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Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Eixo temático: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação Comunicação Acesso às escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro: entre a demanda e a oferta 1 Julia Tavares de Carvalho Amanda Morganna Moreira Rodrigo Rosistolato Resumo Este estudo discute a distribuição de oportunidades educacionais e a existência de possíveis mecanismos de segregação escolar na rede municipal do Rio de Janeiro. O objetivo é compreender como ocorre a distribuição dos alunos entre escolas na transição do 5º para o 6º ano do ensino fundamental com base na ação das famílias e dos atores da direção escolar durante a matrícula. O estudo combinou análises quantitativas e qualitativas. Para analisar os padrões de envio de alunos no final do 5º ano utilizamos a base de dados da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. As entrevistas realizadas com as famílias e os diretores escolares permitiram compreender os critérios utilizados pelas famílias para escolha de escolas, as estratégias para acessá-las e os procedimentos de matrícula adotados pelos gestores para alocação dos alunos. Os resultados sugerem padrões de envio de alunos entre escolas com características semelhantes. O estudo mostra que as famílias seguem caminhos distintos para conseguir vagas nas escolas escolhidas e que os atores da burocracia educacional têm papel ativo na seleção do alunado das escolas. Palavras-chave: escolha escolar; burocracia educacional. Introdução A cidade do Rio de Janeiro possui uma rede de escolas de ensino fundamental que contempla quase toda a demanda por educação nos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Este nível de ensino apresenta uma oferta universalizada, o que, a princípio, não incentivaria disputa por vagas. As regras de matrícula permitem que os familiares escolham quaisquer escolas para os filhos. Não há qualquer tipo de barreira legal de 1 Esse trabalho não seria possível sem a colaboração das professoras Mariane Campelo Koslinski e Ana Pires do Prado (UFRJ), que também integram a equipe do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais LaPOpE. Agradecemos à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro por ter cedido dados de sua base de informações educacionais. O trabalho foi realizado com financiamento da Faperj e do Observatório Educação e Cidade. 1

acesso, ampliando as possibilidades de escolha. No entanto, embora exista oferta universal de vagas, os resultados das avaliações externas de aprendizagem apresentam discrepâncias de desempenho entre as escolas da rede. Famílias que desejam matricular os filhos em escolas municipais enfrentam o desafio da escolha frente à oferta de escolas com distintas características no que se refere à qualidade, prestígio e alunado que recebem, mesmo aquelas localizadas no mesmo bairro. Considerando que as escolas não são iguais e que as famílias são responsáveis pela escolha das escolas para seus filhos, cabe indagar: Quais são os critérios estabelecidos pelas famílias para escolherem as escolas municipais para seus filhos? Como acessam a escola desejada? Simultaneamente, como as escolas definem os critérios de acesso e o público que frequentará determinada instituição em situações de maior demanda do que oferta? Como ocorre a distribuição de alunos nas escolas da rede? A discussão internacional sobre segregação escolar com foco na distribuição de alunos entre escolas analisa políticas e regras de matrículas em diversos contextos, principalmente em países europeus, nos Estados Unidos e no Chile (Gorard; Fitz; Taylor, 2003; Elacqua, 2011; Glenn, 2009; Noreish, 2007). A discussão apresenta as limitações e possibilidades para a ação das famílias e das escolas e, consequentemente, para a distribuição do alunado entre escolas. Além da literatura internacional sobre escolha escolar e dos estudos sobre as relações família/escola no Brasil (Nogueira, 2005), pesquisas anteriores já indicavam que as escolas da rede municipal do Rio de Janeiro possuíam reputações diferentes na perspectiva de familiares e estudantes. Costa (2008) apontou a correlação entre reputação das escolas e o perfil sociocultural do alunado e uma relativa homogeneidade do alunado. Estudos posteriores identificaram padrões desiguais de distribuição de alunos entre as escolas da rede e propuseram a hipótese de que, ao menos em parte, a hierarquização entre as escolas era resultante de processos relacionados à oferta escolar (Costa; Koslinski, 2011). Nesse contexto, o presente estudo pretende analisar a distribuição dos alunos em um polo de matrícula considerando (1) os procedimentos de escolha e acesso realizados pelas famílias para conseguir uma vaga na escola de preferência e (2) as tomadas de decisão dos atores da burocracia educacional que operam o processo de matrícula. Um polo de matrícula é caracterizado por um conjunto de escolas localizadas próximas geograficamente, constituindo uma organização para fins de alocação de alunos em períodos de matrícula no final de um ano letivo. Até 2009, uma das escolas do polo sediava seu espaço físico para lidar com as matrículas de todas as escolas pertencentes a seu grupo. No entanto, em 2010, o procedimento modificou-se e a primeira fase da 2

matrícula e a transferência interna passaram a ser feitas pela internet 2. E em caso de remanejamento 3, a escola deve encaminhar (remanejar) o aluno sem que ele precise solicitar a vaga online 4. Considerando a direção escolar como principal responsável pelo momento de remanejamento, nossa hipótese inicial era de que a distribuição de alunos não acontecia de forma aleatória e a burocracia educacional teria papel ativo nesse processo, assim como as famílias. Os alunos seriam remanejados do 1º para o 2º segmento, em escolas do mesmo polo, de acordo com o perfil socioeconômico e/ou acadêmico das mesmas. Metodologia O estudo utilizou uma base de dados disponibilizada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro com informações sobre o alunado da rede. Os principais dados utilizados foram: (a) escolarização dos pais; (b) escolas frequentadas no 5º (2009) e 6º ano (2010). Analisamos o perfil das escolas, o fluxo de alunos entre o primeiro e o segundo segmento (Carvalho, 2014) e a escolha de famílias para a realização das entrevistas. A segunda abordagem, qualitativa, analisou o material obtido a partir de entrevistas realizadas com famílias e direção de escolas. Para esclarecer a escolha escolar das famílias e o acesso às escolas municipais, foram realizadas entrevistas com famílias 5 cujos filhos trocaram de escolas ao concluírem o 5º ano do ensino fundamental. Além disso, para compreender os procedimentos de matrícula adotados pelos atores que compõem a burocracia educacional, foram realizadas três entrevistas com membros da direção da Escola I, Escola A e Escola G 6. Análise de dados As escolas pertencentes ao polo escolhido para esse estudo possuem distintos perfis de alunos e discrepâncias de desempenho nas avaliações externas de aprendizagem. A tabela a seguir apresenta dados sobre as escolas que compõem o universo estudado, informando a proporção de alunos cujos pais possuem alta escolaridade 7 e as médias das notas da Prova Brasil dos últimos anos 8. 2 Para a explicação das etapas do processo de matrícula, ver estudo de Koslinski et al (2014, prelo). 3 O remanejamento ocorre quando a escola não oferece o segmento seguinte, sendo necessário remanejar os alunos para outra escola que ofereça o próximo segmento. Em geral, o remanejamento transfere os alunos em blocos para escolas conveniadas, ou seja, aquelas que fazem parte do polo. 4 http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4463799/4112236/guia_matriculageral_201414.11.pdf 5 No final de 2012 havia no polo estudado 310 alunos que trocaram de escola ao concluírem o 5º ano do ensino fundamental. Foram selecionadas aleatoriamente 30 famílias para aplicação de questionários e entrevistas. 6 Essas escolas apresentam características extremas quanto ao desempenho e perfil do alunado. 7 Esta variável foi calculada com base em uma variável ordinal que indica a escolarização dos pais dos alunos. Ela está disposta no banco de dados da seguinte maneira: 0 para pais analfabetos; 1 para pais com ensino fundamental incompleto; 2 para pais com ensino fundamental completo; 3 para 3

Tabela: Composição do alunado e a Prova Brasil nas escolas do Polo Z Observa-se que a média da nota da Prova Brasil Padronizada diminui progressivamente entre as escolas de 1º segmento e também de 2º segmento. Enquanto esta diminuição parece estar correlacionada à proporção de alunos de 2º segmento que tem pais com alta escolaridade, o mesmo não vale para o primeiro grupo de escolas. As escolas de 1º segmento têm, em média, 36,37% de alunos com pais de alta escolaridade e algumas escolas apresentam maior desempenho medido pela Prova Brasil, se comparadas a outras com maiores proporções de alunos com pais mais escolarizados, como é o caso das Escolas E, F e G. Comparando as escolas de 2º segmento, é possível verificar uma polarização entre a Escola I, com 62,86% de alunos com pais de alta escolaridade e as demais escolas do polo, com valores que variam de 34,06% a 15,41%. O mesmo padrão é observado em relação à nota na Prova Brasil: a Escola I apresentou uma nota média em torno de 2 desvios-padrão ou mais acima das demais escolas. Tendo como base essas informações, o fluxograma apresentado a seguir representa a movimentação dos alunos do 5º para o 6º ano do Polo Z entre os anos de 2009 e 2010. O fluxograma dispõe as escolas em ordem decrescente de desempenho medido pela Prova Brasil Padronizada. A primeira coluna agrupa as escolas do primeiro segmento e a segunda coluna, escolas de segundo segmento. Cada retângulo identifica uma escola e indica quantos alunos foram enviados para escolas de 6º ano. As setas apresentam cores e espessuras diferentes, que indicam a quantidade de alunos remanejados 9. pais com ensino médio; 4 para pais com ensino superior. Foram considerados pais com alta escolaridade aqueles que completaram o ensino médio e o ensino superior. 8 A nota da Prova Brasil Padronizada foi calculada com base na média das notas da Prova Brasil de 2005, 2007, 2009 e 2011. 9 Para analisar o quantitativo de alunos enviados de uma escola para outra, nos baseamos nos valores ajustados padronizados obtidos com a estatística do qui quadrado. Se os alunos enviados ultrapassaram muito o esperado, interpretamos como +4; se ultrapassaram razoavelmente, +2; se 4

O primeiro padrão observado é a inércia dos alunos matriculados nas escolas que oferecem os dois segmentos do ensino fundamental. Como esperado, quase todos os alunos matriculados em 2009 no 5º ano do ensino fundamental nas escolas E, G e H, que são escolas de 1º ao 9º ano, permaneceram nessas escolas em 2010. Estas escolas, a partir do 6º ano, aumentam as vagas oferecidas e também recebem alunos remanejados das escolas que só têm o 1º segmento do ensino fundamental. Além disso, o fluxo entre as escolas que só oferecem 1º segmento e as escolas que oferecem 2º segmento não parece ser aleatório e sugere um aparente convênio entre as escolas. A Escola I (escola receptora) recebe alunos remanejados das escolas A, B, C que são aquelas que apresentaram maior desempenho na Prova Brasil de 5º ano e que concentram alunos cujos pais têm alta escolaridade. Também recebe alunos remanejados da escola F, na qual a porcentagem de pais de alunos com menor escolaridade é alta. No foram enviados menos alunos do que o esperado, -2; se poucos alunos foram enviados para determinada escola, -4. 5

entanto, não recebe alunos remanejados das escolas D e J que, além de alunos com menor nível socioeconômico, apresentaram os menores desempenhos na Prova Brasil de 5º ano. Estas escolas só enviam alunos para as escolas II, E, G e H, que também apresentam alunos com pais com menor escolaridade e pior desempenho na Prova Brasil. Escolha e acesso por parte das famílias As visões das famílias sobre as escolas do bairro são compartilhadas por suas redes de sociabilidade e organizam as escolas em hierarquias de prestígio. Perguntamos às famílias qual era a melhor escola do bairro e as Escolas I e II foram as que receberam mais avaliações positivas. São as escolas com maior desempenho e com maior porcentagem de pais com alta escolaridade. Observamos uma correspondência entre a escolha das famílias e a melhor escola do bairro 10. As famílias não apenas reconhecem a melhor escola, como desejam matricular seus filhos na Escola I. Entre as 30 famílias da amostra, 20 escolheram as escolas dos filhos, sendo que 12 pais desejaram matricular seus filhos na Escola I. Oito famílias conseguiram matricular seus filhos na Escola I. As famílias indicam que existem critérios de seleção para matrícula na Escola I, levando-os a percorrerem caminhos diferentes para o acesso às escolas. Selecionamos três casos exemplares que nos permitem refletir sobre os processos utilizados pelas famílias no momento de escolha e acesso às escolas municipais. São trajetórias de alunos que estudaram na Escola C durante o 5º ano e suas famílias escolheram matriculá-los na Escola I no 6º ano. Contudo, descreveram processos diferentes no momento do remanejamento e no acesso à vaga na escola desejada. O primeiro caso trata-se do aluno José. Sua mãe cursou até o quarto ano do ensino fundamental e está desempregada. A mãe considera José um bom aluno e espera que o filho conclua o ensino médio. José estudava na Escola C. No período do remanejamento a direção entregou para a mãe um documento para ser preenchido com três escolas de preferência da responsável. A mãe escolheu, respectivamente, a Escola I, a Escola G e a Escola II. Ela queria que o filho estudasse na Escola I porque falam que é uma das melhores escolas do bairro. O aluno foi encaminhado para a última opção listada pela mãe, a Escola II. A mãe procurou a diretora da escola de primeiro segmento buscando o motivo de não ter sua escolha respeitada. Segundo a responsável, a diretora respondeu que não tinha vaga e a prioridade era para alunos que já tinham irmãos matriculados na escola. Diante disso, a mãe de José acatou a indicação da escola, matriculando o filho na Escola II. 10 Os nossos resultados seguem a constatação feita por Costa (2008) que demonstrou que as classificações dos pais tendem a coincidir com o desempenho das escolas. 6

O segundo caso exemplar diz respeito ao aluno Carlos. Sua mãe trabalha como auxiliar de limpeza e possui o ensino médio completo. Para a mãe, Carlos é um bom aluno e espera que o filho curse uma faculdade. Quando Carlos precisou trocar de escola no período do remanejamento, a mãe estava determinada a matricular o filho na Escola I. Para ela, esta é a melhor escola do bairro e seus filhos mais velhos já haviam estudado nesta escola. Por isso, desde que Carlos iniciou sua trajetória escolar, pensava em transferi-lo para a Escola I. A mãe de Carlos relatou que não foi difícil o acesso à vaga na Escola I. Segundo ela, a direção da escola de primeiro segmento fez uma reunião com os pais em que eles foram informados que havia dez vagas disponíveis na Escola I. No entanto, as vagas estavam divididas igualmente para alunos cujos irmãos estudavam na Escola I e para os melhores alunos 11. A mãe informou que quando o número de concorrentes excede ao número de vagas oferecidas pela Escola I, a direção da escola de 1º segmento seleciona os que podem concorrer às vagas. Como o irmão de Carlos estudava na Escola I, a mãe, nessa mesma reunião, manifestou seu desejo de matricular seu filho nessa escola e conseguiu a vaga. A mãe acredita que se não tivesse filhos mais velhos estudando na Escola I, não teria conseguido matricular o Carlos, pois por ela ser o melhor, todo mundo quer ir pra lá. Por causa disso, é difícil mesmo. O terceiro caso é o da aluna Vanessa. Sua mãe possui o ensino médio completo e trabalha como autônoma, fazendo bicos. A mãe tem fé em Deus que sua filha cursará uma faculdade. Para ela, a menina é uma boa aluna. Vanessa também estudava na Escola C. A mãe contou que começou a pensar na troca de escola da filha no início do ano letivo. O processo de escolha começou quando a Escola C entregou um documento para os pais preencherem com opções de escolas, em ordem de preferência. A mãe listou, respectivamente, a Escola I, a Escola II e a Escola G. Sobre o motivo de ter escolhido a Escola I como primeira opção, declarou: (...) todo mundo fala que a Escola I é uma escola boa, (...) que as notas lá são muito bem aplicadas porque os professores puxam bastante. Aí eu queria, né, experimentar, testar para ver se ela era realmente tudo isso. No entanto, a mãe não conseguiu acessar a vaga desejada. Vanessa foi encaminhada para a Escola II. A entrevistada declarou ser bastante difícil acessar a Escola I, porque todos acreditam que esta é a melhor escola do bairro. A mãe resolveu, então, deixar para lá e não procurou saber o motivo de não ter conseguido a vaga na escola desejada. Procedimentos de matrícula por parte das escolas 11 Temos outro caso semelhante ao relatado por essa mãe. Trata-se de uma aluna considerada uma das dez melhores alunas da Escola C e foi selecionada para a Escola I. Segundo a entrevistada: a Escola C prepara e a gente já sabia que os melhores alunos iriam para a Escola I. Aí, desde que elas entraram aqui [na Escola C], elas estavam preparadas, condicionadas a essa vaga! (...) Essa escola [Escola I] pega os melhores alunos pro sexto ano. 7

As entrevistas realizadas com os diretores das escolas selecionadas indicam que são as escolas de primeiro segmento que decidem sobre o quantitativo de vagas que cada uma deve receber e as mesmas elaboram os próprios critérios para a concessão de vagas para seus alunos: Direção Escola I: Então eu falo lá [na reunião do polo] (...) eu tenho 100 vagas, aí eu preciso de tantos, de tantos, de tantos. Então vai ser o quê? Vinte pra cada um, se são cinco escolas? Ah, eu não preciso das 20, eu só preciso de 10, como acontece na Escola A. Aí a Escola B ah, então eu quero essas 10, mas aí tem a Escola C ah, mas eu preciso de mais 5, aí fica [sic] 5 pra cada um. Então ali, eu sou o último a me meter, porque senão ali eles mordem até a minha mão! Entrevistadora: Então é uma articulação entre o primeiro segmento, né. Direção Escola I: Entre quem quer mandar aluno pra cá. Vira e mexe, uma vez ou outra, como foi o ano passado, ou ano retrasado, o Pedro, que é da Escola J, que é uma escola que fica lá dentro da favela (...), falou tenho um aluno muito bom que quer ir pra tua escola. Falei: ô, gente, o Pedrinho... como ele nunca manda aluno pra cá, já tenho uma vaga dele. O relato acima evidencia que há uma organização do polo de escolas no remanejamento dos alunos. Além disso, mostra que há uma grande procura por vagas na Escola I que gera disputa entre as escolas que estão interessadas em enviar seus alunos. As escolas remetentes têm maior poder de decisão, embora no caso relatado o diretor tenha tentado influenciar na decisão sobre uma vaga. As entrevistas realizadas com os diretores também permitiram mapear os critérios utilizados por escolas de 1º segmento para envio dos alunos para as escolas de 2º segmento. Observamos que o Polo Z apresenta uma variação que inclui desde escolha dos pais e sorteio até a seleção de alunos de melhor desempenho por parte das escolas remetentes. Direção Escola I: Aí cada escola tem seu critério. Por exemplo, a Escola A aqui faz sorteio. A Escola C e a Escola D fazem sorteio, mas só que dá seguinte forma: participa primeiro os alunos que têm melhor conceito. Eles fazem tipo uma seleção. Se o aluno é mais dedicado, tem um conceito melhor, ele tem direito de escolher primeiro. Então eles vão pegar aqueles MB`s. Vinte MB`s. Vamos imaginar que os 20 MB s querem vir pra cá. Mas eu só tenho 12 vagas. Então eles vão sortear entre os alunos MB s, porque eles têm esse critério inclusive registrado em Ata. A Escola B que é aqui do lado nunca tem um critério assim muito claro. Às vezes é sorteio. As vezes eles encaminham aqueles que eles acham que vai... têm mais chance de prosseguir mais em um estudo mais puxado, né, porque aqui a gente tem fama de ser uma escola que exige mais, que puxa mais. Então tem muito aluno, ou até responsável mesmo que nem quer que o aluno venha pra cá. Porque sabe que a chance de ele ficar reprovado é grande. Então nem quer. (...). A partir desse relato podemos colocar duas questões: (1) cada escola de 1º segmento adota um tipo de procedimento para selecionar os alunos que serão remanejados para a Escola I; (2) há ausência de rigor nos critérios de escolha dos alunos. O que parece estar claro sobre o polo estudado é que os critérios articulados pelas escolas de primeiro 8

segmento influenciam a composição do alunado nas escolas de segundo segmento. Por exemplo, quando perguntada sobre a qualidade da Escola I, a direção atribui, entre outros fatores, ao perfil dos alunos que recebe das outras escolas. Direção Escola I: Aqui a escola já criou uma fama, então muitas vezes a escola deixa escolher primeiro o aluno MB. Então a gente acaba recebendo mais alunos MB s do 1º segmento, do que as escolas do entorno. Então é o efeito tostines: a gente rende mais, porque recebe alunos melhores e recebe aluno melhor... e por receber aluno melhor, rende mais. Acaba virando a escola que tem fama de boa e o aluno quer vir pra cá e o fato do bom aluno querer vir pra cá, acaba rendendo mais. Podemos dizer que as escolas de segundo segmento não participam do remanejamento dos alunos do 5º para o 6º ano. No entanto, o mesmo não acontece durante a transferência interna de alunos que ocorre em qualquer período do ano letivo. Quando perguntado sobre os procedimentos durante a matrícula de alunos que pedem transferência, o entrevistado explica: Direção Escola I: Normalmente a gente pergunta. E dependendo se for uma escola aqui do polo, se a gente tem certa intimidade com a direção, a gente pergunta. (...) pô, como é fulano de tal? Quer se matricular aqui. Aí eles me falam: ih, Diretor I, isso aí é uma peste, né, ou não: ah, é muito bom aluno. Então esse tipo de informação a gente pega também. Mas, quando vem de uma escola particular, normalmente a única informação que eu tenho é o histórico que ele traz ou é o boletim. Mas esse não é nem o nosso principal critério de seleção, não. O principal critério é proximidade. A ausência de especificações e fiscalização sobre os procedimentos que devem ser adotados pelas escolas durante as transferências parece contribuir para práticas não aleatórias. A direção da Escola G relatou um caso em que tentou recusar transferência de alunos, mas não teve sucesso. Ela explicou que, quando um responsável procura por vaga ao longo do ano letivo, a direção procura fazer um levantamento do histórico do estudante a fim de averiguar a razão por estar procurando por vaga depois das aulas já terem iniciado. Contou que uma mãe foi procurar por vaga na metade do ano para o filho, que estudava em uma escola ao lado da Escola G. Por ter sido repreendido por indisciplina, a diretora teria sugerido que ele trocasse de escola. A diretora da Escola G recusou receber o aluno e a CRE entrou em contato com a entrevistada pedindo para aceitá-lo ( quase pedindo por favor, pedindo com jeitinho... ). A diretora tentou recusar ao questionar por que ele tem que vir pra cá?, mas, no fim, o aluno ingressou na Escola G. Considerações finais As fragilidades que as regras de matrícula na rede municipal do Rio de Janeiro apresentam permitem diversas interpretações em relação ao remanejamento e à transferência. Os atores envolvidos na distribuição dos alunos interpretam as regras de 9

matrícula de diferentes formas. A partir disso, desenvolvem critérios e apresentam justificativas para aceitar ou rejeitar alunos. Os resultados mostram a existência de segregação escolar circunscrita aos agrupamentos geográficos de escolas e padrões claros de transferência de alunos entre escolas com determinado perfil. Evidências mostram que processos que influenciam a composição do alunado não se restringem à autosseleção ou à escolha das famílias por escolas. Observamos que as famílias adotam diferentes estratégias de escolha e de acesso às escolas selecionadas. Ao mesmo tempo, os atores que compõem a burocracia educacional exercem papel decisivo na alocação dos alunos nas escolas ao estabelecer critérios não aleatórios para concessão de vagas. As famílias, por sua vez, revelam que as direções escolares exercem domínio pessoal e arbitrário no acesso dos alunos às escolas, limitando as possibilidades de escolha por parte das famílias. Referências Bibliográficas CARVALHO, J. T. Segregação escolar e a burocracia educacional: uma análise da composição do alunado nas escolas municipais do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014. COSTA, M. Prestígio e hierarquia escolar: estudo de caso sobre diferenças entre escolas em uma rede municipal. Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 13, p. 455-469, 2008. ; KOSLINSKI, M.C. Quase-mercado oculto: a disputa por escolas comuns no Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa, v. 41, p. 246-266, 2011. KOSLINSKI, M. C.; COSTA, M., BRUEL, A. L.; BARTHOLO, T. Movimentação de estudantes em um sistema educacional padrões de tracking rotulagem e reprodução da estratificação social. Pro-posições, no prelo. ELACQUA, G. The impact of school choice and public policy on segregation: Evidence from Chile. International Journal of Educational Development 32, pp. 444-453, 2012. GLENN, C. School Segregation and Virtuous Markets. Communication présentée au colloque Penser les marches scolaires Rappe, Université de Genève, Mars 2009. GORARD, S.; TAYLOR, C.; FITZ, J. School, markets and choice policies. London: Routledge Falmer. 2003. NOGUEIRA, M. A. A relação família-escola na contemporaneidade: fenômeno social/interrogações sociológicas. Análise Social, Portugal, v. XL, n.176, pp.563-578. NOREISH, K. Choice as rule, exception and coincidence: parents understandings of catchment areas in Berlin. Urban Studies, Vol. 44, N. 7, pp. 1307-1328, June 2007. 10