto n. 73-A, de 23 de julho de 1874 (João Alfredo Corrêa de Oliveira) In: BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. v. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942, p. 339-347. BRASIL. Decreto-Lei nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império In: BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. v. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942, p 273-303. BRASIL. Ministério do Império. Ministro Paulino José Soares de Souza. Relatório do ano de 1869, apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 2ª Sessão da 14ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1870. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 204

. Ministro João Alfredo Corrêa de Oliveira. Relatório do ano de 1870, apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 14ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1871.. Ministro Carlos Leôncio de Carvalho Relatório do ano 1877 apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1878. CALVI, Lourdes Margareth. As transformações sociais e a instrução pública: uma análise dos projetos de reforma educacional e dos relatórios ministeriais de 1868 a 1879. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2003. (Dissertação de Mestrado). LEONEL, Zélia. Contribuição à história da escola pública: elementos para a crítica da teoria liberal da educação. Campinas: Faculdade de Educação/ UNICAMP, 1994. (Tese de Doutorado). MACHADO, Maria Cristina Gomes. Rui Barbosa: pensamento e ação. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 2002. MOACYR, Primitivo. A instrução e o império. (Subsídios para a História da Educação no Brasil) 1850-1887. v. 2. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam o debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: Eduem, 1998. i Professora Doutora da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós-Graduação em Educação. ii Professora do Centro Universitário Campos de Andrade Maringá e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. iii Alguns desses projetos podem ser encontrados, em parte, na obra de Moacyr (1937). Esta, tal qual a de Rui Barbosa, teve sua edição esgotada e não foi reeditada. Isto dificulta o acesso e manuseio da obra. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 200-205,mar 2007 - ISSN: 1676-2584 205