O CHEQUE PRÉ-DATADO : USOS E COSTUMES VERSUS LEGALIDADE



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1 O CHEQUE PRÉ-DATADO : USOS E COSTUMES VERSUS LEGALIDADE Elizabeth Heindel Gouvêa de Miranda Advogada; Pós-graduada em Comércio Exterior pela UMA; Pós-graduanda em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Newton Paiva. 1. INTRODUÇÃO A importância do tema proposto se ampara na praticidade da emissão deste título de crédito o cheque - como forma de facilitar as compras à prazo, sem maiores entraves burocráticos na obtenção de créditos, como ocorre nas instituições financeiras. A emissão do cheque pós-datado, comercialmente denominado de "prédatado" é hoje uma das formas mais comuns de parcelamento de débito nas relações comerciais do país, movimentando a compra e venda em todas as esferas sociais. E nesta esteira, vislumbrando também participar de um nicho de mercado, percebese que a cada dia são criadas sociedades empresárias, em especial, as conhecidas como faturização ou factoring, especializadas em negociar estes títulos com aqueles que se utilizam desta prática comercial, trocando-os por dinheiro, mediante um desconto sobre o valor do título. Segundo FERNANDES, De fato, em dado momento, as operações comerciais necessitaram tornar-se mais rápidas e mais amplas. Para isso, o crédito ocupou ponto de destaque, pois possibilitou que uma pessoa pudesse gozar de imediato da mercadoria ou serviços oferecidos no momento da transação, relegando o respectivo pagamento para o futuro. 1 1 FERNANDES, Jean Carlos. Títulos de Crédito: Uma Análise das Principais Disposições do Novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência IOB, nº 15, v. III, p. 387-391, 1ª Quinzena Ago. 2003

2 É assim que se percebe o desenvolvimento de mais uma atividade rentável, estimulada em função da prática dos cheques pré-datados, por fazer circular uma considerável quantia pecuniária. Importante frisar que, em função do montante movimentado, há por parte das factorings, um interesse, quase exclusivo, em trabalhar somente com cheques pré-datados, o que tem desestimulado o seu crescimento em outras searas das atividades mercantis. Estas sociedades empresárias de fomento mercantil, segundo a Res. BC nº 2144/95, não podem praticar quaisquer atos estranhos à definição legal dada pela legislação tributária, o que viria a caracterizar infringência à Lei da Reforma Bancária Lei nº 4.595/64 e à Lei nº 7.492/86. Ainda que culturalmente consagrado nas transações mercantis como sendo o principal instrumento de crédito usado para as compras a prazo, responsável pelo favorecimento à circulação de riquezas e o progresso empresarial, por ser uma maneira simplificada e rápida de obtenção de crédito, o tema gera polêmica pois, ao confrontar-se a emissão do cheque pré-datado com a legislação vigente, resta claro o seu caráter de ilegalidade, já que inexiste o instituto. 2. HISTÓRICO O nome cheque aparece pela primeira vez no Brasil no Decreto nº 917 de 24 de outubro de 1890, mas surge, realmente, como instituto com a introdução da Lei nº 149-B de 1893. Somente em 7 de agosto de 1912 com o Decreto nº 2.591 começa o referido instituto a ser disciplinado, sobrevindo ainda outros decretos sem, contudo, proteger verdadeiramente contra a emissão de cheque sem fundos. E, é com a adoção do Decreto nº 57.595 de 7 de janeiro de 1966, que promulgava as Convenções para a adoção de uma lei uniforme em matéria de cheques,

3 assinadas em Genebra em 19 de março de 1931 2, que houve uma reforma na legislação vigente sendo o instituto protegido, então, pela Lei Uniforme e legislação extravagante, até que em 2 de setembro de 1985 foi promulgada a Lei nº 7.357 incorporando as normas da Lei Uniforme e regulando as matérias objeto de reserva subscritas pelo governo brasileiro. 3. CONCEITO DE CHEQUE O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco ou assemelhado, com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos, para que pague à pessoa elencada, à sua ordem, ou ao portador, o montante em dinheiro nela constante. Pode ser recebido diretamente na agência em que o emitente mantém conta ou depositado em outra agência, para ser compensado e creditado na conta do correntista. Portanto, ao ser emitido, poderá ser descontado imediatamente. Assim, o elemento essencial é a natureza de ordem à vista, como se extrai do art. 32 da Lei do Cheque, Lei nº 7.357 de 2 de setembro de 1985: "Art. 32. O cheque é ordem de pagamento à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrato. Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação." O preceito informa que o cheque pode ser de imediato descontado na entidade bancária respectiva, ainda que figure no título expressamente data posterior ao do dia da apresentação. 2 Doria, Dylson. Curso de Direito Comercial. V II, São Paulo : Saraiva, 1998, 13 ed., rev. e atual.

4 4. O CHEQUE PRÉ-DATADO Trata-se de um ajuste extracambiário, firmado entre o emitente e o tomador para que o cheque seja apresentado para o pagamento na data constante do título ou em outra data pactuada tacitamente, posteriormente à emissão do cheque, porém no lapso temporal legal de apresentação. É um acordo que se funda exclusivamente na confiança do tomador com relação ao emitente, uma vez que não existe esta previsão na legislação vigente Lei Uniforme de Genebra e Lei nº 7.357/85. Conseqüentemente, não há também qualquer tipo de penalidade prevista para o caso de descumprimento deste acordo ou garantia ao emitente, já que o cheque pré-datado pode ser descontado mesmo em data anterior à data pactuada no título. O preenchimento do título com uma data posterior não altera o ditame legal do pagamento à vista retro mencionado. Na verdade, o cheque pré-datado não é uma operação de crédito, eis que o consumidor ao parcelar o seu débito fornece este tipo de cheque tendo em vista ser um modo mais fácil de obtenção de crédito, diferentemente dos propostos nas operadoras de crédito factoring - que exigem o preenchimento de fichas cadastrais e extenso rol de documentos para liberarem o financiamento das compras a prazo. Por isto, se o cheque for apresentado antes da data de vencimento será descontado e, se não houver fundos, o mesmo será devolvido e o consumidor terá que arcar com as mesmas conseqüências de quaisquer outros emissores de cheque devolvidos por falta de fundos. 4.1. USOS E COSTUMES Não há com negar a considerável participação dos cheques pré-datados no país, que gira em torno de 68,38% (sessenta e oito vírgula trinta e oito por cento) do total

5 de transações nacionais feitas com este tipo de título, segundo informações recentes do Telecheque de Minas Gerais e Centro-Oeste. 3 É um mecanismo utilizado como chamariz nas propagandas veiculadas com a finalidade de ampliar as vendas no comércio. A sociedade que consagrou o cheque pós-datado ou pré-datado como título de crédito a prazo, carece agora de regras que possam regularizar a sua utilização, fundando um instituto com preceitos próprios, para distingui-lo dos cheques comuns ou modificando o art. 32 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357 de 2 de setembro de 1985), que passaria a respeitar a data aposta no cheque, pagando unicamente nesta data constante do título, além de ampliar a proteção jurídica aos conflitos decorrentes destas relações. 4.2. ASPECTO JURÍDICO Sob o aspecto jurídico, inexiste o cheque pré-datado e, por conseguinte, quaisquer proteções às relações firmadas. As normas jurídicas vigentes - Lei Uniforme de Genebra e Lei nº 7.357/85 em confronto com os usos e costumes, posicionam o cheque como ordem de pagamento à vista, desconsiderando uma eventual pós-data expressa no título. Entende DÓRIA 4 que,... de sua natureza de meio de pagamento provém a inadmissibilidade do cheque pós-datado. É que sua permissibilidade tornaria o cheque simples título de crédito. Daí dizer que o art. 32, parágrafo único, da Lei n. 7.357/85, repetindo o art. 28, al. 2ª, a Lei Uniforme, que o cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação. 3 Jornal o Estado de Minas, Caderno de Economia, p. 18, quarta-feira, 18 jan. 2006. 4 DÓRIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. 2º vol., São Paulo : Saraiva, 1998, 13 ed., rev. e atual., p. 88

6 A Súmula do Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal de Justiça configuram o cheque como sendo uma garantia de pagamento de dívida. Assim, se vinculado a uma nota fiscal, o cheque pode transformar-se em documento representativo de transação mercantil, adquirindo a posição de um título de crédito. O Banco Central BACEN - não reconhece o instituto do cheque pré-datado, ao contrário dos órgãos de defesa do consumidor, que interpretam como sendo um respeitado contrato entre as partes. Sugerem até que o consumidor se previna de possíveis prejuízos, tomando algumas medidas preventivas, que viriam a resguardar direitos, ao comprovar que o título foi emitido para pagamento futuro, o que faria desaparecer a função de ordem de pagamento à vista, transformando, assim, o cheque pré-datado num título de crédito com características similares às da letra de câmbio a prazo ou mesmo a nota promissória. Seria o caso do consumidor ao datar o cheque para data futura, colocar os números dos cheques e as datas de vencimento no corpo da nota fiscal ou no recibo do pedido, além de não deixá-lo ao portador. 4.3. NATUREZA JURÍDICA DO CHEQUE A natureza jurídica do cheque suscita a formação de diversas teorias, que se contrapõem. A corrente que trata o cheque como uma ordem de pagamento à vista enfrenta hoje muita polêmica e tem como um dos seus defensores Pontes de Miranda. Na teoria da dupla natureza do cheque, temos Sérgio Carlos Covello, Sebastião José Roque e Pedro Sampaio sustentando que, no fato de se pré-datar um cheque, reside o ponto determinante para que o mesmo se transforme em título de crédito realizável a prazo. Entendem Waldemar Ferreira, Waldírio Bulgarelli, Fran Martins, Carvalho de Mendonça, Otávio Mendes, João Eunápio Borges e Rúbens Requião, que configura

7 o cheque um título de crédito, eis que possue os elementos confiança e prazo que caracterizam a operação creditória. A pós-data transforma o cheque em título de crédito disponível a prazo. Entretanto, dentro desta mesma corrente há divergências: Rúbens Requião e Waldemar Ferreira concordam que o cheque tem a natureza de título de crédito quando circula por meio do endosso. Para Fran Martins não é o cheque um verdadeiro título de crédito, tratando-o como um titulo de crédito impróprio ao circular por endosso. 5. DANOS MORAIS O cotidiano está repleto de credores de cheques pré-datados que, por alguma razão, apresentam o mesmo antes da data pactuada, figurando uma quebra de contrato que, acarretando algum prejuízo para o emitente, poderá ser objeto de uma ação indenizatória. As sociedades empresárias que descontam os cheques pré-datados antes da época avençada têm sido condenadas pelos Tribunais a pagarem indenizações pelos danos causados aos emitentes, com a finalidade de recompor os danos morais oriundos do abalo de crédito ou pelo constrangimento sofrido pelo emitente de cheques. Mas isto não significa que os bancos possam ser responsabilizados pelo pagamento de cheques pré-datados, caso sejam apresentados antes da data constante de sua emissão, uma vez que a lei concede ao portador do título a prerrogativa de, em observados os prazos para a apresentação e sendo o cheque uma ordem de pagamento à vista, descontá-lo a qualquer momento, caso haja saldo ou crédito em favor do emitente. Muitas decisões dos tribunais julgando procedentes as ações de indenização movidas por consumidores em face das sociedades empresárias por descontarem cheques pré-datados, antes da data prevista no título, têm gerado controvérsia.

8 Mesmo que os autores tenham sofrido constrangimentos, a parte ré estaria sendo condenada por praticar ato considerado legal segundo as normas vigentes. Isto demonstra que a legislação hodierna no tocante ao instituto do cheque se não tem cumprido o seu objetivo, uma vez que a sociedade e os próprios tribunais, através de seus precedentes jurisprudenciais, têm constantemente agido a contrario sensu. Os consumidores por se utilizarem de um prática não amparada por mecanismos legais e os tribunais por exarem decisões que contrariam a própria lei. Importa informar que as indenizações advindas destes processos têm os seus valores calculados de acordo com o caso concreto, segundo o grau do dano eventualmente sofrido pelo emitente do cheque no aspecto moral, ficando a critério exclusivo do convencimento de cada juiz ou tribunal. No tocante às indenizações por dano material, há que se provar a existência do dano, do seu valor e da relação causa e efeito, ou seja, da prova de que o efetivo prejuízo decorreu pela apresentação em época diversa da data prevista no título. Assim são arbitradas quantias capazes de recompor na totalidade o prejuízo material sofrido pelo emitente. Neste sentido a jurisprudência: RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CHEQUE PRÉ-DATADO - A apresentação prematura de cheque a estabelecimento bancário, resultando em encerramento da conta do emitente, acarreta ao responsável obrigação indenizatória por dano moral, que deve ser fixada de acordo com a gravidade da lesão, intensidade da culpa ou dolo do agente e condições sócio-econômicas das partes. (TAMG - AC 190.931-9 - 5ª C. - Rel. Juiz Aloysio Nogueira - DJMG 09.08.95) CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE PRÉ-DATADO. APRESENTAÇÃO ANTES DO PRAZO. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. Não ataca o fundamento do acórdão o recurso especial que discute apenas a natureza jurídica do título cambial emitido e desconsidera o posicionamento do acórdão a respeito da existência de má-fé na conduta de um dos contratantes. A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. REsp 707272 / PB ; RECURSO ESPECIAL 2004/0169322-6, Min. Nancy Andrighi 3ª Turma DJ 21.03.2005, p. 382).

9 PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CHEQUE DADO EM GARANTIA DE DÍVIDA. PRÉ-DATADO. DEVOLVIDO SEM FUNDOS. PRECEDENTES. 1. A emissão de cheques como garantia de dívida (prédatados), e não como ordem de pagamento à vista, não constitui crime de estelionato, na modalidade prevista no art. 171, 2º, inciso VI, do Código Penal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso provido. (RHC 13793 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2002/0169545-2, Ministra LAURITA VAZ 5ª Turma - DJ 19.12.2003, p. 496). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando-se todos os pontos expostos, conclui-se que não podem os operadores do Direito se curvarem diante de uma legislação que não mais coaduna com a prática empresarial observada. Há que se legalizar o uso do cheque pré-datado, reconhecendo-o como instituto, no sentido de regulamentar e respeitar a pós-data aposta na emissão do cheque. É necessário que os legisladores revoguem a legislação vigente e editem novas normas, pois manter a atual realidade é amparar uma contradição entre os usos e costumes e o aspecto jurídico que envolve o instituto. Ao mesmo tempo que o cheque pré-datado é amplamente utilizado nas operações mercantis por toda a sociedade, é considerado como sendo inexistente pela normas jurídicas, o que acaba por deixar desacobertada várias situações que se requer a aplicação de sanções penais. Inegável que a necessidade de se agilizar as operações de crédito no mercado de compra e venda acarretou tamanha interferência no instituto do cheque, que não mais se pode negar o seu caráter de pagamento à vista e de título de crédito a prazo. Deste modo, a regulamentação desta prática mercantil, já consagrada pelos usos e costumes, traduz-se numa necessidade jurídica de se legitimar o parcelamento de

10 débito de uma forma simplificada e ágil, com a finalidade de se evitar os constrangimentos derivados das relações criadas costumeiramente. 7. IBLIOGRAFIA ABRÃO, Carlos Henrique. Contra-ordem e oposição no cheque. São Paulo : Editora Universitária de Direito, 1990. BULGARELLI, Waldírio. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro : Atlas, 1994. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 15 ed, rev. e atual., São Paulo : Saraiva, 2004. FERNANDES, Jean Carlos. Títulos de Crédito: Uma Análise das Principais Disposições do Novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência IOB, n.º 15, v. III, p. 387-391, 1ª Quinzena de agosto de 2003. JORNAL O ESTADO DE MINAS, Caderno de Economia, p. 18, quarta-feira, 18 jan. 2006 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Da Legalidade do Cheque Pré-Datado Enfoque jurídico e cultural. Disponível em <http://www.direitobancario.com.br/ artigos/direitobancario>. Acesso em 23 jan. 2006. MARTINS, Fran. O cheque segundo a nova lei., v. I e II, 13 ed., Rio de Janeiro : Forense, 1998. PAES, Paulo Roberto Tavares. Curso de Direito Comercial; v.2. São Paulo : Saraiva, 1986. REQUIÃO, Rúbens. Curso de Direito Comercial. São Paulo : Saraiva, 1988. SAMPAIO, Pedro. A Lei dos Cheques - Comentários e Fórmulas. Rio de Janeiro : Forense, 1988. SOUZA, Marcos Antonio Cardoso de. Cheque pré-datado: enfoque legal e moral. Disponível em <http://marcosadvogado.hpg.com.br>. Acesso em 15 jan. 2006.

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