NIKLAS LUHMANN (1927-1998)
TEORIA AUTOPOIÉTICA DO DIREITO Conceitos preliminares Conceito de ciência segundo Aristóteles: Teoria ciências contemplativas, apreensão direta pelo intelecto, pura racionalidade (ex: filosofia). Práxis ciências do comportamento, conjunto das ações humanas realizadas em comunidade (ex: ética, política). Poiésis ciências práticas, criativas, produtivas de objetos materiais e intelectuais (ex: carpinteiro, pedreiro, escritor, poeta, músico, legislador...)
TEORIA AUTOPOIÉTICA DO DIREITO O Direito como uma ciência autopoiética é o Direito que se autoproduz, significando com isso que a ciência jurídica tem uma produção interna, mantida dentro do seu próprio sistema. A autopoiésis está intrinsecamente ligada ao conceito de sistema. Este conceito foi introduzido na ciência jurídica por Savigny, sob influência do idealismo alemão. No estudo dos sistemas biológicos, descobriu-se que um sistema vivo é capaz de produzir moléculas em interações internas, sem a necessidade da participação de agentes externos, ou seja, um sistema vivo é capaz de se autoproduzir (autopoésis).
APLICAÇÕES DA TEORIA AUTOPOIÉTICA Simultaneamente, ele também realiza interações com o ambiente, com o qual realiza trocas de energia e de matéria. Para prolongar a vida, um sistema vivo está sempre se autoproduzindo, se autorregulando e, ao mesmo tempo, mantendo interações com o ambiente e reagindo às irritações causadas por esse ambiente, utilizando para isso suas próprias interações internas. Essa nova compreensão da teoria biológica do sistema imediatamente trouxe reflexos sobre os sistemas sociais e seus subsistemas político, econômico e jurídico. Quem fez a aplicação dessa teoria para as relações sociais foi Niklas Luhmann, sociólogo alemão, numa obra intitulada Sociologia do Direito, procurando mostrar que o Direito, tal como um sistema vivo, é capaz de autoproduzir-se e ao mesmo tempo produzir modificações na sociedade
DIREITO AUTOPOIÉTICO A ciência biológica cuida de uma só modalidade, que é o sistema vivo, mas para aplicar à sociologia é necessário reconhecer que, dentro do sistema social, há diversos sistemas parciais ou subsistemas, como por exemplo, a Política, a Economia, o Direito, cada um deles tendo também a sua autonomia. Ou seja, um sistema social é bem mais complexo do que um sistema biológico O Direito entendido como sistema autopoiético significa que ele retira sua validade de dentro do próprio sistema jurídico, ou seja, a validade do Direito não pode ser importada do exterior do sistema jurídico, mas somente obtida a partir do seu próprio interior. Sistema biológico vida; sociológico comunicação.
DIREITO AUTOPOIÉTICO Desse modo, não se trata simplesmente de adaptar a teoria biológica para a sociedade, mas sim de reconstruir essa teoria dentro da complexidade das relações sociais, utilizando-a apenas como ponto de partida. Na biologia, o elemento que faz a diferença entre o sistema e o ambiente é a diferenciação entre identidade/não-identidade (interior-exterior). No sistema social, que tem como base reprodutiva a comunicação, os sistemas internos desenvolvem a sua autonomia a partir da utilização de comunicações específicas, utilizando-se também de uma configuração binária. O sistema parcial do Direito, por exemplo, consolida a sua autonomia perante o sistema social (ambiente) a partir da diferenciação entre direito/não-direito.
SISTEMA SOCIAL SISTEMA JURIDICO O sistema interno do Direito, dentro do sistema social (ambiente), é formado por expectativas comportamentais normativas recíprocas, na medida em que a efetivação das possibilidades não depende apenas de mim, mas também dos outros. O Direito, assim, mantém uma interdependência com a Sociedade, contudo, devido ao seu poder de autoprodução, conserva sua autonomia em relação a esta. Isso quer dizer que os componentes do sistema jurídico se articulam internamente, possibilitando seu fechamento operacional, embora permaneça aberto para interação com as irritações sociais (fracassos), tal como acontece num sistema vivo. É nesse ponto que o conceito de autopoiésis da teoria biológica guarda semelhança com a teoria sociológica e jurídica.
AUTOPOIÉTICA - AUTODETERMINAÇÃO Concebido como sistema autopoiético, o Direito se configura, ao mesmo tempo, de forma fechada e aberta, de acordo com a fórmula binária da diferenciação entre o que é direito e o que não é direito. ( O Direito é o que o Direito diz ser Direito. ) O que é direito só pode ser estabelecido pelo próprio Direito, num processo de autodeterminação positiva, invalidadas as interferências externas. O sistema jurídico atua, assim, de modo normativamente fechado, sendo suas articulações internas determinadas pelo próprio sistema (auto-referência). Isso representa um aperfeiçoamento da teoria de Kelsen sobre a necessidade da norma hipotética fundamental, para conferir validade ao sistema jurídico.
AUTOPOIÉTICA - INTERPRETAÇÃO Não obstante os sistemas serem independentes entre si, eles realizam trocas comunicativas circulares, possibilitando assim a interação entre o sistema (jurídico), os outros sistemas internos (político, econômico...) e o ambiente (social). O Direito se autoproduz num sistema fechado (fechamento operacional, clausura normativa), contudo, esse fechamento é, antiteticamente, sua condição de possibilidade para abrir-se às irritações provenientes do ambiente, as quais são trabalhadas cognitivamente (interpretação). As informações provenientes do exterior somente serão assimiladas quando forem possíveis de adequar-se à codificação binária própria, quando então serão internalizadas de forma criativa. Daí se conclui que o sistema jurídico é normativamente fechado e cognitivamente aberto.
AUTOPOIÉTICA - INTERPRETAÇÃO A legislação é o ponto de encontro entre o sistema jurídico e o sistema político, na medida em que a eficácia das leis depende de decisões judiciais, que as aplicam de forma interpretativa (jurisprudência). Os conceitos de direito e política estão intimamente ligados, porque toda a força do direito provém da legislação. Por outro lado, a prestação jurisdicional é o ponto de encontro entre o sistema jurídico e o ambiente social, que se realiza através dos canais da hermenêutica jurídica, uma abertura cognitivamente orientada. Podemos concluir, então, seguindo o pensamento de Luhmann, que a hermenêutica jurídica será o ponto de contato comum entre os sistemas jurídico, político e social.
AUTOPOIÉTICA - INTERPRETAÇÃO Realizando a autopoiésis, o magistrado constrói internamente os componentes do sistema jurídico, levado pela autonomia que este sistema possui (clausura normativa). Mas dentro da dinâmica intercomunicativa dos sistemas, ao aplicar o Direito no caso concreto, ele percorre a periferia do sistema jurídico, onde encontrará pontos de ligação com o sistema político (legislação) e sistema social (fatos), interligando-os numa relação cognitiva (hermenêutica), para concretizar a tarefa vinculativa da prestação jurisdicional, que é a justificativa básica da sua existência.
TEORIA AUTOPOIÉTICA - COMENTÁRIOS A teoria autopoiética se situa na mesma linha da teoria pura do Direito, de Kelsen, procurando evoluir e adequar o positivismo jurídico às novas exigências da sociedade chamada pós-moderna, com suas características fundamentais de complexidade e contingência. Isso se verifica tanto pela inspiração nas teorias da ciência biológica (Kelsen procurou aproximar o Direito do modelo das ciências naturais), quanto pelos aspectos metodológicos da referência à codificação binária (positivonegativo, inputs-outputs), típica da ciência da informática, e ainda pela constante referência à circularidade com que o sistema se autoproduz num movimento cíclico formal.
TEORIA AUTOPOIÉTICA - COMENTÁRIOS A linha de pensamento seguida por Luhmann se vincula às teorias sociológicas de Talcott Parsons (funcionalismo estrutural), que analisa a sociedade como uma composição de quatro grandes subsistemas (economico, politico, comunidade social e cultura), que se baseiam em imperativos funcionais. A visão estruturalista de Parsons, inspirada na euforia do modelo econômico norte americano pós-segunda guerra, induz Luhmann a uma visão do Direito que sai na contramão das teorias sociológicas européias, iluminadas pelo conceito hegeliano da razão histórica, levando-o a desenvolver uma teoria que se afasta do pensamento jurídico mais compatível com a função social do Direito e a concepção política do Estado democrático. A sociedade, para Luhmann, não é uma realidade espáciotemporal, mas uma sociedade mundialmente concebida, que se baseia na comunicação, da qual os seres humanos são meros instrumentos, sem individualidade e sem história.