LAR, VISCOSO LAR: EXPERIMENTOS DE SELEÇÃO DE HÁBITAT E FORRAGEIO DE ARANHAS EM PLANTAS COM TRICOMAS GLANDULARES INTRODUÇÃO. Rachel Miranda Werneck

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Transcrição:

LAR, VISCOSO LAR: EXPERIMENTOS DE SELEÇÃO DE HÁBITAT E FORRAGEIO DE ARANHAS EM PLANTAS COM TRICOMAS GLANDULARES Rachel Miranda Werneck INTRODUÇÃO Dentre os animais existem diversos mecanismos de seleção de habitat que são baseados na percepção do indivíduo sobre as características do ambiente, como as condições, a disponibilidade de recursos e a presença de outros organismos (Krebs, 1993). Para um predador, a presença de outros organismos no hábitat também pode ser interpretada como disponibilidade de recursos, influenciando na seleção de hábitat. Assim, os mecanismos de seleção de hábitat devem estar relacionados à estratégia de forrageamento do indivíduo e a seleção natural deve favorecer os organismos que selecionam hábitats nos quais terão maior densidade presas e conseqüentemente terão maiores chances de sobrevivência e maior sucesso reprodutivo (Wise, 1993; Viera et al.,2007; Townsend et al., 2008). As aranhas são um grupo bastante diversificado e amplamente distribuído no qual geralmente a seleção de hábitat e o forrageamento estão relacionados (Viera et al.,2007). Em uma macroescala, a ampla distribuição das aranhas nos ambientes terrestres está relacionada principalmente às condições climáticas. Porém, em uma escala menor, a distribuição das aranhas é fortemente influenciada por fatores bióticos como a disponibilidade de presas, a abundância de competidores, predadores ou parasitas e, principalmente, pelo tipo de vegetação característica do hábitat (Souza, 2007). As características estruturais da vegetação podem estar relacionadas com fatores importantes para a seleção de hábitat das aranhas, como a área superficial para colonização, a disponibilidade de refúgios contra predadores e parasitas, a disponibilidade de locais apropriados para a construção de abrigos ou teias e também sítios para acasalamento e oviposição (Souza, 2007). Algumas plantas possuem características estruturais que podem favorecer interações mutualísticas com as aranhas, como as inflorescências que atraem polinizadores ou a presença de tricomas glandulares nas folhas. Essas estruturas atraem, no caso das inflorescências, ou capturam, no caso dos tricomas, possíveis presas para as aranhas que, por sua vez, podem defender as plantas contra herbívoros e parasitas (Romero & Vasconcellos-Neto 2003; Romero & Vasconcellos- Neto, 2007; Vasconcellos-Neto et al.,2007; Morais- Filho & Romero, 2008). As aranhas da família Oxyopidae (Arachnida: Araneae) não constroem teias e, portanto, forrageiam perambulando pelo solo e pela vegetação. Algumas espécies dessa família se tornaram especializadas em viver sobre a vegetação, onde sua visão aguçada permite perceber as presas e moverem-se rapidamente entre as folhas e os caules para emboscar suas presas (Wise, 1993). As aranhas do gênero Peucetia (Araneae: Oxyopidae) vivem sobe a vegetação e sabe-se que mais de 10 espécies desse gênero vivem associadas a plantas com tricomas glandulares (Vasconcellos- Neto et al.,2007), sendo que para três das espécies do gênero Peucetia a interação com as plantas que possuem tricomas glandulares é considerada mutualista (Louda,1982; Romero et al., 2008; Morais-Filho & Romero, 2010). Romero et al. (2008), demonstraram, ainda, que aranhas do gênero Peucetia reconhecem e selecionam plantas que possuem tricomas glandulares nas folhas e pecíolos. Os tricomas glandulares secretam uma substância viscosa que prende e algumas vezes mata os artrópodes que chegam nessas folhas (Sugiura & Yamazaki, 2006). As aranhas caminham livremente sobre esses tricomas e alimentam-se dos artrópodes aprisionados por essas estruturas (Romero & Vasconcellos-Neto 2003; Morais-Filho & Romero, 2008). De acordo com Romero et al. (2008), o efeito da predação por aranhas na redução da densidade de presas está relacionado à mobilidade dessas presas, sendo o efeito maior sobre os organismos que tendem a ser mais sésseis do que sobre os mais ativos. Assim, a imobilização dos artrópodes na secreção dos tricomas das plantas deve beneficiar o forrageio das aranhas, reduzindo o tempo de procura, facilitando a captura da presa e possibilitando que as aranhas consumam presas de 1

maior tamanho do que o tamanho que elas seriam capazes da capturar sem a imobilização pela secreção. A ocorrência de algumas aranhas apenas em plantas com tricomas glandulares me fez questionar se essa associação ocorre por seleção de hábitat, sendo as aranhas capazes de reconhecer características dessas plantas e se essa seleção está relacionada ao tipo de forrageamento dessas aranhas. O objetivo deste trabalho é testar se há benefícios, em termos de forrageamento, para as aranhas que escolhem viver em uma planta com tricomas glandulares nas folhas. Para isso, testei primeiro a hipótese de que as aranhas selecionam o hábitat pela presença de tricomas glandulares, para então testar a segunda hipótese, de que nas plantas com tricomas glandulares as aranhas tem forrageamento mais eficiente. MATERIAIS & MÉTODOS Para testar minhas hipóteses realizei dois experimentos, um de seleção de habitat e um de forragemento, utilizando como modelo de estudo as aranhas do gênero Peucetia e folhas de duas plantas pertencentes à família das Melastomatáceas. Tanto as aranhas quanto as plantas utilizadas nos experimentos e os cupins (Isoptera: Termitidae) são provenientes da Trilha do Fundão, localizada na Estação Ecológica Juréia- Itatins (47p00 W e 24p30 S), no litoral sul do Estado de São Paulo. As aranhas foram coletadas nos arbustos de Clidemia capitellata (Melastomataceae) uma planta cujas folhas possuem tricomas secretores. Coletei também folhas de C. capitellata e de Leandra sp. (Melastomataceae), uma planta que ocorre no mesmo ambiente que C. capitellata, e cujas folhas possuem tricomas não glandulares. As aranhas foram utilizadas em experimentos de outros trabalhos e já estavam acondicionadas em potes plásticos, nos quais foram mantidas por seis dias até o início dos meus experimentos. Durante esse período as aranhas não foram alimentadas para minimizar as chances dos indivíduos estarem saciados e não apresentarem resposta no experimento de forrageamento. Experimento de seleção de hábitat Para testar a hipótese da preferência das aranhas do gênero Peucetia pelas folhas com tricomas glandulares de C. capitellata em detrimento das folhas sem secreção glandular das folhas de Leandra sp., usei 27 indivíduos capturados nos arbustos de planta C. capitellata. Para o experimento forrei o fundo de 27 placas de petri de 8 cm de diâmetro, usando dois semi-círculos, um recortado de folhas de C. capitellata e o outro das folhas de Leandra sp.. Assim, metade da área da placa ficou coberta com o semicírculo da folha de C. capitellata (com tricomas glandulares) e a outra metade coberta com o semicírculo da folha de Leandra sp. (com tricomas não glandulares). Coloquei uma aranha em cada placa, posicionando-as na divisão entre os semicírculos, e esperei por 30 minutos até que elas estivessem aclimatas. Após esse período comecei as observações registrando a cada 30 minutos em qual das folhas o indivíduo estava, totalizando seis turnos de observações em 150 minutos após a aclimatação. Para testar se as aranhas permanecem por mais tempo nas folhas de C. capitellata do que nas folhas de Leandra sp., usei o número de turnos em que o indivíduo estava sobre a folha de C. capitellata para calcular a proporção em relação aos seis turnos de observação. Calculei então a média das proporções de turnos observados por aranha em cada tipo de folha, e usei a diferença entre as médias das proporções como estatística de interesse. Comparei o valor observado dessa diferença com os valores da mesma estatística, obtidos pela distribuição nula, gerada por permutação utilizando o suplemento Resampling Stats (Blank et al., 2000) para o programa Microsoft Excel. Gerei uma distribuição nula permutando, ao acaso, para cada indivíduo, as proporções de tempo observadas na folha com secreção e na folha sem secreção. A permutação ao acaso simula um cenário no qual não há preferência das aranhas por um determinado tipo de folha. Após cada permutação calculei a média das diferenças obtidas entre os dois grupos. Com um total de 10.000 permutações obtive uma distribuição de diferenças entre médias sob este cenário nulo. Contabilizei e dividi a freqüência de valores encontrados na distribuição nula superiores ou iguais à diferença entre médias observada, pelo valor total de permutações e obtive desse cálculo o valor de significância do teste. Adotei como nível de significância crítica o valor de p < 0,05, ou seja, menos do que 500 permutações com valores da estatística de interesse maiores ou iguais ao valor observado. Experimento de forrageamento Para testar se a secreção dos tricomas favorece o forrageamento das aranhas usei apenas 20 das aranhas do experimento anterior. Três das 27 aranhas foram alimentadas um dia antes do experimento e por isso não as usei. As outras quatro aranhas restantes são as que sobraram após o sorteio das 20 aranhas para o experimento. Essas 2

quatro aranhas foram mantidas como reserva caso houvesse alguma fuga ou morte e fosse necessário refazer o experimento. Assim, os demais indivíduos foram sorteados entre os tratamentos: folhas com secreção e folhas sem secreção. Forrei o fundo de 20 placas de petri de 8 cm de diâmetro, 10 delas com discos, de mesmo diâmetro das placas de petri, recortados das folhas de C. capitellata e forrei as outras 10 placas com discos recortados de folhas de C. capitellata com a secreção removida. Para remover a secreção utilizei algodão embebido em álcool etílico 92%, sequei e removi resquícios de secreção das folhas com papel absorvente e depois deixei as folhas em local ventilado para evaporar o álcool que não foi removido com o papel absorvente. Obtive assim discos foliares de C. capitellata com tricomas e sem secreção. Antes de iniciar o experimento coloquei as aranhas nas placas de petri, próximas a borda, deixando-as sob um recipiente transparente por 30 minutos para aclimatação. Utilizei cupins da mesma casta, operários, e de mesmo tamanho, aproximadamente 4 mm de comprimento. Após a aclimatação, posicionei um cupim sobre o disco foliar, simulando uma presa, na posição diametralmente oposta à da aranha. Removi cuidadosamente os recipientes que foram usados na aclimatação, coloquei as tampas nas placas e iniciei a contagem de tempo. Para o teste de comparação entre os tratamentos usei o tempo, medido em segundos, decorrido até que a aranha iniciasse a predação do cupim. A observação teve duração máxima de 30 minutos ou até que a aranha predasse o cupim. Para testar se as aranhas capturam a presa em menor tempo nas folhas com secreção do que nas folhas sem secreção calculei o tempo médio de captura em cada grupo experimental (com ou sem secreção). Calculei a diferença entre as médias e usei essa diferença como estatística de interesse. Comparei a diferença observada entre as médias dos tratamentos com os valores das diferenças entre médias obtidas pela distribuição nula feita utilizando o suplemento Resampling Stats (Blank et al., 2000) para o programa Microsoft Excel. Gerei uma distribuição nula permutando, ao acaso, o tempo decorrido até a predação nas folhas entre as aranhas. A distribuição nula simula um cenário em que o tempo decorrido até a predação não é reduzido pela presença da secreção na folha. Após cada permutação calculei a média das diferenças obtidas entre os dois tratamentos. Com um total de 10.000 permutações obtive uma distribuição de diferenças entre médias sob este cenário nulo. Contabilizei e dividi a freqüência de valores encontrados na distribuição nula superiores ou iguais à diferença entre médias observada, pelo valor total de permutações e obtive desse cálculo o valor de significância do teste. Adotei como nível de significância crítica o valor de p < 0,05, ou seja, menos do que 500 permutações com valores da estatística de interesse maiores ou iguais ao valor observado. RESULTADOS Seleção de hábitat As aranhas permaneceram mais tempo nas folhas de C. capitellata, em média 79% dos turnos de observação, do que nas folhas de Leandra sp.. A diferença observada entre as médias de turnos de permanência em cada tipo de folha foi de 58%. Obtive com as permutações três valores iguais ou superiores a esta diferença observada entre as médias. Assim, a probabilidade dos resultados observados serem gerados ao acaso foi de 0,0003 (3/10.000). Portanto, o tempo de permanência das aranhas nas folhas de C. capitellata foi maior do que o tempo de permanência nas folhas de Leandra sp.. Forrageamento O tempo decorrido até o evento de predação não foi estatisticamente menor nas folhas com secreção, comparado ao tempo nas folhas sem secreção. Nas folhas com secreção houve apenas cinco eventos de predação e o tempo decorrido até o evento variou entre 110 e 713 segundos, com média de 453,6 segundos. Nas folhas sem secreção houve três eventos de predação e o tempo decorrido até os eventos variou entre 290 e 900 segundos, com média de 673,3 segundos. A diferença observada entre as médias foi de 219,7. Obtive com as permutações 1.665 valores superiores ou iguais à diferença entre médias observada. Assim, a probabilidade dos resultados serem gerados ao acaso foi de 0,166 (1665/10.000). Portanto, não houve evidência estatística de diferença entre o tempo médio decorrido até o evento de predação nas folhas com secreção, comparado com o tempo decorrido até a predação nas folhas sem secreção. DISCUSSÃO A hipótese da seleção de hábitat pelas aranhas do gênero Peucetia foi corroborada. Essa escolha deve estar relacionada às características das folhas de C. capitellata que as aranhas são capazes de perceber, como a composição química da secreção e a densidade de tricomas (Romero & Vasconcellos- 3

Neto, 2007; Morais-Filho & Romero, 2008). A presença de tricomas glandulares garante maior quantidade de alimento para essas aranhas uma vez que a densidade de artrópodes que ficam presos nessas folhas é maior do que em folhas sem tricomas secretores (Sugiura & Yamazaki, 2006; Vasconcellos-Neto et al.,2007; Barbosa, et al.,2010). Nas plantas com tricomas glandulares as aranhas encontram maior disponibilidade de alimento, além de abrigo e sítios de oviposição que também são disponibilizados em plantas sem tricomas glandulares (Romero & Vasconcellos-Neto, 2007; Morais-Filho & Romero, 2008). O tempo de forrageamento não foi menor para as aranhas que estão nas folhas com secreção dos tricomas. Essa secreção apreende e, algumas vezes, imobiliza completamente a presa, o que apesar de reduzir o tempo de captura e manipulação pode tornar a presa menos perceptível para as aranhas. A imobilização das presas pode ser prejudicial para o forrageamento das aranhas se considerarmos que a percepção da presa se dá principalmente pelo estímulo mecânico gerado pela movimentação da presa ao chegar na folha e ao tentar livrar-se da secreção (Romero & Vasconcellos-Neto, 2007; Viera et al.,2007). Por outro lado, a imobilização das presas permite que as aranhas consigam se alimentar de presas com tamanho corporal superior ao tamanho que as aranhas conseguiriam predar caso precisassem perseguir, capturar e manipular essa presa (Romero & Vasconcellos-Neto, 2007). Ainda que o tempo não seja reduzido para a captura de presas em folhas com tricomas glandulares, para as aranhas ainda há a vantagem de estarem associadas a esta planta porque provavelmente a chance de encontrar uma presa nessas folhas é maior do que se a aranha precisar perambular por diferentes ambientes em busca de alimento o que pode aumentar as chances de encontrar um predador ou mesmo de não encontrar o alimento. Assim, a seleção de hábitat pode minimizar os custos do forrageamento quando no hábitat selecionado há alta disponibilidade de presas. Segundo Viera et al. (2007), aranhas são animais com um limiar de saciedade muito elevado e com alta capacidade de expansão do abdômen, o que torna raro esses animais rejeitarem uma presa. Nos experimentos de predação não houve indícios de rejeição de presas, ou seja, nenhuma aranha que se aproximou da presa deixou de predá-la, reforçando a hipótese de que as presas não consumidas não foram percebidas pelas aranhas. Em média o tempo de forrageamento foi menor nas folhas com secreção, mas essa redução pode não ter sido significativa pela alta variância do tempo até a predação, entre os indivíduos, aliada ao reduzido número de réplicas. Portanto, considerando que a secreção pode reduzir o tempo de busca e de captura das presas, outros fatores inerentes aos indivíduos podem ter influenciado no tempo de predação. Dentre esses fatores cabe destacar a saciedade, pois mesmo sendo mantidas sem receber alimentação, as aranhas podem ter sido coletadas em diferentes estados de saciedade, de forma que o período entre a coleta e os experimentos não foi suficiente para retornarem ao estado de fome, mesmo porque depois da coleta elas foram mantidas em potes plásticos pequenos nos quais o gasto energético deve ser limitado apenas ao do metabolismo basal. Portanto, a ausência de efeito da secreção no tempo de forrageamento não é uma evidência de que as aranhas não se beneficiam da associação com as plantas que possuem tricomas glandulares. Ainda que o tempo de forrageamento na folha não seja reduzido nas plantas com tricomas glandulares, é vantajoso para as aranhas estarem associadas a essas plantas, considerando que nessa família de aranhas o forrageamento se dá, em alguns casos, pelo hábito de perambular pelo solo e pela vegetação em busca de alimento. Os indivíduos que são capazes de selecionar um hábitat, que além das características como proteção contra predadores e sítios reprodutivos que um hábitat deve oferecer, ainda aprisiona alimentos por ter tricomas glandulares, devem ter mais vantagens do que os indivíduos que não escolhem o hábitat. Afinal, o hábito de perambular entre ambientes diferentes em busca de alimento deixa os indivíduos mais expostos à predação e esses indivíduos ainda correm o risco de não encontrar alimento. AGRADECIMENTOS Aos professores, aos corretores e à toda a equipe do Núcleo Arpoador e ao pessoal do backstage (Dalva, Maurício e Luís). Ao Seu Dito pela companhia no campo. À Dri e suas ajudantes pelos momentos de alegria e comidas pra lá de excelentes. Aos monitores Marcel (Baby) e Marie (Top Down) pela energia (elétrica) e por todas as amabilidades. À Marie (novamente) e aos integrantes do grupo Pixirica por me emprestarem as aranhas usadas nesse trabalho. Ao Paulo Inácio pelas prosas, correções, explicações e paciência, uai. Ao meu orientador Glauco Machado: may the force be with you. Ao meu anjo. A todos os coleguinhas, em especial à Dani, Ivy, Babi, Paula (Sis) e ao trio parada dura: Thaís (Pink), Ju (Narizinho) e Camilla (formiguinha). 4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barbosa, J.M.; D. Goedert, M.B. dos Santos, M. Loiola & T.K. Martins. 2010. Tricomas glandulares conferem defesa contra herbivoria em Clidemia capitellata (Melastomataceae). Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica. (G. Machado; P.I.K. Prado & A.A. Oliveira, eds.). USP, São Paulo. Blank, S.; C. Seiter & P. Bruce. 2000. Resampling Stats Add-in for Excell software. Resampling Stats Inc, Arlington. Krebs, J.R. & Davies, N.B. 1993. An introduction to behavioural ecology. Blackwell Scientific Publications, Oxford. Louda,S.M. 1982. Inorescence spider: a cost/benet analysis for the hostplant, Haploppapus venetus Blake (Asteraceae). Oecologia, 55: 185 191. Morais-Filho, J.C. & G.Q. Romero. 2008. Microhabitat use by Peucetia flava (Oxyopidae) on the glandular plant Rhyncanthera dichotoma (Melastomataceae). The Journal of Arachnology, 36: 374 378. Morais-Filho, J.C. & G.Q. Romero. 2010. Plant glandular trichomes mediate protective mutualism in a spider plant system. Ecological Entomology, 35: 485 494. Romero, G.Q. & J. Vasconcellos-Neto. 2003. Natural history of Misumenops argenteus (Thomisidae): Seasonality and diet on Trichogoniopsis adenantha (Asteraceae). Journal of Arachnology, 31: 297 304. Romero, G.Q. & J. Vasconcellos-Neto. 2007. Aranhas sobre plantas: dos comportamentos de forrageamento às associações específicas, pp. 68-87. Em: Ecologia e comportamento de aranhas (Gonzaga, M.O.; A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Interciência, Rio de Janeiro. Romero, G.Q., Souza, J.C. & J. Vasconcellos-Neto. 2008. Anti-herbivore protection by mutualistic spiders and the role of plant glandular trichomes. Ecology, 89: 3105 3115. Souza, A.L.T. 2007. Influência da estrutura do habitat na abundância e diversidade de aranhas, pp. 25-43. Em: Ecologia e comportamento de aranhas (Gonzaga; M.O.; A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Interciênca, Rio de Janeiro. Sugiura, S. & K. Yamazaki, 2006. Consequences of scavenging behaviour in a plant bug associated with a glandular plant. Biological Journal of the Linnean Society, 88: 593 602. Townsend C.R.; M. Begon & J.L. Harper. 2008. Fundamentos em ecologia. Artmed, Porto Alegre. Vasconcellos-Neto, J.; G.Q. Romero; A.J. Santos & A.S. Dippenaar-Schoeman. 2007. Associations of spiders of the genus Peucetia (Oxyopidae) with plants bearing glandular hairs. Biotropica, 39: 221-226. Viera, C.; H.F. Japyassú; A.J. Santos & M.O. Gonzaga. 2007. Teias e forrageamento, pp. 68-87. Em: Ecologia e comportamento de aranhas (Gonzaga, M.O.; A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Interciência, Rio de Janeiro. Wise, D.H. 1993. Spiders in ecological webs. Cambridge University Press, Cambridge. 5