Algumas considerações sobre a escuta psicanalítica

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I n s t i t u t o T r i a n o n d e P s i c a n á l i s e

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Transcrição:

Propus me fazer algumas considerações sobre a escuta psicanalítica considero as fundamentais é uma questão que tem me indagado, além de que, para a qual, sendo também mestra em Antropologia Cultural, fui convidada para falar aos alunos dos cursos de mestrado e doutorado em Antropologia da UFPE, em seminário sobre a entrevista em pesquisas de campo. Mas é um assunto que ainda pretendo aprofundar, pois a escuta está implicada com toda a teoria produzida a partir da clínica. Coloco, de início, uma referência a qual tenho recorrido ao refletir sobre nossas discussões de formação no Traço, que é a ética da Psicanálise, ou seja, seu assentamento sobre a ética do desejo. Ou seja, é pelo viés de uma falta que a prática da Psicanálise pode ser posta em ação, diferenciando se assim da terapêutica, pois busca esta a restituição a um estado primeiro, de não falta. Não se restitui, pela impossibilidade, um estado anterior, imaginado como de bem estar e perdido, se se considera que a falta é estruturante, efeito da castração. A experiência da Psicanálise é original por ser singular a cada análise, não sendo uma experiência especular do desejo de um sujeito que tem por suposto o saber sobre o outro, ou modelos de bem viver, mas é discurso efeito de um laço a dois, não intersubjetivo, que vai situar no lugar da falha da relação sexual, da falha da correspondência sexual, laço que é responsável por um discurso que solda o analisando ao par analisando analista como diz bem Lacan na La Troisième 1. Sabemos então, que desde 1 La Troisième. (Roma, dezembro de 1974). Cadernos DAIMON, nº 24. CCGR.POA. Tradução de Alduísio Moreira de Souza. 1

sua criação por Freud que a Psicanálise se fundamentou em torno do Édipo e da castração. Por essas considerações temos aí, de partida, que não há um pretenso estado primeiro, diacrônico, imaginado de bem estar, perdido, o qual se deva restituir: há o mal estar da cultura, necessária que ela é para se viver socialmente. A propósito do desejo, de se restituir um estado de bem estar, de querer fazer o bem ao analisando, Lacan 2 vai discutir esse querer apontando para que, a cada instante, saibamos qual deva ser nossa relação efetiva com o desejo de fazer bem, de curar. Desejo que nos desencaminha, diz ele, sendo mesmo, paradoxalmente, um desejo de não curar. Afinal, pergunta: de que desejam vocês curar o sujeito? curá lo das ilusões que o retêm na via de seu desejo. Mas até onde podemos ir nesse sentido? E, afinal, essas ilusões [...] ainda é preciso que o sujeito queira abandoná las. O limite da resistência será aqui simplesmente individual? (p.268). Portanto, essa indagação de Lacan já nos remete à nossa própria análise. A questão de querer fazer o bem está articulada em sua relação com a Lei. A harmonia, buscada pela elucidação do desejo, e o desejo, a ser revelado pela experiência analítica que muda a relação do sujeito com o bem. Querer fazer o bem, pode se concluir, é querer oferecer esse falo imaginário desejado. Pela Psicanálise sabemos que nenhum sujeito é presumível por um outro sujeito, pois o outro, semelhante, é inabordável em seu Outro lugar da operação da linguagem, da palavra e tesouro dos significantes de cada sujeito; significantes que só advêm em série e 2 Seminário A ética da Psicanálise, aula XVII de 11 de maio de 1960. Jorge Zahar Editor. 2

na fala ouvida transferencialmente. A intersubjetividade permanece na dimensão imaginária. Sendo assim, Lacan, na proposição de outubro de 1967, propõe que os analistas garantam as estruturas asseguradas na Psicanálise, ou seja, propõe que se garanta à Psicanálise sua constituição a partir do Édipo e da castração, pois é com referência à castração do falo imaginário que se estabelecem estruturas psíquicas, o que já abordara no Seminário sobre A Relação de objeto e as estruturas freudianas, em 1956/57. A castração é simbólica, castração do falo imaginário, resultando numa dívida simbólica com o pai a partir do recalque do desejo incestuoso pela intervenção desse pai, mítico, permitindo assim a estruturação psíquica. O nome do pai, ou o pai mítico é uma metáfora do pai morto do mito em Totem e Tabu, mito que Freud construiu como hipótese a partir da Antropologia, das hipóteses evolucionistas próprias da sua época, partindo de um enunciado de Darwin [1871] e da hipótese de Atkinson [1903], e posteriormente citando Robertson Smith [1894] 3 para demonstrar o conceito de castração, a submissão à lei da interdição do incesto. Morto o pai, sobreviveu simbolicamente como lei, barrando o desejo da mãe. Dependendo de como se deu a interdição, temos as estruturas psíquicas. Independentemente do evolucionismo freudiano, seu mito demonstra o conceito de castração, que a partir da abordagem estruturalista de Lacan é vista não num estágio histórico do sujeito, mas sendo simultânea à formação de sua estrutura, assujeitado que é ao desejo do Outro. 3 Assunto retomado em Moisés e o Monoteísmo [1939). ESB.. Vol XXIII. 3

Mas sabe se que esse desejo recalcado pode retornar. O retorno do recalcado se dá no neurótico, o normal, digamos assim, se consideramos que há três estruturas psíquicas: a neurótica, a psicótica e a perversa, na neurótica e na perversa havendo o recalque primordial que o perverso desmente. Falamos, então, de estruturas de linguagem, e aqui lembramos Lacan: que o inconsciente se estrutura como uma linguagem. O significante, que Lacan denomina Nome do Pai é a intervenção do que se chama o pai, não o pai natural, mas, usando a exposição de LAIA, a imposição simbólica do Nome que articula uma linhagem familiar, uma série de gerações, uma narrativa, uma história trata se do Nome que antecipa, ordena e perpetua a existência de alguém. 4 Portanto, falamos de linguagem, de significante. Matéria prima do trabalho de escuta psicanalítica. Para Lacan o conceito de inconsciente é indivisível do sujeito suposto saber 5, lugar ocupado pelo analista, sendo um campo dominado pela transferência. Ou seja, o inconsciente só se produz nessa relação de transferência. Ao desejar fazer o bem o analista pressupõe saber qual é o bem do outro, sai desse lugar de sujeito suposto saber, onde se articula o desejo, passando para outro lugar, não mais o lugar de 4 LAIA, Sérgio. Os escr itos fora de si. Joyce, Lacan e a Loucura. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. P. 25. 5 Cf. Kaufmann, foi a partir do reconhecimento por Lacan do desejo de Sócrates no Banquete que surgiu uma nova designação do sujeito nos seminários, a do sujeito suposto saber, na medida em que Lacan situa o desejo de Sócrates em referência ao saber. Lacan mostra o caráter exemplar de Sócrates( no Banquete) quanto à posição do analista.ele se apresenta como nada sabendo a não ser as coisas do amor, e quando é sua vez de falar disso, não consegue fazer outra coisa senão citar as palavras de um outro, Diotima. [...] Não pode dizer nada de si como desejante, ali onde é desejado, sob pena de se abolir como desejante e passar para o registro da demanda. Como Sócrates, o analista é interrogado como alguém que sabe, e é no lugar mesmo em que nós somos suposto saber que somos chamados a ser e a não ser nada além, nada que não seja a presença real e justamente na medida em que ela é inconsciente. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise, Jorge Zahar Editores. P 504. 4

suposto saber, mas o de pura especularidade; desejar fazer o bem é olvidar o mal estar na civilização existente desde sempre da existência do ser falante, ser da cultura, que deixou o estado de natureza pela cultura a partir da interdição do incesto. Não há nada no sujeito que não seja atravessado pela cultura. Isso não invalida que se faça terapias, mas não será Psicanálise, pela implicação desta com a ética do desejo. A terapia impedirá o advento desse desejo, mantendo o sujeito em sua alienação. Bem, estou fazendo essas referências sobre a Psicanálise, como ela se dá, para poder me referir, conseqüentemente, à escuta psicanalítica. Procura se por uma análise principalmente a partir da dor, de um não saber. E ela só é possível de se realizar sob demanda, numa relação de transferência. É só nesta estrutura que se opera. Lembro que estudamos com Zuberman 6, neste último seminário que realizamos em maio deste ano, que as conseqüências do ato analítico ao final de uma análise podem resumir se, entre outras situações, na re direção da transferência a transferência devirá já não em relação a quem sabe ou a quem representa o objeto privilegiado, senão a quem me convoca desde esse lugar onde o significante não responde. Para quem a Psicanálise é um Real que o interroga, o permanente testemunho é uma prática necessária, da qual não se esquiva na queda do sujeito supostosaber, no saber fazer com o sintoma, na destituição das certezas do eu e, por conseguinte, na possibilidade de estar eventualmente na 6 Texto encaminhado por ocasião do Seminário sobre Formação do Analista, Fim de Análise e Passe, no Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise, em maio de 2002, em Recife. 5

posição de semblante do objeto a, a saber, na posição de psicanalista. Contudo, dependendo do manejo da clínica, da escuta e intervenção, a Psicanálise pode ter outro destino, que impede a redireção da transferência. Isso ocorre se o analisando se identificar imaginariamente ao ideal de eu, ao ideal do analista, por problema de condução da clínica, de intervenção, que podemos mesmo dizer, intervenção não psicanalítica se considerarmos que o analista saiu desse lugar de sujeito suposto saber, até mesmo por desejar o bem do outro. Zentner 7 refere se ao Seminário Le Sinthome 8 e a La Troisième onde Lacan respondendo a um interrogante que fica perplexo diz: que ao final de uma análise, o analisando não se identifica nem com seu analista imaginado maduro genital, nem com seu inconsciente, mas com seu sintoma, para ir além do seu fantasma, para trabalhar, ir mais além desse pai pela sublimação. Entende que esse trabalhar é para ir além dos limites do pai, restando ao analisando a opção da sublimação do amor pela père version, forçando, assim, os limites que dão sustento a esse sintoma. Para a condução da proposta de análise por um caminho singular, a técnica psicanalítica deve procurar se orientar por esse rigor apontado na teoria. A escuta psicanalítica se sustenta em um corpo teórico construído a partir da clínica. Para isso o psicanalista é psicanalisado, condição sine qua non para ser psicanalista e para 7 ZENTNER,O. Da Psicanálise... o que se transmite não se ensina; p. 9/10. In: A Escuta Psicanalítica. Edição do Centro de Estudos Freudianos de Recife, 1996. 8 Seminario Le Sinthome.1975/1976. 6

suportar seu desejo e a escuta do outro, permitindo que advenha o desejo do outro pela fala. Nessa fala, o analisando lembra se, num instante, de algo, de um sonho, deriva, desliza em sua fala, comete um ato falho, faz uma formação do inconsciente. Nesse aposto da fala advém o sujeito, o significante. Para Saussure 9, o significante é a representação psíquica do som tal como nossos sentidos o percebem, ao passo que o significado é o conceito a que ele corresponde. Lacan inverteu o algorítimo saussuriano para afirmar a supremacia do significante sobre o significado, sendo o significante barrado à significação, consistindo na estrutura sincrônica do material da linguagem. Em Kaufmann temos que essa inversão do algoritmo por Lacan se deu a partir das operações metáfora metonímicas em ação e da clínica das psicoses, em que o signo lingüístico é alterado pela invasão do significante. Lacan vai demonstrar que o significante é, antes de tudo, significante da falta no Outro, isto é, que o Outro é castrado. É sobre o significante que o psicanalista vai intervir em sua escuta, pontuando, escandindo no lugar de sujeito suposto saber, pois o significante é singular. A análise não sendo uma relação social para compreensão da fala do analisando, com todas as implicações já aqui referidas. É esperado que o psicanalista possa agir, em sua escuta, sobre os tempos lógicos do sujeito, possibilitando dessa forma a Realização Simbólica do Imaginário. 9 Ver KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. Jorge Zahar Editor. R.J. 7

Essa é a particularidade da escuta psicanalítica, a meu ver, instransponível para outra situação fora da psicanalítica pela ausência da demanda da análise e da transferência, como nas pesquisas antropológicas de campo conforme os antropólogos me indagaram. O que não invalida que se faça uma boa escuta na pesquisa não diretiva antropológica, mas não será uma experiência psicanalítica onde se espera advir o desejo, escutando se o significante, mas sempre uma relação imaginária. 8