CONTAMINAÇÃO MERCURIAL PRÉ-NATAL EM CRIANÇAS DE TRÊS ANOS EM PORTO VELHO (RO), BRASIL Prenatal Mercury Exposure in Children from Porto Velho City, Rondônia, Brazil Katiane Guedes Brandão 1 Rejane Corrêa Marques 2 RESUMO Este estudo tem por objetivo estudar se a contaminação mercurial pré-natal em crianças pode alterar o curso normal do crescimento e desenvolvimento. A amostra é constituída de uma coorte de 52 crianças. A metodologia utilizada foi aplicação de um questionário às mães e realização de exame físico e psicomotor da criança. As análises estatísticas foram realizadas correlacionando os dados clínicos obtidos durante a coleta com os níveis de mercúrio encontrados nas crianças ao nascimento e aos seis meses de vida. Os resultados encontrados não demonstraram correlação estatística significativa entre a exposição pré-natal e o crescimento. Na avaliação do desenvolvimento observou-se correlação positiva entre a idade que a criança começou a andar e: os níveis de mercúrio encontrados no sangue materno e o número de irmãos da criança. PALAVRAS-CHAVE: Mercúrio; Criança, Crescimento e Desenvolvimento. I INTRODUCÃO O mercúrio é um metal pesado de considerável toxicidade para o homem. É biocumulativo e sofre metilação nos sedimentos dos rios, transformando-se em metilmercúrio, a forma absorvida pelas espécies aquáticas (Câmara et al.,1996; Domingues, 2000; Nogueira, et al.; 1997). Uma das formas de exposição humana ao mercúrio é através do consumo de peixes contaminados. O grau de exposição é 1 Acadêmica de Enfermagem Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva/CEPESCO. 2 Professora do Departamento de Enfermagem Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva/CEPESCO.
influenciado por fatores como freqüência da ingestão de pescado, preferência por determinadas espécies, nível trófico e tamanho dos espécimes (Malm, 1990). Vários estudos afirmam que o mercúrio é capaz de atravessar rapidamente a barreira placentária e atingir o feto. A transferência materno-infantil de mercúrio também pode se acontecer durante o aleitamento (Barbosa e Dórea, 1998; Steuerwald et al, 2000; Cézar, 2002; Marques, 2002). A exposição e acumulação do mercúrio durante o desenvolvimento fetal e amamentação está fortemente relacionada com a carga materna e a transferência deste metal para a placenta e o leite materno (Barbora e Dórea, 1998; Grandjean et al, 1999). Do ponto de vista biológico, o desenvolvimento neurológico inicia-se desde a concepção e perdura até os seis meses de vida extrauterina. Como conseqüência, o sistema nervoso central é muito vulnerável durante a gestação, o parto, o período pós-natal e os primeiros anos de vida. Portanto qualquer evento ambiental nocivo que ocorra durante esses períodos pode lesar o sistema nervoso (Brasil, 2002). Existem evidências que a exposição crônica e de baixo nível ao mercúrio pode causar deterioração de certas funções motoras (Lebel et al, 1998). II. OBJETIVOS Verificar se a contaminação mercurial pré-natal interfere no crescimento e desenvolvimento de crianças. III. MATERIAL E MÉTODOS A casuística constituiu-se de uma coorte de cinqüenta e duas crianças nascidas durante os meses de novembro e dezembro do ano de 2000, em três maternidades da cidade de Porto Velho, RO. A coleta de dados envolveu a aplicação de um questionário respondido pelas mães e exame físico e psicomotor da criança. As informações contidas no questionário incluem dados sobre hábitos alimentares, situação vacinal, antecedentes pessoais e familiares da criança. As informações foram obtidas com a mãe ou responsável legal após prévia autorização por escrito. As crianças foram submetidas a exame físico para verificação do peso (P) e estatura (E). O peso foi obtido pelo uso de balança digital, e a estatura verificada pelo uso de fita métrica fixada a
parede. Esses dados foram comparados aos tabulados pelo Centro Nacional para Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos (National Center for Health Statistics NCHS), recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e enquadrados nos percentis adequados. Na avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor foi considerado como padrão de normalidade o teste de Gesell. No conceito de Gesell, a conduta da criança compreende todas as suas reações reflexas, voluntárias, espontâneas ou aprendidas. Essa conduta evolui à medida que o sistema nervoso se modifica pelo crescimento (Marcondes, 1991; Marques, 2002). Os compartimentos biológicos foram analisados durante o ano de 2001, no laboratório de Biogeoquímica Ambiental da Universidade Federal de Rondônia. Foram analisados cabelo materno, cabelo da criança, placenta, cordão umbilical e sangue materno para determinar os níveis de mercúrio existentes no binômio mãe-filho. Os dados foram submetidos à análise estatística utilizando o programa de computador SPSS for Windows. No estudo da correlação entre os diversos parâmetros avaliados foi empregado o coeficiente de correlação de Pearson (r). IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO O crescimento é influenciado por fatores extrínsecos e intrínsecos a criança. Em crianças menores de cinco anos de idade, a influência dos fatores externos (ambientais) é mais acentuada. A dieta, as infecções, os cuidados de saúde e vacinação, a estimulação psicomotora e as relações afetivas são alguns dos fatores que favorecem e/ou impedem o crescimento adequado (Brasil, 2002). Neste estudo, foram avaliadas 52 crianças, sendo 60% do sexo feminino e 40% do sexo masculino. Destas, 42% já freqüentam a escola. Em relação à situação vacinal 90% apresentaram o cartão de vacina completo para a idade. O tempo de amamentação, o número de refeições diárias e os tipos de alimentos mais consumidos juntamente com os dados das medidas antropométricas, peso e estatura, são variáveis importantes para demonstrar o estado nutricional e o padrão de crescimento e desenvolvimento.
O tempo de amamentação variou de seis meses a três anos ( x = 13,18 meses e s = 10,74). O prolongado tempo de amamentação encontrado pode indicar que as crianças também foram expostas ao mercúrio após o nascimento, uma vez que, o leite materno é uma importante via de exposição ao mercúrio, podendo refletir o tempo que a criança foi exposta a este metal. (Barbosa e Dórea, 1998). No entanto, também reflete a qualidade da alimentação recebida já que o leite materno proporciona os elementos essenciais para o crescimento adequado e protege a criança contra diversas infecções (Nascimento, et al, 2003). A partir do seis meses de idade a alimentação da criança deve ser complementada com outros alimentos. Nesta fase a energia necessária para o crescimento adequado será obtida de carboidratos, lipídios e proteínas adquiridos em diversos tipos de alimentos. A média de refeições diárias foi de 5,09 refeições/dia (s = 0,97). Entre os alimentos consumidos mais freqüentemente estão arroz, feijão, leite, pão, mingau, carne (vermelha e branca), macarrão, ovos e verduras. Estes resultados demonstram que o padrão e a qualidade da alimentação destas crianças favorecem o adequado crescimento, visto que apresenta as principais fontes de nutrientes essenciais ao organismo. O peso mínimo foi 8,300 kg e o máximo 22 kg. ( x = 14,7 s = 2,01). Duas crianças estavam com o peso maior do que o esperado para a idade e uma com o peso inferior ao esperado para a idade. Na análise da estatura, a média foi de 95,82 cm (mínima= 85cm; máxima= 103cm; s= 3,52). Duas crianças apresentaram altura maior do que a esperada para a idade e apenas uma apresentou comprimento menor do que a esperado para a idade. Quando enquadrados no índice peso-por-comprimento verificou-se que cinco crianças estavam com baixo peso, três com sobrepeso e quarenta e quatro eram eutróficas. A única criança que apresentou peso e altura menor que o esperado para a idade é portadora de paralisia infantil, apresentando uma clara restrição ao crescimento adequado. Não houve correlação estatística significativa entre as variáveis acima citadas com os níveis de mercúrio encontrados nos compartimentos biológicos estudados ao nascimento. Portanto não é
possível afirmar que mercúrio interferiu no crescimento, pois outros fatores podem ser responsáveis pelo baixo peso encontrado em quatro destas crianças. O cérebro em desenvolvimento é particularmente sensível ao mercúrio. Dependendo dos níveis de mercúrio, os danos podem incluir desde atraso sutil no desenvolvimento até retardo mental. Segundo Grandjean (1997, 2003) efeitos da exposição pré-natal podem ser vistos em níveis de mercúrio no cabelo materno abaixo do limite de 10 µg/g. Para avaliar o desenvolvimento, foram utilizados variáveis como a idade que a criança começou a andar e a falar, juntamente com a realização do teste de Gesell. Em relação à idade que a criança começou a andar, variou de nove meses a dois anos ( x = 13,45 meses; s = 3,92). Quanto à idade que começou a falar a média foi de 13,14 (s = 4,93) meses, os dados variaram entre seis a 24 meses. Os dados de mercúrio analisados ao nascimento mostram que níveis de mercúrio encontrados no cabelo materno variaram de 0,19 a 24,26 (ppm) µg/g ( x = 6,48, s = 5,32). Este biomarcador foi correlacionado positivamente com a idade que a criança começou a andar, sugerindo que o mercúrio possa estar atrasando a aquisição da atividade motora. No entanto outra correlação positiva encontrada foi entre a idade que a criança começou a andar com o número de irmãos da criança. Isso demonstra que fatores externos a criança também possa ser responsáveis por este atraso. A aquisição da linguagem ocupa lugar central no desenvolvimento nos primeiros anos de vida. E não pode ser avaliada isoladamente, pois depende de dois canais: o canal auditivo, que engloba a fala e sua compreensão, e o canal visual, necessário para a leitura e a escrita (Lima, et al., 2004). Além destes fatores, o ambiente familiar e as interações sociais são importantes na aquisição desta habilidade (Brasil, 2002). Não houve correlação significativa entre a idade que a criança começou a falar e os níveis de mercúrio ao nascimento. No entanto, uma correlação positiva entre a idade que a criança começou a falar com o número de irmãos e o número de moradores por residência foi encontrada. Na avaliação do teste de Gesell, 34% das crianças apresentaram atraso nos diferentes setores avaliados. Não
encontramos correlação entre os níveis de mercúrio ao nascimento e o desenvolvimento neuropsicomotor. Estes resultados sugerem que o atraso no desenvolvimento, assim como o atraso na aquisição da linguagem possam estar relacionados a fatores externos a criança. V. CONSIDERAÇÕES FINAIS A exposição pré-natal ao mercúrio tem sido apontada como um importante via de exposição para a criança. Os dados encontrados neste estudo, não são conclusivos e sugerem que a influência do mercúrio esteja mais ligada ao desenvolvimento do que ao crescimento. Existem suspeitas de que a exposição pós-natal, via aleitamento e consumo de peixe, também possa ser responsável pela contaminação das crianças. Destaca-se também a importância dos fatores ambientais na aquisição dos marcos do desenvolvimento, reforçando a idéia de que os fatores externos a criança influencia de forma significativa o crescimento e desenvolvimento adequados. Entende-se desta forma, a necessidade de estudos mais detalhados que possam determinar a influência da contaminação pósnatal no processo de desenvolvimento de crianças. VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, A C.; DÓREA, J.G. Indices of mercury contamination during breast feeding in the Amazon Basin. Environmental Toxicology and Pharmacology, v.6, p.71-79, 1998. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretária de Políticas de Saúde. Saúde da Criança. Acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento Infantil. Série Cadernos de Atenção Básica n.11. Série A Normas e Manuais Técnicos n. 173. Brasília 2002 100p. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/publicacoes/crescimentodesenvolvim ento.pdf acesso em: 11 de setembro, 2003. CÂMARA, V. M; SILVA, A.P; PIVETTO, F; PEREZ, M.A; LIMA, M.I; FILHOTE, M.I; TAVARES, L.M; MACIEL M.V; ALHEIRA,
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