O DESENVOLVIMENTO TEM UM ROSTO



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Transcrição:

O DESENVOLVIMENTO TEM UM ROSTO Reflexões sobre uma experiência Editado por Roberto Fontolan Introdução do Alberto Piatti

APRESENTAÇÃO Roberto Fontolan Os números, sabe-se, frequentemente são contrastantes. Consideremos a pobreza extrema no Terceiro e Quarto Mundos, aquela da renda de um dólar por dia. Alguns anos atrás foi calculado que, apesar das maciças transferências de ajuda por parte dos países ricos, em dez anos a quantidade desses pobres não diminuiu em cifras absolutas, aliás, era estimado um aumento de mais de cem milhões de pessoas, enquanto o percentual permanecia pouco inalterado por causa do crescimento demográfico. Recentemente, um estudo do Fundo Monetário pôs em relevo como em toda a África subsaariana a pobreza esteja lentamente baixando também em percentual: mais de 47% da população era registrada como pobre em 1990, em 2001 tinha passado a 41% e, calculando as várias tendências, diminuirá para 37% em 2015. Números verdadeiros, com certeza, indicam evoluções diversas, até contrastantes. Certos acontecimentos, como o percurso da miséria ao progresso, permanecem por muito tempo indecifráveis. Neste volume contamos uma história de desenvolvimento que não é feita de números. Eles também aparecem - desde as crianças ajudadas pelo Apoio a distância até as mães em dificuldade acolhidas na casa de Novosibirsk, assim como as referências ao quadro de declarações e regulamentos definido pelas instituições mundiais e no qual se reconhecem aqueles que atuam na cooperação internacional. Mas experimentamos tornar o desenvolvimento decifrável de acordo com outro código. Neste volume vocês encontrarão antes de tudo fatos. Fatos que englobam pessoas os singulares acontecimentos de singulares nomes que vivem em lugares geográficos precisos; e que traçam uma história de conjunto como um percurso único capaz de aproximar as distâncias dos continentes e das décadas. Impossível dar sentido à idéia de capital humano se dentro dela não se delineiam os rostos da doente ugandense e do estudante paraguaio. Da mesma forma, falar de desenvolvimento permanece inexoravelmente abstrato sem se fazer uma visita a Novos Alagados ou às cooperativas agrícolas libanesas. Portanto, as duas partes do presente volume não vivem uma sem a outra, aliás, podem ser realmente compreendidas somente como aprofundamento e desenvolvimento uma da outra. Lendo-as, vocês poderão visitar os lugares, encontrar os protagonistas e caminhar na companhia deles, escutar a reflexão do estudioso, compartilhar o juízo sobre temas mais decisivos para o bem comum do mundo no qual habitamos juntos. A narração inteira contém, no seu pano de fundo, um itinerário que pode ser expresso assim: pessoa, educação, desenvolvimento; assim como o tempo nas partituras musicais, esses três compassos constituem a sua arquitetura escondida. Todo o trabalho descrito nessas páginas, seja projeto em campo ou elaboração intelectual, não ficaria de pé se não se apoiasse no ritmo deles. Porque a AVSI 1 tenha adotado esse itinerário na sua ação em todo o mundo é justamente o que se descobrirá página após página. 1 As experiências citadas nesta publicação se referem à Fundação AVSI, organização não governamental nascida em 1972 e empenhada com mais de cem projetos de cooperação para o desenvolvimento em 39 países do mundo. Hoje a AVSI está presente na África, América Latina, Leste Europeu, Oriente Médio, Ásia e atua nos setores da saúde, higiene, cuidados com a infância carente, educação, formação profissional, recuperação das áreas marginais urbanas, agricultura, ambiente, microempreendedorismo, segurança alimentar, ICT e emergência humanitária.

INTRODUÇÃO Alberto Piatti Nos últimos anos, o desenvolvimento entrou no debate quotidiano: a globalização, as migrações, o terrorismo internacional forçaram, na nossa cômoda vida de ocidentais, as questões dos Países em desenvolvimento. Desse modo, a agenda internacional adquiriu os objetivos do milênio. Com isso, o ano de 2015 é uma meta que sempre mais pessoas e instituições conhecem como meta do desenvolvimento. O G8, mais ou menos alargado, coloca entre seus temas principais o desenvolvimento da África, e milhares de iniciativas são organizadas em todo o globo para fazer frente às emergências dos mais pobres, desde os global fund aos live aid. Entre entidades de ajudas e desenvolvimento, o imaginário coletivo construiu uma relação de proporção direta. Nesse turbilhão, muitas energias são gastas para organizar de forma adequada a máquina das ajudas. Particularmente desde 2005, a partir da Conferência de Paris, o debate acerca do desenvolvimento nos países pobres concentrou-se muito na eficiência, eficácia, transparência, ownership, mensurabilidade e previsibilidade das ajudas. Até aqui, o tema visto do alto. Todavia, lendo a vitalidade que fervilha entre as linhas das experiências projetuais reunidas por Roberto Fontolan, parece emergir algum fator que não se consegue encaixar nas tradicionais medições. Existe a aventura humana da compartilha e do desejo, da liberdade e da inteligência criativa, do amor pelo outro e da redescoberta da dignidade. Seria, portanto, redutivo demais insinuar uma contraposição entre duas culturas, entre um novo humanismo e saber econômico. Ou resignar-se ao fato de que uma coisa é a experiência das iniciativas de desenvolvimento, outra coisa é a teoria do desenvolvimento; que, no fundo, a primeira pertence a uma esfera humana, de experiências boas, mas pouco incidentes na dinâmica histórica dos povos, a segunda pertence à dura realidade. Ou ainda reduzir as situações de dificuldade à academia para malhar ou distrair os ânimos, onde cabe um pouco de tudo, experimenta-se, fica-se feliz, fazem-se coisas bonitas, ânimos que depois subirão ao palco, o palco verdadeiro, no qual as regras são diferentes e, sobretudo, são as verdadeiras. Neste sentido, é particularmente interessante a leitura de Folloni e Colombo das experiências e das teorias do desenvolvimento, leitura feita por economistas que deixam penetrar na teoria econômica também os fatores de um agir que possui muitas dimensões do humano. Pois seria um erro imperdoável subtrair as questões do progresso humano da leitura científica, interpretando-a hipocritamente como insuficiente. Talvez, na realidade, este seja hoje o desafio mais interessante para quem lida com pesquisa sobre os problemas do desenvolvimento: adequar a teoria à experiência também nesse âmbito, como em todo âmbito do saber, superando lugares-comuns, modismos, ideologias e preconceitos, para entender os fatores determinantes do desenvolvimento. Expressando com termos não tradicionalmente da economia o que é o desenvolvimento, na experiência de uma organização não governamental que opera nos recantos perdidos do planeta com pessoas de carne e osso, pode-se defini-lo como o movimento de uma pessoa que, depois de ter trabalhado com você, convivido com você, enfrentado com você questões às vezes de vida ou de morte, reconhece em si mesma e na vida um valor e uma dignidade inestimáveis. Valor e dignidade que não são de modo

algum dependentes da situação de maior ou menor dificuldade, maio ou menor bemestar. Percebendo o valor de si mesma como algo que independe da situação históricocultural na qual se encontra, a pessoa se torna livre, e normalmente se move tomando iniciativa para melhorar a própria situação. Numa palavra, torna-se protagonista. A educação cristã que deu origem às experiências narradas neste livro é baseada na consciência, que a experiência do encontro com Cristo torna evidente, de que as necessidades do homem, assim como o seu desejo, são sempre infinitos, e que, portanto, também as respostas materiais que os projetos podem oferecer, são limitados. Quando, porém, as ações, as estruturas, os projetos nascem de um eu consciente e educado a reconhecer em cada realidade humana, até mesmo na mais degradada, um nexo com o infinito, aí então essas ações ou projetos se tornam obras, se tornam gestos, se tornam oportunidades de encontro com pessoas com as quais se inicia um caminho comum de compartilhamento, não só dos problemas ou dificuldades, mas também do sentido último da vida. É interessante como se desenvolve a dinâmica dessa descoberta radical nos projetos de cooperação. O primeiro passo é um encontro entre duas pessoas, no qual, segundo o esquema da relação de ajuda, uma tem o papel de dar, a outra, de receber. Essa relação contém em si o risco de uma ambiguidade, verdadeira no micro das intervenções de cooperação para o desenvolvimento, mas tranquilamente transponível no nível das relações institucionais internacionais e nacionais. A pessoa que recebe espera tudo do seu interlocutor, segundo a imagem que tem da própria necessidade, ao passo que aquela que dá percebe a si mesma como enviada a levar o bem para a outra, segundo a imagem que tem da necessidade da outra pessoa. Esse jogo entre as partes, dominado pela chantagem da necessidade, pode durar até o fim do projeto, projeto que pode até ter muito sucesso, alcançar todos os objetivos e resultados. Mas o desenvolvimento é algo mais, não é só tecnicidade. Existe algo que acontece quando uma pessoa ajuda outra, primeiro, a entender que ela não coincide com o seu estado de necessidade, de um lado, nem com a ajuda que oferece, de outro. A necessidade, a doença, a pobreza podem colocá-lo em xeque se você não percebê-las como uma contingência que não consegue penetrar na substância da sua pessoa. E, de outro lado, a ilusão de poder fazer os outros felizes fecha você num árido balanço entre delírio de onipotência e decepção. O que acontece é que a necessidade deixa de ser a essência do relacionamento. A pessoa percebe gradualmente o seu próprio valor, a própria consistência para além da circunstância, e por isso começa a confiar no outro, a amar o outro, no sentido de compartilhar a aventura da vida. Mas o que rompe esse círculo vicioso que engaiola a pessoa num esquema de papéis, um de dar e o outro de receber? Um gesto de solidariedade que abraça a realidade integral das pessoas em direção às quais se vai. E justamente essa experiência ensina a quem desempenha o papel de ajudar que, se é verdade que a necessidade é enorme, é mais verdadeiro ainda que nenhuma solução, nenhuma ajuda, casas novas, trabalho, ou serviços, podem satisfazê-las completamente, pois a verdadeira necessidade daquelas pessoas é a necessidade de um significado. «Trata-se da descoberta do fato de que, justamente

porque nós os amamos, não é a nossa ação que os torna felizes; de fato, nem mesmo a mais perfeita sociedade, ou a organização mais forte e sábia, nem a maior riqueza do mundo ou a saúde mais perfeita, nem mesmo a beleza mais pura ou a civilização mais aprimorada poderá torná-los felizes. Somente um Outro poderá torná-los felizes» 2. Portanto, o método mais realista da cooperação entre os povos parece ser o da compartilha, que permite um processo muito semelhante ao que Edith Stein chama de empatia, um compreender, um agarrar, isto é, um entender o valor da pessoa. A proximidade afetiva permite ler a necessidade parcial expressa pelas pessoas em vista da totalidade do ser humano. Cada necessidade, ainda que fosse só material ou limitada, remete sempre a um desejo que a supera e que, com a compartilha, pode ser escutado e dilatado em outras direções para uma utilização sua mais edificante no plano do crescimento individual e social. Uma presença externa, amigável e com autoridade, portanto educativa, possui uma função essencial 3, determinante para que o outro se torne sujeito protagonista. Então, é fundamental para a ajuda ao desenvolvimento um relacionamento humano baseado na consciência de que todas as pessoas têm algo em comum: o mesmo coração 4 e o mesmo desejo de felicidade. Encontrar o outro com esse olhar quer dizer ser presente como sujeito ativo, com uma humanidade total, feita de coração, de razão. Essa verdadeira experiência de alargamento da razão permite depois encontrar os meios operacionais e projetuais adequados para responder às necessidades que pouco a pouco se manifestam. Nas histórias narradas, vai-se das creches familiares às escolas profissionalizantes, dos centros de inserção no mercado de trabalho de pessoas marginalizadas à criação de lugares de agregação para mulheres doentes de AIDS. Nesse sentido, é impressionante a capacidade operativa e criativa que se lê nas linhas das experiências narradas, a inteligência de encontrar soluções para os problemas mais complexos, muitas vezes lançando mão daquela mochila de patrimônio de saberes que cada pessoa recebeu de quem a educou. No relacionamento com o outro, abre-se um positivo, um patrimônio que cada um carrega consigo e que através de uma recíproca responsabilidade se desenvolve de forma surpreendente. As energias que alimentam o desenvolvimento fazem parte da bagagem da pessoa e da comunidade, e o processo educativo que se instaura numa saudável relação de ajuda permite ativar esse patrimônio, valorizando a tradição à qual a pessoa e a comunidade pertencem. A intervenção externa pode acrescentar tecnicidade, instrumentos, competências. Este é um outro fator fundamental de ajuda para o desenvolvimento: o investimento em capital humano, focado por Lovaglio como elemento essencial para dotar a pessoa, ciente e consciente do próprio valor, de instrumentos e conhecimentos úteis para interagir eficazmente com a realidade. Isto é o 2 Giussani, L. O sentido da caritativa, em Litterae Communionis, n. 68, março/abril 1999, p. 43. 3 A primeira condição da compreensão observa Hans Urs von Balthasar é a aceitação do dado assim como se dá a nós. A primeira coisa de que temos necessidade para ver objetivamente é deixar ser o que se mostra. A primeira coisa não é apropriar-se, através das categorias do sujeito, do material pronto para a percepção, mas colocar-se a serviço do objeto, adorar...a imponência da realidade não deixa indiferente a razão... a realidade age sobre a razão como um convite a descobrir o significado, cit. in Carròn, J., L urgenza della ragione, in Allargare la Ragione. Milano: Vita e Pensiero, 2006, p.33. 4 A exigência da verdade, do amor, da justiça, da felicidade: estas perguntas constituem o coração do homem, constituem a essência da razão, isto é, da consciência que o homem tem da realidade segundo a totalidade dos fatores, Giussani, L., O eu, o poder, as obras. São Paulo: Cidade Nova, 2001, p. 40.

que comumente se chama de capacity building dos atores locais: encontro entre pessoas e contaminação entre tradições e crescimento dos saberes. O que acende o pavio desse combustível é a liberdade do sujeito, a pessoa, que busca e usa recursos para enfrentar uma necessidade que não é mais uma condenação, mas uma situação que pode ser superada. Ou seja, o ponto principal do desenvolvimento não é o ator externo, não são os recursos, não são as regras. É a consciência de um sujeito que, justamente por amor a si e à vida, busca e constrói. Na creche de Novos Alagados, em Salvador (Brasil), dedicado ao Papa João Paulo II, construída em 1993, primeira ação de uma presença nessa área que gerou hoje obras, projetos e programas de desenvolvimento, está escrita com grandes letras uma frase de Luigi Giussani que lembra a sua origem: O coração do homem é sede de infinito. Por isso educamos, trabalhamos, construímos. O empowerment mais eficaz, para usar uma linguagem de especialistas, parte do reconhecimento de si como criatura única e irrepetível. Pela leitura que os pesquisadores desenvolvem na primeira parte do livro sobre as experiências descritas por Fontolan, quatro fatores aparecem como essenciais na ajuda para o desenvolvimento: a dignidade da pessoa, a educação como processo que a torna protagonista, o desejo como tensão à realização de si mesma, o capital humano como bagagem de equipamentos e saberes para concretizar um caminho de desenvolvimento. Nessa altura, surgem as perguntas típicas dos agentes desse setor. É possível realmente dizer que esses fatores geram processos de desenvolvimento, ou são condições específicas não replicáveis? O que eles sugerem à eficácia, eficiência, transparência, mensurabilidade tão fundamentais em todos os documentos sobre ajuda para o desenvolvimento? As políticas de ajuda para o desenvolvimento podem encontrar nesses elementos indicações claras? Vemos novos desafios aparecerem no horizonte e para enfrentá-los não podemos mais só ficar marcando passo, como europeus empalhados 5. Antes de tudo, temos a necessidade de investir numa nova geração de pessoas que colha o desafio desses fatores como algo real. Isto significa investir numa geração de jovens, quer dos chamados países em desenvolvimento, quer dos chamados países desenvolvidos. Por isso é necessário pensar em instrumentos legislativos, relacionais, projetuais flexíveis, a longo prazo, colocados no real. Pode parecer uma banalidade, mas o alcance cultural dessa virada é decisiva e radical. Significa superar o niilismo que se insinua e assume a fisionomia da religião humanitária, das regras, do dinheiro como elemento resolutivo dos problemas da humanidade. É necessária uma geração de pessoas que retome o sentido do desenvolvimento como progresso (palavra que hoje perdeu a sua origem, progredior, corro para frente), ou como tensão para frente, rumo a uma meta que possui uma estrada, mas à qual jamais se chega definitivamente, como diz São Bernardo: A nossa perfeição consiste em jamais nos iludirmos de ter chegado, mas em estarmos sempre voltados para frente. É necessária uma geração de pessoas educadas a reconhecer no ser humano um valor e um potencial infinito, enquanto criaturas à imagem e semelhança de Deus. 5 Cf. T.S. Eliot, Gli uomini vuoti, in ID., Poesie, Milano: Oscar Mondadori, 1971, p. 249.

A EDUCAÇÃO É O MOTOR DO DESENVOLVIMENTO Gabriella Berloffa, Giuseppe Folloni Departamento de Economia, Universidade de Trento Diferentes trajetórias No início do terceiro milênio, 34 países desenvolvidos, compreendendo 14% da população mundial, produziam mais da metade do PIB mundial (53%) 1. Um segundo grupo de países (China, Hong Kong, Cingapura, Taiwan, Índia em particular) experimentou nas últimas décadas um forte crescimento, mesmo que o nível médio do PIB per capta ainda seja baixo. Esse grupo de países representa 51% da população mundial e produz ¼ do PIB mundial. Nas outras regiões do mundo, o crescimento nos últimos 30 anos foi muito baixo: na América Latina, menos de 1% ao ano; nos outros países asiáticos, 0,5% ao ano. O crescimento foi negativo nas economias em transição, que ainda estão pagando a forte diminuição do PIB dos anos 90; substancialmente nenhum crescimento foi verificado nos países da África Subsaariana (0,01% ao ano). A falta de crescimento em várias regiões acendeu um forte debate acerca dos determinantes do crescimento e colocou dúvidas sobre a eficácia das ajudas internacionais. Países que receberam a cada ano ajudas internacionais iguais a diversos pontos percentuais do PIB não cresceram. Por quê? É interessante repercorrer esse debate, as conclusões a que ele chegou e as perguntas que ainda estão abertas e sem resposta convincente. Financiar o investimento em capital físico? As duas grandes idéias que dominaram por décadas o uso dos recursos internacionais para a ajuda ao desenvolvimento podem ser sintetizadas da seguinte forma: 1. o desenvolvimento pressupõe o crescimento econômico. O que venha a ser desenvolvimento ainda é algo a ser esclarecido (melhores condições de vida, um sistema político democrático, maior liberdade, instituições capazes de envolver grande parte da população em processos de mudança), entretanto, a idéia era que o crescimento econômico teria arrastado consigo o desenvolvimento; 2. o crescimento econômico é guiado pelo investimento em capital físico e humano. O investimento, por sua vez, depende da capacidade de poupança de um país. Se falta essa capacidade, a ajuda internacional pode suprir até que, iniciado o crescimento, aumente a capacidade de poupança e o país seja capaz de caminhar com suas próprias pernas. A verificação empírica da relação entre as dimensões indicadas - ajuda, investimento e crescimento apresenta resultados ambíguos e não conclusivos; frequentemente a relação entre ajudas e crescimento é nula (ou até negativa). Por quê? As razões são diversas. Muitas vezes as ajudas desnorteiam a economia (governos e administrações, sabendo que receberão ajuda, aumentam as despesas correntes e com isso diminui a 1 Dados relativos a 1998. A referência é Maddison (2001).

quota economizada do PIB ao líquido das ajudas): não é dito, portanto, que a maiores ajudas correspondam maiores poupanças e investimentos. As ajudas passam para os governos e as administrações, cujos comportamentos são decisivos para a sua eficácia, e frequentemente esses comportamentos não são apropriados (corrupção, burocracia ineficiente, sistema institucional inadequado). A falta de eficácia pode derivar de outras causas: a polarização social ou o fracionamento étnico por vezes geram comportamentos redistributivos para manter o equilíbrio entre os diversos componentes, mas isso impede o crescimento. Ou então quem está no poder distribui de forma desigual os recursos das ajudas, acentuando a polarização social e as formas de conflito. O efeito negativo de semelhantes comportamentos não se detém nas consequências diretas. Se uma classe burocrática é corrupta, os outros atores podem ser induzidos a fazer escolhas ineficientes para evitar a espoliação. Por exemplo, a passagem a cultivos orientados para o mercado (mais rentáveis) pode deixar os camponeses nas mãos dos burocratas; eles então escolherão uma agricultura de autoconsumo, não interessante para quem busca rendimentos, imobilizando as áreas rurais a condições de marginalidade e pobreza. Comportamentos desleais difundidos podem anular a eficácia de projetos ou políticas. Uma vez garantidos os recursos para o projeto, os atores podem tender a minimizar os esforços ou as possibilidades de serem sancionados. Administrações e ONGs, por exemplo, podem contentar-se em responder aos objetivos formais do projeto, importantes para um bom relacionamento com os financiadores, sem o esforço ulterior de encontrar realmente as pessoas e acompanhá-las no percurso que o projeto pode encaminhar. As pessoas se movem pela esperança suscitada por um encontro: se esse encontro não existe, constroem-se paredes ou ruas, mas a posição delas não muda: ficam facilmente numa posição reivindicatória; pedem (e a lista das necessidades é potencialmente infinita) ou pretendem, mas não se colocam em movimento. Investir em capital humano Ao lado do investimento em capital físico, a outra grande política ligada às ajudas foi investir em capital humano, por meio da escolarização. O capital humano não coincide com a escolarização: o contexto familiar e social no qual se cresce, a experiência laboral, são todos canais que contribuem para definir o relacionamento com a realidade social nos seus aspectos economicamente relevantes (a concepção do trabalho, as relações sociais). Entretanto, na literatura, comumente se identifica o capital humano com o nível de estudos alcançado (em quantidade) e com a sua qualidade. Nós comentaremos a relação entre capital humano e crescimento de acordo com essa redutiva definição de capital humano. A instrução é considerada relevante para o crescimento porque aumenta as habilidades individuais, a produtividade do trabalho e isso se reflete no crescimento do país; além do mais, elevados e difundidos níveis de instrução favorecem a capacidade inovadora de uma economia no seu conjunto. A instrução certamente é um fator importante: não existe país desenvolvido sem um bom nível médio de instrução. Todavia, os investimentos na escolarização de muitos países pobres, graças a ajudas internacionais, deram resultados controversos e não parecem ter incidido eficazmente nas dinâmicas de crescimento. A África, um dos continentes onde foi maior o esforço de escolarização nos últimos 30 anos, obteve taxas de crescimento nulas.

Os resultados das pesquisas empíricas só parcialmente confirmam as hipóteses avançadas sobre a relação entre nível de instrução e crescimento. Em âmbito individual, existe a evidência de uma relação positiva entre nível de instrução e remuneração dos trabalhadores: ir à escola normalmente compensa para quem vai. Se, ao contrário, analisa-se a relação macroeconômica entre nível médio de instrução da força de trabalho e dinâmicas de crescimento do país, a esperada relação positiva não aparece de forma clara. As razões são várias (Prithett, 2001): 1. está sob acusação a qualidade da instrução, que pode ser tão baixa a ponto de não incrementar realmente as habilidades e a produtividade do indivíduo. Gastou-se mais na construção de prédios escolares e na admissão de professores para se alcançar os níveis de participação escolar requeridos pelos doadores, mas negligenciou-se o trabalho muito menos visível de crescimento da qualidade escolar: a manutenção e a formação dos professores estão a cargo dos esforços locais, muitas vezes intermitentes e de baixa qualidade. Ir à escola resta só um sinal de pertencer a uma determinada classe social ou de um temperamento individual mais decidido e determinado (indivíduos capazes investem mais em instrução), sem efeitos sobre as habilidades das pessoas. 2. O mercado de trabalho de um país bloqueado e subtraído aos estímulos do progresso técnico e da inovação não tem necessidade de mão-de-obra instruída e com maiores capacidades. Se o mercado de trabalho não valoriza o investimento em instrução, desencoraja-a. Em Lima, por exemplo, engenheiros e literatos trabalham como taxistas com remunerações baixíssimas: evidentemente eles não estarão propensos a investir em escola para os filhos. Por isso a política de financiar novas escolas não é o bastante. É necessário também que quem arrisca investir em instrução encontre oportunidades interessantes. 3. A instrução pode ser usada para finalidades redistributivas e não produtivas. Aplicar as habilidades adquiridas com a instrução para atividades redistributivas (lobbying) torna positivos os rendimentos privados dos lobistas, mas nulo o impacto sobre o crescimento do país 2. A eficácia para o crescimento da acumulação de capital humano, também no significativo parcial de maior escolarização, depende de diversos elementos, põe em jogo uma pluralidade de atores e o modo como estes se põem frente à educação dos mais jovens. A escola é de qualidade se as famílias e os professores são motivados a ajudar os mais jovens a viverem a aventura escolar. A eficácia, que depende das oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho, requer uma classe empresarial capaz de envolver largas camadas da população nas dinâmicas de mudança e uma classe política orientada para o bem comum. Trata-se de comportamentos e de maneiras de fazer que são o resultado de uma educação. É a educação não a simples escolarização o motor do desenvolvimento. 2 Em muitos países em via de desenvolvimento, por exemplo, o setor público absorve a crescente oferta de força de trabalho instruída, respondendo a pressões políticas. Ver Gelbi, Knight e Sabot (1991).

Complexidade e especificidade A evidência empírica pôs à luz que os fatores que contribuem para o crescimento são inúmeros e interdependentes: o controle do crescimento é mais complicado do que se podia imaginar: qualquer modelo interpretativo que pretenda basear-se em poucos determinantes não resiste à prova dos fatos. É o tema da complexidade, trazido à luz por recentes relatórios do Banco Mundial e de outras instituições. Implicado no tema da complexidade está o da especificidade. Muitos dos fatores relevantes para a eficácia das políticas são específicos de cada país e variam de um país para outro 3. Consequentemente cada país é titular e responsável pelas próprias estratégias de desenvolvimento (ownership). O princípio da titularidade foi identificado como pilar fundamental na redefinição das políticas de ajuda 4 : a evidência dos insucessos levou a reconhecer que é necessário aproximar os recursos das específicas realidades e dá-los nas mãos dos atores; entretanto, como veremos mais adiante, a atenção para com a titularidade e a responsabilidade frequentemente se detém no nível dos estados, sem chegar a uma abordagem subsidiária. Diante da complexidade é difícil entender como mover-se. No plano interpretativo procurou-se reduzir a lista das causas, identificando aquelas fundamentais (deep determinants: Acemoglu, 2003). Muitos consideram a existência de boas instituições o fator fundamental do crescimento no longo período. Entende-se por boas instituições um sistema de defesa dos direitos de propriedade, vínculos claros eficazes à ação da classe política (salvaguarda das formas de democracia e das liberdades fundamentais), uma substancial igualdade nas oportunidades sociais. As duas Coréias (do Norte e do Sul) tinham substancialmente a mesma geografia e a mesma história, mas decidiram, há 50 anos, darem a si mesmas dois sistemas institucionais totalmente diferentes. A diversidade das trajetórias de crescimento que daí nasceram está aí aos olhos de todos. Em escala histórica e geográfica mais ampla, a expansão colonial européia conduziu em alguns casos ao assentamento direto de colonos europeus em áreas geograficamente apropriadas: terra abundante, população indígena escassa, falta de agentes epidêmicos como a malária; nesses casos, os colonos geraram boas instituições porque as pensaram para si, para a própria aventura humana. Nas áreas não apropriadas ao assentamento (devido à presença de doenças, de terrenos e regime das chuvas não adequados à agricultura de tipo europeu) desenvolveram, ao contrário, atividades de plantação ou de mineração baseadas no trabalho indígena muitas vezes reduzido à escravidão, com instituições finalizadas à extração do excedente as quais mantinham uma nítida diferença entre a elite dominante e a população local. Em tais áreas não houve desenvolvimento. Se pararmos aqui, esqueceremos o elemento mais importante. Quando os jesuítas iniciaram, no final do século XVI na atual Bolívia e depois mais completamente no século XVIII no Paraguai, a experiência das reduções, fizeram uma escolha cultural precisa: a sua aventura humana e a das pessoas que eles encontravam coincidiam. Não havia divisão entre nós e vocês, foi um encontro que gerou um nós (com todos os 3 Ver as declarações de Gobind Nankani no prefácio ao relatório do Banco sobre Economic Growth in the 1990s Learning from a Decade of Reforms, de 2005. 4 Ver a Paris Declaration on Aid Effectiveness, Paris, 2005. Em Accra, Gana, em setembro de 2008, aconteceu o encontro que dá continuidade à Conferência de Paris de 2005, o 3rd High Level Forum on Aid Effectiveness.

limites e os defeitos que qualquer tentativa carrega consigo) e em poucas décadas nasceram também em ambientes geograficamente desfavoráveis, instituições e experiências capazes de colocar em movimento as pessoas. As reduções exportavam para a Europa cereais, vinho, instrumentos musicais, gado. Do encontro entre pessoas com histórias também diferentes, mas conscientes de ter um mesmo destino, nasce um sujeito unitário, uma mesma aventura. É aqui que começa o desenvolvimento. Os casos relatados na segunda parte deste livro documentam isso com impressionante evidência. Os grandes planos e o seu ator: o Estado A consciência de estar diante de um desafio complexo fez pensar em novas políticas para recuperar a eficácia. Está-se impondo a política dos grandes planos contra a pobreza e para o crescimento. O instrumento que há mais de uma década as instituições internacionais propõem para garantir a eficácia das políticas, o Poverty Reduction Strategy papers (PRSP), é justamente um grande plano que não deve esquecer nada do que é relevante. Somente os Estados, então, estão na posição de poder gerenciá-los: eles se tornam o parceiro decisivo nas atividades de cooperação internacional. É uma direção certa ou errada? Para nós, há dois erros nessa posição. O primeiro é que quanto mais uma política é complexa e filtrada pelo sistema de governo e administrativo, tanto mais está sujeita ao risco de que os vários atores (em primeiro lugar, os públicos) assumam comportamentos errados, decidam não de acordo com os critérios de bem comum, mas para favorecer elites ou classes específicas. A complexidade torna difícil estabelecer relações de causa e efeito entre input e resultados: há por isso uma tentação em firmar contratos empenhativos, porque um governo que não tem intenção de honorários pode induzir a mil motivos para se desculpar. Também a recente política de budget support atuada pela União Européia, que tem como base o apoio ao balanço dos Estados beneficiários, para que ponham em prática políticas estabelecidas, compartilhadas e monitoradas nos resultados para evitar comportamentos desleais, pode correr o mesmo perigo 5. Existe eficácia no desenvolvimento quando pessoas e grupos sociais têm experiência concreta das oportunidades: as famílias mandam os filhos para a escola (sacrificando uma potencial contribuição dos jovens com a renda familiar) não por uma política de governo, mas por uma experiência de que vale a pena e de que é possível fazer isso (e nisto as políticas podem ajudar). O segundo erro é a falta de subsidiariedade. As pessoas, os grupos sociais, a sociedade civil não são envolvidos. Na política dos grandes planos, a experiência que as pessoas fazem é que se pode haver alguma vantagem é graças ao Estado: o resultado disso é uma postura de dependência e de reivindicação que não coloca as pessoas em movimento, nem as pessoas nem as realidades sociais. Educação do eu, fator de desenvolvimento É possível gerenciar planos integrados de crescimento e desenvolvimento envolvendo a sociedade civil? É necessário com certeza o diálogo dos governos com a sociedade. Essa posição se aprende por experiência como termo de um caminho educativo dos governos e das administrações: além disso, é necessário um equilíbrio de instrumentos e de poder entre governo e sociedade civil. Não basta o controle dos 5 Uma crítica nesse sentido às políticas de budget support já foi feita. Veja-se a respeito Lavergne e Wood (2006).

doadores acerca do uso dos recursos, mesmo que isso possa ser útil, é necessária uma efetiva co-responsabilidade entre dimensão política e sociedade civil, que é a essência da democracia. É o princípio da partnership. Entretanto, também essas duas regras de comportamento, sozinhas, não são suficientes, ficarão suspensas no vazio se a sociedade civil não for composta de pessoas conscientes das oportunidades, movidas e a caminho. O que permite isso? Num artigo que apareceu no Financial Times no mês de maio passado 6, William Easterly critica asperamente o paradigma do desenvolvimento baseado nos grandes planos que, ele pensa, leva a danos enormes e a imensos desperdícios e afirma que a única possibilidade para um desenvolvimento efetivo é deixar à iniciativa dos muitos (aqueles que Easterly chama os searchers ) e à sua procura a tarefa de encontrar o caminho para um uso eficiente dos recursos. Easterly destaca provocadoramente que existem no mundo 7 bilhões de especialistas (cada indivíduo) aos quais é preciso deixar a liberdade de ação. Os Estados, em vez de fazer grandes planos, deveriam garantir o espaço para as iniciativas. Essa posição liberal evidencia alguns aspectos interessantes, mas é parcial. Os comportamentos das pessoas, como se acenou no exemplo dos camponeses, devido a um contexto não favorável, podem ser bloqueados em condições de pobreza, quando não se tem a experiência de um outro caminho mais oportuno. Os movimentos dos Sem- Terra no Brasil, por exemplo, restam muitas vezes reivindicatórios e dependentes do poder político, se não existe a experiência (dada por um encontro, pelo testemunho de amigos e conhecidos) de que há outros caminhos, mais livres, mais responsáveis (mesmo que de certa forma mais difíceis). Essa experiência é o constituir-se do sujeito do desenvolvimento. Também uma abordagem de tipo participativa pode ser igualmente parcial. Se a abordagem liberal considera o indivíduo já formado e pronto a reagir aos estímulos do real, a tradição participativa faz o mesmo com a comunidade, considerando-a sujeito que se auto-conhece. É verdade que cada comunidade humana, com as suas experiências e a sua cultura, pode saber melhor que outros aquilo de que tem necessidade e aquilo que percebe correspondente ao próprio caminho; todavia, como sabe quem opera em atividade de cooperação internacional, esse conhecimento local pode ser binding, limitante e às vezes cheio de comportamentos perversos, ao passo que pode enriquecer-se e tornar-se verdadeiro exatamente no encontro com outros sujeitos e na experiência da qual esses sujeitos são o trâmite. Em semelhante encontro, necessidades e exigências podem achar-se definidas melhor do que os indivíduos e os grupos saibam fazer sozinhos, porque desafiados e escancarados a uma nova hipótese e a uma ordem mais adequada frente aos dados da realidade. É a idéia de educação, uma introdução mais plena e profunda dentro da realidade no seu significado e no seu valor para o caminho humano. Seja para as comunidades ajudadas (por uma política ou por um projeto), seja para quem atua as atividades de ajuda é a aventura de uma introdução mais adequada no real e no seu significado. É a educação não a simples escolarização o motor do desenvolvimento. Sempre me marcou o fato que quem opera em projetos de desenvolvimento, em um centro de nutrição, por exemplo, se for inteligente e educado estará atento não somente a cuidar das crianças (pesá-las, definir uma dieta, dar o necessário para a dieta) mas principalmente a dialogar com as mães porque na mudança do modo de viver e de olhar a realidade das mães (modo de morar, higiene, relacionamento com outras mães) a 6 Easterly, W., Trust the development experts all 7bn, Financial Times, 28 de maio de 2008.

necessidade que elas têm cuidar dos filhos se esclarece e se torna mais adequada. É um caminho educativo e de conhecimento se quem dialoga com elas sente realmente simpatia pelo seu caminho e o compartilha plenamente. Como afirma o princípio belíssimo e verdadeiro que sempre guiou a atividade da AVSI: é necessário compartilhar plenamente, até o sentido da vida, para que a compartilha seja real e concreta e gere um movimento estável de mudança, ou seja, desenvolvimento. Referências bibliográficas Acemoglu D. (2003), Root Causes. A historical Approach to assessing the Role of Institutions in Economic Development, Finance & Development, June, pp.27-30. Bourguignon, F. e C. Morrison (2002), ''Inequality among World Citizens: 1820-1992'', American Economic Review, 92, pp. 727-744. Gelb A., J.B. Knight e R.H. Sabot (1991), Public Sector Employment, Rent Seeking and Economic Growth, Economic Journal, 101, 408, pp. 1186-99. Lavergne R., J. Wood (2006), Aid Effectiveness and non-state partnerships: analytical considerations, CIDA Working Papers, December. Maddison A. (2001), The World Economy: A Millennial Perspective, Development Centre Studies, OECD, Paris. Pritchett L. (2001), Where Has All the Education Gone?, The World Bank Economic Review, 15, 3, pp. 367-391 World Bank (2005), Economic Growth in the 1990s Learning from a Decade of Reform, Washington, D.C.

POBREZA, DESENVOLVIMENTO E DESEJOS Emilio Colombo Universidade Milão-Bicocca Quem são os pobres? Quando pensamos nos países em desenvolvimento, todos nós pensamos em países caracterizados por um nível de PIB per capta relativamente baixo; da mesma forma, quando pensamos no pobre, pensamos em alguém que esteja econômica ou materialmente pobre, ou seja, que não tenha com o que subsistir. A identificação de desenvolvimento e pobreza com os próprios correspondentes econômicos é uma simplificação que nunca conseguimos evitar. Entretanto, se pensarmos bem, essa simplificação é profundamente incorreta. No fundo, quem é o pobre? É quem tem uma renda baixa? É evidente que essa resposta não só é parcial, poderia ser também desviante. Consideremos, com efeito, uma pessoa não economicamente pobre que vive num país (pensemos nos países da África Subsaariana) onde há inúmeras doenças infecciosas (pensem na malária) que reduzem fortemente a expectativa de vida ao nascer. Deveríamos considerar essa pessoa como pobre? Claro que sim, não tanto com relação à própria condição econômica quanto ao seu potencial estado de saúde. Ou então a mesma pessoa poderia não ter tido nenhum nível de instrução. Também nesse caso seria pobre de algo fundamental ainda que não facilmente qualificável do ponto de vista econômico. 1 Por fim, poderíamos pensar que essa pessoa não economicamente pobre viva num ambiente em que as condições sanitárias sejam adequadas, o nível de instrução seja suficiente, mas muitas liberdades individuais e sociais (liberdade de expressão, liberdade religiosa, democracia, etc.) sejam, de fato, reprimidas. Não seria difícil definir essa pessoa como pobre! Os simples exemplos acima fazem emergir dois elementos fundamentais e correlatos entre si. O primeiro elemento é evidente pelos exemplos retratados: não podemos analisar o tema do desenvolvimento nem o da pobreza sob uma ótica unidimensional, quer dizer, considerando somente o aspecto econômico, sanitário, educativo, etc. Desenvolvimento e pobreza possuem, de fato, características multidimensionais, são fenômenos complexos que devem ser enfrentados e analisados sob muitos pontos de vista. Como medimos a pobreza? Esse primeiro elemento coloca imediatamente um problema prático: como medimos a pobreza? Utilizamos apenas indicadores de caráter econômico, ou os integramos com indicadores de outra natureza? A primeira abordagem ainda é a mais utilizada, tanto que muitíssimas organizações e instituições internacionais definem os países como pobres de acordo com o nível do PIB per capta ou tendo como referência a quota da população que vive com menos de 1 ou 2 dólares por dia. Nos últimos anos foram feitas muitas tentativas para alargar a medida para outros elementos, provavelmente o exemplo mais conhecido é fornecido pelas Nações Unidas que há anos 1 Aliás, como é destacado pelas outras contribuições neste livro, o capital humano tem implicações formidáveis para o desenvolvimento de um país.

elaboram o Índice de Desenvolvimento Humano calculado como média ponderada entre PIB per capta, expectativa de vida ao nascer e um índice de educação. O fracasso da medida Apesar das tentativas devidas e interessantes para alargar e aprofundar as modalidades de mensuração do desenvolvimento e da pobreza, torna-se imediato compreender exatamente como elas estejam fadadas ao insucesso. Aqui entra em jogo o segundo elemento citado anteriormente, estritamente relacionado ao primeiro. É verdade que desenvolvimento e pobreza possuem características multidimensionais, mas é também verdade que elas não podem ser definidas com precisão. Poderíamos fazer um elenco detalhado de todas as dimensões que caracterizam o conceito de pobreza e o de desenvolvimento, desse modo chegaríamos a uma definição mais completa, porém jamais realmente exaustiva. Por que toda tentativa de medir exaustivamente a pobreza e o desenvolvimento está fadada a fracassar? Sem dúvida, não é por falta de dados ou de técnicas estatísticas apropriadas. Se pensarmos bem, o motivo é mais profundo e chega à própria raiz do conceito de desenvolvimento. Pobreza, desenvolvimento e desejos Se formos à raiz do problema, veremos que em última análise a pobreza e o desenvolvimento têm a ver com os desejos da pessoa. Podemos dizer que, em última instância, uma pessoa é pobre se não está em condições de satisfazer os próprios desejos mais profundos, originários e constitutivos (o desejo de verdade, de justiça, de beleza, etc.). A conseqüência disso é que o desenvolvimento não é uma questão que concerne somente às economias, aos governos, às instituições internacionais ou às ONGs, é principalmente uma questão que diz respeito à pessoa humana que, dentro de uma trama de relacionamentos, move-se para satisfazer as próprias exigências constitutivas (os desejos acima). Não podemos pensar no desenvolvimento se não colocarmos a pessoa humana no centro e dela partirmos. «O homem nessa sua singular realidade (porque é pessoa ) tem uma própria história da sua vida e, sobretudo, uma própria história da sua alma. O homem que, segundo a interior abertura do seu espírito, e conjuntamente a tantas e tão diversas necessidades do seu corpo e da sua existência temporal, escreve esta sua história pessoal através de numerosos ligames, contatos, situações e estruturas sociais, que o unem a outros homens; e faz isso a partir do primeiro momento da sua existência sobre a terra, desde o momento da sua concepção e do seu nascimento» (João Paulo II, Redemptor Hominis, n.14). Esse homem é o sujeito do desenvolvimento, e a esse homem, na sua complexidade, mas sobretudo na sua inteireza, devem ser endereçadas as políticas de desenvolvimento. O desenvolvimento diz respeito também a nós Para muitos, essas considerações poderiam parecer óbvias e previsíveis, mas na realidade as implicações dessa abordagem são profundas e extremamente interessantes. A primeira implicação é que se o desenvolvimento tem a ver com os desejos da pessoa não pode ser um problema circunscrito aos pobres (entendendo aqueles economicamente pobres). Ao invés, é uma questão que diz respeito a todos, também a nós que vivemos em condições econômicas favoráveis e cômodas. Com efeito, já que os

desejos e as exigências fundamentais são infinitos e não plenamente realizáveis (pelo menos não nesta vida) todos estamos sempre em desenvolvimento. Dito com outras palavras, colocar a pessoa humana no centro do desenvolvimento significa em primeiro lugar reconhecer que o desenvolvimento é um percurso a ser seguido mais do que um objetivo a ser alcançado. Esse reconhecimento constitui o primeiro elemento fundamental na passagem da teoria à prática, isto é, na definição e implementação das ações aptas a promover o desenvolvimento, ou seja, as políticas do desenvolvimento. A segunda implicação é mais operativa mas igualmente importante. A frase de João Paulo II antes citada sugere que ao declinar as políticas de desenvolvimento, partir da pessoa não basta, é necessário dar um passo a mais. Com efeito, corre-se o risco de cometer o erro, evidente nas sociedades avançadas, de confundir a pessoa com o indivíduo entendido singularmente e avulso à realidade social em que está inserido. As palavras do Papa nos lembram com força que o homem é sim abertura de espírito e necessidades (ou seja, os desejos falados antes), mas é também «ligames, contatos, situações e estruturas sociais, que o unem a outros homens». As políticas para o desenvolvimento devem sobretudo valorizar os corpos sociais intermediários nos quais a pessoa humana cresce, permitindo-lhe expressar a dimensão relacional que a constitui desde os fundamentos. Por outro lado, se pensarmos bem, foi justamente o papel dos corpos intermediários e, particularmente, da família que permitiu às economias avançadas desenvolver-se antes que uma errônea concepção do welfare state instilasse a falsa convicção que deles pudesse prescindir. As políticas de desenvolvimento As considerações efetuadas possuem implicações relevantes também para a definição das políticas para o desenvolvimento. Se o desenvolvimento tem a ver com a pessoa humana e com os seus desejos, as políticas, para serem realmente eficazes, precisam permitir a expressão e a realização desses desejos, ajudando as pessoas no cumprimento do próprio percurso de desenvolvimento. Até agora, ao contrário, as políticas para o desenvolvimento, seja as que são realizadas pelos governos dos países interessados, seja aquelas realizadas pelas instituições internacionais ou pelos países ricos, limitaram-se a definir uma lista de objetivos a serem alcançados. O erro desse método é substancial: em vez de dar ênfase ao sujeito que empreende o percurso de desenvolvimento, foca-se o objetivo a ser alcançado deixando ao sujeito um papel marginal. O caso da instrução é algo emblemático. Todos sabem que instrução e capital humano são um elemento crucial para o crescimento e para o desenvolvimento. Da mesma forma, é evidente que o homem tem necessidade não tanto de instrução, entendida como conjunto de noções, quanto de educação, entendida como introdução no significado da realidade. Deter-se na primeira equivale a cometer o erro de método falado acima, ao passo que se queremos colocar o sujeito no centro do desenvolvimento é necessário desenhar políticas que favoreçam o capital humano, orientadas para a promoção de uma maior educação da pessoa. Certamente é simples fixar objetivos de instrução, muito menos simples quando nos referimos à educação, mas é verdade que é esta última a determinar de forma decisiva o desenvolvimento de uma sociedade. Isto significa que não devam mais ser fixados objetivos nas políticas de desenvolvimento? Claro que não, eles são um importante e útil instrumento, porém não podem esgotar o horizonte de definição das políticas passando a ser o único parâmetro segundo o qual elas devam ser avaliadas.

Se, de fato, o desenvolvimento diz respeito aos desejos das pessoas, definir as políticas fixando objetivos a serem alcançados equivaleria a conhecer já as respostas para os problemas dos indivíduos com o risco concreto de cometer erros grosseiros e de alcançar resultados escassos. A subsidiariedade e a solidariedade no desenvolvimento O exemplo dos projetos que a AVSI vem realizando, alguns dos quais são apresentados neste livro, testemunha, ao invés, como é possível inverter a abordagem colocando a pessoa no centro dos projetos de desenvolvimento. A eficiência (e portanto, os objetivos alcançados) é a lógica conseqüência de uma abordagem que, justamente por partir da pessoa, consegue ser mais adequada às suas exigências e, por isso, resulta mais eficiente já que o homem se move, em última instância, para satisfazer as próprias exigências e os próprios desejos. Ao executar os projetos, a AVSI não faz outra coisa senão realizar o princípio de subsidiariedade no desenvolvimento. Com efeito, enfrentar o desenvolvimento como um percurso centrado na pessoa sugere definir as políticas para o desenvolvimento com base num princípio subsidiário segundo o qual as políticas devem ser desenhadas com a finalidade de colocar a pessoa em condições de expressar e de fazer frutificar os próprios talentos. Por muitos anos, ao contrário, as políticas de desenvolvimento se detiveram na dimensão da solidariedade deixando de lado a dimensão relativa à subsidiariedade. As duas dimensões não são alternativas, antes, são complementares. A dimensão da solidariedade é principalmente a dos ditos doadores (governos, instituições internacionais ou simples cidadãos) que, num ato de liberdade e de generosidade, procuram satisfazer as necessidades dos mais pobres. Sem a centelha da solidariedade não haveria as inúmeras iniciativas que todos conhecem em favor dos mais necessitados. Entretanto, a solidariedade não basta, ela deve se tornar operativa para poder ser realmente eficaz. Aqui entra em jogo a subsidiariedade que define a modalidade com a qual a solidariedade se torna operativa. Não só. Ela define a modalidade mais apropriada exatamente porque parte de quem é o principal protagonista do desenvolvimento, ou seja, a pessoa. O caso da ajuda para o desenvolvimento Um claro exemplo de como a solidariedade sem uma declinação subsidiária comporte uma abordagem errônea para a questão da pobreza e do desenvolvimento e, em última instância, uma clara perda de eficiência são as ajudas para o desenvolvimento dadas aos países pobres. Por anos, os países mais desenvolvidos financiaram direta ou indiretamente, por meio de instituições internacionais, iniciativas mais ou menos grandiosas de ajuda para o desenvolvimento; entre as mais recentes e conhecidas, podemos lembrar a iniciativa de Gleneagle efetuada pelos países do G8 em 2005, a iniciativa ligada ao Jubileu em 2000 e a iniciativa HIPC (highly indebted poor countries) lançada em 1996 pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial para reduzir a dívida dos países pobres. É sabido o quanto essas iniciativas não tenham trazido consistentes benefícios tangíveis para os países destinatários. Por que, então, os projetos da AVSI (e de outras organizações não governamentais) funcionam? A diferença está amplamente na abordagem. Os fluxos de ajudas oficiais não seguem uma abordagem subsidiária, mas tendem a transferir os fundos diretamente para os governos dos países pobres saltando completamente todos os corpos intermediários da sociedade civil que são expressão

concreta das necessidades dos indivíduos. Assim, de um lado, os fluxos de ajuda acabam por seguir lógicas às vezes políticas (se os referentes são os governos e não as pessoas, os doadores preferem endereçar os fluxos de ajuda para governos mais próximos ) e, de outro, são endereçados para Estados em que a corrupção e o clientelismo reduzem fortemente a sua eficácia. A lógica subsidiária, ao contrário, inverte completamente a abordagem: as iniciativas de ajuda para o desenvolvimento são obrigadas a se confrontar com os protagonistas do próprio desenvolvimento, as pessoas e a sociedade civil. Esse confronto, de um lado, manifesta os desejos e as necessidades das pessoas facilitando assim a eficácia das iniciativas e, de outro lado, permite um maior controle (feito de baixo) da própria iniciativa favorecendo uma maior eficiência. Fica assim explicado por que se de um lado as ajudas têm uma escassa eficácia em nível macro, existe uma consistente evidência de sucessos de iniciativas micro. Um exemplo emblemático, entre os vários apresentados na sequência do livro, é o do projeto Ribeira Azul. O projeto é um chamado projeto urban upgrading que contempla uma requalificação urbana, mas também social e econômica de uma área fortemente subdesenvolvida. Pode-se fazer o urban upgrading simplesmente construindo novas habitações funcionais, talvez assinadas por algum arquiteto famoso, para a população local. O exemplo dos bairros populares de inúmeras cidades italianas mostra que dessas premissas só podem nascer conseqüências desastrosas. A AVSI partiu, ao invés, do pressuposto de que o valor da pessoa humana não pode ser reduzido sequer pelas condições de extrema privação e pobreza como aquelas verificadas na área do projeto. A aposta principal foi a valorização de todas as experiências existentes oferecidas pela comunidade local e, principalmente, pelos corpos intermediários que constituíam uma primeira tentativa de resposta às necessidades existentes. Partir da realidade já é por si uma ação educativa que testemunha como justamente as pessoas mais pobres e necessitadas podem ser protagonistas da mudança. É ao redor delas que se constrói o percurso do desenvolvimento, o que permite alcançar uma forte eficácia, mas principalmente garante a sua sustentabilidade ao longo do tempo.