ECLI:PT:TRC:2013:60.10.6TAMGR.C1 http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ecli:pt:trc:2013:60.10.6tamgr.c1 Relator Nº do Documento Olga Maurício Apenso Data do Acordão 15/05/2013 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Tribunal Judicial De Alcobaça Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Recurso Criminal dispensado Indicações eventuais Área Temática Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores segredo profissional; advogado; quebra de sigilo profissional; Página 1 / 5
Sumário: Mostrando-se essencial para a sua defesa enquanto arguida no processo em que se discute a insolvência dolosa da empresa em que exerceu as suas funções profissionais de advogada, o depoimento da requerente, justifica-se a quebra do segredo profissional, a fim de que possa depor sobre factos de que teve conhecimento em tal qualidade. Decisão Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1. Nos presentes autos foi deduzida acusação imputando aos arguidos A..., B...e C..., sócios da D..., Ldª, a prática, em co-autoria material, de um crime de insolvência dolosa, dos art. 227º, nº 1, al. a), b) e c) do Código Penal e 186º, nº 1 e 2, do CIRE. À arguida E..., que trabalhou para a empresa insolvente como advogada, foi imputada a prática, como cúmplice dos demais arguidos, de um crime de insolvência dolosa. 2. A arguida E...requereu a abertura de instrução e como diligência de prova a realizar requereu a sua própria inquirição e a inquirição de uma testemunha. A instrução foi admitida e foi designada data para realização das diligências de prova. Entretanto a arguida juntou aos autos requerimento dizendo que não podia prestar declarações, por não ter obtido dispensa de sigilo profissional. Chegada a data da diligência foi a mesma adiada para que fosse obtida resposta ao pedido de dispensa de sigilo profissional, submetido pela arguida à Ordem dos Advogados. Foi junta ao processo informação proveniente da AO dizendo já ter dado resposta ao solicitado, cujo conteúdo disse não mencionar por a mesma ser confidencial. Face ao exposto a arguida requereu a quebra do sigilo profissional, ao abrigo do art. 135º do C.P.P. O arguido A... pronunciou-se contra aquela dispensa. Começou por dizer que o deferimento do pedido dependia de a possibilidade de prestação de depoimento ter sido recusada pela OA e no caso não se sabe qual foi a sua posição. Para além disso, diz, também não se verifica o fundamento de haver dúvidas sobre a legitimidade da recusa porque a arguida requerente nunca, sequer, iniciou a prestação do depoimento para, no seu decurso, poder recusar responder a uma qualquer questão. 3. Sobre o pedido o tribunal requerido decidiu suscitar o presente incidente por entender que as Página 2 / 5
objeções opostas não procedem: refere que embora não se conhecendo as limitações impostas pela OA à arguida no que toca à possibilidade de prestar declarações, este desconhecimento, que deriva da posição tomada por esta ordem, não pode prejudicar o direito de defesa da arguida requerente de prestar declarações. 4. O Ministério Público não se pronunciou. Realizada a conferência cumpre decidir. DECISÃO Os arguidos A..., B...e C... dividiam entre si parte do capital social da D..., Ldª. A gerência competia aos arguidos A...e C..., sendo que todas as suas decisões eram tomadas com o conhecimento da arguida Maria Vieira. Quanto à arguida E..., esta desempenhou as funções de advogada da D..., Ldª, desde, pelo menos, Maio de 2005. Entretanto foi declarada a insolvência da empresa, a arguida E...está, também, acusada da prática, como cúmplice, do crime de insolvência dolosa e é neste enquadramento que requereu a dispensa de segredo profissional. Nos termos do nº 1 do art. 135º do C.P.P., que versa sobre o segredo profissional, «os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusarse a depor sobre os factos por ele abrangidos». Acrescenta o nº 2 que «havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento». Do texto da norma parece resultar, conforme refere o arguido A..., que o incidente apenas se poderá suscitar perante uma concreta recusa de depor. Quando esta recusa ocorrer o tribunal o tribunal ordenará a prestação de depoimento se concluir, realizadas que sejam as investigações necessárias, que essa recusa é ilegítima. Porém, previamente a esta decisão há que ouvir o organismo da classe, conforme determina o nº 4 da norma, que estabelece que a decisão «é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa». No caso a arguida requerente não recusou depor, isto é, ainda não recusou responder a qualquer questão invocando, como fundamento de recusa, o segredo profissional. Aliás, até ao momento nem sequer teve início o seu depoimento. No entanto, não nos parece que este facto obstaculize o prosseguimento do incidente. E dizemos isto pelo seguinte: é manifesto que a requerente quer depor e também é claro que, no juízo e ela própria formulou, qualquer declaração que faça sobre o objeto do processo estará a Página 3 / 5
coberto do segredo profissional. E isto é fácil de perceber: a requerente está acusada de, no exercício das suas funções de advogada, ter sido cúmplice do crime de insolvência dolosa. Percebe-se, pois, que as suas declarações como arguida contenderão, inexoravelmente, com o segredo profissional derivado do exercício daquelas funções. Por outro lado também não sabemos, é verdade, qual foi a resposta dada pela OA ao pedido formulado pela arguida, de dispensa de segredo com vista à prestação de declarações como arguida. Mas também aqui é fácil perceber que a resposta ao pedido foi negativa, pois se assim não fosse a arguida logo teria dito que poderia, finalmente, depor. Entendemos, portanto, que os pressupostos formais do prosseguimento do incidente estão presentes no caso. Agora, quanto ao pressuposto substancial, o nº 3 do art. 135º do C.P.P. dispõe que o tribunal decidirá pela prestação do depoimento com quebra do segredo profissional se esta se mostrar justificada «segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos». No caso dos autos os interesses conflituantes são, por um lado, o dever de sigilo dos advogados, cuja função é essencial à administração da justiça, conforme refere a nossa Constituição, no art. 208º, essencial ao bom desempenho da sua função e essencial para a defesa e preservação das relações entre o advogado e o seu cliente e, por outro, o interesse do Estado em realizar a justiça penal com observância de todos os princípios jurídico-constitucionais que o integram. Mas para além destes valores essenciais, há um terceiro interesse aqui presente, que respeita aos direitos de defesa do arguido em processo penal, elevado, também, a direito constitucionalmente consagrado, no art. 32º, dos quais faz parte o direito de prestar declarações, em qualquer momento da audiência, sobre o objeto do processo, conforme estabelece o art. 343º do C.P.P. Então, no caso, a prestação de depoimento pela arguida requerente pode ser essencial para a sua própria defesa, pelo que também o pressuposto substancial da dispensa, tal como está delineado no nº 3 do art. 135º do C.P.P., ocorre no caso presente. Tendo a ponderação dos interesse em conflito que ser, sempre, criteriosa, entendemos que, no caso, a dispensa de segredo profissional da requerente, relativamente ao período em que exerceu as suas funções profissionais de advogada da empresa insolvente, impõe-se por esta dispensa ser essencial à defesa dos seus direitos enquanto arguida no processo em que se discute a insolvência dolosa dessa mesma empresa. Para este desfecho também apontando o nº 4 do art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que permite ao advogado revelar factos abrangidos por aquele segredo se tal se revelar «absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes». Página 4 / 5
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) Por todo o exposto, decide esta relação em dispensar a arguida E... do segredo profissional decorrente do exercício das suas funções de advogada para a empresa D.. Ldª. e, em consequência, determinar que preste depoimento como arguida neste processo 60/10.6TAMG, que versa sobre a insolvência dolosa desta empresa. Olga Maurício (Relatora) Calvário Antunes Página 5 / 5