Hidrologia do Saco da Fazenda.

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Transcrição:

Schettini, C A F 2009 Hidrologia do Saco da Fazenda, 27-42p In: Joaquim Olinto Branco; Maria José Lunardon-Branco & Valéria Regina Bellotto (Org) Estuário do Rio Itajaí-Açú, Santa Catarina: caracterização ambiental e alterações antrópicas Editora UNIVALI, Itajaí, SC, 312p Capítulo 2 Hidrologia do Saco da Fazenda Carlos Augusto França Schettini Laboratório de Oceanografia Física LOF Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar CTTMar, Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI CxP 360, Itajaí, SC, 88302-202, guto@univalibr ABSTRACT The Saco da Fazenda is a coastal water body artificially made inserted in the urban scenario of Itajaí city The saco was created from the enterprise of retification of the access channel to the Port of Itajaí, when the last curvature of the lower estuary was isolated from the main channel Nowadays, the saco is a depositional basin to the sediments carried mainly from the Itajaí-Açú River, and also from small streams which drains the Itajaí City downtown, flowing to the saco with no treatment at all Consequently, the water quality of the saco is low The goal of this article is to assess the hydrological conditions of the Saco da Fazenda, aiming to estimated the fluvial urban discharge, the water residence and transit times, as well the degree of water exchange between the saco and the lower Itajaí-Açú estuary KEYWORDS: coastal lagoon; residence time; salinity INTRODUÇÃO O Saco da Fazenda é um corpo de água costeiro restrito, inserido no cenário urbano de Itajaí Este ambiente foi criado artificalmente pela intervenção de obras de engenharia no baixo estuário do rio Itajaí-Açú A área que ocupa atualmente consistia de um último meandro do estuário que margeava a orla atual e era orientado pelo morro do Atalaia para o norte, havendo na outra margem um pontal arenoso, que se estendia a partir da Praia de Navegantes O crescimento da atividade portuária em Itajaí gerou a necessidade de estabelecer o porto organizado, com infraestrutura adequada Estudos iniciais para a implantação do porto consideraram três locais, um deles sendo a Praia de Cabeçudas, o último meandro do estuário (o atual saco), e onde é atualmente Com o projeto estabelecido, surgiu também a necessidade de tornar seguro o acesso ao porto, implicando nas obras de construção dos

molhes de Itajaí As obras do canal de acesso envolveram mais do que somente os molhes para estabilização da desembocadura Espigões e guias correntes foram construídos ao longo dos primeiros quilômetros do estuário, em ambas as margens do baixo estuário do rio Itajaí-Açú A figura 1 apresenta a fisiografia da região da desembocadura do estuário do rio Itajaí-Açú no final do século XIX, antes do início de qualquer obra de retificação, e a situação em 1982, quando todas as obras de retificação estavam concluídas A partir de 1982 até o presente não houve novas obras a não ser de manutenção das estruturas já existentes O Saco da Fazenda foi formado durante as obras de retificação do canal de acesso ao Porto de Itajaí (Fig 1) O isolamento do saco em relação ao canal foi feito em diferentes fases Um primeiro guia corrente foi, inicialmente, construído com orientação S- SE, juntamente com um espigão saindo da margem num alinhamento aproximadamente ortogonal à margem e ao guia corrente, mantendo uma abertura para circulação das águas Posteriormente foi construído um novo guia corrente, com orientação E-SE, que se prolongava até o promontório do Atalaia e dava início ao molhe sul Foram mantidas duas aberturas neste último guia corrente: uma menor mais para oeste e próxima da curvatura do saco, e outra maior próxima da outra extremidade do saco (Fig 1) Atualmente o saco apresenta uma superfície de 63 hectares e sua forma é, aproximadamente, triangular O eixo paralelo ao estuário do rio Itajaí-Açú apresenta cerca de 1,3 km, e a largura máxima é da ordem de 0,7 km Não existem informações sobre a batimetria após a dragagem realizada entre 2000 e 2003, porém, considerando o projeto de dragagem, a profundidade média deve ser cerca de 1,5 m O Saco da Fazenda integra o sistema estuarino do rio Itajaí-Açú, o qual inclui também o baixo curso do rio Itajaí-Mirim, o canal do Itajaí-Mirim e braço morto O estuário do rio Itajaí-Açú é um estuário altamente estratificado, onde os processos de transporte e de mistura são controlados primeiramente pela vazão do rio Itajaí-Açú quando esta se apresente elevada, ou pelos efeitos oscilatórios periódicos das marés astronômicas durante os períodos de baixa vazão (Schettini, 2002) O Saco da Fazenda, por outro lado, é um sistema anexo ao estuário, sendo que os processos que controlam sua hidrodinâmica diferem dos observados no estuário Isto é primeiramente compreendido

quando distinguimos em termos fisiográficos os dois sistemas O estuário do rio Itajaí-Açú é estreito (~ 200 m), comprido (~ 70 km) e profundo (~ 8 m), sendo sua morfologia o resultado do ajuste hidráulico do regime fluvial O saco, por outro lado, é largo, não podendo ser claramente distinguido um eixo longitudinal (~ 1 x 1 km), e raso (~ 1,5 m) O estuário pode ser classificado com um estuário de frente deltaica segundo o modelo de classificação de Fairbridge (1980), enquanto que o saco pode ser classificado como um estuário de barra, mais comumente denominado de lagoa costeira 1896 1982 1 km N 1 km N Navegantes Navegantes Itajaí Pontal + + + + + + + + + + + + + + + Atalaia Oc Atlântico Itajaí Saco da Fazenda + + + + + + + + + + + + + + Oc Atlântico Atalaia Figura 1 Situação do baixo estuário do rio Itajaí-Açú em 1896, antes das retificações, e em 1982 (modificado de Vargas, 1983) - Lagoas Costeiras Lagoas costeiras constituem um ambiente costeiro comum ao redor de todo o globo (Kjerfve, 1994) Lagoas costeiras são áreas continentais continuamente inundadas por águas marinhas ou doces, aproximadamente orientadas paralelamente à linha de costa, separadas do oceano por uma barreira arenosa, e conectadas a ele por canais (Phleger, 1981), ao menos em regime intermitente (Lankford, 1977; Moore & Slinn, 1984; Kjerfve, 1986; Kjerfve & Magill, 1989) Esses ambientes são mais comuns em regiões que

apresentam ampla plataforma continental conjuntamente com uma extensa planície costeira (Emery, 1967; Nichols & Biggs, 1985), com baixa altura de maré, regime de ondas bastante energético e um grande suprimento de material sedimentar arenoso (Lankford, 1977; Kjerfve, 1986) Em relação aos processos de mistura de águas, lagoas costeiras podem ser classificadas como estuários do tipo verticalmente homogêneo de acordo com a classificação de balanço de sal proposta por Cameron & Pritchard (1963) Em relação à estratificação da salinidade e da velocidade de corrente na coluna de água, são classificadas como 1a e 1b de acordo com a classificação dinâmica proposta por Hansen & Rattray (1966) Estas classificações demonstram a predominância de processos de mistura horizontal dominados por macrodifusão molecular (Zimmerman, 1981), embora no canal de ligação com o oceano possa haver dominância de processos advectivos (Kjerfve & Knoppers, 1991) Embora as lagoas costeiras ocupem 13% das áreas litorâneas do mundo (Barnes, 1980), o conhecimento dos processos atuantes nestes ambientes ainda é muito esparso, e muitos fenômenos tem suas explicações apenas no campo conjectural Em função das trocas entre a lagoa e o oceano adjacente, como resposta da interação entre a geomorfologia e processos oceanográficos, as lagoas costeiras podem ser classificadas como (1) sufocadas, (2) restritas, ou (3) abertas (Fig 1), (Kjerfve, 1986; Fig 2) RESTRITA SUFOCADA ABERTA Figura 2 Representação esquemática de lagoas costeiras, segundo Kjerfve (1986)

Lagoas costeiras podem ter suas características naturais alteradas tanto devido a causas naturais (ex fechamento periódico da barra), como antropogênicas (ex esgotos domésticos) (Smith, 1988; Merino et al 1990; Knoppers et al 1991; Carmouze, 1992), sendo que as lagoas do tipo sufocada são particularmente mais suscetíveis à deterioração da qualidade da água, em resposta às baixas razões de troca com o oceano e prolongado tempo de renovação de suas águas Os processos dinâmicos que ocorrem no canal de ligação com o oceano nestes tipos de sistemas, apresentam grande importância para a qualidade da água (Kjerfve & Knoppers, 1991), possibilitando manter condições de águas completamente doces até continuamente hipersalinas (Kjerfve, 1986; Kjerfve & Magill, 1989; Knoppers et al 1991) O Saco da Fazenda é uma lagoa costeira criada pelas alterações fisiográficas do estuário do rio Itajaí-Açú, e apresenta um grau elevado de troca com o baixo estuário Isto é comprovado pela variação do nível da água dentro do saco que segue o padrão do estuário Assim, podem ser considerado como uma lagoa costeira do tipo aberta Ressalta que o fluxo de água entre a lagoa e o estuário ocorre através da abertura na porção leste do guia corrente, mas também através do guia corrente, uma vez que é uma estrutura de blocos de rochas permeável O problema da questão da qualidade da água do Saco da Fazenda está diretamente relacionado com a taxa de renovação de água do saco, além da carga lançada, obviamente O aporte fluvial direto para o saco se dá através de alguns pequenos tributários ao longo de sua margem sul, sendo que o ribeirão Schneider é o de maior significância em termos volumétricos MATERIAL E MÉTODOS Este manuscrito tem como objetivo principal estabelecer relações hidrológicas para o Saco da Fazenda a partir da análise de escala de variáveis geomorfológicas e hidrográficas Uma grande dificuldade em estudos em cursos de água de pequenas dimensões é a indisponibilidade de dados de descarga Para estabelecer um valor realista de descarga fluvial direta para o Saco da Fazenda foi aplicado o balanço de massa através da equação

hidrológica (Eq 1), onde o excedente hídrido do balanço entre precipitação e evapotranspiração é convertido em vazão poderada pela área da bacia O tempo de renovação das águas do saco foi estimado pela razão entre o volume e a vazão Porém, o tempo foi considerado como tempo de meia vida, ou seja, o tempo necessário para renovar 50% do volume (Pritchard, 1961), o que é uma estimação mais conservativa considerando que o saco apresenta trocas basicamente através de uma abertura única por onde a água entra e sai A inter-relação entre o saco e o baixo estuário foi avaliada baseando-se na salinidade média de ambos os sistemas A salinidade do baixo estuário foi obtida a partir do monitoramento ambiental das dragagens do Porto de Itajaí para os anos de 1998 e 1999 Estes dados foram coletados semanalemente ao longo de todo o estuário, utilizando uma sonda de registro contínuo de condutividade, temperatura e pressão da marca Saiv A/S, sendo realizados perfis verticais ao longo de toda a coluna de água Dados de salinidade para o saco foram obtidos a partir do monitoramento ambiental da dragagem do Saco da Fazenda no período de 2000 a 2003 Os dados foram obtidos com o emprego de uma sonda multiparâmetros Horiba, sendo obtidos para 0,5 m de profundidade, mensalmente Estes mesmos dados foram utilizados para avaliar a variabilidade temporal da salinidade do saco, e a obtenção de um modelo empírico da salinidade como função da vazão do rio Itajaí-Açú para a estação fluviométrica de Indaial Esta estação monitora a vazão do rio diariamente, estando distante cerca de 90 km da desembocadura, porém é a estação mais a jusante que não apresenta efeitos da maré O modelo foi gerado utilizando a ferramenta cftool em ambiene Matlab para obtenção do melhor ajuste da função RESULTADOS E DISCUSSÃO - Descarga do Ribeirão Schneider A vazão de um curso de água é a resposta direta do balanço hidrológico da sua bacia hidrográfica A taxa de armazenamento de água Q em uma bacia ao longo do tempo t é diretamente relacionada com os fluxos de entrada e

saída de água Em termos de processos de curto período, o fluxo de entrada de água em uma bacia será estritamente em função da taxa de precipitação P, enquanto que o fluxo de saída será dividido entre a taxa de evapotranspiração ET e a vazão fluvial V f Este balanço é descrito através da equação hidrológica dq dt = P ET V f (1) Para eventos de precipitação na bacia em escala de tempo curta (por exempo, de horas a dias), o termo do lado esquerdo da igualdade torna-se positivo pelo aumento da quantidade de água armazenada na bacia, e será proporcional ao balanço direto entre a precipitação e a vazão, podendo ser desprezada a evapotranspiração Alternativamente, se considerarmos um período de tempo longo o suficiente, o termo do lado esquerdo da igualdade tende a zero, uma vez que o volume de água médio na bacia muda pouco em prazos longos de tempo Em termos climatológicos, dq/dt = 0, e uma estimativa razoável da vazão fluvial média de longo período torna-se V f = P ET (2) Considerando que a vazão corresponde ao transporte de volume por tempo, dado em m 3 s -1, e que tanto a taxa de precipitação quanto a evapotranspiração são quantificadas em termos de distância pelo tempo, ou velocidade de entrada ou saída de água da bacia, em mmano -1, os valores convertidos para metros devem ser integrados para a área da bacia em m 2 e derivados para unidade de tempo em segundos Dada a área da bacia hidrográfica da ordem de 5 km 2 (Rörig et al, no prelo), e as taxas de precipitação e evapotranspiração para Itajaí de 1495 e 915 mmano -1 (Gaplan, 1986), respectivamente, obteremos um valor para a vazão média anual da ordem de 0,1 m 3 s -1 Contudo, existem outros pequenos cursos de água que fluem para o Saco da Fazenda Estes outros cursos de água são de dimensões menores, e numa estimativa razoável talvez dobrem a área de drenagem

Assim, a vazão fluvial total para o Saco da Fazenda pode ser escalada da ordem de 0,2 m 3 s -1 Um aspecto importante a ser considerado quanto ao comportamento hidrológico de pequenos cursos de água em regiões urbanas é o efeito de impermeabilização do solo, decorrente da pavimentação e construções A razão de escoamento, dada pela razão entre o volume precipitado e o volume que escoa superficialmente, aumenta, pois o volume de água que infiltraria nestas áreas passa a compor parte do escoamento superficial As consequências diretas são: (i) a redução do tempo de concentração, (ii) a elevação do pico de cheia, e (iii) diminuição do escoamento basal Tempo de concentração é o tempo decorrido do início da precipitação até o pico de vazão em uma seção de controle Pico de cheia é o nível máximo atingido na seção de controle após o início da precipitação E, escoamento basal é aquele que perdura no curso de água quando não está chovendo, alimentado pelo escoamento subterrâneo Ou seja, mesmo que em termos médios a vazão estimada da drenagem do saco seja da ordem de 0,2 m 3 s -1, ela é inferior a este valor na maior parte do tempo, e se eleva drasticamente durante eventos de precipitação da bacia Por exemplo, um evento de precipitação intensa da ordem de 50 mm em 3 horas, possível de ocorrer durante uma chuva de verão, poderia produzir uma vazão da ordem de 2 a 4 m 3 s -1 Além do aspecto de balanço de massa de água para o saco, outro elemento importante de nota é quanto à qualidade da água aportada pelos pequenos tributários do saco Rörig et al, (no prelo) apresentam uma análise aprofundada do estado da qualidade ambiental da bacia hidrográfica do ribeirão Schneider Neste trabalho, no qual foram levantadas diversas variáveis ambientais, constata-se o elevado estado de degradação ambiental na bacia, o que somado à inexistência de um sistema de captação e tratamento de esgotos, torna estes cursos de água cloacas urbanas Mais dos que tributários para o Saco da Fazenda, estes pequenos cursos de água são, atualmente, fontes poluidoras - Estimativa do tempo de renovação

Uma observação empírica sobre o Saco da Fazenda permite a um observador alheio interpretar que a qualidade da água é, no mínimo, razoável, uma vez que aves, peixes e crustáceos são abundantes neste ambiente Isto é um contraponto em relação ao fato de que os pequenos cursos de água que ali desembocam trazem cargas elevadas de poluentes O que se passa é que a água do saco é continuamente trocada com o baixo estuário, e este, por sua vez, com o oceano adjacente Porém, mais importante do que saber que a água está sendo trocada, é saber em que escala de tempo isto ocorre Sendo tipologicamente uma lagoa aberta, o tempo de renovação da água no saco é curto O tempo de renovação das águas de um sistema costeiro semifechado representa o tempo necessário para que toda a água contida neste sistema seja trocada Porém, considerando um ambiente que sempre apresentará uma área submersa, o tempo de residência tenderá ao infinito Uma alternativa para se estimar a renovação de águas em lagoas costeiras é a adoção do conceito de meia vida, ou o tempo necessário para renovar metade da água do sistema (Knoppers et al 1991) Pressupondo que a renovação do volume V através do tempo t ocorra a uma taxa constante k dv dt = kv (3) (Pritchard, 1961), esta pode ser integrada a partir de um instante inicial, com o volume V 0, até um lapso de tempo T 50%, quando o volume ainda será o mesmo, porém metade será constituída pela parcela de água inicial, e metade será constituída de água nova, ou V novo /V = 0,5 Integrando, teremos T 50 % = 0,69 k (4) (Knoppers et al 1991) A taxa de renovação k depende de diversos fatores, como a vazão fluvial, troca devido às marés, grau de mistura de águas, geometria do sistema, etc Para o caso do Saco da Fazenda, a vazão fluvial direta da sua bacia de drenagem apresenta um volume de água muito pequeno quando comparado com o volume de água trocado periodicamente com o estuário adjacente em função da maré A razão de fluxo R F para o saco pode ser calculada por

R F = 12,4 0 P V M f onde o numerador é a vazão fluvial integrada por um ciclo completo de maré, e P M é o prisma de maré (Dyer, 1997) O prisma de maré representa o volume de água potencialmente trocado a cada ciclo de maré, podendo ser estimado como o produto da altura da maré, h, pela área da superfície do saco A, P M = A h A área da superfície do Saco da Fazenda é cerca de 6,3 x 105 m 2 A altura de maré média local é da ordem de 0,8 m (Schettini, 2002) Utilizando a estimativa de vazão de 0,2 m 3 s -1, a razão de fluxo será ~ 2 x 10-2 ou, em outras palavras, a troca estimada de água entre o Saco da Fazenda e o baixo estuário do rio Itajaí-Açú é duas ordens de magnitude maior (100 X) do que o volume de água doce aportado através da drenagem local A taxa de renovação pode ser principalmente atribuída pela troca diária, através do prisma de maré, ou a razão entre o prisma de maré com o volume médio do ambiente Em casos em que o ambiente não apresente mudanças significativas da área devido a emersão durante a baixa mar, a taxa de renovação pode ser simplificada pela razão entre a altura média da maré pela profundidade média do sistema, p : k = P V M (5) A h h = = A p p (6) Considerando a profundidade média de 1,5 m, a taxa de renovação para o Saco da Fazenda é 0,53, o que fornece um tempo de meia vida de 1,3 dias Este valor não deve ser considerado como absoluto, mas como referência temporal, ou uma leitura tal como o tempo de renovação das águas do Saco da Fazenda é de poucos dias Para termos de escala e comparação, ao invés de utilizar o volume do prisma utilizar o numerador da Eq 5, o volume de água proveniente da drenagem durante um ciclo de maré semidiurno, a taxa de renovação será de 0,01, e o tempo de meia vida da ordem de 70 dias Isto enfatiza uma vez mais a importância da troca de água com o estuário através do prisma de maré - Relação entre o Saco da Fazenda e estuário do Rio Itajaí-Açú

Uma vez que o tempo de residência no Saco da Fazenda é de poucos dias, conclui-se que as condições hidrológicas nele estão em íntima associação com as condições hidrológicas do estuário do rio Itajaí-Açú A salinidade média do saco é de 8 Este valor foi obtido da média de 37 levantamentos realizados mensalmente no período de junho de 2000 até julho de 2003, e em seis estações distribuídas espacialmente, durante o monitoramento ambiental da dragagem realizada no saco, neste período Ressalta-se que, praticamente, não há variação espacial da salinidade média, ou seja, a distribuição de salinidade é homogênea espacialmente no saco Considerando agora o trecho de estuário conexo ao saco, da desembocadura até os primeiros três quilômetros, e a camada superficial do estuário, dos primeiros três metros de coluna de água, obtemos que a salinidade média também é de 8 O valor da salinidade média do estuário foi obtido através da média de 47 campanhas realizadas semanalmente ao longo do estuário durante os anos de 1998 e 1999 para o monitoramento ambiental do Porto de Itajaí A escolha dos três metros superiores de coluna de água do estuário foi escalada pela soma da profundidade média do saco, 1,5m, e a altura de maré média regional de 0,8m, resultado em 2,8m, ou, com arredondamento, 3m A água nesta camada de coluna de água do estuário é que está mais diretamente associada com as trocas com o saco O estuário do rio Itajaí-Açú apresenta profundidade média da ordem de 7m e elevado grau de estratificação vertical da salinidade (Schettini, 2002) Na maior parte do tempo é observada uma variação de dezenas de unidades de salinidade entre a camada de superfície e o fundo Daí a importância de se escalar adequadamente a camada de troca disponível no estuário para intercambiar volume com o saco A salinidade média coincidente entre o saco e o estuário indica que o tempo de renovação das águas do estuário é uma variável que passa também a ser importante na questão da qualidade do saco Diferentemente do que ocorre no saco, o tempo de renovação do estuário é determinado principalmente pela descarga fluvial A renovação de água do saco ocorre pela entrada e saída de volume através da mesma abertura, e é esperado que as parcelas de água mais afastadas da abertura levem um tempo maior para serem trocadas, sendo assim mais adequado a utilização do princípio de tempo

de meia vida, apresentado acima No estuário há duas aberturas, sendo que a de montante por onde entra o influxo de água doce o escoamento é unidirecional para jusante, o que força a renovação das águas pelo princípio de conservação de massa Diferente do saco, no estuário é mais adequado empregar o tempo de reposição de água doce no sistema, ou, o tempo necessário para que todo o volume de água doce seja reposto pela descarga fluvial (Dyer, 1997; Miranda et al 2002) O volume de água doce contido na bacia estuarina V D é determinado pela relação V D = V (1 S S 0 ) onde este V se refere ao volume da bacia estuarina, S é a salinidade média no estuário e S 0 é a salinidade média de referência na zona costeira A salinidade média no estuário obtida também a partir do monitoramento ambiental do Porto de Itajaí durante 1998 e 1999 é de 12,5 A salinidade média na região costeira obtida durante quatorze cruzeiros oceanográficos realizados mensalmente entre novembro de 2002 e dezembro de 2003 é de 32,6 (Schettini et al, 2005) Embora o estuário do rio Itajaí-Açú apresente uma extensão total de 70km, a zona de mistura do estuário compreende a porção do baixo e médio estuário, que se estende da desembocadura até onde desemboca o rio Luís Alves, cerca de 35km da desembocadura (Schettini et al 2006) O estuário apresenta largura regular de cerca de 200m, e a profundidade média é cerca de 7m Assim, o volume estuarino na região de interação entre água doce e salgada é da ordem de 49 x 106 m 3, e aplicando a Equação 7 obtemos que VD~30 x 106 m 3 O tempo de reposição de água doce TR é obtido pela razão entre o volume de água doce na bacia estuarina pela taxa de entrada de água doce, a descarga fluvial ou vazão, QF V T R = Q D F A vazão do rio Itajaí-Açú é monitorada diariamente na estação fluviométrica de Indaial desde 1929 (Schettini, 2002) Esta estação está a noventa quilômetros da desembocadura do estuário, e mede a vazão de uma drenagem de 11110 km 2 (Agência Nacional de Águas ANA) Esta estação é a (7) (8)

primeira no sentido para montante que não apresenta os efeitos oscilatórios periódicos de maré A vazão média para os anos de 1998 e 1999 foi de 373 m 3 s -1 na estação fluviométria de Indaial Adotando uma aproximação linear em relação à área total da bacia de drenagem do rio Itajaí-Açú, de 15500 km 2, a vazão corrigida será de ~ 520 m 3 s -1 Aplicando a Equação 8, obtemos que o tempo de reposição de água doce no estuário será de 16 horas Novamente faz-se aqui a ressalva da aproximação, e a leitura do resultado é que o tempo de reposição é menos do que um dia Este resultado de tempo de reposição de água doce converge com os cálculos feitos por Zaleski & Schettini (2003) para determinação do tempo de trânsito das águas do estuário do rio Itajaí-Açú A diferença conceitual entre tempo de reposição e tempo de trânsito é que o último é uma estimativa do tempo gasto para uma parcela de água que entrou no estuário sair, calculado através do Teorema Hidrográfico de Knudsen (Miranda et al 2002) Este teorema é baseado no princípio de conservação de massa de água e sal em um sistema altamente estratificado, pressupondo que a dinâmica do sistema é primeiramente regida pela vazão Estas condições são verificadas para o estuário do rio Itajaí-Açú, principalmente em condições de vazão moderada para alta (Schettini, 2002) Para um período de vazão da ordem de 300 m 3 s-1, Zaleski & Schettini (2003) encontraram que o tempo de trânsito para a camada superior do estuário foi de 13 horas, e para a camada inferior foi de 51 horas A camada superior é dominada pela advecção fluvial, forçando a rápida renovação do volume para conservação do volume A camada de fundo mais salina, apesar de deslocar para montante e jusante em função das correntes de maré, apresenta velocidade residual pequena, e assim, maior tempo de trânsito A implicação de um tempo de reposição e tempo de trânsito próximos do período de maré semidiurno, de 12 horas e 25 minutos é que, a cada ciclo de maré, haverá água nova para entrar no Saco da Fazenda O fato de o saco apresentar profundidade média rasa garante, adicionalmente, que a água trocada será da camada superficial do estuário, e, adicionalmente, também diminui a relação entre o volume do saco e o prisma de maré Assim, a conjugação destes fatores garante uma qualidade de água razoável mesmo

recebendo elevadas cargas de poluentes através dos cursos de água que aportam no saco (eg Rörig et al, no prelo)

- Variação temporal da salinidade Foi apresentado nas seções anteriores que o Saco da Fazenda apresenta um tempo de renovação do volume de água relativamente curto, e que o volume é trocado sempre por água nova da camada superior do estuário do rio Itajaí-Açú a cada ciclo de maré Contudo, a água nova, proveniente da bacia de drenagem do rio Itajaí-Açú, não necessariamente é um ponto positivo para a qualidade ambiental do saco A bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açú é uma das que apresentam piores estados de conservação, sendo que o curso do rio recebe aporte de efluentes agropecuários, domésticos e industriais (Rörig, 2005; Pereira Fo, 2006) Embora em ordens de grandeza menores do que os observados na drenagem direta do saco (eg, Rörig et al, no prelo), as águas fluviais são em geral mais ricas em nutrientes, sedimentos em suspensão e, potencialmente, em contaminantes As condições restritas da hidrodinâmica do saco fazem dele uma bacia de decantação e, assim, a quantidade de sedimentos que entra é potencialmente maior do que a quantidade que sai a cada ciclo de maré A fração do material que decanta retém junto contaminantes em potencial Por outro lado, períodos prolongados de baixa vazão do rio Itajaí-Açú, favorecem o aumento da salinidade do baixo estuário, fazendo com que suba para níveis observados na região costeira (Schettini et al 2006) A proximidade da abertura do saco da desembocadura do estuário sugere que, nestes períodos, a água que entra no saco durante os períodos de enchente de maré seja considerada também nova Porém, as águas com maiores teores de salinidade, ou o equivalente menor fração de água doce, indicam que esta água nova apresenta qualidades ambientais superiores à água nova de origem fluvial A salinidade foi uma das variáveis monitoradas no Saco da Fazenda no período entre junho de 2000 e julho de 2003, com o objetivo de acompanhar as condições ambientais durante a obra de dragagem de aprofundamento do saco Ao longo do monitoramento foram realizadas trinta e sete campanhas mensais quando foi medida a salinidade em seis pontos distribuídos espacialmente no saco Durante os três anos de monitoramento foi possível realizar amostragens em diferentes condições de vazão do rio Itajaí-Açú (Fig

3) A vazão média do rio Itajaí-Açú durante os anos de 2000 até 2003 foi de 282 m 3 s -1 na estação fluviométrica de Indaial O valor corrigido linearmente para toda a bacia é de 393 m 3 s -1 Os valores mínimos e máximos observados nestes período foram de 55 (77) e 3474 (4850) m 3 s -1, respectivamente O primeiro ano de monitoramento (julho de 2000 a junho de 2001) apresentou condições médias de maior vazão durante todo o tempo, com vazões elevadas se estendo por vários dias em diversos períodos A salinidade média temporal do saco foi de 8, apresentando razoável variabilidade temporal (Fig 4) O maior valor de salinidade observado foi de 25 na primeira campanha de monitoramento realizada em junho de 2000 Somente em outras duas ocasiões a salinidade foi maior que 15, em março de 2002 e fevereiro de 2003 A mínima salinidade média espacial do saco foi de 0,5, observada em setembro de 2002 Também ocorreram outras ocasiões de salinidade baixa, como em setembro de 2000, agosto e dezembro de 2002 Não é possível distinguir um padrão sazonal da variação da salinidade, porém sempre os menores valores foram observados no segundo semestre dos anos (Fig 5) É observada uma tendência de que quanto maior for a descarga fluvial, menor será a salinidade média do saco A variação da salinidade em função da vazão foi melhor ajustada através de uma relação de decaimento exponencial dada por 0,5295 Salinidade = 197 Vazão 4,35 (9) cujo coeficiente de explicação é 0,45 Houve apenas duas observações de salinidade para vazões elevadas, acima de 700 m 3 s -1 A maior parte das observações foram em condições de baixa vazão (< 150 m 3 s -1 ), e vazões intermediárias Uma vez que a relação está sendo aplicada sobre dados brutos, sem distinção se as coletas foram realizadas em condições de maré de quadratura ou sizígia, ou ainda entre preamar e baixamar, ocorre um grande espalhamento de pontos nesta faixa de vazão

2000 Vazão m 3 s -1 1500 1000 500 0 2000 A S O N D J F M A M J J 2000-2001 Vazão m 3 s -1 1500 1000 500 0 2000 A S O N D J F M A M J J 2001-2002 Vazão m 3 s -1 1500 1000 500 0 A S O N D J F M A M J J 2002-2003 Figura 3 Vazão diária do rio Itajaí-Açú medida na estação fluviométrica de Indaial para o período de julho de 2000 até junho de 2003 As linhas verticais ao longo dos gráficos indicam os dias em que foram realizadas campanhas de coleta de dados no Saco da Fazenda 25 20 Salinidade 15 10 5 0 20005 2001 20015 2002 20025 2003 20035 Figura 4 Variação temporal da salinidade média no Saco da Fazenda durante o período do monitoramento ambiental da dragagem entre 2000 e 2003

Quando a vazão do rio Itajaí-Açú está acima de 300-400 m 3 s -1, é estabelecido um regime dinâmico fortemente estratificado, onde os primeiros metros de coluna de água são dominados por água doce Como esta é a camada de interação entre o estuário e o saco, e visto que o tempo de troca é bastante curto, é esperada uma rápida diminuição da salinidade nestes períodos Contudo, os picos de descarga elevada costumam durar de horas a poucos dias, o que diminui o potencial de explicação da variância da salinidade pela vazão Em condições de vazão média para baixa, a camada superficial do baixo estuário nunca fica dominada por água doce, sempre havendo maiores teores de sal Adicionalmente, nestes períodos de baixa vazão a fase da maré influenciará significativaemente a salinidade média da camada superior do estuário Haverá uma forte modulação da salinidade em função da fase de maré, se enchente ou vazante Esta modulação será tão maior quanto for a altura de maré 25 20 Salinidade 15 10 5 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 Vazão (m 3 s -1 ) Figura 5 Relação da salinidade em função da vazão fluvial do rio Itajaí-Açú em Indaial Equação: Sal = 197 x Vazão -0,5295 4,35, com r 2 = 0,45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barnes, H 1980 Coastal lagoons London, Cambridge University Press, 106p

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