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Transcrição:

IMPÉRIO DE PAPELÃO 1 Géssica Gabrieli VALENTINI 2 Paulo Roberto ARAUJO 3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO Este perfil faz parte do projeto experimental Diálogos da Utopia: Caminhos para a apuração jornalística, que propôs a execução de quatro perfis com diferentes apurações e a utilização da linguagem literária. Império de Papelão é o último perfil, para o qual foram utilizadas as técnicas de entrevista, observação participante e observação não participante. O objetivo foi perceber aspectos determinantes na construção da narrativa e na utilização de cada uma pelo jornalismo, além de identificar as dificuldades que poderiam explicar a adoção de algumas fórmulas. PALAVRAS-CHAVE: Apuração; perfil; entrevista; observação participante; observação não participante. 1 INTRODUÇÃO Um vulto. É somente isso que a criança, no berço, consegue contemplar. Porém, pelo olfato ela sabe que à frente está o amparo, o alimento, tudo o que precisa para esboçar sorrisos e sentir-se segura. A criança cresce, cai da bicicleta e o pai corre: eu avisei que ia cair. Cai da árvore e a mãe grita: eu avisei para não subir. A cada tombo, se afasta do perigo, mas também da aventura. Vê com nitidez, sente o cheiro com precisão, toca com a certeza da forma, ouve com astúcia, mas contempla o desconhecido com desconfiança e dá as costas sem ao menos refletir sobre o que poderia encontrar, seguindo o conselho do mestre. O resultado: um inseguro, um realista, um daqueles que adoram intitular-se como pé no chão. Há muitos desses espalhados em todas as áreas, inclusive no jornalismo. A máquina fotográfica é capaz de fazer duas mil fotos por minuto, o computador pode corrigir os textos, um software já constrói um lead automaticamente. Contudo, o profissional há 10 1 Trabalho submetido ao XVI Prêmio Expocom 2009, na Categoria Jornalismo, modalidade Produção em jornalismo interpretativo Dossiê, Análise, Cronologia, Perfil, Enquête (avulso). 2 Aluno líder do grupo e estudante do 8º. Semestre do Curso de Jornalismo, email: gessicavalentini@yahoo.com.br. 3 Professor Orientador, email: ventonorte@terra.com.br. 1

anos assiste o mesmo telejornal, há 15 compra pão na mesma padaria, lê os mesmos autores desde que aprendeu o bê-á-bá, faz as mesmas perguntas e escreve da mesma forma desde que recebeu o primeiro elogio por uma boa matéria. Este perfil, que é resultado de um projeto que foi definido como diálogos da utopia, é uma conversa que resume uma forma de pensar, de sonhar. As rotinas profissionais mudam e a criatividade e a sensibilidade, muitas vezes, são relegadas a raros personagens do cenário jornalístico. Partimos deste pressuposto e propomos extrapolar o comum, para experimentar diferentes formas de apuração jornalística. 2 OBJETIVO Construir um perfil a partir de três técnicas de apuração jornalística entrevista, observação participante e observação não participante para identificar os aspectos determinantes na construção da narrativa e na utilização de cada técnica, para motivar, ou não, que cada uma seja utilizada pelos profissionais. 3 JUSTIFICATIVA Ao longo do tempo, muita coisa mudou na prática jornalística. Primeiro, tratava-se de sujar os sapatos, como o conhecido jargão profissional define a apuração na rua. Depois, de sujar os sapatos e empunhar uma peça, discar os botões e lá estava a fonte, do outro lado da cidade, país ou mundo com todas as informações desejadas. Hoje, pouca sola se gasta e é possível contar a internet, sem a qual poucos conseguem pensar e, principalmente, fazer jornalismo. Essas mudanças foram ocasionadas principalmente pela chamada era da informação, na qual os veículos de comunicação precisam oferecer milhares de notícias, praticamente segundo a segundo. Para contribuir na tarefa de produzir mais foram criados manuais de redação e estilo, com conceitos básicos e sugestões que se tornaram regras em muitos veículos. A figura romântica do jornalista boêmio, com uma xícara de café e um cigarro em frente a uma máquina de escrever, ficou pra trás. Com ela foi-se também o personagem 2

apaixonado pela profissão, pelo ofício de contar histórias, narrar o cotidiano com lentes argutas. Em detrimento, ficou o repórter enlouquecido para cumprir a meta diária de escrever dezenas de linhas. Os métodos e técnicas para a construção do perfil estão à margem - à terceira margem, tal como o pai que decide partir para o rio, no conto de Guimarães Rosa À Terceira Margem do Rio. A idéia da margem surgiu do Laboratório de Jornalismo Cultural do Instituto Itaú Cultural, através do Projeto Rumos. Lá, o conto de Rosa foi lançado pelo orientador como sugestão para reflexão sobre a prática jornalística, principalmente as pautas, repetidas à exaustão. Logo, a margem ocupava idéia de apuração, linguagem, gênero e tema. O gênero escolhido foi o perfil, por permitir grandes variações na linguagem e ir contra conceitos como a objetividade e a necessidade de fontes variadas. Da mesma forma, na imprensa o perfil costuma ser utilizado para retratar personalidades. Aqui, o critério de escolha dos personagens foi o contrário: um possível anonimato, embora que desempenhem funções de pessoas famosas. Por fim, a linguagem escolhida foi o Jornalismo Literário, por ainda enfrentar preconceito e ser visto com apreensão por muitos profissionais. 4 MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS Para a construção do perfil foram utilizadas diferentes técnicas de apuração: entrevista, observação participante e observação não participante. Cada apuração foi feita em um dia diferente, embora a narrativa tenha sido feita com a utilização das informações de todas as apurações. A escolha da personagem foi através do critério anonimato de alguém inusitado e que desenvolve uma atividade de pessoas famosas: uma catadora de papel que é poeta. A linguagem escolhida foi o Jornalismo Narrativo ou Jornalismo Literário. 5 DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO 3

O produto é um perfil jornalístico que faz parte de um projeto experimental, apresentado como trabalho de conclusão de curso, em dezembro de 2008. A proposta do projeto foi construir quatro perfis, com formas de apuração diferentes. O primeiro através da entrevista, o segundo da observação participante, o terceiro através da observação não participante. O último intitulado Império de Papelão foi feito com a utilização das três técnicas citadas. A personagem, como os demais, também obedeceu ao critério de ser uma pessoa anônima, indo na contramão da grande imprensa, que normalmente utiliza o gênero para retratar personalidades. Trata-se de uma catadora de papel que mal sabe ler e escrever e é poeta. Por fim, o perfil foi escrito utilizando-se características do Jornalismo Literário, que ainda sofre preconceito por parte de muitos jornalistas. 6 CONSIDERAÇÕES Ouvir música no ventre materno, cair tombos de bicicleta, chorar por um amor não correspondido até adormecer de cansaço. São vivências que determinam o gosto por sertanejo ou música clássica. Da mesma forma, se a escrita será como a de um menino curioso que conta com espanto o que viveu ou uma máquina que responde as perguntas básicas de uma notícia e as organiza em algumas linhas. Muitos acontecimentos podem explicar os rumos do jornalismo. Por sua vez, o repórter nasceu como interlocutor da realidade, das histórias de vida. Com o tempo, porém, as rotinas profissionais se modificaram. Episódios como a ditadura militar e a própria tecnologia trouxeram repressão e até mesmo uma autocensura, seja estabelecendo limites para a opinião ou padrões através de manuais de jornalismo. Refletindo sobre isso, é como se ao longo do tempo tivessem aberto atalhos, mas que se tornaram caminhos certos, além de estabelecerem uma série de preconceitos em relação a outras possibilidades. O que muitas vezes não nos damos conta, enquanto repórteres, é que jornalismo é a arte de buscar o inusitado, o estranho. Trata-se de encontrar os detalhes que fazem de cada história um caso particular, peculiar. Esse estranho, porém, pode estar nas coisas mais simples, não em gavetas, que o repórter vasculha quando o entrevistado vai buscar algo, como nos filmes. Um exemplo 4

disso está no conto A Carta Roubada, de Edgar Alan Poe. O rei precisava esconder uma carta muito importante e secreta, mas nenhum lugar parecia suficientemente seguro. Até que resolve colocá-la num quadro, bem à vista. Todos a procuram, mas ninguém a vê, pois não imaginam que aquela carta que se expõe tão escandalosamente seja a carta secreta. O Novo Jornalismo e o Jornalismo Literário fazem isso e por esse motivo há uma certa apreensão, principalmente quando trata-se de objetividade x subjetividade. O que os críticos não se dão conta é que são formas diferentes de contar a mesma história e nem por isso faltar com a verdade. Apesar de reconhecer que ocupar pelo menos meio dia de trabalho para experimentar a cultura do outro, como ocorreu nas observações participantes, não é uma tarefa simples para a rotina profissional, a experiência mostra que não é impossível. O tempo dispensado todas as apurações, exceto a última, foi o mesmo. Então, o fator tempo é imediatamente excluído como desculpa para não tentar. O perfil Frank Sinatra está resfriado, citado no capítulo sobre o gênero, é uma prova de que o personagem é determinante, mas o depoimento dele não é indispensável. Ao saber que o ídolo da música estava resfriado e por isso não daria a entrevista planejada, Talese transformou-se em detetive, investigando os passos e enfim escrevendo um dos melhores perfis da história do jornalismo. Os professores não podem obrigar que os alunos leiam, mas o papel do mestre está em motivar, em apaixonar. Da mesma forma, o papel de pais, amigos, colegas deveria ser esse: de motivadores. Motivar que as crianças subam em árvores e agüentem as conseqüências, ao invés de proibir. Motivar que o igual seja visto como diferente, ao invés de estabelecer o certo e o errado. Viajar, ler bons livros, olhar a mesma coisa ora como um gremista, ora como um menino, ora como um ET ou um índio que tem o primeiro contato com o espelho. São conselhos, apenas. Porém, ótimos conselhos se acompanhados de motivação. Como projeto, um rascunho que poderia ser lido duzentas vezes e ainda assim cortado, acrescentado. Como contribuição ao jornalismo, apenas uma pesquisa que pretende motivar que outros desdobramentos sejam feitos, por mim ou outros estudantes com as mesmas inquietações. A curiosidade nos faz experimentar, arriscar, sonhar, amar o desconhecido com todas as nossas forças e sentidos. Faz-nos ver sujeira onde parece tudo impecável, um trevo de quatro folhas onde tudo parecia mato, diálogo onde parecia somente uma entrevista e, enfim, realidade, no que parecia só utopia. 5

Tudo depende da forma como encaramos cada pauta ou fato do percurso. Muitas vezes, tudo seria mais simples se percebêssemos como desafio o que parece dificuldade. Isso é quase como tentar ser super herói, capaz de ultrapassar obstáculos que pareciam instransponíveis e dispensar uma força fora do comum para realizar uma atividade que parecia impossível. Talvez seja isso mesmo que o jornalismo precisa, para ser salvo da monotonia e da falta de reflexão, ou melhor, da falta de diálogos... Diálogos da realidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. CAPOTE, Truman. Os cães ladram: pessoas públicas e lugares privados. L&PM Pocket, Porto Alegre: 2007 LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística, Editora Record, Rio de Janeiro e São Paulo: 2001. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Campinas: Unicamp, 1993. MEDINA, Cremilda. Noticia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial, São Paulo: Summus, 1988. Entrevista: O diálogo possível, São Paulo: Ática, 1986. PENA, Felipe. Jornalismo Literário. Editora Contexto. São Paulo: 2006. POE, Edgar Alan. A Carta Roubada e Outras Histórias de Crime e Mistério. L&PM Pocket, Porto Alegre: 2006 SODRÉ, Muniz, FERRARI, Maria Helena.Técnica de Reportagem notas sobre a narrativa jornalística. Summus Editorial: São Paulo, 1986. TALESE, Gay. Fama e anonimato. Companhia das Letras: São Paulo, 2003. TYNAN, Kenneth. A vida como Performance. Companhia das Letras: São Paulo, 2002 6

TUCHMAN, G. A Objetividade como ritual estratégico: uma análise das noções de objetividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, N. (Org.). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993. P. 74-90. VILAS BOAS, Sérgio, Biografias e biógrafos Jornalismo sobre personagens. Summus Editorial: São Paulo, 2002. WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. Companhia das Letras: São Paulo, 2005 7