Relação entre a disfunção temporomandibular e o tratamento ortodôntico: revisão de literatura



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Transcrição:

Relação entre a disfunção temporomandibular e o tratamento ortodôntico: revisão de literatura Ronaldo Antônio Leite 1, Joacir Ferreira Rodrigues 2, Maurício Tatsuei Sakima 3, Tatsuko Sakima 4 Objetivo: revisar a literatura mais atual, dos últimos 15 anos, em busca de estudos clínicos que relatem a relação entre a disfunção temporomandibular (DTM) e o tratamento ortodôntico e/ou a má oclusão. A intenção foi veriicar se o tratamento ortodôntico aumentaria o aparecimento de sinais e sintomas de DTM, e se o tratamento ortodôntico seria um recurso para o tratamento ou prevenção dos sinais e sintomas de DTM. Métodos: artigos dos tipos revisão de literatura, editorial, carta, estudo experimental em animais e comunicação foram excluídos dessa revisão. Foram incluídos artigos prospectivos, longitudinais, caso-controle ou retrospectivo com amostra maior, com relevante análise estatística. Estudos que abordassem deformidades e síndromes craniofaciais e tratamento por cirurgia ortognática também foram excluídos, bem como aqueles que relatassem apenas a associação entre má oclusão e DTM. Resultados: foram encontrados 20 artigos relacionando Ortodontia à DTM, segundo os critérios adotados. Os estudos, então, associando sinais e sintomas de DTM ao tratamento ortodôntico apresentaram resultados heterogêneos. Alguns encontraram efeitos positivos do tratamento ortodôntico para os sinais e sintomas de DTM; entretanto, nenhum deles apresentou diferença estatisticamente signiicativa. Conclusões: todos os estudos citados nessa revisão de literatura relataram que o tratamento ortodôntico não forneceu risco ao desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM, independentemente da técnica utilizada para tratamento, da exodontia ou não de pré-molares e do tipo de má oclusão previamente apresentada pelo paciente. Alguns estudos realizados com em longo prazo concluíram que o tratamento ortodôntico não seria preventivo ou uma modalidade de tratamento para DTM. Palavras-chave: Ortodontia. Transtornos da articulação temporomandibular. Oclusão dentária. 1 Doutor Otorrinolaringologia, UNIFESP. Mestre em Odontologia, USP. Professor de Diagnóstico Integrado, Universidade de Franca. 2 Mestre em Ortodontia, São Leopoldo Mandic. Professor de Ortodontia, Universidade de Franca. 3 Pós-Doutor, University of Aarhus Royal Dental College. Professor Assistente, disciplina de Clínica Infantil, FOAr/UNESP. 4 Livre-Docente, FOAr/UNESP. Professor, curso de Especialização em Ortodontia, Universidade de Franca, APCD e Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic. Como citar este artigo: Leite RA, Rodrigues JF, Sakima MT, Sakima T. Relationship between temporomandibular disorders and orthodontic treatment: Literature revision.. Enviado em: 24 de março de 2009 - Revisado e aceito: 20 de outubro de 2010» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou inanceiros, que representem conlito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo. Endereço para correspondência: Ronaldo Antônio Leite Rua Francisco Marques, 698 Sala 2 Vila Nova Franca/SP CEP: 14405-342 E-mail: dr.ronaldoleite@gmail.com 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 150

Leite RA, Rodrigues JF, Sakima MT, Sakima T Introdução Os problemas associados ao diagnóstico e manejo da disfunção temporomandibular (DTM) têm despertado o interesse do ortodontista. A atenção aos sinais e sintomas associados à DTM tem modiicado a conduta clínica antes e durante o tratamento ortodôntico 1. Segundo a Academia Americana de Dor Orofacial, o termo disfunção temporomandibular (DTM) refere-se a um conjunto de problemas clínicos que envolvem a musculatura mastigatória, a articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas (ou ambas), sendo identificada como a principal causa de dor não-dentária na região orofacial, e também considerada uma subclasse das desordens musculoesqueléticas 2. Os sinais e sintomas que indicam alguma anormalidade da ATM são: alteração dos movimentos mandibulares, limitação da abertura bucal, dor articular à função mandibular, restrição de função, ruídos articulares, alterações radiográficas assintomáticas da ATM e travamentos da mandíbula com boca aberta e com a boca fechada 3. O sintoma mais comum associado à DTM é a dor, em geral localizada nos músculos da mastigação, área pré-auricular e/ou articulação temporomandibular (ATM). A dor é geralmente agravada pela mastigação ou por outras atividades funcionais. Limitação na abertura bucal e movimentação, e presença de ruídos articulares são outras queixas comuns nos pacientes que apresentam DTM 2. Existem vários esquemas de classiicação que auxiliam os clínicos no diagnóstico da DTM, como por exemplo os esquemas da Academia Americana de Dor Orofacial. Quase todos dividem as DTM em subgrupos: muscular, articular e misto 4. Nos últimos anos, tem havido controvérsia sobre o papel da má oclusão dentro da etiologia da DTM. McNamara Jr, Seligman e Okeson 5 publicaram uma extensa revisão sistemática onde concluíram que existe associação significativa entre a presença de alguns fatores oclusais (como mordida aberta esquelética, mordida cruzada unilateral, ausência de cinco ou mais elementos dentários, sobremordida profunda e overjet severo) e a presença de sinais e sintomas de DTM. Recentemente, foi observado em um estudo realizado no Brasil que a ausência de guia bilateral de caninos em excursão lateral e a má oclusão Classe II de Angle são importantes indicadores de risco para o desenvolvimento de DTM 6. Pellizoni et al. 7 avaliaram, por meio de imagens de ressonância magnética, a posição e configuração do disco articular em crianças com mordida cruzada posterior unilateral (MCPU) funcional envolvendo três ou mais dentes posteriores e em crianças com oclusão normal, todas sem sinais e sintomas clínicos de DTM. A pesquisa foi baseada na hipótese levantada por estudos epidemiológicos de que há uma correlação entre a MCPU e o deslocamento de disco da ATM. Foi observado que somente uma criança do grupo de estudo apresentava DTM articular com deslocamento de disco, sem redução no mesmo lado da mordida cruzada. Os resultados encontrados sugerem que os distúrbios internos da ATM e MCPU ocorrem independentemente, ou que a magnitude desses distúrbios não pode ser identificada por meio de imagens de ressonância magnética na faixa etária entre 6 e 13 anos 7. Alternativamente, o fato da MCPU não resultar em deslocamento de disco da ATM talvez possa ser atribuído ao potencial compensatório do crescimento assimétrico da cabeça da mandíbula ou à remodelação da fossa articular, os quais podem permitir que o disco articular fique em sua posição normal. Na última década, muito esforço tem sido utilizado para explicar a suposta relação entre tratamento ortodôntico e DTM. Mesmo com a disponibilidade de ferramentas de diagnóstico modernas e sofisticadas, como ressonância magnética, e de estudos científicos com s em longo prazo, ainda não se foi capaz de eliminar a controvérsia existente 8. As opiniões diferem entre os que defendem que o tratamento ortodôntico aumenta o risco de aparecimento de sinais e sintomas de DTM e os que afirmam que esse tratamento seria uma forma de tratamento para DTM, ou ao menos reduziria o risco do paciente desenvolvê-la 9. O objetivo desse estudo foi revisar a literatura mais atual, dos últimos 15 anos, em busca de estudos clínicos que relatem a relação entre a DTM e o tratamento ortodôntico e/ou má oclusão, com o objetivo de verificar se o tratamento ortodôntico aumentaria o aparecimento de sinais e sintomas de DTM, e se o tratamento ortodôntico seria um recurso para o tratamento ou prevenção dos sinais e sintomas de DTM. 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 151

2013 Dental Press Journal of Orthodontics 152 Tabela 1 - Estudos sobre a associação entre tratamento ortodôntico e sinais e sintomas de disfunção temporomandibular. Estudo Krenemak et al. 11 Krenemak et al. 12 Hirata et al. 13 Egemark e Thailander 14 Wadwa, Utreja e Tewari 15 O Reilly, Rinchuse e Close 16 Beattie, Paquette e Johnston 17 Egermark e Ronnerman 18 Lima 19 Katzberg et al. 20 Lagerström, Egemark e Carlsson 21 Owen 22 Desenho do estudo SC, prospectivo, 2 anos de SC, prospectivo, 6 anos de CC, prospectivo, 2 anos de SC, prospectivo, 10 anos de SC CC, prospectivo SC, retrospectivo SC, prospectivo SC, prospectivo CC, retrospectivo SC, prospectivo SC, retrospectivo População Variáveis Resultados 65 pacientes tratados ortodonticamente. Grupo I: 26 sem exodontia em pré-molares; Grupo II: 25 exodontias de 4 pré-molares; Grupo III: 14 exodontias de 2 pré-molares 109 pacientes submetidos a terapia ortodôntica com aparelhos ixos GE: 102 pacientes, idade média de 15,3 anos GC: 41 indivíduos, idade média de 16, 2 anos 402 crianças, divididas em 3 grupos de acordo com idade: 7, 11 e 15 anos 102 indivíduos, idade entre 13 e 25 anos. Grupo I: 30 indivíduos com oclusão normal; Grupo II: 41 com má oclusão e sem tratamento ortodôntico; Grupo III: 31 com má oclusão e tratamento ortodôntico 120 indivíduos GE: 60 pacientes, idade média 15,3 anos, onde 48 má oclusão Classe II, divisão 1; 12 má oclusão Classe I. GC: 60 indivíduos, idade média 15,3 anos, 38 má oclusão Classe II, divisão 1; 22 má oclusão Classe I 63 pacientes com má oclusão Classe II tratados com e sem exodontias de pré-molares 50 pacientes submetidos a tratamento ortodôntico, idade média de 12,9 anos 100 indivíduos, estudantes de Odontologia Idade entre 18 e 25 anos 178 indivíduos. GE: 102 pacientes com DTM sintomática; GC: 76 voluntários assintomáticos 860 indivíduos com 19 anos que foram submetidos a tratamento ortodôntico. Grupo I: 520 tratados por especialistas em Ortodontia; Grupo II: 340 tratados por clínicos gerais 600 pacientes que foram submetidos a tratamento ortodôntico ou ortopédico ID / Antes do tratamento / 0 a 12 meses após término / 12 a 24 meses após término ID / Controle por 6 anos / Número de pacientes avaliados por ano: 92, 56, 33, 19, 11 e 7 ID / Antes do tratamento / 12 meses após / 24 meses após ID / 293 questionários respondidos / Após 10 anos, 83 indivíduos, então, com 25 anos examinados ID ID / Antes do tratamento / 8 a 10 meses após / 12 a 16 meses após / Ao inal do tratamento ID / Avaliação após 14 anos do término do tratamento ID / Antes, durante e imediatamente após o tratamento ID Questionário sobre tratamento ortodôntico prévio e detalhamento de sinais e sintomas de DTM / Imagens de ressonância magnética ID / Exame realizado em 260 indivíduos (77%) ID / Durante o tratamento (1) não houve diferença estatisticamente signiicativa entre as médias dos grupos, em todos os tempos; (2) uma pequena redução em sinais e sintomas de DTM foi encontrada entre as médias dos grupos I e II (1) 90% dos pacientes melhoraram ou mantiveram o quadro, 10% dos pacientes apresentaram piora; (2) O tratamento ortodôntico não foi um importante fator etiológico para sinais e sintomas de DTM (1) sem diferenças entre os grupos; (2) Ortodontia não ofereceu risco maior de desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM (1) indivíduos com histórico de tratamento ortodôntico apresentaram baixa prevalência de sintomas de DTM e ID menor; (2) diferenças mais evidentes no grupo mais velho (1) ausência de diferenças entre os grupos; (2) tratamento ortodôntico não forneceria risco e nem seria preventivo para desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM (1) a mecânica ortodôntica aplicada não tem efeito ou efeito não signiicativo nos sinais e sintomas de DTM (1) sem diferenças entre quem foi submetido a exodontia de pré-molares ou não; (2) exodontia de pré-molares não seria fator de risco para desenvolver sinais e sintomas de DTM (1) alta prevalência de sinais e sintomas de DTM antes do tratamento; (2) sinais e sintomas reduziram durante o tratamento, exceto ruídos articulares; (3) interferências oclusais durante o tratamento não inluenciaram o desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM (1) Indivíduos tratados ou não tratados ortodonticamente mostraram tendência semelhante a apresentar sinais e sintomas de DTM (1) pacientes com DTM apresentaram maior porcentagem (77%) de ATM com deslocamento de disco do que o GC (33%); (2) Não houve associação estatisticamente signiicativa entre tratamento ortodôntico prévio (com ou sem exodontia) e deslocamento de disco (1) Não houve diferença na prevalência de sinais e sintomas de DTM; (2) Indivíduos do sexo feminino apresentaram maior prevalência de sinais e sintomas de DTM; (3) Não houve associação entre contatos oclusais e sinais e sintomas de DTM (1) 16 [2,6%] dos pacientes desenvolveram sinais e sintomas de DTM durante o tratamento; (2) Pacientes do sexo feminino, Classe II de Angle com overjet ou overbite de moderado a grave, independentemente da técnica de tratamento utilizada, apresentaram maior tendência a desenvolver sinais e sintomas de DTM Relação entre a disfunção temporomandibular e o tratamento ortodôntico: revisão de literatura

2013 Dental Press Journal of Orthodontics 153 (1) Grupo I apresentou redução de sinais musculares após tratamento; 183 adolescentes. Grupo I: 65 pacientes, Classe II de Henrikson, CC, prospectivo, (2) pequenas mudanças no Grupo II e III após 2 anos; (3) ruídos articulares Angle, tratados ortodonticamente; Grupo II: 58 indivíduos, ID / antes do tratamento ortodôntico Nilner e aumentaram nos 3 grupos, mas menos no Grupo III; (4) indivíduos do Grupo III Classe II de Angle, não tratados ortodonticamente; Grupo / 2 anos após Kurol 23 por 2 anos apresentaram a menor prevalência de sinais e sintomas de DTM; (5) tratamento III: 60 indivíduos com oclusão normal ortodôntico não aumentou o risco para ou piorou os sinais e sintomas de DTM 183 adolescentes. Grupo I: 65 pacientes, Classe II de Angle, CC, prospectivo, (1) Sintomas de DTM apresentaram prevalência lutuante ao longo dos dois anos; Henrikson e tratados ortodonticamente; Grupo II: 58 indivíduos, Classe II ID / Antes do tratamento ortodôntico (2) tratamento ortodôntico não aumentou o risco para desenvolver sinais e Nilmer 24 de Angle, não tratados ortodonticamente; Grupo III: 60 / 2 anos após por 2 anos sintomas de DTM e cefaleia indivíduos com oclusão normal 200 indivíduos. Grupo I: 50 indivíduos com má oclusão Classe I não tratados ortodonticamente; Grupo II: (1) Não houve associação entre a severidade dos sinais e sintomas de DTM Valle 25 CC, prospectivo 50 indivíduos com má oclusão Classe II não tratados Questionário de Fonseca / Exame e o tratamento ortodôntico, independentemente do tipo de má oclusão; ortodonticamente; Grupo III: 50 indivíduos com má oclusão físico / Exame de oclusão (2) A severidade dos sinais e sintomas de DTM só pode ser associada à Classe I tratados ortodonticamente; Grupo IV: 50 indivíduos ausência de guia anterior com má oclusão Classe II tratados ortodonticamente Conti et al. 8 CC, prospectivo 200 indivíduos. Grupo I: 50 indivíduos com má oclusão Classe I não tratados ortodonticamente; Grupo II: Questionário de Fonseca / Exame 50 indivíduos com má oclusão Classe II não tratados (1) Presença e severidade da DTM não apresentaram qualquer relação com o tipo físico / Antes e após o tratamento ortodonticamente; Grupo III: 50 indivíduos com má oclusão de mecânica ortodôntica ou protocolo de extração aplicado ortodôntico Classe I tratados ortodonticamente; Grupo IV: 50 indivíduos com má oclusão Classe II tratados ortodonticamente ID / Questionário sobre tratamento (1) nenhum fator oclusal foi importante para o desenvolvimento de sinais e sintomas Egermark, SC, prospectivo, ortodôntico prévio; 320 indivíduos de DTM; entretanto, mordida cruzada unilateral e diferenças entre RC e MIH tenderam 402 crianças, divididas em 3 grupos de acordo com Carlsson e responderam o questionário, 100 a ser fatores de risco; (2) Indivíduos que se submeteram a tratamento ortodôntico não idade: 7, 11 e 15 Magnusson 9 por 20 anos indivíduos com, então, 35 anos foram apresentaram nem maior, nem menor risco de desenvolver sinais e sintomas de DTM examinados em comparação aos que não se submeteram a tratamento ortodôntico (1) Não houve diferença estatisticamente signiicativa entre os dois grupos 50 pacientes com má oclusão Classe III. Grupo I: 25 Questionário de Fonseca / com relação à prevalência de sintomas de DTM; (2) Encontrou-se associação Corotti- pacientes submetidos a tratamento ortodôntico; Grupo II: Exame Clínico / Exames realizados SC, prospectivo signiicativa entre a presença de interferências em lado de não trabalho e o índice Valle 26 25 pacientes submetidos a tratamento ortodôntico e em pelo menos um ano após a de severidade dos sintomas de DTM. (3) O tratamento para má oclusão Classe III cirurgia ortognática inalização do tratamento não inluenciou na determinação do grau de severidade da DTM Mohlin et al. 27 SC, prospectivo, por 19 anos 1018 indivíduos com 11 anos ID / Morfologia / Cálculo do índice de má oclusão / Questionário sobre tratamento ortodôntico / Exame aos 11 anos; 791 reexaminados aos 15 anos, 456 aos 19 anos e 337 aos 30 anos (1) Nenhuma diferença signiicativa foi encontrada com relação a tipos de má oclusão, padrão de contato dentário, tratamento ortodôntico prévio, ou exodontias entre os grupos. (2) Um quarto dos indivíduos com sinais e sintomas de DTM aos 19 anos mostraram completa remissão aos 30 anos. (3) O tratamento ortodôntico não mostrou ser nem um fator preventivo nem etiológico de DTM ID / Após 17 anos do término Egermark, SC, prospectivo, (1) a incidência de DTM necessitando de atendimento clínico foi de 1% ao ano; 50 pacientes submetidos a tratamento ortodôntico, idade do tratamento, 40 pacientes Carlsson e (2) o tratamento ortodôntico não aumentou o risco de desenvolver sinais e média de 12,9 anos responderam ao questionário e 31 Magnusson 9 por 17 anos sintomas de DTM foram reexaminados clinicamente Legenda: SC: Série de casos; CC: Estudo caso-controle; GE: grupo de estudo; GC: grupo controle; M: sexo masculino; F: sexo feminino; ID: Índice de Disfunção de Helkimo; RC: relação cêntrica; MIH: máxima intercuspidação habitual. Leite RA, Rodrigues JF, Sakima MT, Sakima T

Relação entre a disfunção temporomandibular e o tratamento ortodôntico: revisão de literatura material e métodos Uma busca realizada nos bancos de dados da Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MedLine), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO) foi realizada, utilizando as palavras chave Ortodontia e disfunção têmporo- -mandibular, nas línguas portuguesa e inglesa, entre 1 de janeiro de 1992 e 30 de setembro de 2007. Artigos dos tipos revisão de literatura, editorial, carta, estudo experimental em animais e comunicação foram excluídos nessa revisão. Foram incluídos artigos prospectivos, longitudinais, caso-controle ou retrospectivo com amostra maior, com relevante análise estatística. Esses estudos equivalem ao nível B de evidência científica (evidência moderada) 10. Estudos que abordassem deformidades e síndromes craniofaciais e tratamento por cirurgia ortognática também foram excluídos, bem como aqueles que relatassem apenas a associação entre a má oclusão e as DTM. resultados Foram encontrados 20 artigos relacionando Ortodontia e DTM, segundo os critérios adotados. A Tabela 1 apresenta a descrição dos estudos encontrados. discussão As restrições impostas nesse trabalho, com relação aos bancos de dados e línguas na busca da literatura relacionando DTM e Ortodontia, podem ter resultado em poucos estudos. Entretanto, a busca pela melhor evidência, priorizando a qualidade dos estudos e o diagnóstico da DTM e sua divisão em subtipos, pode levar a conclusões mais claras sobre essa associação. Um dos maiores problemas encontrados nos estudos selecionados na busca da compreensão da associação entre DTM e Ortodontia foi o método por eles empregado na identiicação da DTM. Todos os estudos, exceto o realizado por Katzberg et al. 20, utilizam a mesma ferramenta para identiicação dos sinais e sintomas de DTM: o índice de Helkimo, publicado em 1974. Foram poucos os estudos caso-controle, o que diiculta a comparação dos dados com relação aos sinais e sintomas de DTM. O professor Helkimo foi pioneiro no desenvolvimento de índices para mensurar a severidade das DTM, bem como a dor nesse sistema. Em um estudo epidemiológico, ele desenvolveu um índice dividido em anamnésico, clínico e de disfunção oclusal. Por meio desse índice, ele tentou identificar, individualmente e na população, a prevalência e severidade da DTM, dor e instabilidade oclusal. O protocolo para determinação desse índice consiste em dez parâmetros: tensão emocional, hábitos parafuncionais, abertura bucal, lateralização da mandíbula, ruídos articulares, sensibilidade da ATM, palpação de músculos posteriores do pescoço, palpação dos músculos da mastigação, relação maxilomandibular e cefaleia 28. O índice anamnésico de Helkimo (IA) baseia-se em um questionário onde o indivíduo relata a presença de sintomas subjetivos de DTM. Os resultados podem gerar três diferentes níveis de disfunção: nenhum sintoma, sintomas leves, moderados ou graves. O índice clínico de Helkimo (IC) considera a avaliação funcional do sistema estomatognático. De acordo com a presença e/ou severidade desses sinais clínicos, os indivíduos recebem escores que variam entre 0, 1 ou 5 pontos. Os seguintes itens são observados: amplitude de abertura bucal e de movimentos laterais da mandíbula, restrição da função mandibular, dor à palpação de músculos mastigatórios, ATM e músculos posteriores de pescoço. Os sinais também são classiicados como nenhum, leves, moderados ou graves. O terceiro índice chama- -se índice oclusal de Helkimo (IO) e é obtido analisando a oclusão do indivíduo com relação ao número de dentes, número de dentes em oclusão e interferências oclusais entre a posição de RC e MIH. De acordo com os dados obtidos em cada item, novamente escores de 0, 1 ou 5 são atribuídos. A soma dos três índices gera o índice de disfunção de Helkimo (ID) (Tab. 2). Entretanto, essa ferramenta, apesar de amplamente utilizada, não é capaz de diagnosticar e classiicar a DTM, apenas aponta a presença de sinais e sintomas. Existem limitações na utilização do ID, primeiro porque ele indica a mesma importância para todos os sintomas, não separa as DTM articulares das musculares, e sua categorização por pontos não promove uma variável contínua, o que diminui sua especiicidade. Alguns sintomas são ignorados como, por exemplo, o tipo dos ruídos articulares e o momento em que ocorrem, e ainda algumas regiões musculares. Apesar de esse índice ser capaz de documentar a presença de sinais e sintomas de DTM na população, a organização dos dados obtidos nesses índices parece não favorecer outras áreas da 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 154

Leite RA, Rodrigues JF, Sakima MT, Sakima T Tabela 2 - Grau de disfunção temporomandibular em função do Índice de Disfunção de Helkimo. Índice de Helkimo (escores) Grau de Disfunção Temporomandibular 0 a 20 Sem sinais e sintomas de DTM 21 a 30 Sinais e sintomas leves 31 a 40 Sinais e sintomas moderados 41 ou mais Sinais e sintomas graves epidemiologia como, por exemplo, entender a etiologia da DTM 29. Podemos citar como exemplo de uma possível falha do ID, o caso hipotético de um indivíduo muito tenso que apresenta cefaleia com mais de 15 crises por mês e presença de dor à palpação de músculos posteriores. Segundo o ID, esse indivíduo seria diagnosticado como portador de DTM moderada sem ao menos apresentar um sinal ou sintoma mais característico de DTM. Ele poderia nem ser portador de DTM, quanto mais de DTM moderada. Bevilaqua-Grossi et al. 29 sugeriram que uma forma de descriminar os pacientes que necessitariam realmente de tratamento para DTM seria determinar a frequência e intensidade dos sinais e sintomas de DTM. Os autores sugerem a utilização do questionário preconizado por Fonseca 30 (Tab. 3) e um exame clínico abordando a amplitude de abertura bucal e a sensibilidade à palpação de músculos mastigatórios e ATM. Segundo os autores, o questionário de Fonseca 30 é um questionário simples, sem pretensão de diagnosticar DTM, porém, que pode ser uma ferramenta útil na observação da sintomatologia relatada pelo paciente. Não só a frequência dos sintomas deve ser veriicada, mas também sua severidade para identiicar aqueles pacientes que necessitam de tratamento para DTM. Três estudos realizados no Brasil, e revisados nesse trabalho, utilizaram o questionário anamnésico de Fonseca no intuito de descriminar os pacientes que apresentariam DTM, seguido de exame físico. Atualmente, para facilitar a realização de pesquisas clínicas, pesquisadores utilizam, desde 1992, em estudos epidemiológicos e clínicos, ou ainda para determinar amostras em estudos clínicos randomizados e controlados, um esquema de classiicação denominado Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD), o qual diagnostica a presença de DTM. O RDC/TMD consiste em uma ferramenta de critérios de diagnóstico clínico, mensuráveis e reprodutíveis, com o intuito de deinir subgrupos de pacientes com DTM. O RDC/TMD classiica as formas mais comuns de DTM em três subgrupos: distúrbios da musculatura mastigatória (dor miofascial), distúrbios internos da ATM (deslocamento de disco) e doenças degenerativas da ATM (artralgia, artrite e artrose). Para seu uso, o RDC depende de anamnese e dados de exames físicos, utilizando, para isso, questionários, formulários de exames e especiicações 31. O estudo realizado por Katzberg et al. 20 utilizou essa ferramenta para diagnosticar deslocamento de disco com redução em sua amostra. Assim, nenhum dos estudos associando DTM e Ortodontia diagnosticou a DTM, apenas observaram a presença de seus sinais e sintomas. Não se pode, então, concluir por meio desses estudos se a DTM seria uma condição que motive os indivíduos a procurar Tabela 3 - Questionário de Fonseca 30 para anamnese em disfunção temporomandibular. 1 Sente diiculdade para abrir a boca? 2 Você sente diiculdades para movimentar sua mandíbula para os lados? p/d, p/e, p/ D e E 3 Tem cansaço ou dor muscular quando mastiga? 4 Sente dores de cabeça com frequência? 5 Sente dor na nuca ou torcicolo? 6 7 8 Tem dor de ouvido ou na região das articulações temporomandibulares (ATMs)? Já notou se tem ruídos na ATM quando mastiga ou quando abre a boca? Você já observou se tem algum hábito como apertar e/ou ranger os dentes, mascar chiclete, morder o lápis ou lábios, roer unhas...? 9 Sente que seus dentes não se articulam bem? 10 Você se considera uma pessoa tensa ou nervosa? Índice anamnésico para classiicar as categorias de severidade dos sintomas de DTM. Categorias de severidade dos sintomas de DTM Pontuações limite para classiicar as categorias Sem sinais e sintomas 0 a 15 Sinais e sintomas leves 20 a 40 Sinais e sintomas moderados 45 a 65 Sinais e sintomas graves 70 a 100 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 155

Relação entre a disfunção temporomandibular e o tratamento ortodôntico: revisão de literatura tratamento para seus problemas funcionais. Existe uma desproporção grande entre a presença de sinais e sintomas de DTM, que podem ser apresentados por até 68% da população 32, e o diagnóstico de DTM, que varia de 8 a 15% em mulheres e de 3 a 10% em homens 33. Outra dificuldade ao se analisar os sinais e sintomas de DTM nos estudos citados é seu caráter episódico ou flutuante de aparecimento, observados nos estudos em longo prazo. A prevalência variou entre as análises realizadas em diferentes ocasiões. Krenemak et al. 12 mostraram que, em sua amostra, 90% dos pacientes que apresentaram sinais e sintomas de DTM, após dois anos mantiveram ou melhoraram o quadro, enquanto 10% pioraram. Já Mohlin et al. 27 mostraram que 25% dos pacientes apresentaram, ao final de 19 anos de, completa remissão dos sinais e sintomas de DTM apresentados. Os sinais e sintomas parecem, então, melhorar com o passar do tempo, exceto para ruídos articulares, que chegaram a aumentar após dois anos de 23. Ainda, Owen 22 relatou que 2,6% de seus pacientes desenvolveram sinais e sintomas de DTM ao longo do tratamento ortodôntico. Egermark, Carlsson e Magnusson 9, em estudo com por 17 anos, mostraram que 1% de sua amostra necessitou de atendimento clínico para DTM a cada ano. Os estudos associando sinais e sintomas de DTM ao tratamento ortodôntico apresentaram resultados heterogêneos. Alguns estudos encontraram efeitos positivos do tratamento ortodôntico para os sinais e sintomas de DTM; entretanto, nenhum deles apresentou diferença estatisticamente signiicativa 9,11,12,14,23. Todos os estudos citados nessa revisão de literatura relataram que o tratamento ortodôntico não forneceu risco ao desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM, independentemente da técnica utilizada para tratamento, da exodontia ou não de pré-molares e do tipo de má oclusão previamente apresentada pelo paciente 8,9,11-25,27. Alguns estudos realizados com em longo prazo concluíram que o tratamento ortodôntico não seria preventivo ou modalidade de tratamento para DTM 9,15,27. Henrikson e Nilmer 24 sugeriram que, pelo caráter lutuante dos sinais e sintomas de DTM e pela não eicácia do tratamento ortodôntico no tratamento da DTM, uma abordagem conservadora e reversível deve ser adotada no tratamento das DTM, o que entra em acordo com a opinião da Academia Americana de Dor Orofacial 2. Alguns artigos citaram, também, a relação entre má oclusão e sinais e sintomas de DTM. Não houve associação estatisticamente significativa entre más oclusões e presença de sinais e sintomas de DTM 18,21,25,27. Entretanto, houve uma tendência de que pacientes com Classe II de Angle com overjet ou overbite de moderado a grave 22, ausência de guia anterior 25, mordida cruzada unilateral e diferença entre RC e MIH 9 apresentassem um maior número de sinais e sintomas de DTM. Ainda, Corotti-Valle 26 encontrou em sua amostra uma associação significativa entre severidade dos sintomas de DTM e interferências em lado de não trabalho. conclusões Por meio dos estudos encontrados na revisão de literatura, pode-se concluir que o tratamento ortodôntico, independentemente da técnica utilizada e da exodontia ou não de pré-molares durante o tratamento, não aumenta o aparecimento de sinais e sintomas de DTM, não sendo, portanto, um fator de risco para seu desenvolvimento. O tratamento ortodôntico não mostrou-se um recurso válido para terapia ou prevenção do aparecimento de sinais e sintomas de DTM. Há necessidade de se melhorar o método empregado nos estudos que buscam demonstrar a associação entre DTM e tratamento ortodôntico, para que sejam menos contraditórios. Recursos como estudos controlados, longitudinais e ferramentas que possam diagnosticar a DTM e dividi-la em subtipos como muscular, articular e mista parecem ser necessários para um melhor entendimento dessa associação. 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 156

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