Formas variantes LOIRA ~ LOURA ~ LORA no português falado em Belo Horizonte

Documentos relacionados
ANÁLISE VARIACIONISTA DO PROCESSO DE MONOTONGAÇÃO NO BREJO DA PARAÍBA

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS POPULAR DA COMUNIDADE RURAL DE RIO DAS RÃS - BA

Quadro 2: vogais pretônicas orais do português (SILVA, 2008, p. 81)

A VARIAÇÃO DO MODO SUBJUNTIVO: UMA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE EXPRESSÃO DE MODALIDADES

A INFLUÊNCIA DE FATORES EXTRALINGUÍSTICOS NA SUPRESSÃO DAS SEMIVOGAIS DOS DITONGOS EI E OU NA ESCRITA INFANTIL 1. INTRODUÇÃO

LHEÍSMO NO PORTUGÛES BRASILEIRO: EXAMINANDO O PORTUGÛES FALADO EM FEIRA DE SANTANA Deyse Edberg 1 ; Norma Lucia Almeida 2

ANÁLISE DA ELEVAÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS SEM MOTIVAÇÃO APARENTE 1. INTRODUÇÃO

REALIZAÇÕES DAS VOGAIS MÉDIAS ABERTAS NO DIALETO DE VITÓRIA DA CONQUISTA BA

A ELISÃO DA VOGAL /o/ EM FLORIANÓPOLIS-SC RESULTADOS PRELIMINARES

CRIAÇÃO LEXICAL: O USO DE NEOLOGISMOS NO PORTUGUÊS FALADO EM DOURADOS

PADRÃO FORMÂNTICA DA VOGAL [A] REALIZADA POR CONQUISTENSES: UM ESTUDO COMPARATIVO

UMA ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA DA DUPLA NEGAÇÃO NO SERTÃO DA RESSACA

QUE ESTRATÉGIAS UTILIZAM CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS PARA A EVITAÇÃO DO HIATO? GRASSI, Luísa Hernandes¹; MIRANDA, Ana Ruth Moresco 2. 1.

MONOTONGAÇÃO E DITONGAÇÃO EM TEXTOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA COM ÊNFASE NO LETRAMENTO

PARÂMETROS SOCIOLINGUÍSTICOS DO PORTUGUÊS DE NATAL. Palavras-chave: variação lingüística; sociedade; conectores coordenativos

Cadernos do CNLF, Vol. XIII, Nº 04

A harmonização vocálica nas vogais médias pretônicas dos verbos na

A REALIZAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL DE REFERÊNCIA ARBITRÁRIA NA COMUNIDADE LINGUÍSTICA DE VITÓRIA DA CONQUISTA *

VARIAÇÃO DITONGO/HIATO

Apresentar uma análise inicial da variação na sílaba postônicaem paroxítonas segundo a

A DISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO DE APAGAMENTO DO RÓTICO NAS QUATRO ÚLTIMAS DÉCADAS: TRÊS CAPITAIS EM CONFRONTO

DOMÍNIOS DE Revista Eletrônica de Lingüística Ano 1, nº1 1º Semestre de 2007 ISSN

O USO CORRENTE DA VARIEDADE NÃO-PADRÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA: UM ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE DA DERRADEIRA MUNICÍPIO DE VALENÇA

REFLEXÕES SOBRE O APAGAMENTO DO RÓTICO EM CODA SILÁBICA NA ESCRITA

Maria Francisca Ribeiro de ARAÚJO (UNESP-Araraquara/CEUV)

A REALIZAÇÃO DAS FRICATIVAS ALVEOLARES NAS CAPITAIS DA REGIÃO SUDESTE: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL (ALiB)

Minas Gerais pertence à área de falar baiano, à área de falar sulista, à área de falar fluminense e à área de falar mineiro, conforme Nascentes (1953)

A INTERFACE ENTRE A FALA E A ESCRITA DOS DITONGOS ORAIS MEDIAIS [EJ] E [OW] DE SUJEITOS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

COMO FALA O NORDESTINO: A VARIAÇÃO FÔNICA NOS DADOS DO PROJETO ATLAS LINGÜÍSTICO DO BRASIL

OS PRONOMES PESSOAIS-SUJEITO NO PORTUGUÊS DO BRASIL: NÓS E A GENTE SEGUNDO OS DADOS DO PROJETO ATLAS LINGÜÍSTICO DO BRASIL

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

A VARIAÇÃO/ESTRATIFICAÇÃO DO SUBJUNTIVO EM ORAÇÕES PARENTÉTICAS

Monotongação de ditongos crescentes

TONICIDADE E COARTICULAÇÃO: UMA ANÁLISE INSTRUMENTAL

ESTUDO EM TEMPO REAL DA MONOTONGAÇÃO DO DITONGO DECRESCENTE /ej/ EM AMOSTRA DE PORTO ALEGRE 1

VARIAÇÃO PRONOMINAL EM CONCÓRDIA SC. Lucelene T. FRANCESCHINI Universidade Federal do Paraná

Web - Revista SOCIODIALETO

APAGAMENTO DA VOGAL ÁTONA FINAL EM ITAÚNA/MG E ATUAÇÃO LEXICAL

APAGAMENTO DA VOGAL ÁTONA FINAL EM ITAÚNA/MG E ATUAÇÃO LEXICAL. Redução/apagamento. Vogal. Dialeto mineiro. Léxico. Variação fonético-fonológica.

Adriana Gibbon (Universidade Federal de Santa Catarina)

PLANO DE DISCIPLINA IDENTIFICAÇÃO CURSO: LICENCIATURA EM LETRAS A DISTÂNCIA COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA DISCIPLINA: SOCIOLINGUÍSTICA

AS VOGAIS PRETÔNICAS [-BX] NO DIALETO CARIOCA: UMA ANÁLISE ACÚSTICA

O PAPEL DOS CONTEXTOS FONÉTICOS NA DELIMITAÇÃO DA TONICIDADE DE FALA ATÍPICA

O APAGAMENTO DO RÓTICO EM POSIÇÃO DE CODA SILÁBICA: INDICADORES LINGUÍSTICOS E SOCIAIS

VOGAIS NASAIS EM AMBIENTES NÃO NASAIS EM ALGUNS DIALETOS BAIANOS: DADOS PRELIMINARES 1

PALAVRAS-CHAVE: Fonologia; variação linguística; sociolinguística; ditongo.

Fatos fonéticos em estudantes residentes em áreas rurais da Bahia *

VARIAÇÃO NO USO DAS PREPOSIÇÕES EM E PARA/A COM VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

O ALÇAMENTO VOCÁLICO NO FALAR BALSENSE

CONCORDÂNCIA NOMINAL: ANÁLISE DA VARIAÇÃO EM MACEIÓ

II SiS-Vogais. Priscilla Garcia Universidade Federal da Bahia. Belo Horizonte MG Maio de 2009

CURSO ANO LETIVO PERIODO/ANO Departamento de Letras º CÓDIGO DISCIPLINA CARGA HORÁRIA Introdução aos estudos de língua materna

ESTUDO COMPARATIVO DA VARIAÇÃO A GENTE ~ NÓS NO FALAR BAIANO E NO FALAR MINEIRO 1

A MARCAÇÃO DE NÚMERO NO SINTAGMA NOMINAL NOS FALANTES BREVENSES: UM EXERCÍCIO VARIACIONISTA

Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos. Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL DOS CORRELATOS ACÚSTICOS DE TONICIDADE DAS VOGAIS MÉDIAS BAIXAS EM POSIÇÃO PRETÔNICA E TÔNICA *

Revisão para o simulado

SÍNCOPE E ALÇAMENTO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL/O/: INDÍCIOS DE MOTIVAÇÃO EXTRALINGUÍSTICA

Professora: Jéssica Nayra Sayão de Paula

O PORTUGUÊS BRASILEIRO CANTADO

VARIAÇÃO NO USO DAS VOGAIS PRETÔNICAS [e] E [o] E DO PLURAL METAFÔNICO NO PORTUGUÊS FALADO EM DOURADOS

Web - Revista SOCIODIALETO

A nasalização vocálica pretônica por efeito da consoante nasal da sílaba seguinte: a variação no português falado em Cametá Pará

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

ORALIDADE E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Variação linguística e o ensino de Língua Portuguesa Prof.ª Dr.ª Marlúcia Maria Alves 1 (UFU)

ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE ARTIGOS DEFINIDOS DIANTE DE POSSESSIVOS PRÉ-NOMINAIS E ANTROPÔNIMOS EM DADOS DE FALA* 1

ANÁLISE DA LEITURA EM VOZ ALTA: CARACTERÍSTICAS PROSÓDICAS DE FALANTES DA CIDADE DE ARAPIRACA/AL

Realizações do sujeito expletivo em construções com o verbo ter existencial na fala alagoana

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE FONOAUDIOLOGIA MEMÓRIA OPERACIONAL FONOLÓGICA EM CRIANÇAS COM

COMPORTAMENTO DA FRICATIVA CORONAL EM POSIÇÃO DE CODA: UM ESTUDO VARIACIONISTA DA INTERFACE FALA E LEITURA DE ALUNOS DE DUAS ESCOLAS PESSOENSES

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

ESTUDO SOCIOFUNCIONALISTA DE ESTRUTURAS COM O CLÍTICO SE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

O /S/ EM CODA SILÁBICA NO NORDESTE, A PARTIR DOS INQUÉRITOS DO PROJETO ATLAS LINGÜÍSTICO DO BRASIL (ALIB).

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÍSTICA

O OBJETO DIRETO ANAFÓRICO E SUAS MÚLTIPLAS REALIZAÇÕES NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

A MONOTONGAÇÃO NA FALA DE INFORMANTES DE FLORINAÓPOLIS DO PROJETO ALIB

VARIAÇÃO NÓS E A GENTE NA FALA CULTA DA CIDADE DE MACEIÓ/AL

VOGAIS MÉDIAS POSTÔNICAS NÃO-FINAIS NA FALA CULTA CARIOCA

ESTARÁ O PORTUGUÊS BRASILEIRO DEIXANDO DE SER LÍNGUA DE SUJEITO-PREDICADO? *

UNIOESTE PLANO DE ENSINO ANO DE 2017

Código Nome Carga horária AT. Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

O CONTEXTO DIGLÓSSICO DA COMUNIDADE NIKKEI EM DOURADOS-MS

DO ANTIGO AO NOVO: DA MUDANÇA DA TEORIA LINGUÍSTICA À MUDANÇA DA LÍNGUA

CURSO ANO LETIVO PERIODO/ANO Departamento de Letras º CÓDIGO DISCIPLINA CARGA HORÁRIA Introdução à Ciência da Linguagem

A ALTERNÂNCIA DOS MODOS SUBJUNTIVO/INDICATIVO COM VERBOS DE JULGAMENTO

INFLUÊNCIA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA ESCRITA INICIAL 1. INTRODUÇÃO

GRAMATICALIZAÇÃO DO PRONOME PESSOAL DE TERCEIRA PESSOA NA FUNÇÃO ACUSATIVA

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

A ORALIDADE E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

CONCORDÂNCIA DE NÚMERO NOS PREDICATIVOS ADJETIVOS E PARTICÍPIOS PASSIVOS DO PORTUGUÊS FALADO EM MACEIÓ: UM ESTUDO VARIACIONISTA

Apagamento do fonema / d/ em verbos gerundiais no Português Brasileiro: variantes rural e urbana em Santana do Ipanema

OS CLÍTICOS, PRONOMES LEXICAIS E OBJETOS NULOS NAS TRÊS CAPITAIS DO SUL.

Teoria Laboviana: uma análise das variações linguísticas à luz de Famigerado de Guimarães Rosa

USO DO FUTURO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EM BLOG JORNALÍSTICO: UM ESTUDO PRELIMINAR SOBRE A GRAMATICALIZAÇÃO DO ITEM IR

ELEMENTOS ANAFÓRICOS NA COORDENAÇÃO 1

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Reflexões sobre a Redução eles > es e a Simplificação do Paradigma Flexional do Português Brasileiro

Web - Revista SOCIODIALETO

Transcrição:

Revele n. 8 maio/2015 1 Formas variantes LOIRA ~ LOURA ~ LORA no português falado em Belo Horizonte Variant Forms of LOIRA ~ LOURA ~ LORA in the Brazilian Portuguese spoken in Belo Horizonte Patrícia de Cássia Gomes Pimentel 1 Resumo: Este artigo visa ao estudo dos ditongos em variação oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA do português brasileiro falado neste século, na cidade de Belo Horizonte. A partir da coleta de dados e elaboração de tabelas, bem como de testes de qui-quadrado, observou-se que há uma tendência à monotongação de [ou] entre os informantes, o que culmina na realização da variante LORA, e que a realização entre mulheres e homens, considerando o número total de realizações em cada grupo, é significativamente diferente. Palavras-chave: variação linguística; ditongos; monotongação. Abstract: This article aims to study the variation in diphthongs oi ~ ou in variant forms as LOIRA ~ LOURA of Brazilian Portuguese spoken in this century, in the city of Belo Horizonte. From the collection of data and drafting tables and chi-square test, it was observed that there is a tendency to monopththongization of [ou] between the informants, which results in the realization of the variant LORA, and that the realization between women and men, considering the total number of realization in each group, is significantly different. Keywords: linguistic variation; diphthongs; monophthongization. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da UFMG. E-mail: patriciadecassia1@hotmail.com

Revele n. 8 maio/2015 2 Introdução O estudo da língua falada por uma comunidade linguística em situações reais de uso revela que o conjunto de indivíduos que compõem essa comunidade interagem e compartilham normas relacionadas aos usos linguísticos. Isso não significa que essas pessoas falam do mesmo modo, mas sim que elas orientam seu comportamento verbal por meio de um mesmo conjunto de regras, tendo como base as mais variadas redes comunicativas que dispomos. Segundo Alkmin (2001), qualquer língua, falada por uma comunidade, apresenta diversidade ou variação. Nenhuma língua é uma entidade homogênea nem um caos linguístico. Isso significa que uma mesma comunidade de fala emprega diferentes modos de falar, com o mesmo valor, em um mesmo contexto linguístico. Esse processo é chamado de variação linguística e, durante muito tempo, esteve à margem dos estudos de grande parte dos linguistas. A partir de 1960, com os estudos de Labov, é que a variação passou a ser mais detalhadamente investigada, sendo considerada hoje um fenômeno de fundamental importância para as línguas em geral. Seus estudos contribuíram ainda para a fixação de uma área de estudo voltada para a diversidade linguística, para a língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social: a Sociolinguística variacionista. Assim, um estudo sociolinguístico visa à descrição fundamentada, a partir de dados estatísticos, de um fenômeno variável, tendo como objetivo analisar, entender e sistematizar as variantes linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala. Labov, por exemplo, em 1963, partiu de análises sincrônicas da fala dos habitantes da ilha de Martha`s Vineyard para fazer inferências sobre o desenvolvimento diacrônico da língua dessa região. Isto é, o estudo da língua falada por uma determinada comunidade linguística se mostra mais revelador que o estudo da língua escrita no que se refere aos processos constitutivos da linguagem humana, pois é a partir da oralidade que reflexões são feitas acerca dos processos de criação linguística desenvolvidos durante a conversação (CASTILHO, 2005).

Revele n. 8 maio/2015 3 1 Entendendo o fenômeno da monotongação O objeto de estudo deste trabalho são os ditongos em variação oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA do português brasileiro falado neste século, na cidade de Belo Horizonte. A escolha do objeto foi motivada, primeiramente, pela leitura do artigo Formas variantes LOIRA ~ LOURA e LOIÇA ~ LOUÇA na história do português, de Joana D Arc de Sá Ribeiro Alves e da Profª. Maria do Carmo Viegas, no qual se analisaram os ditongos supracitados em variação no português de textos ficcionais brasileiros e no português de textos ficcionais portugueses, nas formas LOURA ~ LOIRA e LOIRA ~ LOIÇA, nos séculos XIX e XX. E, em segundo lugar, por haver dúvidas entre alguns estudantes da disciplina Fonética e Fonologia do Português Brasileiro/Letras/UFMG, nível de Pós-Graduação, também ministrada pela Profª. Maria do Carmo Viegas, sobre a variante usada: LOIRA ~ LOURA. Segundo Hora (2007), um fenômeno que se encontra em variação no português brasileiro e que possui alto índice de realização no português falado é o da monotongação de [ou]. Trata-se de uma alteração fonética (por ocorrer mais na fala do que na escrita) em que ocorre o apagamento da semivogal do ditongo, reduzindo o encontro vocálico: vogal mais semivogal (ditongo decrescente) para uma vogal. A monotongação é mais frequentemente observada na fala que na escrita, pois por meio da oralidade podemos dizer a mesma coisa de várias formas, por exemplo, cenoura/cenora. Nesse sentido, Câmara Jr. (1977, p. 170) define a monotongação como: Mudança fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples. Para pôr em relevo o fenômeno da monotongação chama-se, muitas vezes, monotongo, à vogal simples resultante, principalmente quando a grafia continua a indicar o ditongo e ele ainda se realiza numa linguagem mais cuidadosa. Entre nós há, nesse sentido o monotongo ou /ô/, ai /a/, ei /ê/ diante de uma consoante chiante [...]. Martins (2011) aponta que o desaparecimento do ditongo [ou] não é recente, pois já era descrito por Câmara Jr. em 1953. Segundo ela, o autor apresenta uma explicação para a não realização desse ditongo: por se confundir com a vogal [o], o ditongo [ou] acabava não sendo realizado. Em outras palavras, na sequência VG (Vogal + Glide) que se apresenta, o

Revele n. 8 maio/2015 4 glide [u] é categoricamente apagado após a realização da vogal [o]. Enfim, os casos discutidos nos remetem aos estudos de Labov (1972), pois eles reafirmam a existência de variantes linguísticas, principalmente, na fala. Além disso, conforme apresentado, o fenômeno da monotongação também é mais frequente na fala e, por não ser estigmatizado, é comumente empregado. A hipótese aqui trabalhada é a de que as variantes LOIRA ~ LOURA ocorrem sem que uma delas seja considerada estigmatizada pelos falantes, e que há uma tendência à monotongação de [ou] entre os informantes mais jovens, o que culmina na realização majoritária da variante LORA. 2 Procedimentos metodológicos Os dados para a realização da pesquisa foram coletados a partir de entrevistas individuais realizadas com 16 (dezesseis) informantes, sendo 08 (oito) do gênero masculino e 08 (oito) do gênero feminino. Os informantes foram divididos em grupos, tendo como base além do gênero, a faixa etária (jovens e adultos) e a escolaridade que possuíam ensino médio completo ou superior completo. Todos os informantes residiam em Belo Horizonte, mas não necessariamente tinham nascido nessa cidade. Para cada entrevistado foram apresentados 15 (quinze) slides (em anexo) com fotos de personalidades do Brasil e do mundo e foi solicitado a cada um deles que apresentasse uma categorização para o artista em questão, a partir da cor dos olhos e/ou a cor da pele e/ou a cor dos cabelos. O exemplo dado a cada informante teve como base a foto da dançarina Scheila Carvalho, que na concepção da autora deste trabalho é uma pessoa morena. Objetivou-se verificar ao longo das entrevistas a variante escolhida pelos informantes: LOIRA ~ LOURA ~ LORA. Nos quinze slides apresentados, havia oito possibilidades de realização dessas variantes. As realizações por informante se encontram anexadas a este trabalho. Por fim, esclarecemos que as variantes aqui estudadas foram consideradas no sentido de cabelo/barba/penugem claros.

Revele n. 8 maio/2015 5 3 Explicitação dos dados Para melhor compreensão do fenômeno em questão, vejam-se as tabelas abaixo: TABELA 1 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre mulheres com ensino médio completo, na faixa etária de 24 anos Variante Mulheres Ensino % Médio LOIRA 1 6,25 LOURA 3 18,75 LORA 12 75 TOTAL 16 100 TABELA 2 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre mulheres com ensino médio completo, na faixa etária entre 49 e 50 anos Variante Mulheres Ensino % Médio LOIRA 14 87,5 LOURA 1 6,25 LORA 1 6,25 TOTAL 16 100 Analisando as Tabelas 1 e 2, pode-se observar que as mulheres com ensino médio e faixa etária de 24 anos (jovens) realizam, consideravelmente, mais a variante monotongada (75% de ocorrência de LORA) que as demais variantes (LOIRA ~ LOURA) 25% somadas. Já a ocorrência na fala das mulheres com ensino médio e faixa etária de 49 a 50 anos (adultas) é de apenas 6,25% para a variante monotongada (LORA) e para as variantes ditongadas (LOIRA ~ LOURA) o percentual somado é de 93,75%. Realizando o teste do qui-quadrado, conforme a Tabela 3, confirmamos, estatisticamente, que mulheres com ensino médio e jovens (faixa etária de 24 anos) realizam, significativamente, mais a variante monotongada LORA e que as mulheres com ensino médio e adultas (faixa etária 49 e 50 anos) realizam mais as formas ditongadas, em especial a variante LOIRA.

Revele n. 8 maio/2015 6 TABELA 3 p-valor 1 Significância das formas variantes LOIRA ~ LORA, entre mulheres com ensino médio e jovens e com ensino médio e adultas VALORES REAIS Mulheres com Variante ensino médio jovens Mulheres com ensino médio adultas p-valor fator 1 e 2 0,00000 58512 LOIRA 1 14 LORA 12 1 TOTAL 13 15 TABELA 4 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre mulheres com ensino superior completo, na faixa etária entre 27 e 31 anos Variante Mulheres Ensino % Superior LOIRA 0 0 LOURA 1 6,25 LORA 15 93,7 TOTAL 16 100 TABELA 5 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre mulheres com ensino superior completo, na faixa etária entre 47 e 51 anos Variante Mulheres Ensino % Superior LOIRA 7 43,75 LOURA 3 18,75 LORA 6 37,5 TOTAL 16 100 Analisando os dados das Tabelas 4 e 5, também observamos diferenças na realização das variantes. Mulheres com ensino superior e faixa etária entre 27 e 31 anos (jovens) possuem uma realização quase categórica da variante LORA 93,75% e utilizam apenas uma variante ditongada LOURA que totaliza apenas 6,25% das realizações. Já os dados da Tabela 5 se apresentam mais equitativamente distribuídos que os da Tabela 4. Pode-se observar que as mulheres com ensino superior e faixa etária entre 47 e 51 anos (adultas)

Revele n. 8 maio/2015 7 realizam mais em sua fala a variante LOIRA 43,75%, sendo que esta é seguida imediatamente pelo uso da variante LORA 37,5% e, por fim, pela variante LOURA 18,75%. Realizando o teste do qui-quadrado, confirmamos, estatisticamente, que mulheres com ensino superior e jovens (faixa etária entre 27 e 31 anos) realizam, significativamente, mais a variante monotongada LORA, e que as mulheres com ensino superior e adultas (faixa etária entre 47 e 51 anos) realizam mais as formas ditongadas, em especial a variante LOIRA, como se pode ver na Tabela 6. TABELA 6 p-valor 2 Significância das formas variantes LOIRA ~ LORA, entre mulheres com ensino superior e jovens e com ensino superior e adultas Variante VALORES REAIS Mulheres com ensino superior jovens Mulheres com ensino superior adultas p-valor fator 1 e 2 0,00 10320139 LOIRA 0 7 LORA 15 6 TOTAL 15 13 TABELA 7 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre homens com ensino médio completo, na faixa etária entre 19 e 21 anos Variante Homens Ensino % Médio LOIRA 8 50 LOURA 0 0 LORA 8 50 TOTAL 16 100 TABELA 8 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre homens com ensino médio completo, na faixa etária entre 44 e 56 anos Variante Homens Ensino % Médio LOIRA 16 100 LOURA 0 0 LORA 0 0 TOTAL 16 100

Revele n. 8 maio/2015 8 Analisando as Tabelas 7 e 8, pode-se observar que os homens com ensino médio e faixa etária entre 19 e 21 anos (jovens) realizam, equitativamente, as variantes LOIRA ~ LORA 50% de ocorrência para cada variante. Já os homens com ensino médio e faixa etária de 44 a 56 anos (adultos) realizam, categoricamente, a variante LOIRA 100% de ocorrência. Realizando o teste do qui-quadrado, confirmamos, estatisticamente, que os homens com ensino médio e jovens (faixa etária entre 19 e 21 anos) realizam, significativamente, mais a variante monotongada LORA, e que os homens com ensino médio e adultos (faixa etária entre 44 e 56 anos) realizam, significativamente, mais a forma ditongada LOIRA. TABELA 9 p-valor 3 Significância das formas variantes LOIRA ~ LORA, entre homens com ensino médio e jovens e com ensino médio e adultos VALORES REAIS Homens com Variante ensino médio jovens Homens com ensino médio adultos p-valor fator 1 e 2 0,00 10908352 LOIRA 8 16 LORA 8 0 TOTAL 16 16 TABELA 10 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre homens com ensino superior completo, na faixa etária entre 31 e 37 anos Variante Homens Ensino % Superior LOIRA 14 87,5 LOURA 0 0 LORA 2 12,5 TOTAL 16 100

Revele n. 8 maio/2015 9 TABELA 11 Realização dos ditongos oi ~ ou nas formas variantes LOIRA ~ LOURA, entre homens com ensino superior completo, na faixa etária entre 51 e 57 anos Variante Homens Ensino % Superior LOIRA 0 0 LOURA 1 6,25 LORA 15 93,75 TOTAL 16 100 Analisando as Tabelas 10 e 11, observa-se que os homens com ensino superior e faixa etária entre 31 e 37 anos (jovens) e que os homens com ensino superior e faixa etária de 51 a 57 anos (adultos) se aproximam em termos de percentuais quase que categóricos de realização: 87,5% e 93,75% respectivamente. No entanto, se as variantes que geram esses percentuais forem analisadas, verifica-se que os homens mais jovens realizam, significativamente, mais a variante LOIRA e que os homens adultos realizam, significativamente, mais a variante LORA. A significância dos dados é confirmada abaixo, na Tabela 12, com a realização do teste do qui-quadrado. TABELA 12 p-valor 4 Significância das formas variantes LOIRA ~ LORA, entre homens com ensino superior e jovens e com ensino superior e adultos VALORES REAIS Homens com ensino superior Variante jovens Homens com ensino superior adultos p-valor fator 1 e 2 0,00 00009970 LOIRA 14 0 LORA 2 15 TOTAL 16 15 Por fim, se analisarmos os percentuais de realização por gênero, desconsiderando-se, assim, a faixa etária e a escolaridade, é notória a diferença de comportamento que se verifica entre homens e mulheres estas tendem a realizar, majoritariamente, em sua fala a forma monotongada LORA, apesar de também utilizarem as formas ditongadas LOIRA e LOURA. Já os homens, em contrapartida, realizam, predominantemente, a forma variante ditongada

Revele n. 8 maio/2015 10 LOIRA, apesar de também usarem a forma monotongada LORA e a forma ditongada LOURA. 60 50 40 30 20 LOIRA LOURA LORA 10 0 MULHER GRÁFICO 1 Realização das variantes por gênero - mulher 60 50 40 30 20 LOIRA LOURA LORA 10 0 HOMEM GRÁFICO 2 Realização das variantes por gênero - homem Conclusão Tendo como base os dados coletados e analisados nesta pesquisa, bem como os pressupostos da Sociolinguística variacionista de W. Labov, podemos afirmar que há indícios de que as mulheres jovens tanto do ensino médio quanto do ensino superior utilizam mais a variante monotongada LORA e que as mulheres adultas tanto do ensino médio quanto do

Revele n. 8 maio/2015 11 ensino superior utilizam mais as variantes ditongadas, sendo a variante LOIRA a forma mais usada. Além disso, é possível dizer que entre as mulheres do ensino médio há indícios de progressão da variante LORA. Em relação aos homens jovens com ensino médio, verificamos que, assim como as mulheres jovens com ensino médio, há indícios de progressão da variante monotongada, apesar das mulheres estarem à frente no processo, por apresentarem mais realizações dessa variante. Já os homens jovens com ensino superior parecem seguir uma tendência contrária a dos homens jovens com ensino médio, porque enquanto estes parecem progredir, conforme apontam os dados, no uso da variante LORA, aqueles apresentam indícios de progressão da variante LOIRA. Este resultado contraria a hipótese estabelecida neste trabalho de que há uma tendência à monotongação de [ou] entre os informantes mais jovens. Também foram inesperados os resultados obtidos entre os homens adultos com ensino superior, os quais apresentaram mais realizações da variante monotongada LORA. Há indícios de que os homens jovens com ensino superior estão se comportando como os homens adultos com ensino médio. E que os homens adultos com ensino superior estão se comportando como os homens jovens com ensino médio. Comparando os percentuais de realização das variantes LOIRA ~ LOURA ~ LORA para cada gênero, verificamos que homens e mulheres, independente de faixa etária e escolaridade, apresentam comportamentos diferentes as mulheres tendem a realizar mais em sua fala a variante monotongada LORA e os homens realizam mais a variante LOIRA. Os gráficos apresentados evidenciam essa tendência inversamente proporcional de uso dessas variantes entre esses dois gêneros. Essa diferença, em termos de comportamento, foi estudada por Labov (2001), o qual verificou, de modo geral, que as mulheres estão à frente dos homens nos processos de desenvolvimento de mudança linguística, quando esta não é socialmente estigmatizada. Assim, considerando que a variante LORA apresenta indícios de progressão e não apresenta estigma social, as mulheres tendem a realizar com maior frequência essa variante se comparadas aos homens. Por fim, apesar de este estudo apresentar algumas limitações, como número reduzido de informantes e faixa etária não coincidente em 100% entre os grupos, foram apresentados

Revele n. 8 maio/2015 12 resultados interessantes, os quais podem contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas. Referências ALKMIM, T. M. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F. ; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. v. 1. p. 21-76. ALVES, J. D. S. R.; VIEGAS, M. C. Formas variantes LOIRA ~ LOURA e LOIÇA ~ LOUÇA na história do português. In: VIEGAS, M. C. (Org.). Minas é Singular. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2013. p. 107-116. CÂMARA JR. J. M. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1977. CASTILHO, A. T. Estudos de Língua Falada: uma entrevista com Ataliba Teixeira de Castilho. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL, v. 3, n. 4, 2005. p. 1-11. HORA, D. Contribuições da sociolingüística variacionista para o ensino: relação entre fala e leitura. In: SILVA, C. R. (Org.). Ensino de Português: demandas teóricas e práticas. João Pessoa: Idéia, 2007. p. 91-125. LABOV, W. Principles of Linguistic Change: social factors. Oxford: Blackwell, 2001. LABOV, W. Padrões Sociolinguísticos [1972]. São Paulo: Parábola, 2008. LABOV, W. Sociolinguística: uma entrevista com William Labov. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL, v. 5, n. 9, agosto, 2007. p. 1-3. MARTINS, E. F. Os glides no português brasileiro. 2011. 158 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 2008. Recebido em: 11/9/14 Aceito em: 7/10/2014

Revele n. 8 maio/2015 13 ANEXO A Slides apresentados nas entrevistas Fonte: Google Imagens Figura 1 SHARON STONE Figura 2

Revele n. 8 maio/2015 14 TICIANE PINHEIRO Figura 3 MALVINO SALVADOR Figura 4

Revele n. 8 maio/2015 15 DAVID BECKHAM Figura 5 XUXA MENEGHEL Figura 6

Revele n. 8 maio/2015 16 ELIANA Figura 7 JULIANA PAES Figura 8

Revele n. 8 maio/2015 17 GRAZI MASSAFERA Figura 9 CAMILA MORGADO Figura 10

Revele n. 8 maio/2015 18 MADONNA Figura 11 CAUÃ REYMOND Figura 12

Revele n. 8 maio/2015 19 HENRI CASTELLI Figura 13 ANGÉLICA Figura 14

Revele n. 8 maio/2015 20 ANDERSON SILVA Figura 15 DAIANE DOS SANTOS Figura 16

Revele n. 8 maio/2015 21 ANEXO B TABELA REALIZAÇÃO DAS VARIANTES LOIRA ~ LOURA ~ LORA POR INFORMANTE Informante/ Gênero Escolaridade Idade Variante LOIRA 1 / F EM 4 2 / F EM 4 x Variante LOURA xx x Variante LORA xxxxxxx xxx Total de realizações x 8 3 / F EM x x x 8 9 xxxxx 4 / F EM x 8 0 xxxxxxx 5 / F Superior x 8 completo 7 xxxxxxx 6 / F Superior x x 8 completo 1 xxxxxx 7 / F Superior x x 8 completo 7 x xxxxx 8 / F Superior x x 8 completo 1 xxxxxx 9 / M EM completo x 8 9 xxxxxxx 10 / M Ensino médio x 8 completo 1 xxxxxxx 11 / Ensino médio x 8 Masculino completo 4 xxxxxxx 12 / Ensino médio x 8 Masculino completo 6 xxxxxxx 13 / Superior x x 8 Masculino completo 1 xxxxx x 14 / Superior x 8 Masculino completo 7 xxxxxxx 1 Superior x x 8 5 / Masculino completo 1 xxxxxx 1 Superior x 8 6 / Masculino completo 7 xxxxxxx Obs: Cada x representado na tabela acima significa uma realização. x 8