A Teoria do Capital Humano no Brasil: o pioneirismo de Carlos Langoni LÉO POSTERNAK *



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Transcrição:

A Teoria do Capital Humano no Brasil: o pioneirismo de Carlos Langoni LÉO POSTERNAK * Nas última duas décadas, houve uma indiscutível mudança na agenda dos direitos sociais no Brasil. Passamos das garantias apenas aos trabalhadores urbanos com carteira assinada, iniciadas no primeiro governo Vargas, para garantias a um contingente até recentemente excluído, o daqueles que fazem parte dos cadastros de pobreza. O Programa Bolsa Família é a consolidação de diversos programas de transferência de renda focalizada que foram iniciados, a nível federal, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nos anos 90, a agenda pública brasileira estava dominada e assombrada por décadas de inflação e de tentativas fracassadas para debelá-la. A estabilidade da moeda advinda do Plano Real foi o principal fator que permitiu alcançarmos as melhorias do século 21. Porque sem um razoável grau de estabilidade monetária, nenhum dos outros objetivos [...], poderiam ser atingidos. Seria inútil buscar melhorias na distribuição de renda sem estabilidade (Campos, 1996: 45). Na década de 90 foram criados no país diversos programas de transferência direta de renda objetivando acabar com o trabalho infantil e extinguir a pobreza extrema, bem como dar incentivos para que as famílias pobres mantivessem seus filhos nas escolas. No primeiro governo do presidente Lula, e objetivando racionalização e maior eficiência, foi criado o Programa Bolsa Família, substituindo o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás e o Cartão Alimentação. Os três primeiros haviam sido criados durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o quarto no início do governo Lula, ainda sob a influência do seu mote de campanha, Fome Zero. Acredito que estas políticas públicas incorporaram os conceitos existentes na Teoria do Capital Humano. Elas teriam introjetado a ideia de que o investimento em educação, ponto fundamental da Teoria do Capital Humano, seria o mecanismo mais indicado para quebrar o nosso ciclo de reprodução da pobreza. De uma forma abrangente, podemos dizer que o capital humano representa o investimento que as pessoas fazem para aumentar sua produtividade econômica. A Teoria do Capital Humano dá ênfase ao modo pelo qual a educação incrementa a produtividade e a eficiência dos trabalhadores, e a educação formal é vista como um * Bacharel em Ciências Sociais pela PUC - Rio e em Engenharia Civil pela UFRJ. Mestre em Ciências Sociais pela PUC - Rio. Doutorando em Ciências Sociais pela PUC - Rio. E-mail: lposternak@gmail.com.

3 investimento produtivo no capital humano, considerada pelos defensores desta teoria como um valor pelo menos tão importante quanto o capital físico. Importantes pensadores brasileiros estudaram a Teoria do Capital Humano, e elaboraram acerca de sua relevância para a nossa sociedade. Carlos Geraldo Langoni, PhD em Economia pela Universidade de Chicago, defende que, em uma economia globalizada, tem especial importância a qualidade do capital humano. A industrialização brasileira teria sido apoiada no capital físico. Esta teria sido uma das razões do nosso atraso no combate à pobreza e à desigualdade. Em seu livro Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973, Langoni demonstra a importância da educação básica como elemento fundamental para a redução da pobreza no Brasil. E isto em uma época onde as tensões vividas no Brasil, em função da ditadura, obscureciam a discussão acadêmica. De acordo com Marcelo Côrtes Neri: Toda a moderna teoria do crescimento econômico e a pesquisa empírica associada têm nos convencido da importância da escola na vida das nações. No aspecto distributivo tivemos há tempos a oportunidade de aprender sobre a importância da educação na vida dos brasileiros quando do lançamento da primeira edição deste livro seminal, em 1973. A oportunidade parecia não ter sido plenamente aproveitada na época. A expressão capital humano, tal como a palavra focalização hoje, era vista por muitos como palavrão (Neri, 2005: 11). Langoni explica que as variáveis por ele consideradas e que tem impacto na distribuição de renda são estruturais, uma vez que as informações de distribuição de renda disponíveis correspondem apenas aos dados dos censos de 1960 e 1970, não conseguindo informações referentes ao ritmo da distribuição neste intervalo de tempo. O importante, porém, é que o nosso interesse principal é a análise das mudanças nos perfis de renda entre 1960 e 1970. E para isto os dados censitários são estritamente comparáveis, até mesmo nos seus erros. Em resumo, como procuramos chamar a atenção, existem limitações nos dados censitários, mas dificilmente as distorções observadas são de tal magnitude que alterem as conclusões básicas que serão extraídas neste trabalho (Langoni, 2005: 38). 3

4 Nas atividades com maior incorporação das modernas tecnologias, a mão-de-obra é relativamente menos disponível à medida que aumenta seu grau de qualificação. Como consequência, teremos aumentos diferenciados nos salários. As empresas dos setores mais modernos terão diferenças de produtividade e de lucros em relação às tradicionais. Estas diferenças vão acarretar um aumento de desigualdade nos rendimentos dos empregados, dependendo da tecnologia em uso. No entanto, Langoni chama a atenção de que o crescimento econômico traz, apesar da desigualdade, um aumento no bem-estar, pela criação de riquezas. Estes resultados deixam claro o pouco significado que um índice de concentração pode ter como indicador de bem-estar. Ao passarmos da indústria de construção civil para a indústria automobilística, a variância dos logs aumenta em 100%. No entanto, o nível de salario médio praticamente dobra. É difícil acreditar que um trabalhador na indústria automobilística esteja pior do que aqueles na construção civil. Ao mesmo tempo eles sugerem que o aumento de desigualdade é uma consequência inevitável do processo de desenvolvimento. Neste caso específico o aumento de concentração reflete a sofisticação da força de trabalho na indústria automobilística vis-à-vis construção civil. Na primeira há uma maior diferenciação não só vertical (nível de educação) mas também horizontal (posição na ocupação): esta diferenciação de produtividade é refletida no mercado por uma diferenciação de salários que por sua vez toma a forma de um aumento de desigualdade (Langoni, 2005: 46-47). Procurando as causas do aumento da desigualdade, Langoni faz um relato da trajetória do salário mínimo na década estudada, lembrando as circunstâncias inflacionárias que antecederam a contenção salarial: Na verdade as primeiras análises do aumento de desigualdade, precipitadamente tentaram atribuir a uma das facetas deste último período a política salarial a responsabilidade maior por tudo aquilo que aconteceu ao longo da década. É lógico que do ponto de vista metodológico nós necessitaríamos de séries anuais para corretamente medir a contribuição de cada uma dessas componentes. Entretanto é importante reconhecer que o salário mínimo já vem declinando em termos reais desde 1961 e que a política de contenção salarial posta em execução, principalmente em 1965 e 4

5 1966, era um apêndice da política antiinflacionária, procurando corrigir uma situação anormalíssima de taxas de inflação de ordem de 100%. As consequências negativas de curto prazo foram compensadas pelos benefícios da retomada do crescimento a partir de 1966. A maior evidência de que isto é verdade é a própria comparação dos perfis de renda entre 1960 e 1970. Lá ficou claro que todos os grupos tiveram ganhos substanciais de renda real, mesmo aqueles cuja renda está próxima ao salário mínimo legal. Este resultado, em face do grande declínio, observado no salário mínimo real entre 1960 e 1970, só pode ser atribuído ao deslocamento dos indivíduos ao longo do espectro de renda. Este deslocamento foi propiciado justamente pela fase de aceleração de crescimento que caracterizou o período 1966/1970 (Langoni, 2005: 66). Langoni segue sua análise explicando que, uma vez que constatou o aumento de desigualdade na distribuição de renda, faz-se necessário pesquisar suas causas. E para isto estuda os efeitos redistributivos de mudanças estruturais que aconteceram na década. Mais importante, antecipa a relevância da variável educação: A análise dos efeitos redistributivos das mudanças ocorridas na composição educacional da força de trabalho merece especial atenção, porque, como ficará claro mais adiante, educação é a variável mais importante para explicar simultaneamente as diferenças individuais de renda em 1960 e 1970, bem como o aumento de concentração observado durante o período (Langoni, 2005: 79). São analisados os efeitos distributivos causados pelas alterações que aconteceram tanto na composição setorial quanto na regional e de qualidade da mão-de-obra. Langoni enfatiza que as mudanças estruturais, apesar de trazerem um aumento de desigualdade na distribuição de renda, não causam a piora do bem-estar que se beneficia de uma melhoria na educação. A análise anterior chama a atenção para o impacto e seus resultados, que as mudanças na composição educacional, etária e entre sexos, bem como a alocação setorial e regional, podem ter sobre a distribuição de renda ao longo do tempo. A conclusão mais importante é de que as mudanças clássicas, que acompanham o processo de desenvolvimento econômico, levam a um aumento nos índices agregados de concentração sem que seja 5

6 possível atribuir-lhes qualquer sentido de deterioramento de bem-estar: este é o caso típico do fluxo de mão-de-obra que deixa regiões e setores cuja renda real é relativamente mais baixa; da entrada no mercado de trabalho de jovens e mulheres; e, principalmente, da melhoria ou ascensão educacional da força de trabalho, existente e em formação (Langoni, 2005: 86). Constatando que o crescimento econômico trouxe o aumento de desigualdade de renda pelo aumento relativo dos decis superiores, explica: As mudanças ocorridas nas rendas relativas atribuídas à educação são nitidamente as mais importantes ao longo de todo o perfil da distribuição. De fato, do aumento total das desigualdades causado pelo efeito redistributivo puro, a contribuição de educação em nenhum decil foi inferior a 50%, chegando a explicar até 93% do total para os 5% superiores. A importância da educação para o aumento de desigualdade, mesmo considerando o efeito puro redistributivo, é consistente com a hipótese de que o desenvolvimento econômico brasileiro levou à uma expansão diferenciada da demanda de mão-de-obra que, devido à tecnologia utilizada, beneficiou desproporcionalmente os níveis de educação mais elevados. No extremo inferior a obsolescência de qualificações, causada pela direção do progresso tecnológico, mais do que compensou a queda na participação dos analfabetos, comprimindo os salários relativos (Langoni, 2005: 106). Comenta a distinção entre crescimento econômico motivado pela incorporação de fatores de produção que já eram encontradas na nossa economia e o crescimento econômico derivado pela incorporação de fatores de produção que ainda não eram utilizados. Este segundo crescimento é derivado, principalmente, de investimentos em pesquisa e no capital humano. Finalmente, como o processo de desenvolvimento pode ser caracterizado pela transformação de setores tradicionais em setores modernos, a discussão anterior fornece uma explicação lógica para encontrarmos, na fase de transição (isto é, de crescimento acelerado), uma correlação positiva entre taxa de crescimento e desigualdade. Ao mesmo tempo, à medida em que a taxa de crescimento assume valor mais estável com a 6

7 economia já operando num nível de renda per capita mais elevada, as mesmas forcas que atuaram, para provocar o aumento de desigualdade, irão contribuir para sua redução. Em particular, a estrutura qualitativa da força de trabalho deverá estar mais ajustada às características da demanda, bem como reduzidas as possibilidades de ganhos extraordinários pela utilização de novos fatores ou pela produção de novos produtos (Langoni, 2005: 166). Langoni apoia-se nos estudos de Gary Becker nos anos 60 para afirmar: A partir da última década, com a formalização por Becker da teoria do capital humano, que sugere uma relação causal inequívoca de educação, para renda via seu impacto sobre a produtividade, começou-se a acumular evidência empírica em diversos países, em diferentes estágios de desenvolvimento, acerca da substancial contribuição da educação para os diferenciais observados de renda (Langoni, 2005: 117). Para Langoni, o combate à pobreza não passava prioritariamente pelas ações de ordem fiscal: Há suficiente evidência empírica de que o potencial redistributivo, mesmo de sistemas fiscais altamente progressivos, é relativamente pequeno. A ênfase deverá ser, portanto, em políticas globais de desenvolvimento, tais como a política de investimentos em recursos humanos (Langoni, 2005: 188). Considera importante uma maior alocação de recursos públicos para a educação básica, mesmo em detrimento do financiamento do ensino superior. Para ele, esta transferência de recursos seria fundamental, uma vez que o crescimento econômico, ao aumentar a renda per capita, aumentaria o custo de oportunidade de se entrar precocemente no mercado de trabalho. Defendia algum tipo de política pública que incentivasse a permanência das crianças pobres na escola: Como já chamamos a atenção por diversas vezes, isto afeta particularmente os indivíduos das classes mais pobres, atuando fortemente no sentido de desestimular sua permanência por anos adicionais na escola. É portanto fundamental, em termos de igualdade de oportunidades, caminhar para uma estrutura de ensino em que também esses custos sejam cobertos, através de bolsas para os indivíduos mais pobres (Langoni, 2005: 192). 7

8 O papel da educação seria o mais importante para explicar os altos níveis de desigualdade encontrado na década de 1960, mais que a inflação ou contingenciamentos salariais. A importância da educação ficou evidente não só para as diferenças observadas de renda em cada ano, mas também para o aumento de desigualdade durante o período. Os coeficientes desta variável (que representam acréscimos de renda associado a anos adicionais de estudo) são os de maior magnitude e de maior significância entre todas as variáveis incluídas na regressão. (Langoni, 2005: 182). Seria fundamental, para Langoni, que fossem definidas políticas públicas com o objetivo de procurar extinguir a pobreza e diminuir a desigualdade: É importante, pois, traçar linhas mestras de políticas que estejam voltadas para o objetivo de redistribuir oportunidades, eliminar a pobreza e, simultaneamente, minimizar as possibilidades de ganhos extras de renda associados com desequilíbrios entre oferta e demanda, decorrentes da aceleração do crescimento (Langoni, 2005: 189). Estas políticas deveriam privilegiar o ensino básico, ao invés das políticas então existentes, que beneficiavam com subsídios o ensino superior. Esta transferência maior de recursos para a educação básica é crucial porque o próprio processo de desenvolvimento econômico, elevando a renda per capita, aumenta o valor do tempo e, consequentemente, a parcela dos custos de educação representada pelo custo puro de oportunidade. Como já chamamos a atenção por diversas vezes, isto afeta particularmente os indivíduos das classes mais pobres, atuando fortemente no sentido de desestimular sua permanência por anos adicionais na escola. É portanto fundamental, em termos de igualdade de oportunidades, caminhar para uma estrutura de ensino em que também esses custos sejam cobertos, através de bolsas para os indivíduos mais pobres (Langoni, 2005: 192). O trabalho de Langoni, um clássico da nossa literatura econômica, inspirou outros brilhantes economistas que abraçaram as ideias contidas na Teoria do Capital Humano. Criou a base que fez com que um grupo de pensadores influenciados por esta Teoria conquistasse, a 8

9 partir da década de 1990, posições de destaque nos governos, definindo nossas políticas públicas de combate à pobreza. Referências bibliográficas BECKER, Gary Stanley. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. CAMPOS, Roberto de Oliveira. Entrevista. In: BIDERMAN, C.; COZAC, L. F. L.; REGO, J. M. Conversas com economistas brasileiros. São Paulo: Editora 34, 1996. LANGONI, Carlos Geraldo. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. LANGONI, Carlos Geraldo. Distribuição de renda: uma versão para a minoria. In: Pesquisa e Planejamento Econômico, volume 4, número 1, fevereiro 1974. Disponível em http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/view/696. Acesso em 26 de janeiro de 2014. NERI, Marcelo Côrtes. Prefácio à 3ª edição. In: Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 9