IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste. 04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE



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1.3. Planejamento: concepções

Transcrição:

IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste. 04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE GT: Campesinato e projeções sociopolíticas:mudanças de expectativas e construção de territorialidades tuteladas Assentamento, um caminho para a regularização fundiária? Safira Canto Pinto safiracanto@hotmail.com Universidade Federal do Oeste do Pará

ASSENTAMENTO, UM CAMINHO PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA? Este trabalho aborda causas e efeitos da inserção da comunidade Santa Maria, município de Santarém, à um assentamento coletivo de Reforma Agrária. A pesquisa se deu através da reconstrução da memória da histórica dos moradores e do processo fundiário. Nessa comunidade, camponeses, dentre outros, desenvolveram a partir da década de 1970, acesso à terra através de posse, sendo que apenas algumas famílias possuem o título definitivo. Nesse contexto, as primeiras famílias chegaram motivadas pela busca de melhores condições para reprodução da atividade e reprodução social, uma vez que o local de origem (ecossistemas de várzea) estava limitado, principalmente por fatores ambientais, inclusive perdas sucessivas dos bens e cultivos por inundações excepcionais. Em 2005, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criou o Projeto Agroextrativista Eixo-Forte (PAE Eixo-Forte). O projeto de assentamento foi criado, segundo o que consta no processo de criação, por iniciativa das comunidades através de seus representantes, que solicitaram à Superintendência Regional 30 (SR-30). A comunidade Santa Maria encaminhou o requerimento para o assentamento coletivo por seu representante o vice-presidente da associação de moradores o Sr. José Maria no dia 13 de outubro de 2005. A região no qual a comunidade Santa Maria esta inserida é conhecida como Eixo Forte, mantendo-se o nome original na criação do assentamento. A região pertencia a conhecida Gleba Mojuí dos Campos A, que corresponde a uma área de 39.800,0000 ha localizada no município de Santarém, Pará. Inicialmente toda a área era pertencente a Gleba Mojuí dos Campos, arrecada e matriculada em nome da União Federal, no ano de 1978 (REGISTRO GERAL, 1978). Em 1997 com a criação do município de Belterra, o INCRA dividiu a Gleba Mojuí dos Campos ficando para o município de Santarém a Gleba Mojuí dos Campos A. O PAE Eixo - Forte, criado em 2005, em parte da Gleba Mojuí dos Campos A, pela portaria nº 44 de 20 de dezembro de 2005, publicada no Diário Oficial da União, possui área com aproximadamente 12.689,00 há (BRASIL,

2005). Segundo o INCRA esse modalidade de assentamento é destinada à exploração de riquezas extrativas, por meio de atividades economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis, executadas pelas populações com origem de comunidades extrativistas. Os empenhos de colonização na Amazônia são antigos, foram criadas diversas modalidades de assentamento, justificados para uma melhor adequação às circunstâncias de cada região. Recentemente foram criadas modalidades a fim de adequar os assentamentos às questões ambientais e às preocupações a respeito do impacto ambiental dos projetos. Além dos assentamentos agrícolas clássicos, foram criados, por exemplo, os assentamentos agroextrativistas (Projetos de Assentamento Extrativista ou Agroextrativista PAE) e os assentamentos agroflorestais (Pólos Agroflorestais PE ou Projetos de Desenvolvimento Sustentável PDS) (TOURNEAU & BURSZTYN, 2010). Conceitua-se Projeto de Assentamento, como: [...] conjunto de ações, em área destinada à reforma agrária, planejadas, de natureza interdisciplinar e multisetorial, integradas ao desenvolvimento territorial e regional, definidas com base em diagnósticos precisos acerca do público beneficiário e das áreas a serem trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a implementação dos sistemas de vivência e produção sustentáveis, na perspectiva do cumprimento da função social da terra e da promoção econômica, social e cultural do (a) trabalhador(a) rural e de seus familiares (INCRA, 2004 p. 2-3). No processo de criação do PAE Eixo-Forte ressalta-se as áreas com títulos definitivos expedidos pelo INCRA, estas foram excluídas da área do projeto. Os demais, os não clientes da reforma agrária, serão considerados e suas situações avaliadas. Segundo o documento, serão tomadas providências no momento oportuno. Após a criação do assentamento, as áreas sem títulos definitivos passaram a titulação CCRU (Contrato de Concessão Real de Uso), na modalidade coletivo (INCRA, sd).

Segundo o que consta no processo de criação, as dezesseis comunidades, ou pelo menos, seus representantes e uma parcela dos moradores (de Andirobal, Cucurunã, Irurama, Jatobá, Pajussara, Ponta de Pedras, Ponte Alta, São Braz, São Francisco do Carapanari, São Pedro, São Raimundo, Santa Rosa, Santa Luzia, São Sebastião, Santa Maria, e Vila Nova) foram os interessados à criação do projeto e os próprios mobilizaram-se e solicitaram o assentamento coletivo na área. As atas das reuniões das comunidades solicitantes estão anexadas no processo de criação do PAE. As reuniões, mobilizadas por cada comunidade, recebia um espécie de assessor, no caso de Santa Maria, um assessor comunitário em nome do INCRA e Prefeitura Municipal de Santarém. Esse intermediário, segundo o que consta no documento, explicou a viabilidade de implantação de um assentamento do INCRA na comunidade. Após as explicações do assessor os moradores presentes redigiram um Requerimento, assunto: Regularização fundiária, e encaminharam ao superintendente regional do INCRA SR-30. Todas as reuniões, nas dezesseis comunidades, ocorreram no mês de outubro do ano de 2005, com estrutura semelhante: um assessor que abordava a viabilidade do assentamento, votação e aprovação pelos moradores presentes e o requerimento ao superintendente regional do INCRA. Com a criação do assentamento o INCRA tornou-se o responsável, conforme o que lhe é atribuído (INCRA, 2004), pela obtenção da terra; criação do projeto; seleção dos beneficiários; aporte de recursos de crédito; deve oferecer infra-estrutura básica, como estradas de acesso, água e energia elétrica; e a Titulação (Concessão de Uso) também é de sua alçada. Mais adiante também apresentarei a metodologia de criação e implantação de PAEs. Após apresentar os dois casos, a Instrução Normativa Nº 15 e a metodologia de PAEs farei uma análise crítica acerca da coerência dos documentos bem como a produção de ignorância. Documentos de criação e implantação e incoerências nas aplicações. São inúmeros os documentos que regulamentam a criação e implantação de projetos de assentamento de reforma agrária, como a Norma

de Execução Nº 37, o manual de projetos de assentamentos e a Instrução Normativa Nº 15. Sobre responsabilidades atribuídas ao INCRA a Instrução Normativa Nº 15 trata: art.2º. O INCRA na implantação dos assentamentos de reforma agrária deverá: I- Garantir a efetiva participação dos assentamentos nas atividades de planejamento e execução das relativas ao desenvolvimento territorial; II- apontar os recursos orçamentários e financeiros preferencialmente de forma global e não fragmentada; III- garantir a assessoria técnica, social, ambiental desde o inicio da implantação do assentamento, de forma a definir o modelo de exploração da área, organização especial, moradia, infraestrutura básica, licenciamento ambiental e serviços sociais; IV- qualificar e adequar as normas ambientais; como ação e condição necessária à implantação do Plano de Desenvolvimento do Assentamento PDA, promovendo a exploração nacional e sustentável da área e a melhoria de qualidade de vida dos assentamentos; V- fortalecer o processo de constituição da capacidade organizativa, com base na cooperação e no associativismo das famílias assentadas; VI- articular e integrar as políticas públicas de assistência técnica, extensão rural, educação, saúde, cultura, eletrificação rural, saneamento básico necessários ao desenvolvimento do projeto de assentamento (INCRA, 2004 p. 2) O INCRA deve garantir a assessoria técnica nas áreas de assentamentos desde o início de sua implantação, no entanto, segundo depoimentos de assentados em Santa Maria, ela é precária, afirmam pouca regularidade dos técnicos. Um caso particular observado por mim diz respeito às perspectivas dos agricultores, a maioria deles não demonstram possuir propostas para o futuro, não possuem interesse em intensificar as atividades agroextrativistas e tão pouco investem nos filhos para continuação da atividade, mas desse caso tratarei mais adiante. É evidente que não se pode fazer generalizações aponto de excluir aqueles que evidenciam esforços na manutenção das atividades agroextrativistas. Através do assentamento alguns projetos foram aplicados entre os moradores de Santa Maria, como o projeto Curauá, projeto de cultivo de hortaliças e galinha caipira. Esses são os projetos citados pelos agricultores. O cultivo com hortaliças e a criação de galinha caipira foram os projetos que aparentemente deram certo na comunidade, talvez pelo fato de não serem atividades novas para eles.

No entanto, o projeto curauá sempre que citado estava carregado de insatisfação por parte dos agricultores. Eles argumentam que a atividade é muito dispendiosa e de pouco retorno financeiro. Segundo a senhora M., moradora da comunidade, que cultiva curauá, relatou que 3 kg de fibra são vendidos à R$ 4,00 ao Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (CEAPAC), sendo que o pagamento pode levar de 2 a 3 meses. Figura 1. Em lote de família participante do projeto em Santa Maria. Fonte: Safira Canto O projeto é chamado Projeto Curauá Fibra do Desenvolvimento. É uma iniciativa entre o CEAPAC e famílias de pequenos produtores rurais e artesãos, principalmente os da região do PAE Lago Grande do Curuai. O Projeto também ampliou sua abrangência para o PAE Eixo-Forte e do PAE Salé no município de Juruti. Ele tem objetivo de promover a cadeia de produção do curauá para gerar renda e desenvolvimento à região e as famílias envolvidas, sendo patrocinado pela PETROBRAS, através do programa: Petrobras desenvolvimento e cidadania (CEAPAC, 2013). Outro documento que orienta os procedimentos em um assentamento é o manual de PAEs. É uma metodologia para criação e implantação. Transcrevo as algumas etapas e protocolos (INCRA, 1996, p. 5-8):

2.1 Criação 2.1.1 Seleção de Área Além do INCRA, a comunidade através da suas representações, indicarão áreas próprias para implantação dos PAE's. o INCRA priorizará a criação de Projetos de Assentamentos Agro-Extrativistas em áreas onde houver população organizada, tradição extrativista e interesse no desenvolvimento sustentado. Caso a indicação parta do INCRA, a comunidade, através de sua representação, será previamente consultada quanto ao interesse na implantação do Projeto de Assentamento Agro-Extrativista. 2.1.2 Obtenção da Área Após aprovação pela comunidade e pelo INCRA da criação do Projeto, serão tomadas as providências para aquisição da área dentro das modalidades possíveis (Desapropriação, Arrecadação, Compra e Venda, etc.). 2.1.3 Ato de Criação Após a obtenção da Área o INCRA criará o Projeto com o nome discutido com a comunidade, através de Portaria assinada pelo Superintendente. 2.2. Implantação 2.2.1 Levantamento Sócio-Econômico O Levantamento Sócio-Econômico será feito em parceria com organizações governamentais, não governamentais e representantes da comunidade, e se constitui num instrumento fundamental para a implantação dos PAE's, por fornecer as informações das potencialidades econômicas e sociais. O questionário deve ter uma amplitude que contemple as mais variadas informações, considerando as diferenças existentes entre os PAE's. As perguntas devem ser claras e os entrevistadores treinados, com domínio suficiente para extrair o máximo de elementos informativos que se aproximem da realidade. Os levantamentos devem ser regulares, atualizados a cada 03 (três) anos. A equipe responsável pela realização do Levantamento Sócio-Econômico deve ser interdisciplinar, envolvendo profissionais tais como: Agrônomo, Economista, Eng. Florestal, Antropólogo, Sociólogo, Assistente Social etc. Os levantamentos subsequentes ao primeiro deverão ser resumidos, voltados para a produção e seus resultados. Haverá necessidade de implantação de mecanismo de difusão das informações levantadas, mediante encontros comunitários, acesso à base de dados, boletins simples etc. 2.2.2 Cadastro O cadastro identifica, quantifica e da o perfil dos ocupantes, sendo também o instrumento de inscrição dos candidatos. O Cadastro tomará por base o 1 levantamento Sócio-Econômico, que quantificará o número de candidatos ao Projeto de Assentamento.

Havendo excedente de área o cadastramento de novos candidatos será feito pela Organização Representativa dos Moradores - ORM. 2.2.3 Seleção Os critérios de seleção são dispositivos legais transformados em indicadores estatísticos com o objetivo de medir a incidência das características individuais, sociais e econômicas do candidato. Utilizar-se-á como critério principal classificatório e de eliminação a avaliação da tradição na atividade do extrativismo e/ou agroextrativismo, e a ocupação da terra. A seleção deve ser criteriosa, exigente, em não permitir que sejam assentadas pessoas não identificadas com a atividade agroextrativista. 2.2.4 Assentamento Nesta etapa se considera efetivamente assentado, o candidato cadastrado e selecionado. 2.2.5 Demarcação do Perímetro A demarcação do perímetro viabiliza, entre outras coisas, a concessão de uso, por definição exata da área. Favorece a definição do projeto, impondo limites de respeito e o planejamento e aplicação do Plano de Desenvolvimento. No universo amostrado, dos 31 moradores apenas 10 são assentados e destes apenas dois núcleos familiares podem ser considerados agricultores, pois tem na agricultura sua principal atividade, ainda que os demais cultivem/explore a terra é difícil reconhecê-los. Os demais assentados são empregados ou autônomos no centro urbano de Santarém, incluindo 3 famílias que vivem exclusivamente de aposentadoria. Lembrando que a seleção, segundo os documentos da reforma agrária e o próprio manual acima citado, estabelecem que não sejam assentadas pessoas não identificadas com a atividade agroextrativista. Ressalto que acima, considerei assentados aqueles que assim se declararam, no entanto, o que consta na Relação de Beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) na data de emissão do dia 04 de março de 2013 (INCRA, 2013 a), dos 31 moradores amostrados 24 estão na lista como assentados. Os moradores que se declararam são aqueles que receberam o beneficio moradia. Os demais não se declaram e não aparentam estar cientes de que constam como beneficiários da reforma agrária. O total do PAE Eixo-forte são de 1.110 beneficiários.

Figura 2. Moradia construída pelo INCRA na comunidade Santa Maria. Fonte: Safira Canto. Como dito, o PAE Eixo-Forte foi criado no ano de 2005, pela portaria nº44, de 20 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), como assentamento agroextrativista, com titulação tipo: Concessão de uso, modalidade coletivo. De responsáveis pelas decisões e procedimentos realizados na terra, os moradores do Eixo-Forte passam à clientes da reforma agrária passivos as decisões do INCRA e da Federação das Associações de Moradores e Entidades Agroextrativistas do Eixo Forte (FAMCEF). O caso do PAE Eixo-Forte é um caso muito semelhante ao que ocorreu em outros lugares, na própria SR-30, em que no mesmo período foram criados assentamentos em situações semelhantes. Nesse sentido, Lima (2012) destacou que o governo inflou números, os números da reforma agrária subiram vertiginosamente por conta de regularização fundiária no Norte do país em territórios tradicionalmente ocupados. O período que mencionei acima se trata do mandato do então presidente da República, Luiz Inácio da Silva, uma promessa de campanha. A promessa do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) era de assentar 400 mil famílias, o objetivo foi praticamente atingido, pois 380 mil famílias foram assentadas, destas, a maioria na região Norte, fruto do esforço coletivo de servidores e técnicos da SR-30 que entre maio de 2005 a dezembro de 2006 criou 49 PAEs (LIMA, 2012).

Ressalto o conceito de reforma agrária, estabelecido pelo Estatuto da terra no parágrafo primeiro, Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (BRASIL, 1964 p.47). Implicação do projeto no modo de vida dos moradores de Santa Maria Ao que parece o governo utilizou os números da regularização fundiária no Norte do país para alcançar as metas do II PNRA. Dessa forma os dados de regularização fundiária foram contabilizados para a reforma agrária, somando mais números e concomitantemente, mais problemas. Digo mais problemas, não apenas pelo fato em si, de usar números de regularização fundiária em reforma agrária, mas pelo resultado de tudo isso, das ações indiscriminadas com populações estabelecidas tradicionalmente. No PAE Eixo-Forte não houve reordenamento fundiário, como o que considera o Estatuto da terra para os casos de reforma agrária, a situação de ocupação da terra não foi alterada, como no caso da propriedade privada que se torna assentamento público pela desapropriação, por exemplo. Os limites e divisas entre os lotes já tinham sido estabelecidos bem como as normas consuetudinárias determinadas há gerações. Creio que umas das principais falhas do INCRA, na criação do PAE Eixo-Forte foi a produção de ignorância. De uma maneira geral nota-se no discurso dos moradores de Santa Maria um emaranhado de opiniões contrarias e positivas ao assentamento, as vezes partem de um mesmo individuo, o que reafirma a confusão instalada. A falta de compreensão começa pela definição de assentamento, alguns, quando questionados sobre o assunto sequer responderam, creio que pela falta de conteúdo, pois afirmavam não entender muito sobre o assunto, e por isso justificavam dispensa na resposta. Os que atreviam a desdobrar comentários sobre o tema expuseram respostas caracterizando o assentamento, principalmente pelos benefícios gerados por ele e definições como: dispositivo para apropriar-se de terra alheia, ou ainda, uma enganação.

Na tentativa de definir o assentamento podemos notar duas vertentes, aqueles que olham o assentamento como algo positivo e de outro lado os que têm no assentamento um entrave às praticas cotidianas. Muito frequente foram os que ligam a ideia de assentamento à benefícios, principalmente quanto aos créditos que se pode receber como clientes da reforma agrária. Em Santa Maria, até o momento, os assentados receberam o Crédito Instalação. Esse crédito é regulamentado pela Instrução Normativa nº 58, consiste na aquisição de recursos financeiros a fim de assegurar os meios necessários para instalação e desenvolvimento inicial e/ou recuperação dos projetos do Programa Nacional de Reforma Agrária (INCRA, 2010). Algumas modalidades do crédito instalação são: apoio inicial (R$ 3,2 mil por família), aquisição de material de construção (R$ 15 mil por família) e fomento (R$ 3,2 mil por família) (INCRA, 2010). O estranhamento dos moradores fica evidente pelo limitado conhecimento que se tem sobre o assunto. A falta de esclarecimentos à população afetada gera em muitos casos certa inquietação. Depoimentos como aqueles que definem assentamento como maneira de apropriar-se de terra alheia, é preocupante, ainda que seja uma preocupação velada uma vez que continuam suas vidas como de costume, mas exprimem vez ou outra apreensão sobre o futuro apenas reflete que nem tudo foi plenamente aceito. Quanto ao que significar viver em um PAE e a relação homem-natureza nas declarações dos moradores de Santa Maria, é possível perceber algumas representações. Em algumas declarações foi expressa necessidade de manter o perfil da reforma agrária. Nessa representação os moradores falam da necessidade de manter a produção, de se reafirmar como agricultor, mesmo que de fato já não seja mais, a fim de responder as exigências mínimas para ser cliente da reforma agrária. Ao mesmo tempo viver no PAE Eixo-Forte, para a maioria dos moradores é viver sob a perspectiva da proibição, da limitação de atividades que antes da criação do assentamento não necessitavam de autorização para a realização. A lei agora é não derrubar nenhum pau do roçado. O INCRA disse que não podemos fazer roçado onde é mata, só onde é capoeira baixa. Os depoimentos voltados para a preocupação ambiental em Santa Maria chega a ser intrigante, o INCRA se posiciona como agente repressor e

regulador do uso dos recursos naturais, quando é considerado um dos maiores destruidores da Amazônia. Esse fato recebeu destaque em 2008 quando o Ministério do Meio Ambiente incluiu o INCRA na lista dos maiores responsáveis pelo desmatamento na região (TOURNEAU & BURSZTYN, 2010). Batistella e Moran (2005) apontam para uma correlação direta entre ocupação de lotes na fronteira amazônica e ações de desmatamento, que após um certo tempo se esfria e logo depois, na geração seguinte é retomada. Talvez o INCRA esteja preocupado, pelo menos do discurso aos assentados, com as questões ambientais que já há algum tempo lhe é determinada, que pressionam a instituição a uma melhor conduta na criação e implantação de seus projetos de assentamentos. No ano de 2006 a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) 387/97 (BRASIL, 2006) estabelece regulamentação específica para o licenciamento ambiental de Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária. Em concepções como esta foi possível notar que algumas pessoas ligam as burocracias ambientais para uso da terra à diminuição do desmatamento. Essa argumentação parece se ocorrer apenas no discurso, pois não percebi qual maneira de medir os impactos de suas atividades no ambiente causadas pelas limitações impostas pelo INCRA. A diminuição na intensidade de exploração dos recursos é motivada por outros fatores, como desinteresse dos filhos, saída dos filhos do lote por motivo de casamento ou em busca de serviços oferecidos pelo centro urbano de Santarém e outros centros. Morar no PAE, para eles, está relacionado a adotar uma postura conservacionista do meio ambiente, definidas pela instituição que disciplina as formas de comportamento e exploração diante dos recursos naturais. Na verdade essa postura, ora explorador legalizado, ora conservacionista de plantão é mais frequente entre os moradores clientes da reforma agrária 1. Os não clientes, geralmente não evidenciam a preocupação em responder aos poder disciplinar do INCRA e manutenção da atividade agrícola, ou pelo menos 1 Quando cito clientes da reforma agrária e beneficiários em Santa Maria, me refiro apenas à aqueles que se declaram.

da intervenção que realiza no ambiente, não caracterizando-se como atividade agrícola. Os moradores não clientes representam a vida no PAE de maneira mais crítica sem a frequente tensão presente nos primeiros. Para a maioria deles o assentamento limita a capacidade de cada um em produzir, explorar mais a terra. Geralmente são os que mais criticam o projeto e acusam-no de promover conflitos internos na comunidade, apesar de na maioria das vezes considerar o assentamento como beneficio para os clientes. Eis alguns comentários de moradores não clientes da reforma agrária: É uma maneira de tirar nosso direito. Hoje não tenho direito sobre a terra [ ] o que eles fazem é perseguir quem não é assentado. Esse assentamento não leva ninguém a nada. Pra mim isso não vale nada. Você entra no assentamento e eles mandam fazer essas porqueiras de casa e se não tiver como pagar a casa, vai ter que morar no galho do pau. Também foram relatadas outras representações do PAE, como por exemplo, de fator limitante para entrada de pessoas, como forma de regular quem entrar na comunidade, selecionando pessoas boas daquelas de caráter duvidoso, uma questão de moralidade construída por eles. De maneira geral há grande confusão sobre o que realmente é o assentamento. Acredito que isso deve em parte pela carência nas explicações dadas aos moradores, sendo que as explicações oferecidas geraram expectativas, principalmente quanto aos benefícios de ser cliente da reforma agrária. Na verdade o assentamento parece ter sido criado sob boatos, uns dizem uma coisa, outros dizem outra e no final se entende pouco sobre o que realmente ele é. A falta de compreensão do assentamento promove ignorância sobre as mudanças que passaram a acontecer. A problemática se concentra quando os padrões de vida construídos há anos são quebrados por regras que eles não conhecessem. De proprietários de suas terras agora eles passam a colocados no assentamento, uma colocação limitada pelos limites de respeito e acordadas pelo comunal. Isso parece estranho há pessoas que são acostumas a não dar satisfação de seus comportamentos de exploração dos recursos naturais. Agora dependem das regras da instituição que os governa

bem como de uma representação popular que deve representar as expectativas de famílias de 16 comunidades, mais de 1.000 pessoas. Os desacordos entre as propostas do governo e as perspectivas dos moradores As medidas de reforma agrária não consideram que esse universo realmente é um universo. O contexto, no caso, de Santa Maria foi ignorado, pois se olharmos com mais atenção, percebemos que Santa Maria esta deixando de ser uma comunidade agroextrativista, são poucos os moradores que realmente podem ser considerados agricultores, a grande maioria tem grande dependência dos serviços oferecidos no centro urbano de Santarém. Dessa forma fere-se o preceito de perfil da reforma agrária e todo o trabalho da SR-30 pode realmente ser apenas para inflar os números da reforma agrária. Talvez acontecerá como disse um morador de Santa Maria O INCRA vai ter que desmanchar o mingau de novo e deixar para a prefeitura A segunda geração, os que já nasceram em Santa Maria, é uma geração predominantemente sem vínculo com a agricultura, são empregados e autônomos. Há os que estão em idade escolar e os que ainda não constituíram família, mas segundo o discurso de seus pais a maioria deles não têm interesse na agricultura. Lui (2010) ao apresentar alguns fatores que podem estar envolvidos na desestimulação de atividades agrícolas cita o desinteresse dos jovens. A respeito da relação do meio rural com centro urbano, Sousa e Corrêa (2008) destacam a relação do meio rural com o centro urbano, é uma estratégia de reprodução das famílias. Na verdade, para os autores, grande parte da condição determinante para essas múltiplas inserções produtivas vem das demandas urbanas. Tourneau & Bursztyn (2003) em estudo mostram que nos assentamentos no Brasil existe uma dinâmica demográfica muito complexa, com idas e voltas entre os espaços de origem, as áreas urbanas e outros estados e de que mais de um terço de sua renda é obtida com a venda da sua força de trabalho.

Senhora Maria, aposentada e cliente da reforma agrária com filhos que ainda moram na comunidade e outros em centros urbanos, entre posicionamentos favoráveis e até expectativa quanto aos benefícios do projeto, expressou certo descontentamento com o assentamento. Segundo ela os assentados não podem ter um emprego, não podem melhorar a renda da família, pois correm o risco de deixarem de ser beneficiários. A preocupação da entrevistada se dá pelo caso ocorrido com seu filho, morador assentado, que recebeu benefício instalação, nas modalidades apoio inicial e construção de moradia Um exemplo foi o que aconteceu com meu filho. A Casa Familiar Rural funciona aqui em Santa Maria, eles estão precisando de vigia, mas quem é assentado não pode trabalhar. Tem muitos assentados que tem trabalho, mas são assentados. Tem leis para uns e não tem lei para outros. Eles dizem que verificam, podem descobrir que a pessoa é assentada, e não pode. No discurso da Sra. Maria, quando ela diz Eles dizem que verificam referi-se as instituições responsáveis, como o próprio INCRA. A preocupação da família tem fundamento, ressalto a Norma de Execução N 45/2005 (INCRA, 2005 p. 2): Art. 6º Não poderá ser beneficiário(a) do Programa de Reforma Agrária, a que se refere esta norma, seguindo os seguintes Critérios Eliminatórios: I - Funcionário(a) público e autárquico, civil e militar da administração federal, estadual ou municipal, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); II - O agricultor e agricultora quando o conjunto familiar auferir renda proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais; III - Proprietário(a), quotista, acionista ou co-participante de estabelecimento comercial ou industrial, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); IV- Ex-beneficiário(a) ou beneficiários(a) de regularização fundiária executada direta ou indiretamente pelo INCRA, ou de projetos de assentamento oficiais ou outros assentamentos rurais de responsabilidade de órgãos públicos, de acordo com a Lei n. 8.629/93, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a), salvo por separação judicial do casal ou outros motivos justificados, a critério do INCRA; V - Proprietário(a) de imóvel rural com área superior a um módulo rural, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); Os critérios aos quais uma família deve se enquadrar para ser cliente da reforma agrária muitas vezes conflitam-se com as aspectos sociais e culturais singulares do local de interesse. No caso de Santa Maria, como dito, há grande

dependência dos bens e serviços oferecidos pelo centro urbano de Santarém, no caso exposto acima, a demanda de mão de obra vem da realidade do próprio ambiente rural de uma atividade não agrícola. Quanto às formas pioneiras de atividades não-agrícolas no universo rural, representada, por exemplo, por serviços necessários ao desempenho da atividade agrícola (carpinteiro, marceneiro,) e a existência social dos agricultores (professores, barbeiros, cabeleireiros, circulação de produtos adquiridos como mercadoria), Silveira et al (2004) afirmam que o fato ocorre como uma maneira de equilíbrio e reprodução social, como, por exemplo, complemento de rendimento familiar no período de entressafras ou quando ocorre excesso de mão de obra familiar. Em Santa Maria ocorre uma situação ao inverso, não agricultores, na safra do açaí (Euterpe oleracea Mart.) exploram o produto para complementar a renda familiar. Essas pessoas, na época de produção mantém suas atividades regulares e simultaneamente exploram o produto para comercialização e consumo. A respeito de trabalhos externos, é interessante compreender que eles são entendidos como uma necessidade estrutural, indispensável para a reprodução social, uma vez que existem precariedade e instabilidade na condição social camponesa no Brasil. (Wanderley, 1996). De maneira geral o PAE Eixo-Forte, apesar de insatisfações dos moradores, é aceito pela maioria. No entanto, há pouco entendimento sobre o que realmente ele é. Em algumas ocasiões criticam procedimentos ou a ausência deles, mas de forma geral procuram equilibrar as exigências do INCRA aos modos próprios de viver e usar a terra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTELLA, M.; MORAN, E. F. Dimensões humanas do uso e cobertura das terras na Amazônia: uma contribuição do LBA. Acta Amazônica, Manaus, v. 35, n. 2, p. 239-247, 2005. BRASIL. MMA. Conama. Resolução n. 387, de 27 de dezembro de 2006. Estabelece procedimentos para o Licenciamento Ambiental de Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária, e dá outras providências. DOU, Brasília, nº 249, de 29 dez. 2006; p. 665. Disponível em: <http

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