ABORDAGENS QUANTITATIVAS E PERSPECTIVAS FORMAIS: REPERCUSSÕES SOBRE O ESTUDO DE MUDANÇAS GRAMATICAIS DO PORTUGUÊS 22

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V SEMINÁRIO DE PESQUISA E ESTUDOS LINGUÍSTICOS

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Transcrição:

Página 109 de 658 ABORDAGENS QUANTITATIVAS E PERSPECTIVAS FORMAIS: REPERCUSSÕES SOBRE O ESTUDO DE MUDANÇAS GRAMATICAIS DO PORTUGUÊS 22 Cristiane Namiuti-Temponi 23 (UESB) RESUMO Buscando relacionar quantificação e teoria em abordagem no quadro da gramática gerativa a partir da perspectiva aberta por Kroch (1989, 2001), discute-se o escopo e a abrangência dessa proposta para investigação, através de análise empírica de dados, de padrões de mudança do português antigo ao português europeu. A mudança será vista através da análise de fenômenos envolvendo a posição dos clíticos e a variação da ordem dos constituintes verbais. PALAVRAS-CHAVE: Mudança Sintática, Gramática Gerativa, Língua Portuguesa. INTRODUÇÃO Os dados documentados relativos a mudanças apresentam-se, tipicamente, como dados de variação entre formas antigas e formas novas nos textos. Note-se, entretanto, que quando se admite que a 22 Apoio: FAPESP Processo 2004/01557-0 e 2007/08328-4 / CNPq - Processo 401594/2010-6 / UESB Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto Colocação de Clíticos e fronteamento um estudo diacrônico em corpus eletrônico do Português (CNPq/Ciências Humanas) coordenado por Cristiane Namiuti. 23 Doutorado em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas.

Página 110 de 658 mudança de uma gramática para outra envolve a fixação dos parâmetros via aquisição da linguagem pela criança, esta mudança deverá ser conceituada, por necessidade teórica, como um evento abrupto. Temos então um aparente paradoxo: a mudança gramatical, em tese um evento abrupto, manifesta-se nos dados históricos como um evento de variação gradual. Assim, a interpretação dos dados num estudo de mudança gramatical precisa contar com um quadro metodológico que permita abordar o problema da variação diacrônica. Partimos do quadro delineado a partir de Kroch (1989), que salienta que a variação nos textos não se deve confundir com variação nas gramáticas. Ou seja: as mudanças nas línguas, instanciadas nos documentos históricos como variação gradual, são reflexos de mudanças gramaticais que devem ocorrer de modo abrupto. No caso de mudança gramatical, a variação entre formas antigas e novas na linha do tempo não pode ser conceituada como uma oscilação produzida por uma única gramática, ao contrário, cada forma parece corresponder a diferentes fixações de um parâmetro. Neste caso, a variação nos textos pode ser compreendida como fruto da convivência, no plano do uso, de formas geradas por diferentes gramáticas. É o que Kroch (1994) chama de Competição de Gramáticas. Um dos principais resultados da aplicação de uma abordagem quantitativa aliada a uma teoria formal para a mudança sintática remete à proposta de periodização do português sumarizada em Galves, Namiuti e Paixão de Sousa (2006), doravante GNPS. Nessa proposta, há um período intermediário entre o Português Antigo (PA, séculos XIII e XIV) e o Português Europeu Moderno (PE, século XVIII em diante), a que GNPS denominam Português Médio (PM), com base em Galves et al.. (2004), e que compreende a língua falada nos séculos XV, XVI e XVII. O PM representa o estágio diacrônico que antecede e dá origem a duas variantes do português na modernidade, o Português Europeu e o Português Brasileiro.

Página 111 de 658 Neste trabalho, utilizando-nos dos pressupostos apresentados nesta introdução, faremos incursões a respeito de mudanças, atestadas no percurso do tempo e localizadas espacialmente na Europa, que corroboram a proposta de periodização grammatical apresentada em GNPS. Os casos trazidos dizem respeito à colocação de clíticos e as ordenações XVS (inversão germânica) e VXS (inversão românica) o fenômeno do fronteamento e o corpus da pesquisa é o Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (http://www.tycho.iel.unicamp.br). MATERIAL E MÉTODOS Os estudos da mudança no quadro gerativo se fundamentam, na investigação da variação diacrônica. Neste processo, e preciso que se identifiquem aspectos linguísticos que favoreçam a elaboração de hipóteses sobre gramáticas. Um desses aspectos linguísticos e a Ordem. Pela variação superficial da ordem, chega-se a hipóteses importantes sobre as gramáticas, pois certas ordenações podem ser reveladoras da estruturação dos núcleos funcionais da sintaxe. Martins (1997, 2005) e, também, Parcero (1999) propõem que a estabilização da ordem em Português resulta de uma mudança que relaciona a perda do fenômeno da interpolação generalizada (ex. 1) com a perda do fronteamento dos constituintes do sintagma verbal para a esquerda do verbo (ex. 2), sendo a perda da interpolação consequência da perda do fronteamento.

Página 112 de 658 (1) que se delle despedio beyjan-dolhe has mãos. (GALVÃO, 1435) 24 (2) que desta e de toda a mais cac a de que acima tratei, participam (como digo) todos os moradores (GÂNDAVO, 1502) No entanto, os dados extrai dos do corpus Tycho Brahe nos levam a interpretar que e a perda do fenômeno da interpolação, somada a permanência da sintaxe que gera o fronteamento. Isto explica uma série de propriedades da língua clássica, como: a predominância da próclise sobre a ênclise nas orações raízes XP-verbo nos textos dos séculos XVI, XVII e XVIII, e ainda, o surgimento de novas possibilidades para a interpolação da negação não passa a ser interpolado em contextos raízes (ex. 3). (3) Dom Manoel de Lima o não quiz ouvir naquele negócio (COUTO, 1548) Nossa reflexão parte da visão gerativista (cf. Chomsky, 1995) sobre os fenômenos e segue os pressupostos delineados por Kroch (1989, 1994 e 2001). Propomos que as diferenças entre os estágios gramaticais diacrônicos do português estão relacionadas com a conjugação das seguintes propriedades: (1) natureza da posição pré- -verbal; (2) combinação de traços verbais e polares de C o e I o ; e, 3) redução da altura em que o clítico (X o ) e o verbo podem alcançar na estrutura da sentença (C o, PA; Sigma F, PM; I, PE). RESULTADOS E DISCUSSÃO 24 Os exemplos são todos extraídos do corpus Tycho Brahe e os destaques em negrito marcam os clíticos e os verbos, os em itálico, um constituinte interpolado ou fronteado. Entre parênteses, logo após o exemplo, segue o nome do autor e sua data de nascimento.

Página 113 de 658 A ordem relativa 'clítico-verbo' 'verbo-clitico' e o fenômeno da interpolação são aspectos centrais para chegarmos a generalizações sobre as gramáticas subjacentes à língua portuguesa em sua história. A interpolação é a construção na qual o clítico pronominal não se apresenta contíguo ao verbo, ou noutros termos, na qual um outro constituinte sintático se interpola entre o pronome e o verbo: 1435) (4) quando e hos homens em ellas nom abem... (GALVÃO, Para os estudos gerativistas, a não-contiguidade dos clíticos em relação ao verbo é reveladora da independência dessas partículas em relação ao núcleo funcional que hospeda o verbo. Trata-se, portanto, de uma construção crucial para a interpretação da estrutura abstrata da sentença. Outra construção sintática que se destaca na diacronia da língua deriva das ordens relativas 'clítico-verbo ~ verbo-clítico' nas orações em que o verbo está em segunda posição: (1) eu acho-me bem em caminhos chãos... (CHAGAS, 1631) (2) Ele me disse que pasmava... (SOUSA, 1554) Nas orações raízes neutras em que o verbo não está em primeira posição, a ênclise, ordem relativa verbo-clítico, é categórica no português europeu moderno, a próclise, ordem relativa clítico-verbo, é predominante nos textos dos séculos XVI e XVII, e nos séculos XIII e XIV a ênclise é a opção preferencial (cf. RIBEIRO 1995, MARTINS 1994). Quanto à interpolação, a não adjacência entre o clítico e o verbo é encontrada nas orações dependentes (que são ambientes categóricos da próclise) nos textos dos séculos XIII, XIV e XV. Trata-se de uma

Página 114 de 658 construção do português antigo, bem como do romance ibérico em geral, (cf. RIVERO 1994, MARTINS 1994), que se torna marginal e obsoleta nos textos do século XVI (desaparecendo dos textos da segunda metade desse século). Somente a interpolação da negação continuou a ser registrada, abrangendo novos contextos nos séculos XVI e XVII (ambientes de variação clítico-verbo / Verbo-clítico ). Mais tarde (século XVIII), quando a ênclise passa a ser preferencial nesses ambientes, a interpolação da negação desaparece (cf. NAMIUTI, 2008). O gráfico 1 abaixo ilustra este caso. Gráfico 1 A estabilização da ordem C-X-clnV, que toma o lugar da ordem C-cl-X-nV nas orações dependentes (segunda sequência do gráfico 2 abaixo), seguida do surgimento da ordem X-clnV nas orações não dependentes neutras, justamente num momento em que a próclise é dominante nos domínios não dependentes sugere um estado grammatical intermediário entre o PA e o PE.

Página 115 de 658 Gráfico 2 Três conjuntos de dados e três padrões diferentes. 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 1275 1325 1375 1425 1475 1525 1575 1625 1675 1725 1775 1825 1875 1925 Interpolação de elementos dif erentes da negação/adjacência 'cl-v' (Martins 1994, Parcero 1999 e CTB) C-cl-X-negV vs.c-x-cl-negv (Martins 1994 e CTB) Ênclise vs Próclise em orações raízes XV (Martins 1994, Ribeiro 1995 e CTB) Fonte: Namiuti, 2008:52 Para fundamentar a pesquisa sobre a estabilização da ordem, levantamos os dados das diversas ordenações de constituintes em sentenças sem clíticos dos textos sintaticamente anotados do corpus Tycho Brahe, utilizando a metodologia de seleção automática programação Corpus Search. Partimos das conclusões de Paixão de Sousa (2004) que investiga as construções com clíticos e argumenta que a passagem do sistema médio para o moderno seria a passagem de um sistema de XVS para um sistema de SVX. Levantamos as ocorrências das ordens Verbo-Sujeito (VS) e Sujeito-Verbo (SV), X-Verbo-Sujeito (XVS), Verbo-X-Sujeito (VXS), Sujeito-Verbo-X (SVX) e sujeito nulo (pro) A tabela 1 a seguir apresenta os nuḿeros absolutos das ordens sem inversão SV, com inversão românica VXS, com inversaõ germa nica XVS e das sentenc as com sujeito nulo (pro) em orac oẽs matrizes (MAT) e subordinadas (SUB).

Página 116 de 658 Tabela 1 textos s_001 c_002 b_001 c_001 a_001 a_004 a_003 data de nascimento 1556 1658 1675 1702 1705 1750 1802 VXS_MAT 16 16 58 11 31 7 13 0,09 0,09 0,18 0,02 0,04 0,03 0,03 VXS_SUB 15 8 23 3 15 4 6 0,09 0,04 0,07 0,01 0,02 0,02 0,01 XVS_MAT 21 28 39 13 30 8 9 0,12 0,15 0,12 0,03 0,04 0,03 0,02 XVS_SUB 5 8 12 7 7 0 1 0,03 0,04 0,04 0,01 0,01 0,00 0,00 SVX_MAT 39 55 79 240 576 130 319 0,23 0,30 0,25 0,51 0,68 0,54 0,66 SVX_SUB 73 66 110 197 193 91 135 0,43 0,36 0,34 0,42 0,23 0,38 0,28 TOTAL DE SUJEITOS ABERTOS 169 181 321 471 852 240 483 Suj_pro_MAT 645 517 609 909 909 420 871 Suj_pro_SUB 1062 794 600 1381 1053 449 972 TOTAL DE SUJEITOS NULO 1707 1311 1209 2290 1962 869 1843 Ambos os tipos de inversões VXS e XVS parecem ter o mesmo comportamento em orações subordinadas e matrizes mudança no patamar de frequência a partir do texto do autor nascido em 1702. Já na estrutura SVX parece haver uma diferença entre Matriz e Subordinada. Ha um aumento significativo a partir de 1702 de SVX em orações matrizes ao passo que nas subordinadas vemos uma discreta diminuição da frequência SVX. Ao somar matrizes e subordinadas e separarmos SV/VS de sujeito nulo e preenchido temos as tabelas 2 e 3. Tabela 2 textos s_001 c_002 b_001 c_001 a_001 a_004 a_003 data de nascimento 1556 1658 1675 1702 1705 1750 1802 Total de inversões (VS) 57 60 132 34 83 19 29 0,34 0,33 0,41 0,07 0,10 0,08 0,06 Total SV 112 121 189 437 769 221 454 0,66 0,67 0,59 0,93 0,90 0,92 0,94 TOTAL 169 181 321 471 852 240 483

Página 117 de 658 Tabela 3 textos s_001 c_002 b_001 c_001 a_001 a_004 a_003 data de nascimento 1556 1658 1675 1702 1705 1750 1802 TOTAL DE SUJEITOS ABERTOS 169 181 321 471 852 240 483 0,09 0,12 0,21 0,17 0,30 0,22 0,21 TOTAL DE SUJEITOS NULO 1707 1311 1209 2290 1962 869 1843 0,91 0,88 0,79 0,83 0,70 0,78 0,79 TOTAL 1876 1492 1530 2761 2814 1109 2326 A tabela 2 revela uma queda das estruturas VS e subida em torno de 25% das estruturas SV. Já em relação ao sujeito nulo, tabela 3, temos um quadro semelhante ao de Paixão de Sousa (2004) para as sentenças com clítico - mudança de patamar de frequência: sujeito aberto/lexical de 0,10 para 0,20; sujeito nulo de 0,90 para menor que 0,80. CONCLUSÕES Para o problema da identificação de etapas gramaticais, a contribuição central do conceito de Competição de Gramáticas é a idéia de que a emergência de uma nova gramática será identificada pelo surgimento de formas novas nos dados. Neste conjunto de dados, identificou-se novas formas em textos produzidos no século XVI (G1: SclnegV) coexistindo com formas antigas (G2: clxv), um período proclítico (1500-1700) e uma mudança de produção de VS em torno dos anos de 1700. Esses fatos podem configurar estados de competição de gramáticas e um período grammatical entre o PA e o PE.

Página 118 de 658 REFERÊNCIAS CHOMSKY, Noam. The minimalist program. Cambridge (MA). MIT Press. 1995. GALVES, Charlotte. Colocação de clíticos e mudança gramatical no português europeu. Comunicação no 12 Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Braga, Portugal. 1996. GALVES, Charlotte, Cristiane NAMIUTI e Maria Clara PAIXÃO DE SOUSA. Novas perspectivas para antigas questões: revisitando a periodização da língua portuguesa. In: Annette Endruschat / Rolf Kemmler / Bárbara Schäfer-PrieB (Hrsg) Grammatische Structuren des Europäischen Portugiesisch. Turbigen: Calapinus Verlag,, 2006, págs 45-75. GALVES, Charlotte. Padrões rítmicos, fixação de parâmetros e mudança lingüística Fase II. UNICAMP CAMPINAS. (Projeto de pesquisa FAPESP). 2004. KROCH, Anthony. Reflexes of grammar in patterns of language change. In: Language Variation and Change. Cambridge, v. 1, p. 199-24, 1989. KROCH, Anthony. Syntactic Change. In: M. Baltin & C. Collins (orgs.), Handbook of syntax. Nova York: Blackwell. 2001. p. 699-729. MARTINS, Ana Maria. Mudança Sintática. Clíticos, negação e um pouquinho de Scrambling. In: Estudos Lingüísticos e Literários. nº 19, Salvador: Programa de Pós Graduação da Universidade Federal da Bahia. 1997. MARTINS, Ana Maria. Clitic Placement, VP-Ellipsis and Scrambling in Romance. In: Batilbori, Montse, Maria Lhuïsa Hermanz, Carme Picallo, e F. Roca (eds.) Gramaticalization and Parametric Variation. Oxford University Press, 2005. PAIXÃO DE SOUSA, Maria Clara. Língua Barroca: sintaxe e história do português nos 1600. Tese de Doutoramento. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP. 2004. PARCERO, Lúcia. Fronteamentos de constituintes no português dos séculos XV, XVI e XVII. Dissertação de Mestrado, UFBA, Salvador-Ba. 1999. RIBEIRO, Ilza. A sintaxe da ordem do português arcaico: o efeito V2. Tese de Doutoramento, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de

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