IGREJA LUTERANA - SÍNODO DE

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3 IGREJA LUTERANA - SÍNODO DE MISSOURI: UMA IGREJA DE IMIGRANTES NO CENÁRIO ESTADONOVISTA Sérgio Luiz Marlow* Passado mais de meio século do Governo de Getúlio Vargas, no chamado Estado Novo, ainda questões referentes ao projeto de nacionalização dirigido aos imigrantes carecem de respos-tas. Uma delas diz respeito à ação do Estado Novo sobre a Igreja Luterana e mais precisamente sobre o chamado Sínodo de Missouri 1. Qual teria sido a compreensão e a ação do Estado Novo sobre a referida instituição eclesiástica? Qual a posição do Sínodo de Missouri concernente à questão da germanidade? Seria o Sínodo, pelo fato de atuar entre teuto-brasileiros e falar a língua alemã, um perigo à proposta de abrasileiramento promovida pela ação nacionalizadora do Governo Vargas? Inicialmente, cabe recordarmos que o projeto de nacionalização * Sérgio Luiz Marlow é Ministro Luterano e Mestre em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). É professor da Faculdade Unida de Vitória/ ES. 61 Revista de Estudos Teológicos

Revista Reflexus encontrou, no Estado Novo, o seu grande idealizador, incentivador e propagador. A implantação da campanha de nacionalização, que alcançou seu auge nos anos de 1937 e 1938, correu paralela com a organiza-ção do Estado Novo decretado pela Constituição de 10 de outubro de 1937 (Westphalen e Balhana, 2001:408). René Gertz (1997:63) entende que justamente as questões envolvendo os imigrantes, como o germa-nismo e o nazismo, mais a corrente integralista, que exerceu forte influência na época, determi-naram o projeto nacionalista do Governo Vargas. Germanismo, nazismo e integralismo forneceram a justificativa para a ação estatal conhecida como campanha de nacionalização. A idéia não era nova. Os germanistas, desde a década de vinte, e sobretudo a partir da revolução de 1930, alertavam para o ascensão de tendências que chamavam de nativistas e que se voltavam contra tudo que fosse estrangeiro e não se enquadrasse na tradição portuguesa ou luso-afro-indigena. Em documentos da época, como por exemplo, o relatório da Comissão de Nacionalização ao Ministro da Educação, datado de 5 de outubro de 1940, admitem ser essencial e benéfica a ação governamental entre os grupos de imigrantes. Pela primeira vez na história do país, o poder público vem tomando a peito o problema da nacionalização dos imigrantes e seus descendentes. Antes de 1937 isso não teria sido possível nalguns estados, porque as instituições vigentes erigiam em forças eleitorais os núcleos de origem estrangeira, dando-lhes influência bastante para contrariar os intentos do governo central. Simon Schwartzmann (1984:149) explicou que, em especial, a partir de 1938, o projeto de naciona-lização tentou tornar-se uma realidade no cenário nacional. O ano de 1938 no Brasil é especial-mente fértil em medidas legais e projetos identificados com a construção do 1 A chamada Igreja Luterana Sínodo de Missouri iniciou o seu trabalho em solo brasileiro no ano de 1900 através de pastores luteranos vindos dos Estados Unidos da América. Hoje o chamado Sínodo de Missouri Brasil é conhecido como Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). 62

nacionalismo brasi-leiro. Alguns destes projetos e medidas revelam o conteúdo doutrinário e político do projeto nacionalista que se criava. Nesse sentido, essas ações incentivaram e levaram os grupos estrangeiros a serem repre-endidos e recriminados em seus usos e costumes e, no caso alemão, no uso e ensino em língua alemã. Perseguições foram realizadas em nome de um abrasileiramento de todos aqueles que eram considerados estrangeiros em solo brasileiro. Alie-se a isto a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). A partir de 1942, pressões populares, como passeatas da UNE e de outros segmentos da sociedade brasileira, declararam estado de beligerância contra todos os que eram alemães ou descendentes dos mesmos. Martin Dreher (1994:106) narrou a difícil situação que enfrentaram os teutobrasileiros neste perío-do da história nacional. De 1939 a 1945, nos anos da 2ª. Guerra Mundial, as medidas, sentidas como repressoras pelos descendentes de alemães, fizeram-se sentir com maior rigor. Proibiu-se a circulação de toda a imprensa alemã, o uso do idioma teuto em lugares públicos, confiscou-se documentos em casas de teuto-brasileiros, confiscou-se as armas das sociedades de atiradores. Toda a atividade cultural, em suma, foi reduzida a zero. Com o ingresso do Brasil na Guerra (1942), ocorreram depredações e, praticamente todos os descendentes de alemães serão atingidos. É evidente que também o projeto de nacionalização atingiu a Igreja. Nesse sentido, Martin Dreher (1994:87) entendeu que, na ver-dade, o grande e maior grupo atingido pelo Estado Novo e sua proposta de nacionalização foi o evangélico luterano. Interessante se observar que Dreher (1994:88), ao mencionar o grupo evangélico luterano como o mais afetado e recriminado tanto pelo Estado como pela sociedade em geral, justificou tal situa-ção por ser o grupo evangélico luterano minoritário no contexto brasileiro e que esta condição de marginalizado na sociedade vinha desde o período monárquico, refletindose agora com mais gravidade ainda no Estado Novo. TeImo Lauro Muller (1994:70), foi mais longe ainda nessa premissa quando escreveu sobre aqueles que foram atingidos pela nacionalização. Narrou que entre os descendentes de alemães, os evangélicos foram 63 Revista de Estudos Teológicos

Revista Reflexus mais atin-gidos do que os católicos e, entre os evangélicos, os do Sínodo Riograndense3 mais do que os do Sínodo de Missouri, que eram tidos por mais brasileiros por sua origem americana do norte. Dessa forma, apesar de mencionado que o Sínodo de Missouri não tenha sido tão dura-mente atingido pelo Estado como o Sínodo Riograndense, houve uma forte ação também para com os luteranos ligados a essa instituição religiosa. Chegamos claramente a essa constatação através das palavras do Dr. F. C. Streufer, Secre-tário Executivo das Missões do Sínodo de Missouri, que, em seu relatório para o Conselho de Missão para a América do Sul, registrou a difícil situação enfrentada pelo Distrito Brasileiro do Sínodo nos anos de 1942 a 1945. Entendeu que a Igreja Luterana - Sínodo de Missouri enfrenta-va uma, senão a maior, crise em sua história. [...] Estes foram dias de perigo e amargo sofrimento. Nunca, na história do Sínodo de Missouri, nossos cristãos, em algum lugar, sofreram tanta ameaça, antagonismo, animosidade, perseguição às nossas congregações, pastores e irmãos em Cristo como está acontecendo no Brasil. (Rehfeldt, 2003:142). Com base nesta situação, em especial, duas questões são de suma importância na busca de uma visão mais clara sobre a relação entre o projeto de nacionalização e a Igreja Luterana -- Sínodo de Missouri. A primeira questão a ser levantada diz respeito ao entendimento que a Igreja Luterana - Sínodo de Missouri possuía em relação à questão do Germanis-mo (Deutschtum em alemão), tão familiar entre os teuto-brasileiros. René Gertz (1997:35), em suas pesquisas sobre o assunto, chega a afirmar que o Sínodo de Missou-ri, na verdade, havia sido a única instituição ligada aos imigrantes alemães no Sul que renegava expressamente o Deutschtum, classificando tal ideologia ou pensamento até mesmo como peca-do. 3 O chamado Sínodo Riograndense surgiu no Brasil no ano de 1886 através de pastores luteranos provenientes da Alemanha. Hoje o Sínodo Riograndense é conhecido como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). 64

Para Gertz (1997:18), apesar de usar a língua alemã para se comunicar e pregar a Palavra de Deus aos luteranos que eram na sua maioria teutobrasileiros e, portanto, falavam alemão, não era objetivo do Sínodo de Missouri ser fomentador da tese da germanidade. Para defender essa tese, do não incentivo da prática da germanidade entre os luteranos filiados ao Sínodo de Missouri, René Gertz (1997:18) citou a posição do Sínodo de Missouri por ocasião do centenário da imigração alemã em 1924: Se alguém quer cultivar a germanidade, que vá para a Alemanha. Mas se permanecer aqui e continuar apegado de todo o coração à germanidade, então este cultivo exclui o cultivo da brasilidade. Uma pessoa dessas comete pecado.. Marionilde B. de Magalhães (1998:219) em seus estudos sobre o nazismo e o pangermanismo no Brasil, partiu da mesma premissa de que enquanto o Sínodo Riograndense sentia-se guardião da concepção e da propagação do germanismo entre os teuto-brasileiros, diferente seria a posição do Sínodo de Missouri. Numa de suas notas explicando esta questão, lemos: Citamos como contraponto, a este comportamento (do Sínodo Riograndense), a política eclesiásti-ca do Sínodo de Missouri, composto por diversas paróquias existentes na Região Sul e orientado por pastores luteranos dos Estados Unidos. Este jamais comprometeu-se com a ideologia étnica e nem sequer aceitou filiar-se à liga dos Sínodos Luteranos no Brasil. Será que realmente o Sínodo de Missouri não possuía nenhum interesse em fomentar e incentivar a germanidade entre os teuto-brasileiros? Será que sua posição era de total rejeição a tal ideologia e prática? Com toda a certeza, algumas informações importantes sobre essa questão podemos en-contrar numa análise mais detalhada do trabalho do Sínodo de Missouri no Brasil, bem como na posição de autoridades eclesiásticas ligadas ao Sínodo. Na verdade, percebe-se que o Sínodo de Missouri veio ao Brasil com o objetivo básico de atender aos imigrantes alemães e descendentes 65 Revista de Estudos Teológicos

Revista Reflexus que aqui já se encontravam. Uma missão mais concreta com a população brasileira em si, não estava, por assim dizer, nos planos iniciais do Sínodo quando de sua vinda para o Brasil. Steyer (1999:24), por exemplo, lembrou que uma ação mais efetiva com a população católica brasi-leira não fazia parte do trabalho a ser desenvolvido pelo Sínodo de Missouri. Estas [outras igrejas] enviaram especificamente missionários com o fim de converter católicos às suas res-pectivas denominações. Tal não foi a intenção da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri - Seus pastores foram enviados aos luteranos dentre os imigrantes alemães evangélicos. Portanto não para converter católicos ao luteranismo. Isso obviamente não impediu a participação de pessoas ou mesmo a formação de congre-gações compostas de pessoas não necessariamente de origem germânica. Um trabalho mais efetivo com brasileiros somente ocorreu justamente como conseqüên-cia do próprio projeto de nacionalização de Getúlio Vargas, quando o idioma português passou a ser predominante nas atividades eclesiásticas do Sínodo. Segundo Rieth (1996:55): A IELB só será sacudida definitivamente no sentido de ir se tornando igreja do Brasil durante a 2ª. Guerra Mundia. Torna-se, dessa forma, bastante clara a intenção inicial do Sínodo de estabelecer-se e atender os teuto-brasileiros aqui residentes. Neste sentido, mesmo que não possa ser declarado como um incentivo à prática da germanidade, havia, por parte do Sínodo, uma preocupação inerente a esse grupo. Steyer (1999:23) entendia que se não havia um incentivo explicito à prática da germanidade, pelo menos a questão da identidade étnica servia para justificar a presença do Sínodo em meio aos teuto-brasileiros. Para a direção do Sínodo de Missouri, esta ajuda não era apenas um dever cris-tão, mas uma responsabilidade étnica. Comentava-se que são alemães, são luteranos, cabe ajudá--los. Desta forma, se por um lado o Sínodo entendia que o fator étnico era 66

importante, por outro lado, constata-se também que o Sínodo não atribuía a fomentação ou a manutenção desse senti-mento à esfera eclesiástica. Ou seja, o Sínodo de Missouri entendia que a preservação, conservação ou mesmo a fomentação de um espírito alemão em terras brasileiras não era da sua competência, visto não ser esta a função primordial e essencial da Igreja, e especificamente no seu caso. Isto se confirma em depoimentos de pessoas ligadas ao Sínodo de Missouri. Um exemplo pode ser dado quando, no início do século, mais especificamente em 1903, pouco tempo após a chegada do Sínodo de Missouri ao Brasil, o Sínodo responde à acusação de estar defendendo interesses norte-americanos, o que seria uma séria ameaça até mesmo à manutenção do germa-nismo entre os teuto-brasileiros. A resposta veio através do pastor Wilhelm Mahler que, no ano seguinte, seria eleito o primeiro presidente do Distrito Brasileiro do Sínodo de Missouri. Contra isso, podemos nós sempre de novo frisar, como até agora o fizemos sempre que surgia uma oportunidade, e o faremos no futuro, que estamos totalmente afastados de qualquer manobra polí-tica. Não queremos despertar nos corações o amor pela América do Norte, nem pela Alemanha, mas sim o amor para com a Palavra de Deus. Não queremos ser vistos como pilares e apoiadores do comércio e da indústria, mas como pregadores e mensageiros do Evangelho.(Steyer, 1999:147). Outro exemplo muito pertinente é a declaração do Sínodo em 1937, ano em que Getúlio Vargas iniciava o Estado Novo, quando o presidente do Sínodo era o Rev. August Heine Nossa Igreja reconhece que existe etnia e cultivo da etnia (preservação da língua e dos costu-mes). Etnia e cultivo da etnia são questões concernentes à vida civil. Por isso, o cultivo da etnia é uma função das instituições da vida civil (governo, partido, associação, etc.). 2. A Igreja como tal não tem nem o direito nem a incumbência de promover o cultivo da etnia. Por isso nossa Igreja rejeita todo o cultivo da etnia 67 Revista de Estudos Teológicos

Revista Reflexus como função eclesiástica e deixa-os aos cuidados das instituições que para tanto foram criadas na vida civil. Nossa Igreja concede liberdade aos membros, profes-sores e pastores em sua vida civil nas questões de etnia e de seu cultivo, caso se mantiverem distantes do caráter mundano pecaminoso tantas vezes a isso ligado e da confusão religiosa contrá-ria à Escritura.(Dreher. 1984:124). Dessa forma, o Sínodo de Missouri não proibia seus pastores de cultivar traços do germa-nismo e, provavelmente, pastores e membros ligados ao Sínodo participavam de clubes e associ-ações ligadas ao Deutschtum, bem como preservavam costumes ligados a sua terra natal. Entre-tanto, entendia que não caberia a eles, como representantes do Sínodo, fazer uma defesa da germanidade através do discurso eclesiástico. Mesmo que o discurso oficial da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri pudesse, provavel-mente, ser de que a questão da germanidade não era da esfera eclesiástica, o que se viu da parte do Estado Brasileiro foram atitudes repressoras contra a instituição religiosa. Neste sentido, outra questão importante diz respeito ao pensamento que existia por parte do Governo Brasileiro para com a Igreja Luterana - Sínodo de Missouri. Ao buscarmos respostas em fontes oficiais do Governo Brasileiro, especialmente fontes ligadas às autoridades do Rio Grande do Sul, estado com o maior contingente de teuto-brasilei-ros, bem como com o maior número de luteranos ligados à Igreja Luterana - Sínodo de Missouri, encontramos referência à correspondência enviada ao secretário de educação do Rio Grande do Sul, na qual se descreve que o ensino nas escolas luteranas estava acontecendo basicamente em língua portuguesa e que, desta forma, a Igreja já era vista como nacionalizada. Visitei também todos os pastores e ajudantes da Igreja Luterana, com o mesmo objetivo. Todos estão ensinando catecismo e religião em língua nacional. O ambiente em seus lares é nacional. As escolas encon-trei, em linhas gerais, realizando um trabalho genuinamente brasileiro (Souza, 1942:99).. Simon Schwartzmann (1984: 164) descreve ainda outro relatório do secretário de educação do Rio Grande do Sul no qual o mesmo afirmava 68

que a colônia alemã mantinha perto de duas mil escolas nas zonas de colonização. Elas estavam divididas entre a Igreja Católica, a Igreja Evangélica Alemã (Sínodo Riograndense), Igreja Luterana - Sínodo de Missouri e a Igreja Adventista. Segundo esta fonte oficial, as Igrejas Adventista e Missouri mantinham praticamente o ensino em português. Ao mesmo tempo, em seu artigo intitulado Denúncia, o secretário de educação do Rio Grande do Sul, Coelho de Souza, afirmava que os teutobrasileiros podiam ser divididos em três grupos quando se falava em questões de nacionalismo. Afirmava que os membros da Igreja Lute-rana - Sínodo de Missouri estariam inseridos no segundo grupo, os tradicionalistas. Estes, segundo Coelho de Souza (1942: 18), não alimentam intenções políticas; conservam a tradição, antes, por motivos de ordem espiritual. Acreditam que na tradição reside o espírito de disciplina da gente de origem alemã - base de sua religiosidade. Outro famoso documento da época, o do Tenente-Coronel Aurélio da Silva Py, Chefe da polícia do Rio Grande do Sul intitulado: A 5ª. Coluna no Brasil cita várias vezes sua preocupação com o Sínodo Riograndense, porém nenhuma citação é feita em relação à Igreja Luterana - Sínodo de Missouri. Esse silêncio com relação ao Sínodo de Missouri ou deixa uma lacuna quanto ao co-nhecimento que o mesmo tinha a respeito do Sínodo de Missouri e de sua influência sobre os teuto-brasileiros ou, e talvez deva ser a conclusão mais provável, também compreendia que o Sínodo de Missouri estava se nacionalizando e por isso não foi mencionado. Apesar dessas informações, algumas questões ficam em aberto e uma pesquisa mais apro-fundada é necessária para uma melhor compreensão do assunto. A primeira questão é: até que ponto a Igreja Luterana - Sínodo de Missouri realmente estava nacionalizada? Essa reflexão deve ser feita na medida em que as autoridades da época afirmavam isso, porém, segundo nos relata Rehfeldt (2003:140) em sua obra sobre a história da IELB, por volta de 1938 cerca de 84% das atividades, especialmente as prédicas (sermões) na Igreja Lutera-na - Sínodo de Missouri, ainda eram realizadas em língua alemã. Outra questão importante e que exige reflexão: Se a Igreja Luterana - 69 Revista de Estudos Teológicos

Revista Reflexus Sínodo de Missouri estava em processo de nacionalização, por que a ação do Estado Brasileiro atingiu boa parte da referida instituição? Vários foram os incidentes que envolveram pessoas ligadas à IELB, seja pastores, seja membros em geral. Basta recordar do testemunho citado anteriormente do Secretá-rio da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri, que estava no Brasil na época do Estado Novo, bem como mencionar que até mesmo o presidente do Distrito Brasileiro da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri, Rev. August Heine, foi preso acusado de defender idéias nacional-socialistas. Possivelmente a afirmação do secretário de educação do Rio Grande do Sul, Coelho de Souza (1942:18), nos auxilie na elucidação da questão. Se, por um lado, entendia que o Sínodo estaria se nacionalizando, por outro enfatizava que é preciso estar constantemente atento à movimentação do Sínodo em terras brasileira. A ausência de um ideal imediato não o torna inofensivo: o exemplo da Áustria mostra, à sacieda-de, como um ambiente alemão pode servir de meio de cultura para as mais perigosas ideologias imperialistas e como, por vezes, o sentimento religioso pode ceder passo a um ideal racista. Concluímos que o Estado Brasileiro via a Igreja Luterana - Sínodo de Missouri em processo de nacionalização, mas, mesmo assim, toda e qualquer ação suspeita, que levasse a uma possibilidade de ação nazista em solo brasileiro, seria alvo de ação repressora do Estado. Fontes Primárias: Relatório da Comissão de Nacionalização ao Ministro da Educação. Arquivo Gustavo Capanema. GC 34.11.30, 05 de outubro de 1940, FGV-CPDOC. PY, Aurélio da Silva. A 5ª. Coluna no Brasil. Porto Alegre : Globo, 1942. SOUZA, J.P. Coelho. Denúncia: O nazismo nas escolas do Rio Grande. Porto Alegre : Thurmann, 1942. 70