Estudo de dosagem de tijolos de solo-cimento com adição de resíduos de construção e demolição



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Transcrição:

DOI: 10.4025/actascitechnol.v33i2.9377 Estudo de dosagem de tijolos de solo-cimento com adição de resíduos de construção e demolição Antonio Anderson da Silva Segantini * e Patrycia Hanna Wada Universidade Estadual Paulista, Av. Brasil, 56, 15385-000, Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: anderson@dec.feis.unesp.br RESUMO. O desenvolvimento sustentável requer uma cadeia produtiva na qual se insere a reutilização dos resíduos de construção na composição de novos materiais. Objetivou-se neste trabalho estudar uma dosagem ótima para o solo-cimento, composto com resíduos de construção e demolição, visando à confecção de tijolos prensados. Os materiais utilizados foram resíduos de construção e demolição (RCD), solo arenoso fino de classificação A-4 e cimento CP II Z 32. Foram feitos ensaios de caracterização dos materiais em laboratório como, ensaios de compactação, umidade ótima e massa específica aparente seca máxima, determinação dos limites de consistência, análise granulométrica e retração linear. Foram também realizados ensaios de compressão simples e absorção em tijolos em diferentes composições de traços. Os resultados obtidos mostraram que a aplicação de RCD beneficiou as propriedades do solo-cimento e diminuiu a retração do material. Palavras-chave: materiais de construção, desenvolvimento sustentável, reciclagem, reutilização. ABSTRACT. An evaluation of the composition of soil cement bricks with construction and demolition waste. Sustainable development requires the existence of a production network that includes the reuse of construction waste for new materials. Current analysis investigates an optimal soil-cement composition made up of construction and demolition waste for the manufacture of pressed bricks. Soil-cement bricks were manufactured from construction and demolition wastes (CDW), A-4 classified fine sandy soil and cement CP II Z 32. Laboratory tests, comprising test compaction, optimum water content and maximum dry specific weight, consistency limits, grain size distribution and linear shrinkage, were made to characterize the materials researched. Compressive strength and absorption tests were also undertaken in different combinations of composition. Results showed that the application of CDW improved soil-cement qualities and reduced shrinkage of the material used. Keywords: construction material, sustainable development, recycling, reuse. Introdução A construção civil é uma atividade geradora de grandes volumes de resíduos, tendo como consequência enormes desperdícios de materiais nobres, como areia, pedra, madeira e cimento, entre outros. Pode também vir a se tornar um sério problema ambiental, sobretudo pela atual escassez de locais para a deposição deste grande volume de materiais, em geral, rejeitado nas construções. Em alguns países, como Holanda, Bélgica, França, Alemanha e Estados Unidos, entre outros, já existe razoável conscientização da importância de se reciclar os Resíduos de Construção e Demolição (RCD). Mas para que isto ocorra de forma satisfatória, se faz necessária a existência de uma cadeia complexa, que tem início na organização do sistema de coleta, passando pelos processos de tratamento e termina na disponibilização dos materiais reciclados. Estas etapas são bastante distintas, envolvendo setores diferentes, mas que requerem integração, sem a qual a cadeia toda pode ficar comprometida. Obviamente a complexidade do assunto se estende à qualidade dos projetos executivos, em que se incluem estudos detalhados de técnicas construtivas, nas quais se procuram minimizar a geração de entulhos e os desperdícios com materiais e mão-de-obra. Contudo, inevitavelmente, sempre haverá alguma geração de resíduos, os quais poderiam ser reaproveitados, quando possível, no próprio setor da construção, haja vista que é o local de sua origem e onde certamente existirão maiores possibilidades para o seu reaproveitamento. Assim, neste trabalho, objetivou-se avaliar a possibilidade de reaproveitamento dos RCD na composição do solocimento, visando a sua aplicação na confecção de tijolos prensados.

180 Segantini e Wada Sabe-se que os solos arenosos são os mais indicados para a confecção do solo-cimento, proporcionando valores de resistência adequados com baixo consumo de cimento (SOUZA et al., 2008). Deste modo, considerando-se que os RCD após processo de trituração possuem características tipicamente arenosas, objetivou-se, neste trabalho, estudar a possibilidade de utilizá-los na composição de alguns solos, de modo a torná-los mais arenosos e, portanto, mais apropriados para a confecção de tijolos de solo-cimento. Foram estudadas cinco misturas com diferentes proporções entre a massa de solo e a de RCD, para as quais se trabalhou com cinco diferentes teores de cimento. Realizaram-se ensaios de laboratório visando à caracterização dos materiais utilizados, além de ensaios de absorção e de compressão simples em tijolos de solo-cimento. Os resultados obtidos indicaram que a adição dos RCD possibilitou a confecção de tijolos com qualidade, mesmo com reduzido consumo de cimento, contribuindo positivamente para a melhoria de suas propriedades. Resíduos de construção e demolição (rcd) Consideram-se Resíduos de Construção e Demolição (RCD) todo e qualquer resíduo proveniente de construções, obras de reforma ou demolições, obras de arte, limpeza de terrenos, com presença ou não de solo e/ou de vegetação, entre os quais se incluem diferentes tipos de plástico, materiais isolantes e betuminosos, papéis, madeiras, metais, concretos, argamassas, tijolos, telhas e gesso, entre outros. A porção composta por concretos, argamassas, materiais cerâmicos, solos e gesso, que são de origem mineral, representam cerca de 90% da massa total dos RCD gerados na Europa, no Brasil e em alguns países asiáticos (ULSEN et al., 2010). Tijolos de solo-cimento Os tijolos de solo-cimento podem ser uma alternativa interessante para a construção. Na sua manufatura são utilizados os seguintes materiais: solo, cimento, água e adições. A principal aplicação dos tijolos é na execução de paredes, mas podem também ser utilizados em fundações, passeios e contrapisos, além de coberturas abobadadas e lajes mistas. Na produção dos tijolos, a terra é misturada ao cimento e à água em dosagens apropriadas, sendo esta mistura colocada em uma prensa de onde sai o tijolo prensado. Note-se que, ao invés de serem levados ao forno, como é o caso dos tijolos de barro cozido, neste caso os tijolos são produzidos a frio, mas devem ser curados por sete dias à sombra, ficando assim prontos para serem utilizados (CASANOVA, 2009). Praticamente, qualquer tipo de solo pode ser utilizado, entretanto os solos mais apropriados são os que possuem teor de areia entre 45 e 50% (PCA, 1969). Somente os solos que contêm matéria orgânica em sua composição não podem ser utilizados. O solo a ser utilizado na mistura pode ser extraído do próprio local da obra (ABCP, 2009). A Figura 1 apresenta uma ilustração de uma casa construída com tijolos de solo-cimento. Figura 1. Casa construída com tijolos de solo-cimento-resíduos. Fonte: http://habitare.infohab.org.br/conteudoget.aspx?cd_conteudo=261. Os tijolos de solo-cimento representam uma alternativa em sintonia com o desenvolvimento sustentável, pois requerem baixo consumo de energia na extração da matéria-prima, dispensam o processo de queima e reduzem a necessidade de transporte, uma vez que os tijolos podem ser produzidos com solo do próprio local da obra; outro aspecto é a possibilidade de racionalização do processo construtivo, por meio do uso de tijolos modulares, que possibilitam o uso das técnicas empregadas na alvenaria estrutural, proporcionando redução de desperdícios e diminuição do volume de entulho gerado. Deste modo, propiciam maior rapidez no processo construtivo; economia de materiais e de mão-de-obra; eliminam a necessidade de rasgos nas paredes para a passagem de tubulações, visto que os tijolos possuem furos que ficam sobrepostos no assentamento e formam dutos por onde são passados os fios e as tubulações hidráulicas; reduzem o consumo de argamassas de assentamento e de regularização; e tem ainda a vantagem de oferecer conforto térmico e acústico superior ao das construções convencionais (SEGANTINI; ALCANTARA, 2007). Ao contrário dos tijolos de argila queimada, que não permitem reaproveitamento quando se quebram, os de solo cimento podem ser triturados e imediatamente reutilizados na confecção de novos tijolos, não havendo, portanto, geração de resíduos na sua produção. Considerando-se estas e outras vantagens, estima-se que os tijolos de solo cimento podem proporcionar uma redução de 30 a 40% no custo final de uma obra.

Tijolos de solo-cimento com resíduos de construção 181 Material e métodos Material Na realização deste trabalho foram utilizados os seguintes materiais: Solo: utilizou-se um solo arenoso fino, classificado como A-4 (HBR, 1945); Cimento: utilizou-se o cimento CP II Z 32, de aplicação geral, recomendado para a manufatura de artefatos de cimento, concreto estrutural e elementos pré-moldados. Suas especificações técnicas atendem aos requisitos de resistência e durabilidade, requeridos na realização deste trabalho; Água: utilizou-se água potável proveniente da rede pública de abastecimento; RCD Resíduos de Construção e Demolição: constituído por restos de argamassa, solo, agregados, concreto, tijolos e telhas, este material foi obtido por intermédio de empresas coletoras de resíduos, sendo posteriormente triturado em um britador de facas e peneirado, de modo a ficar com diâmetro máximo de 4,8 mm, com aspecto visual similar à de uma areia grossa de construção, conforme apresentado na Figura 2. (em relação à massa do solo), para as quais se trabalhou com 6, 8 e 10% de cimento. Os resultados obtidos indicaram que seria possível obter resistências satisfatórias trabalhandose com teores de cimento inferiores a 6%. Ficou também evidenciado que havia margem para se avaliar dosagens com mais de 40% de RCD, razão pela qual, na segunda fase, foram estudadas misturas contendo 60, 80 e 100% de RCD (em relação à massa de solo), para as quais se trabalhou com 2 e 4% de cimento. Os ensaios foram realizados aos 7, 28, 56 e 120 dias. Uma descrição mais detalhada das misturas utilizadas é apresentada na Tabela 1. Tabela 1. Descrição das dosagens utilizadas. Traço Composição da mistura (kg) Equivalente em massa (%) (1) SC (R, C) Solo RCD Cimento Soma Solo Resíduo Cimento Soma SC (0, 6) 100 0 6 106 94,3 0 5,7 100 SC (0, 8) 100 0 8 108 92,6 0 7,4 100 SC (0, 10) 100 0 10 110 90,9 0 9,1 100 SC (20, 6) 100 20 7,2 127,2 78,6 15,7 5,7 100,0 SC (20, 8) 100 20 9,6 129,6 77,2 15,4 7,4 100,0 SC (20, 10) 100 20 12 132 75,8 15,2 9,1 100,0 SC (40, 6) 100 40 8,4 148,4 67,4 27,0 5,7 100,0 SC (40, 8) 100 40 11,2 151,2 66,1 26,5 7,4 100,0 SC (40, 10) 100 40 14 154 64,9 26,0 9,1 100,0 SC (60, 2) 100 60 3,2 163,2 61,3 36,8 2,0 100,0 SC (60, 4) 100 60 6,4 166,4 60,1 36,1 3,8 100,0 SC (60, 6) 100 60 9,6 169,6 59,0 35,4 5,7 100,0 SC (80, 2) 100 80 3,6 183,6 54,5 43,6 2,0 100,0 SC (80, 4) 100 80 7,2 187,2 53,4 42,7 3,8 100,0 SC (80, 6) 100 80 10,8 190,8 52,4 41,9 5,7 100,0 SC (100, 2) 100 100 4 204 49,0 49,0 2,0 100,0 SC (100, 4) 100 100 8 208 48,1 48,1 3,8 100,0 SC (100, 6) 100 100 12 212 47,2 47,2 5,7 100,0 (1) - SC (R, C) = denominação das composições de solo-cimento; SC - solo-cimento; R - resíduo; C cimento. Figura 2. Aspecto visual do RCD. Métodos Foram realizados ensaios de laboratório visando à caracterização dos materiais, compreendendo: ensaios de compactação com determinação da umidade ótima e da massa específica aparente seca máxima, determinação dos limites de consistência, análise granulométrica e retração linear. Foram também realizados ensaios de compressão simples e absorção em tijolos. A avaliação da resistência à compressão foi efetuada em duas etapas. Na primeira etapa foram estudadas, além do solo natural, misturas solo-rcd com 20 e 40% de RCD Os tijolos para a realização dos ensaios foram manufaturados em uma prensa manual, controlando-se a energia de compactação, a massa dos materiais e os teores de cimento e umidade, de modo a se obter tijolos rigorosamente fabricados em conformidade com as dosagens previamente estabelecidas. Os ensaios foram conduzidos seguindo-se as prescrições das normas técnicas brasileiras pertinentes. Realizaram-se também para cada mistura um estudo de retração na secagem, seguindo-se as recomendações do Ceped (1984). Embora seja um ensaio empírico, os resultados apontam com praticidade uma razoável tendência de comportamento do solo frente à retração na secagem. Este aspecto é importante no que se refere ao desempenho das alvenarias frente à retração na secagem dos tijolos. Resultados e discussão Na Tabela 2 são apresentados os resultados obtidos nos ensaios de análise granulométrica,

182 Segantini e Wada índices de consistência, massa específica dos sólidos, absorção e retração na secagem. A adição dos RCD, conforme é apresentado na Tabela 2, melhorou as propriedades granulométricas do solo, tornando-o mais arenoso e mais apropriado para a confecção do solocimento. Nota-se que o RCD em estudo possui 92% de areia em sua composição, sendo, portanto, uma excelente alternativa para melhorar o solo visando à confecção do solo-cimento. Assim, a adição de apenas 20% de RCD já foi suficiente para promover sensível redução tanto no limite de liquidez (de 27,7 para 20,9%) quanto no limite de plasticidade (de 18,3 para 16,2%), contribuindo positivamente para a melhoria das características de plasticidade e trabalhabilidade do material. Verifica-se, contudo, que entre as diferentes porcentagens de adição, não houve grandes variações nos limites de consistência, indicando haver boa flexibilidade no que se refere à quantidade de RCD a ser utilizada, sem perdas para a qualidade final da mistura. Houve também redução acentuada na retração por secagem (de 26,0 para 6,0 mm), resultado este bastante importante para o desempenho das alvenarias, tornando mínima a possibilidade de surgimento de fissuras pela retração na secagem dos tijolos. No que se refere à absorção, conforme se observa na Tabela 2, nota-se que a adição de RCD não promoveu alterações substanciais na absorção dos tijolos. Este aspecto, bastante positivo, permite também boa flexibilidade no que se refere à quantidade de RCD a ser adicionada, sem que haja variações bruscas na absorção dos tijolos. Nas Figuras 3 e 4 são apresentados os resultados obtidos nos ensaios de compressão simples, sendo que na Figura 3 são apresentados resultados dos ensaios realizados na primeira fase do trabalho, na qual, além do solo natural, foram trabalhados dois teores de RCD (20 e 40%) em relação à massa do solo e três teores de cimento (6, 8 e 10%) em relação à massa da mistura solo-rcd. Resistência (MPa) 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 SC (0, 6) SC (0, 8) SC (0, 10) SC (20, 6) SC (20, 8) SC (20, 10) SC (40, 6) 7 dias 28 dias 56 dias 120 dias Figura 3. Resistência à compressão dos tijolos com 0, 20 e 40% de RCD. Os resultados obtidos para as misturas solo- RCD com apenas 6% de cimento se mostraram bastante satisfatórios, sempre com valores acima de 2,0 MPa para a resistência à compressão, valor este considerado suficientemente seguro para a construção de alvenarias de vedação. Por esta razão, na segunda etapa do trabalho, aventou-se a possibilidade de se trabalhar com menores teores de cimento e maiores teores de RCD na composição da mistura. Na Figura 4 são apresentados os resultados obtidos nesta segunda fase do trabalho, em que se trabalhou com três teores de RCD (60, 80 e 100%) em relação à massa do solo e dois teores de cimento (2 e 4%) em relação à massa da mistura solo-rcd. Resistência (MPa) 7 6 5 4 3 2 1 0 SC (60, 2) SC (60, 4) SC (60, 6) SC (80, 2) SC (80, 4) SC (80, 6) SC (100, 2) 7 dias 28 dias 56 dias 120 dias Figura 4. Resistência à compressão dos tijolos com traços de 60, 80 e 100% de RCD. SC (40, 8) SC (100, 4) SC (40, 10) SC (100, 6) Tabela 2. Composições granulométricas, índices de consistência, massa específica dos sólidos, absorção e retração na secagem. LL = limite de liquidez; LP = limite de plasticidade; IP= índice de plasticidade; s = massa específica dos sólidos; (*) Mistura com 6% de cimento. Misturas Argila (%) Silte (%) Areia Areia Areia LL (%) LP (%) IP (%) s (g cm³ -1 ) Absorção (*) (mm) Retração (mm) Fina (%) Média (%) Grossa (%) Solo Natural 21,8 20,2 57,7 0 0,0 27,7 18,3 9,4 2,74 17,5 26,0 Solo +20% RCD 21,5 13,6 55,5 7,7 1,7 20,9 16,2 4,7 2,67 15,2 9,0 Solo +40% RCD 18,0 12,5 55,3 11,2 3,0 20,8 16,6 4,2 2,67 14,9 6,0 Solo +60% RCD 19,2 11,3 51,7 14,6 3,2 21,5 16,1 5,4 2,67 15,4 9,0 Solo +80% RCD 17,4 11,6 52,1 15,9 3,0 20,9 15,8 5,1 2,66 15,9 10,0 Solo + 10% RCD 13,1 14,9 51,2 17,8 3,0 20,4 15,5 4,9 2,67 16,1 10,1 Resíduo 0,7 7,3 52,7 30,3 9,0 2,72

Tijolos de solo-cimento com resíduos de construção 183 Considerando-se que para as alvenarias de vedação são ideais tijolos com resistência superior a 2,0 MPa aos sete dias de cura, observa-se na Figura 4 que para as misturas com 2% de cimento os resultados obtidos se mostraram insuficientes. Contudo, para as misturas com 4% de cimento os resultados se apresentaram plenamente aceitáveis, superando o valor de resistência considerado ideal. Observa-se que quanto maior a quantidade de RCD presente na mistura, maior é a resposta em termos de resistência à compressão. Assim, para os materiais em estudo, conclui-se que as dosagens compostas no mínimo com 4% de cimento, com adição de 20% ou mais de RCD, são consideradas ótimas para a confecção de tijolos de solo-cimento. Conclusão O solo-cimento é uma excelente matriz para o aproveitamento dos RCD, possibilitando a adição de até 100% de RCD em relação à massa de solo, sem prejuízos para a qualidade do produto final. A adição dos RCD promoveu acentuada redução na retração do material, favorecendo o desempenho das alvenarias de vedação quanto ao aspecto da retração na secagem dos tijolos. As composições com RCD responderam positivamente no que se refere à resistência à compressão dos tijolos, inclusive com redução do consumo de cimento. Os melhores resultados foram obtidos para as misturas contendo 4% de cimento, com adição de no mínimo 20% de RCD, obtendo-se melhores resultados na medida em que se aumenta a quantidade de RCD na mistura, até 100% em relação à massa do solo. Referências ABCP-Associação Brasileira de Cimento Portland. Aplicações do solo-cimento. Disponível em:<http://www.abcp.org.br/basico_sobre_cimento/solo_ cimento.shtml>. Acesso em: 3 ago. 2009. CASANOVA, F. J. O solo como material de construção. Revista Habitare, 2004. Disponível em: <http://www. habitare.org.br/conteudoget.aspx?cd_conteudo=262>. Acesso em: 3 ago. 2009. CEPED-Centro de Pesquisas e Desenvolvimento. Manual de construção com solo-cimento. Camaçari: Ceped, 1984. HBR-Highway Research Board. Report of committee on classification of materials for subgrades and granular type roads. Highway Research Board Proceedings, v. 25, p. 376-384, 1945. PCA-Portland Cement Association. Soil-cement construction handbook. Illinois: PCA, 1969. SEGANTINI, A. A. S.; ALCANTARA, M. A. M. Solocimento e solo-cal. In: ISAIA, G. C. (Ed.). Materiais de construção civil e princípios da ciência e engenharia de materiais. São Paulo: Instituto Brasileiro do Concreto, 2007. v. 2, p. 834-861. SOUZA, M. I. B.; SEGANTINI, A. A. S.; PEREIRA, J. A. Tijolos prensados de solo-cimento confeccionados com resíduos de concreto. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 205-212, 2008. ULSEN, C.; KAHN, H.; ÂNGULO, S. C.; JOHN, V. M. Chemical composition of mixed construction and demolition recycled aggregates from the State of São Paulo. Revista de Escola de Minas, v. 63, n. 2, p. 339-346, 2010. Received on February 9, 2010. Accepted on October 6, 2010. License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.