Resumo. Abstract. TIAGO SILVA (1), RODRIGO MAIA (2) e PEDRO PINTO (3)

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Transcrição:

6. as Jornadas de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente [2011], FEUP, ISBN 978-989-95557-5-4 ESTUDO DE ESCOAMENTOS VARIÁVEIS EM CANAIS NATURAIS. APLICAÇÃO AO CASO DE RUTURA DE UMA BARRAGEM Unsteady Flow Study in Natural Channels. Application to a Dam Break s Case TIAGO SILVA (1), RODRIGO MAIA (2) e PEDRO PINTO (3) (1) Bolseiro de Investigação, FEUP, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, tiagosilva_87@live.com.pt (2) Professor Associado, FEUP, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, rmaia@fe.up.pt (3) Engenheiro Civil, EDP, Rua Ofélia Diogo da Costa, 45, 4149-022 Porto, pedro.pinto@edp.pt Resumo As cheias, como catástrofes naturais, acompanham o Homem desde a sua origem e têm-se revelado matéria de destaque no que diz respeito ao desenvolvimento dos conhecimentos dos fenómenos naturais. A construção de barragens surgiu da necessidade de controlar fenómenos de natureza hidrológica e garantir a segurança das civilizações. Contudo, estas obras representam também um perigo potencial para os vales a jusante tendo em conta a possibilidade de ocorrência de uma falha na capacidade de retenção da água e é nesse sentido que o estudo deste tipo de escoamentos se revela de grande importância para a avaliação de riscos. A utilização de modelos computacionais para o estudo de escoamentos variáveis em canais naturais resultantes da rutura de uma barragem advém da necessidade de uma caracterização detalhada da propagação da onda de cheia pelo vale a jusante. O presente trabalho compreende a aplicação do modelo computacional HEC-RAS à simulação da rutura da barragem de Pracana, no rio Ocreza, afluente do rio Tejo. Os resultados da aplicação do HEC-RAS são trabalhados de forma a serem obtidos os resultados típicos de um estudo de ondas de inundação, sendo realizada uma apreciação dos mesmos, no sentido de compreender o comportamento da onda de cheia resultante da rutura e a influência desta no vale a jusante. Com a intenção de avaliar a adequabilidade do modelo a este tipo de estudos, foi realizada uma análise comparativa com os resultados obtidos pela EDP Gestão da Produção de Energia, S.A., aplicando um outro modelo computacional, o UNISCOA. A comparação de resultados dos dois modelos permite avaliar a aplicabilidade do HEC-RAS e apontar limitações e potencialidades fruto da exploração do programa ao longo das simulações. Palavras-chave: Ruptura de barragem, planeamento de emergência, simulação computacional, onda de inundação, HEC-RAS. Abstract Flooding events are a type of natural disasters that have been present since man s creation and have shown to be a relevant issue to the knowledge of natural phenomena. The construction of dams answered the need to control nature s hydrological phenomena and ensure the safety of civilizations. However, these works also represent a potential danger to the valleys downstream taking into account the failure possibility in the ability to hold water and that is why the study of this type of flow turns out to be of great importance for the evaluation of risks. The use of computational models to study flow variables in natural channels resulting from rupture of a dam comes from the need of a detailed characterization of the flood wave propagation through the valley downstream. This work includes the application of HEC-RAS computer model to simulate the break of Pracana s dam, in Ocreza River, a tributary of the river Tejo. The results of the application of the HEC-RAS are transformed in order to obtain typical results of a study of flood waves, which are analyzed with the purpose of understanding the behavior of the flood wave resulting from the breakdown and allocation of the valley downstream. With the purpose of evaluating the suitability of the model for this type of studies, a comparative analysis with the results obtained by EDP - Energy Production Management, SA is made, using another computational model, UNISCOA. The comparison of results of both models allows an evaluation of the applicability of HEC-RAS and point out limitations and potential fruit of exploitation of the program throughout the simulations. Keywords: Dam failure, emergency planning, computer simulation, flooding wave, HEC-RAS. 127

T.Silva, R.Maia e P.Pinto 1. Introdução O desenvolvimento da atividade intelectual do Homem, ao longo da sua história, levou à elaboração de uma cultura cada vez mais vasta e diversificada que lhe permitiu modificar a Natureza à medida que foi vivenciando diversas catástrofes naturais. As cheias, como catástrofes naturais em si, acompanharam o Homem desde a sua origem e são colocadas em destaque no que diz respeito ao desenvolvimento dos conhecimentos dos fenómenos naturais. Na verdade, a necessidade de controlar os fenómenos de natureza hidrológica foi-se tornando um objetivo essencial para garantir a segurança e o desenvolvimento das civilizações. Assim, a proteção contra as cheias possibilitou a ocupação de vales e o desenvolvimento das civilizações, condicionando a ordem de ocupação territorial e o desenvolvimento urbanístico. Para atingir o objetivo da mitigação dos efeitos provocados pelas cheias, o Homem passou a construir obras específicas que garantem o controlo e a diminuição da probabilidade de ocorrência de inundações em zonas urbanizadas, nomeadamente barragens e diques. As barragens são obras construídas e projetadas para funcionar em segurança ao longo da sua extensa vida útil. Não só as barragens mas também as respetivas albufeiras, caso existam, têm uma função importante no planeamento de gestão de água, podendo ser um contributo interessante para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Contudo, estas obras representam também um perigo potencial para os vales a jusante, independente da causa e da probabilidade de ocorrência de uma rutura, sendo que é sempre possível a ocorrência de uma falha na capacidade de retenção da água, provocando cheias artificiais. A rutura de uma barragem tem como consequência o aumento brusco do caudal no trecho do rio a jusante originando uma frente de onda abrupta que se propaga pelo vale a jusante com elevadas velocidades. Tal provoca uma elevação do nível de água do rio a jusante da barragem e, eventualmente, a inundação das respetivas margens. Grande parte da energia acumulada na albufeira é libertada para jusante sob a forma de uma onda, a que se associa um efeito destruidor até que ocorra a dissipação da referida energia. O escoamento resultante envolve fenómenos hidráulicos complexos, de difícil caracterização, sendo, rigorosamente, um escoamento tipicamente tridimensional, com grande variação das grandezas hidráulicas no tempo e no espaço. Perante o referido, torna-se evidente a necessidade de implementar medidas de prevenção e proteção civil com o objetivo de mitigar o risco a jusante da barragem, realizando uma caracterização geral e uma previsão das características deste tipo de escoamentos. O Decreto-Lei nº. 344/2007 de 15 de Outubro, doravante designado por Regulamento de Segurança de Barragens (RSB), define danos potenciais como as consequências de um acidente, independentemente da probabilidade da sua ocorrência, as quais podem ser graduadas de acordo com as vidas humanas, bens e ambientes afetados e define plano de emergência interno como o documento da responsabilidade do dono de obra, relativo à segurança da albufeira e do vale a jusante na zona de auto-salvamento (art.4º do RSB). A zona de auto-salvamento é definida como a porção do vale a jusante da barragem em que o tempo de chegada da onda é inferior a 30 minutos. O planeamento de emergência, constituído pelos planos de emergência interno e externo, compreende a avaliação dos danos potenciais e tem como objetivo a proteção e salvaguarda da população, bens e ambiente, bem como a mitigação das consequências de um acidente em situações de emergência associadas a ondas de inundação (art.46º do RSB). A avaliação dos danos potenciais é realizada com base nos resultados obtidos por aplicação de modelos hidrodinâmicos. 2. Objetivos Este artigo pretende enquadrar e descrever, como objetivo primordial, a avaliação do programa de modelação computacional HEC-RAS no que se refere à sua adequação ao estudo de escoamentos variáveis correspondentes à rutura de barragens em canais naturais. Pretende-se também verificar a adequabilidade das respetivas ferramentas de modelação às situações de rutura de barragens, tendo em conta as exigências do regulamento, as exigências próprias de um planeamento de emergência e a comparação dos resultados com os obtidos a partir de um programa desenvolvido internamente pela EDP, designado adiante por UNISCOA. Para além disso, o presente artigo engloba uma análise dos resultados hidráulicos que uma onda de inundação pode causar devido à rutura parcial ou total da barragem e aborda alguns aspetos relacionados com a metodologia de análise e apresentação de resultados de um estudo de ondas de inundação. Para os cenários de rutura considerados, os resultados definem, para cada aglomerado populacional ou bem material ou ambiental a preservar, os instantes de chegada da frente e do pico da onda de inundação, os níveis máximos atingidos em termos de cota e altura da onda, a velocidade máxima, o caudal máximo e o tempo de duração da fase crítica de inundação. 3. Modelo Computacional HEC-RAS A avaliação do impacto no ambiente e na segurança das barragens e a implementação dos procedimentos de emergência operacional é realizada com base em resultados obtidos por aplicação de modelos hidrodinâmicos. Um modelo numérico é a ferramenta mais conveniente para uma análise rápida e sistemática dos efeitos de inundação no vale a jusante (LNEC, 2003). 128

Estudo de Escoamentos Variáveis em Canais Naturais. Aplicação ao Caso de Rutura de uma Barragem Existem alguns modelos numéricos comercializados, tendo sido o HEC-RAS o modelo para este trabalho, por ser de aplicação comum em assuntos similares, apresentando recentemente valências que indiciam e são anunciadas como adequadas para o estudo de ondas de inundação. É um programa de uso livre podendo ser descarregado, em conjunto com os manuais de referência da página do HEC. 3.1. Filosofia geral do sistema de modelação O modelo de análise fluvial HEC-RAS é propriedade da U.S. Army Corps of Engineers (USACE) e foi desenvolvido pelo Hidrologic Engineering Center (HEC). Este software permite simular escoamentos unidimensionais permanentes, calcular escoamentos variáveis, efetuar cálculos de transporte sólido em leito móvel e modelação da qualidade da água. No que diz respeito à aplicação do programa ao caso específico de escoamentos variáveis em canais naturais, a componente do sistema de modelação respetiva é capaz de simular escoamentos variáveis unidimensionais através de uma rede completa de canais a céu aberto. A componente de escoamento variável foi desenvolvida inicialmente para cálculo de escoamentos em regime lento; no entanto, com o lançamento da versão 3.1, o modelo passou a calcular escoamentos em regime misto (lento, rápido, ressaltos hidráulicos e quedas) no módulo de computação de escoamentos variáveis. Os cálculos hidráulicos para secções transversais, pontes, galerias e outras estruturas hidráulicas que foram desenvolvidos para a componente de escoamento permanente foram incorporados no módulo de escoamento variável. Adicionalmente, esta última tem a capacidade de modelar áreas de armazenamento e ligações hidráulicas entre áreas de armazenamento. O modelo unidimensional HEC-RAS permite a simulação de uma rutura de barragem, calcula o hidrograma efluente resultante e simula a propagação da onda de rutura ao longo do vale do rio. 3.2. Bases teóricas para o cálculo de escoamentos variáveis unidimensionais Um escoamento variável com superfície livre é um processo em que o caudal, velocidade e altura da lâmina de água variam no tempo (t) e no espaço (x). O cálculo destas variáveis pode ser efetuado através das equações de Saint- Venant. Estas permitem o cálculo do caudal e da altura da lâmina de água em função do tempo e do espaço. As equações de Saint-Venant podem ser obtidas por integração das equações tridimensionais de Navier-Stokes em altura (aproximação de águas pouco profundas) ou por aplicação direta dos princípios da conservação da mecânica (conservação da massa e da quantidade de movimento ou da energia) a um volume de controlo. O modelo HEC-RAS, utilizado para a simulação matemática das condições associadas aos cenários de rutura, é baseado nas equações completas de Saint-Venant para escoamentos não permanentes em cursos de água naturais, escritas sob uma forma quase conservativa. 3.2.1. Equações de base A descrição das equações de base utilizadas no cálculo de escoamentos variáveis unidimensionais baseia-se no manual de referências do HEC-RAS (HEC, 2008) e seguidamente apresentada. Princípio da conservação de massa (continuidade) A conservação de massa do volume de controlo conduz a que a variação do escoamento que flui através do volume de controlo seja igual à variação do armazenamento no referido volume, ou seja, + =0 [1] em que representa a área total de escoamento do volume de controlo, o caudal que flui através do volume de controlo e as afluências laterais ao volume de controlo por unidade de comprimento. Princípio da conservação da quantidade de movimento O fluxo da quantidade de movimento que entra no volume de controlo adicionado às forças externas atuantes sobre o mesmo volume é igual à quantidade de movimento que sai do volume de controlo, isto é, + + + =0 [2] em que corresponde à inclinação da linha de energia, que está diretamente relacionada com o caudal e com a cota da superfície livre da água e pode ser determinada com base na equação de Manning-Strickler, = [3] em que R representa o raio hidráulico e n o coeficiente de atrito de Manning. 3.2.2. Esquema numérico Para a resolução das equações de Saint Venant o modelo HEC-RAS utiliza o esquema numérico UNET (Unsteady Network Model) de Robert Barkau que utiliza um método de diferenças finitas implícito de quatro pontos ponderados como processo para resolver as equações de escoamento. A origem do método numérico usado como base no HEC- RAS está associado à relação existente entre o escoamento no canal e o escoamento nas zonas de inundação adjacentes. Partindo dos trabalhos de Fread (1976) e Smith (1978), em que foi definido um fator de distribuição de caudal que reparte o caudal total, numa certa percentagem, para o canal e para as zonas inundadas, Barkau 1982) manipulou as equações de diferenças finitas e definiu um novo conjunto de equações. Usando o fator de distribuição da velocidade definiu um caminho de escoamento equivalente e substituiu os termos de atrito das margens por uma força equivalente. 129

T.Silva, R.Maia, P.Pinto 3.2.3. Condições Iniciais A preparação das condições iniciais da simulação engloba a definição de caudais e níveis de água em toda a área de estudo incluindo nas condições fronteira externas, bem como a introdução de características de operacionalidade e funcionamento das condições fronteira internas, como uma barragem, por exemplo. Uma modelação numérica implica a definição de condições iniciais que podem ser definidas recorrendo a equações de regime permanente gradualmente variado. Destas equações resultam valores diferentes dos obtidos com as equações de Saint-Venant. Em modelos complexos essas diferenças podem ser significativas e introduzir erros (pequenas ondas de caudal e de nível que não são reais mas apenas resultantes da diferença entre as equações) que se propagam por todo do domínio de cálculo alterando os resultados. A esta passagem entre um modelo de regime permanente diretamente para um modelo de regime variável chama-se arranque a frio. Por outro lado, se se deixar correr o modelo de regime variável o tempo suficiente para que os resultados sejam suficientemente estáveis, esses resultados podem ser considerados como condições iniciais para a simulação seguinte. A esta abordagem chama-se arranque a quente. Embora o HEC-RAS permita a utilização de ambos os métodos, optou-se por utilizar o arranque a quente pois este garante uma maior fiabilidade na modelação. 4. Descrição do Sistema Estudado 4.1. Sistema hidroeléctrico do rio Tejo O sistema hidroelétrico do rio Tejo e do rio Ocreza é constituído pelos escalões de Fratel e de Belver no rio Tejo e o de Pracana no rio Ocreza, todos eles com exploração da responsabilidade da EDP Gestão da Produção de Energia, S.A. O rio Ocreza é um afluente do rio Tejo, sendo a ribeira de Pracana um dos seus afluentes. A barragem de Pracana está situada imediatamente a jusante desta confluência. O estudo de rutura de barragem foi aplicado ao escalão de Pracana, no entanto, o sistema reproduzido no modelo computacional não foi introduzido no seu todo. Na realidade, analisando a Figura 1, é possível observar que o sistema fluvial do rio Tejo contém alguns braços afluentes ao longo da sua extensão. Na zona mais a jusante do sistema existe a confluência com o rio Zêzere e para montante da barragem de Fratel, a extensão do rio Tejo correspondente ao território espanhol. Para simplificação do modelo de simulação, optou-se por excluir os elementos anteriormente referidos, limitando-se assim o sistema aos trechos do rio Ocreza (limitado a montante pela cauda da albufeira de Pracana e a jusante pela confluência com o rio Tejo), à Ribeira da Pracana (limitada a montante pela cauda da albufeira de Pracana e a jusante pela confluência com o rio Ocreza) e ao trecho do rio Tejo (desde a barragem de Fratel, a montante, até ao castelo de Almourol, a jusante) situando-se a barragem de Belver numa zona intermédia deste trecho. Na Figura 1 os limites do sistema simulado são evidenciados através da linha a vermelho. Deste modo, o sistema a simular totaliza uma extensão de 97 km. Barragem de Cedillo Barragem de Castelo do Bode Barragem de Pracana Barragem de Fratel Barragem de Belver Figura 1. Rio Tejo: escalões de Pracana, Cedillo, Fratel, Belver e Castelo de Bode. 130

Estudo de Escoamentos Variáveis em Canais Naturais. Aplicação ao Caso de Rutura de uma Barragem 4.2. Escalão de Pracana Segundo o Departamento de Gestão da Produção de Energia da EDP (EDP, 2008), o escalão de Pracana situa-se no rio Ocreza, afluente da margem direita do rio Tejo, a cerca de 3,5 km da confluência, próximo da povoação de Envendos, dominando uma bacia hidrográfica com uma área de 1412 km 2. A construção do escalão decorreu entre 1948 e 1951, tendo-se verificado o enchimento da albufeira no Inverno de 1950/51. O escalão, na sua configuração original, compreende fundamentalmente as seguintes estruturas: uma barragem de 12 contrafortes espaçados de 13 m, com altura máxima acima das fundações de 65 m e 245,5 m de desenvolvimento ao nível do coroamento, situado à cota de 115,00 (Figura 2). Este é composto por uma faixa de rodagem com 5 m de largura, dispondo de paramentos de proteção em betão, maciços em toda a sua extensão e com o topo à cota aproximada de 116,00. O paramento de montante apresenta orifícios na base para drenar o pavimento; uma central pé de barragem equipada com dois grupos de 8 MW cada, sendo o caudal máximo turbinável por grupo igual a 16 m 3 /s; um descarregador de cheias em poço (Figura 3), localizado na margem direita, munido de uma comporta cilíndrica, e dimensionado para um caudal de 1650 m 3 /s, para uma cota de retenção de 112,50; um descarregador de cheias complementar ao existente e dimensionado para um caudal de aproximadamente 860 m 3 /s para uma cota de 114,00 (Figura 4); uma descarga de fundo que atravessa o corpo da barragem, com uma capacidade de vazão de 52 m 3 /s para o nível de pleno armazenamento da albufeira de 114,00 e equipada com uma comporta plana a jusante e uma ensecadeira a montante. A capacidade total de armazenamento da albufeira correspondente ao Nível de Pleno Armazenamento (NPA) de 114,00 é de aproximadamente 112 x 10 6 m 3 e a superfície inundada de 550 ha. O nível mínimo de exploração (NmE) é de 97,00 com uma capacidade de armazenamento da albufeira de 43x10 6 m 3, correspondendo assim um volume útil igual a 69x10 6 m 3 (EDP, 2008). Figura 2. Barragem de Pracana. Vista de jusante. (EDP, 2010). Figura 3. Barragem de Pracana. Descarregador de cheias em poço. Vista da margem esquerda. (EDP, 2010). Figura 4. Barragem de Pracana. Descarregador de cheias complementar. Vista de montante. (EDP, 2010). 5. Aplicação do Programa HEC-RAS Neste ponto apenas são referidos os aspectos mais gerais da aplicação do HEC-RAS, excluindo-se, desta forma, toda a informação referente aos passos seguidos na tentativa de uma definição ideal do modelo de cálculo. Assim, com a aplicação do programa HEC-RAS, foram obtidos os resultados requeridos para a total caracterização da formação e propagação da onda resultante de uma eventual rutura da barragem, tendo em consideração os requisitos regulamentares e a futura elaboração de um plano de emergência interno, nomeadamente, os cenários considerados e o mapeamento das zonas inundadas para cada um deles. A aplicação do modelo HEC-RAS foi um processo evolutivo e gradual na procura da definição do sistema simulado. Assim, na tentativa de explorar algumas potencialidades do modelo, foi-se alterando o sistema de acordo com o que se pretendia simular. Para além da exclusão e inclusão iterativa de alguns trechos no sistema, também se tentou explorar o conceito de área de armazenamento do modelo. Portanto, foi substituído o trecho do rio Tejo a montante da confluência do rio Ocreza por uma área de armazenamento. No entanto, foi possível constatar que os resultados assim obtidos não se aproximavam dos correspondentes à simulação na sua forma original, pelo que se readoptou essa topologia. 131

T.Silva, R.Maia, P.Pinto A consideração do trecho a jusante de Belver serviu para explorar as vertentes do HEC-RAS com a definição de uma lei de exploração dos órgãos de descarga da barragem capaz de fazer frente à onda de inundação, funcionando consoante a necessidade de vazão. A questão da não inclusão dos pequenos braços laterais do rio Tejo no vale a jusante da barragem foi uma opção tomada com consciência de que o efeito de amortecimento destes braços na propagação da onda de rutura não seria simulado corretamente, perspectivando-se portanto uma diminuição desse efeito nos resultados. Do mesmo modo, não foi introduzido o trecho referente ao rio Zêzere que, devido à sua localização muito próxima do limite jusante do sistema, os efeitos que daí adviriam não influenciariam grande parte da extensão do mesmo. 5.1. Estudos de sensibilidade Através do estudo das ondas de cheia resultantes de situações de rutura de barragens e da análise das respetivas consequências, é possível classificar o perigo potencial que correm as populações e as estruturas socioeconómicas que ocupam o vale a jusante e, se necessário, preparar medidas de alerta e proteção dessas populações, procurando minorar os efeitos da eventual rutura da barragem. Torna-se, assim, necessária a caracterização dos diferentes cenários de rutura plausíveis o que, no estudo presente, foi feito com base nas condições iniciais dos cursos de água e nas características da brecha que possa ocorrer na barragem de Pracana. Essas características foram estabelecidas através de estudos de sensibilidade. Assim, tendo em vista a adequada definição do sistema a analisar foi realizada uma análise da sensibilidade dos resultados, com base na variação de alguns parâmetros caracterizadores dos cenários da rutura da barragem, não conhecidos à partida. O estudo foi orientado nesse sentido com vista à definição do sistema ideal e à sua aplicação a cada um desses cenários. No caso presente, e pretendendo salientar a importância desses estudos, analisou-se a sensibilidade dos resultados aos seguintes parâmetros caracterizadores da rutura: tempo de rutura, número de contrafortes e forma da brecha. Neste tipo de análises podem ainda ser realizados outros estudos de sensibilidade sobre outros parâmetros, como por exemplo: cota final da soleira da brecha; operacionalidade das comportas de Fratel; nível inicial na albufeira de Pracana; caudal inicial no rio Ocreza; caudal inicial no rio Tejo; rutura das barragens do vale a jusante. Nas considerações que se seguem são referidas grandezas como o tempo de rutura e o instante de chegada da onda sendo que o tempo de rutura é o período de tempo que decorre entre o início da rutura (início de formação da brecha) e o instante em que a soleira da brecha atinge a cota final, pré-definida, e o instante de chegada da onda a uma determinada secção é definido pelo instante em que a diferença entre o nível da superfície livre da água e o respetivo nível inicial é superior a 0,1 m. 5.1.1. Tempo de rutura No caso de uma barragem de contrafortes, como é o caso da barragem de Pracana, é prevista uma rutura que, caso ocorra, embora não sendo instantânea, seja rápida. Com o objetivo de analisar a sensibilidade dos resultados ao tempo de rutura,, foram realizadas simulações considerando que o referido parâmetro seria igual a 2, 4, 5, 10, 15 e 20 minutos. Nas Figuras 5 e 6 são apresentados, respetivamente, os limnigramas e os hidrogramas de três secções do sistema, sendo o primeiro conjunto (OJ112), com valores mais elevados, o correspondente a uma secção nas proximidades a jusante da barragem, o segundo conjunto (OJ104) correspondente a uma secção a montante da confluência com o rio Tejo e o terceiro (TM98.1), com valores inferiores, a uma secção localizada mais a jusante no rio Tejo. Conforme se pode verificar pela Figura 5, o tempo de rutura influencia o instante em que o nível máximo da superfície livre da água é atingido e, conforme se pode observar na Figura 6, influencia os caudais máximos nas secções nas imediações de jusante da barragem (as secções que apresentam um maior valor do pico). Nas restantes secções, o valor máximo do caudal não apresenta variações significativas. Considerou-se, para a definição dos cenários de rutura, um tempo de rutura igual a 5 minutos. Desta forma melhora-se também a estabilidade do cálculo associado ao modelo numérico para toda a gama de caudais a analisar, mantendo os resultados compatíveis com os que seriam obtidos com tempos de rutura inferiores. Figura 5. Estudo de sensibilidade. Tempo de rutura. Limnigramas. Figura 6. Estudo de sensibilidade. Tempo de rutura. Hidrogramas. 5.1.2. Número de contrafortes Numa barragem constituída estruturalmente por contrafortes, a largura da brecha pode ser considerada equivalente ao número de contrafortes, Nc, que rompem. 132

Estudo de Escoamentos Variáveis em Canais Naturais. Aplicação ao Caso de Rutura de uma Barragem Com o objetivo de analisar a sensibilidade dos resultados a este parâmetro, realizaram-se estudos comparativos para a rutura de um número de contrafortes igual a 2, 4, 6 e 8. Após a análise de sensibilidade das simulações realizadas, concluíu-se que os parâmetros em estudo são muito sensíveis ao número de contrafortes rompidos e que a situação mais desfavorável ocorre para o derrube de 8 contrafortes, embora tal situação não corresponda a resultados muito diferentes dos efeitos da rutura de 6 contrafortes. A Figura 7 apresenta as envolventes dos caudais ao longo do vale a jusante para cada situação considerada. Figura 7. Estudo de sensibilidade ao número de contrafortes. Envolventes de caudal. Pela análise da Figura 7 conclui-se que quanto maior o número de contrafortes rompidos, maior será o valor do caudal libertado da albufeira. Foi considerada a rutura de 8 contrafortes tendo em conta apenas os resultados hidráulicos numa perspetiva de obtenção de resultados mais desfavoráveis, sendo, no entanto, essencial também analisar a influência do parâmetro forma da brecha de modo a examinar possíveis diferenças nos valores de caudais e níveis e assim se poder concluir a definição da forma brecha da barragem mais adequada. 5.1.3. Forma da brecha Considerou-se que a rutura, caso ocorra, será definida pelo número de contrafortes que rompem. No entanto, com o objetivo de analisar a influência da forma da brecha, foram comparados os resultados obtidos pela rutura dos 8 contrafortes, resultando numa brecha retangular, ou abrangendo a secção transversal do vale, resultando numa brecha de forma trapezoidal. Com as análises de sensibilidade, concluiu-se que não existem diferenças apreciáveis entre as hipóteses consideradas, quer em situações iniciais de cheia, quer em situações iniciais de estiagem. Verifica-se, assim, que os resultados não são sensíveis à forma da brecha, se consideradas as geometrias referidas. Sendo assim, para a definição dos cenários de rutura, considerou-se que a rutura se dá através do derrube de contrafortes com a formação de uma brecha retangular. 5.2. Cenários de rutura Realizados os estudos de sensibilidade com vista à definição dos cenários de rutura, foram considerados dois cenários com condições iniciais correspondentes a (i) uma situação de estiagem e (ii) à ocorrência de uma cheia, contemplando ambos os cenários, a rutura rápida de 8 contrafortes. De facto, embora os níveis máximos atingidos em estiagem sejam inferiores aos níveis atingidos em cheia, a diferença entre os níveis máximos subsequentes à rutura ao longo do percurso e a potencial importância do efeito surpresa de uma rutura durante a época estival, conduziram à adoção de dois cenários, um correspondente à rutura em situação inicial de estiagem e outro correspondente à rutura em situação inicial de cheia. Para cada um dos cenários considerados, procedeu-se ao cálculo computacional com o modelo HEC-RAS na procura de uma caracterização detalhada da onda de inundação. Como resultados exportados do modelo, são de salientar os hidrogramas e limnigramas resultantes (variação dos níveis ao longo do tempo) obtidos para cada secção. É possível extrair, ainda que de forma indireta, os instantes de chegada da onda, os níveis máximos, os caudais máximos e as velocidades máximas e os respetivos instantes de ocorrência. A Figura 8 representa os hidrogramas resultantes da rutura em secções situadas ao longo do vale a jusante da barragem de Pracana, para o cenário associado às condições de estiagem. Figura 8. Cenário de estiagem. Hidrograma resultante da rutura. Analisando a Figura 8, é possível analisar os hidrogramas resultantes ao longo de uma determinada extensão do sistema. Pode-se verificar que há um rápido amortecimento do caudal para jusante. Das curvas apresentadas, chama-se a atenção para a linha cor rosa e para a linha de cor verde. A primeira representa o hidrograma de rutura da barragem, isto é, na secção imediatamente a jusante da barragem. No que se refere à linha de cor verde que se situa no trecho do rio Tejo entre a barragem de Fratel e a foz do rio Ocreza, esta assume valores de caudal negativos pelo simples facto da propagação da onda de inundação, nesta zona, se processar no sentido contrário ao sentido natural do escoamento do rio. 133

Na confluência referida, a onda proveniente da barragem de Pracana é dividida em duas partes, seguindo uma das partes o caminho natural do escoamento, e outra o sentido contrário, em direção a montante, sendo posteriormente refletida na condição fronteira de montante e retomado o sentido natural do escoamento. A Figura 9 fornece informação referente aos instantes de chegada da onda de inundação ao longo do sistema simulado e a delimitação da zona de auto-salvamento (ZAS) para o cenário de estiagem. T.Silva, R.Maia, P.Pinto Figura 11. Mapa de inundação e informação disponibilizada de acordo com o RSB. Cenário de estiagem. Figura 9. Cenário de estiagem. Instantes de chegada da onda e delimitação da zona de auto-salvamento. A Figura 10 fornece informação referente aos instantes de chegada da onda de inundação ao longo do sistema simulado e a delimitação da zona de auto-salvamento para o cenário de cheia. Figura 10. Cenário de cheia. Instantes de chegada da onda e delimitação da zona de auto-salvamento. Como seria de esperar, a figura associada ao cenário de cheia apresenta uma ZAS bastante superior à do cenário de estiagem, explicada por uma maior rapidez de propagação da onda. Apesar disso, o cenário de estiagem associa-se à época estival do ano e, como tal, à maior frequência de pessoas das praias fluviais, o que sugere grande relevância à análise dos resultados para este cenário. 5.3. Mapas de inundação Em conformidade com o Regulamento de Segurança de Barragens (RSB artigo 50.º), na Figura 11 é apresentado um mapeamento de zonas inundáveis, como consequência da eventual rutura de uma barragem associado ao cenário de estiagem. Este mapeamento foi realizado apenas para um curto trecho de todo o sistema. De acordo com o RSB, os mapas de inundação relativos a cada cenário de acidente devem indicar, para cada aglomerado populacional ou bem material ou ambiental a preservar: os instantes de chegada da frente e de pico da onda de inundação; os níveis máximos atingidos em termos de cota e altura da onda; a velocidade máxima, o caudal máximo e o tempo de duração da fase crítica da inundação. O mapeamento das zonas inundáveis deve ser realizado para todo o vale a jusante da barragem nos locais em que haja influência considerável da onda resultante da rutura. Neste trabalho considerou-se mais importante explorar os métodos de elaboração de um mapa destas características e evidenciar os requisitos que este tipo de informação deve apresentar, segundo a regulamentação atual e o Guia de Orientações para Elaboração de Planos de Emergência Internos de Barragens (ANPC/INAG, 2009), do que fazer a descrição exaustiva e pormenorizada correspondente a todos os pontos do sistema estudado que, apesar de tudo, é necessário realizar durante a elaboração de um planeamento de emergência. Para além da mancha representativa da área inundada, relativa aos níveis máximos em cada secção de cálculo, apresentam-se também, em quadros associados às secções do trecho, o instante de chegada da onda de cheia, os valores máximos do caudal, do nível e da velocidade média do escoamento, bem como os respetivos instantes de ocorrência. Respondese, assim, às exigências do RSB de apresentar os mapas de inundação com a caracterização hidrodinâmica das ondas de inundação. Os instantes de ocorrência da velocidade máxima não podem ser extraídos diretamente do HEC- RAS, constituindo esta uma limitação importante deste modelo. Para este efeito torna-se necessário extrair os resultados individualmente para cada hidrograma. 6. Análise da Aplicabilidade do Modelo HEC- RAS. Comparação com o Modelo UNISCOA da EDP. Para a análise da adequabilidade da aplicação do modelo HEC-RAS a estudos de escoamentos variáveis resultantes de ruturas de barragens foram realizadas algumas comparações entre os resultados obtidos com a aplicação do modelo UNISCOA, desenvolvido internamente pela EDP. 134

Estudo de Escoamentos Variáveis em Canais Naturais. Aplicação ao Caso de Rutura de uma Barragem Foi também feita uma análise crítica do tipo de resultados obtidos pelo HEC-RAS e a necessidade de os adaptar às necessidades dos Estudos de Ondas de Inundação e dos Planos de Emergência Internos. A comparação é baseada no mesmo tipo de gráficos apresentados anteriormente sendo apresentados os hidrogramas para as secções consideradas mais significativas e o instante de chegada da onda de inundação. Para além dos resultados anteriormente apresentados, é acrescentada uma comparação dos níveis máximos da superfície livre durante a propagação da onda pelo vale a jusante e os respetivos instantes de ocorrência. Os resultados dos dois modelos foram sobrepostos de forma a evidenciar as diferenças existentes. 6.1. Descrição do modelo UNISCOA A EDP dispõe de um modelo computacional, o UNISCOA, desenvolvido internamente, baseado nas equações unidimensionais da hidrodinâmica e que recorre a técnicas numéricas adequadas ao tipo de fenómeno a estudar. O modelo foi criado com o objetivo de permitir simular escoamentos não permanentes em canais naturais (secções irregulares). Permite a simulação de ruturas de barragens assim como da propagação da onda de cheia resultante ao longo do vale a jusante. No que diz respeito ao modelo numérico, este é baseado nas equações completas de Saint- em cursos de Venant para escoamentos não permanentes água naturais, escritas sob forma quase conservativa. Para integração das equações referidas, o UNISCOA, tal como o modelo HEC-RAS, recorre a um esquema implícito do tipo quatro pontos ponderados. O sistema de equações algébricas não lineares, constituído pelas equações resultantes da aplicação do esquema de diferenças finitas às equações de Saint-Venant relativas a todos os trechos do sistema a simular e pelas equações nas fronteiras (externas e internas), é resolvido pelo método iterativo de Newton- de sistemas de Raphson. Este método aplica-se à resolução equações lineares e é frequentemente utilizado na modelação de grandes sistemas hidráulicos (EDP, 1999). O método utilizado para a resolução das equações de base é idêntico ao do HEC-RAS, embora não recorra ao método numérico UNET para o tratamento do cálculo interno nas secções. O UNISCOA funciona em ambiente Windows, permitindo a entrada de dados, o cálculo e a saída de resultados integrados num só modelo, necessitando apenas dos módulos da aplicação MS Excel para a entrada de dados e saída de resultados (EDP, 1999). Os resultados obtidos pelo UNISCOA são extraídos de forma direta e automática, ficando disponíveis em formato gráfico e em formato de tabela. Inicialmente foram observadas algumas diferenças nos resultados. Constatou-se que as diferenças eram resultantes das diferentes característicass dos sistemas modelados. Na realidade, devido a algumas particularidades e limitações de simulação do modelo HEC-RAS, não foi possível adaptar completamente o sistema modelado com o HEC- com o UNISCOA. Desta RAS, ao que havia sido modelado forma foi realizada uma nova simulação no UNISCOA com um outro sistema, desta vez alterado em conformidade com o sistema (possível) do HEC-RAS. Neste artigo, a comparação dos modelos incidirá apenas nos resultados obtidos após a alteração do sistema inicialmente usado no UNISCOA e será feita somente para um cenário, correspondente à rutura da barragem de Pracana em situação de estiagem, considerado exemplificativo para avaliação das eventuais diferenças. Na Figura 12 apresentam-se os hidrogramas em seis secções do vale a jusante. Cada cor representa cada uma dessas secções. São apresentados os resultados obtidos com o HEC-RAS, a traço mais grosso, sobrepostos com os resultados do UNISCOA, a traço mais fino. Pode-se verificar que os caudais máximos em cada secção se aproximam e que, ao longoo de quase todo o sistema, os resultados de cada um dos modelos se assemelham bastante. Figura 12. Comparação de resultados. Hidrogramas no vale a jusante da barragem. Analisando a Figura 13, onde são apresentados os instantes de chegada da onda ao longo do vale a jusante, é de salientar a semelhança existente entre os resultados obtidos pelos dois modelos. 6.2. Comparação de resultados Este ponto é dedicado à comparação dos resultados de cada um dos dois modelos, o HEC-RAS e o UNISCOA. No que diz respeito ao UNISCOA, foram considerados dois sistemas. Numa primeira comparação de resultados foi utilizado o sistema original do Estudo de Ondas de Inundação da barragem de Pracana (EDP, 2008). Figura 13. Comparação de resultados. Instante de chegada da onda. Vale a jusante da barragem. Cenário de estiagem. 135

T.Silva, R.Maia, P.Pinto A diferença na última secção do sistema é muito reduzida, o que é considerado bastante razoável. Na realidade, a pequena diferença existente entre as duas curvas é explicada pelo uso de dois modelos computacionais diferentes. Na Figura 14 apresentam-se as diferenças entre os níveis de água máximos (envolventes de níveis) obtidos com os dois modelos. Figura 14. Comparação de resultados. Diferenças entre níveis máximos. Vale a jusante da barragem. Cenário de estiagem. Pela análise do gráfico, a existência de um grande número de oscilações pode levar a pensar que não é garantida a proximidade entre os resultados dos dois modelos, no entanto, as diferenças entre os níveis máximos têm uma ordem de grandeza média próxima da unidade métrica e uma ordem de grandeza máxima de 3 m na zona da confluência que é explicada pela diferença no tratamento de cálculo de confluências entre os dois modelos. Desta forma, estes resultados espelham bem e confirmam que os resultados dos dois modelos estão bastante próximos. Já para o instante de ocorrência do nível de água máximo apresentado na Figura 15, na metade de montante do sistema não se evidenciam grandes discrepâncias, no entanto, nas últimas secções do sistema as duas linhas associadas aos dois modelos tendem a distanciar-se. Figura 15. Comparação de resultados. Diferenças entre instantes de níveis máximos. Vale a jusante da barragem. Cenário de estiagem. 7. Conclusões Atualmente é corrente a utilização de modelos computacionais em estudos de escoamentos variáveis como são os resultantes de ruturas de barragens. No presente estudo foi aplicado o modelo computacional HEC-RAS ao caso de rutura da barragem de Pracana. O principal objetivo deste trabalho centrou-se na avaliação da adequabilidade do modelo a estudos de escoamentos desta natureza e para atingir este objetivo, compararam-se os resultados obtidos com os do modelo UNISCOA desenvolvido pela EDP. A comparação entre os dois modelos serviu de indicador do funcionamento do modeloo HEC-RAS e da sua aplicabilidade a estudos de escoamentos variáveis provocados por ruturas de barragens em vales e sistemas complexos. Neste sentido, procurou-se realçar as diferenças nos resultados dos dois modelos. No entanto, deverá salientar-smodelo computacional não pode ter como base, que a validação de um unicamente, a comparação com os resultados de um outro modelo. Para além da comparação com resultados de outros modelos, a validação de um modelo computacional exige análises de outro carácter, nomeadamente, análises numéricas e análises de comparação dos resultados com resultados de protótipo. O estudo desenvolvido deverá ser assim entendido e enquadrado nesse contexto. Realizados os estudos de sensibilidade e definido o sistema ideal a simular, foram considerados os dois cenários de rutura. Tanto o cenário associado às condições de estiagem como o associado às condições de cheia foram calculados e os resultados foram utilizados para o mapeamento das zonas inundáveis numa parte do vale a jusante da barragem. Este mapeamento teve em conta os requisitos impostos pela regulamentação no que diz respeito à informação necessária em cadaa uma das secções do trecho analisado. A comparação dos resultados do HEC-RAS com os resultados do UNISCOA foi realizada para o cenário de estiagem. A comparação de resultados revelou uma grande aproximação dos mesmos, constatando-se que as características da onda de inundação e a sua propagação pelo vale a jusante assumiram comportamentos semelhantes nos dois modelos. No entanto, os resultados não foram totalmente coincidentes e a onda do modelo computacional HEC-RAS revelou-se um pouco mais rápida do que a onda do modelo UNISCOA (instantes de chegada inferiores no HEC-RAS). Esta desigualdade pode ser explicada pela diferença no esquema computacional. O HEC-RAS aplica o esquema UNET, de Robert Barkau, que considera um escoamento afetado por um fator de distribuição de caudal entre o canal principal e as zonas de inundação e define um caminho equivalente para esse escoamento. O esquema numérico utilizado pelo UNISCOA não tem em conta a consideração referida, considerando cada secção como um único elemento e a rugosidade variável em altura. 136

Estudo de Escoamentos Variáveis em Canais Naturais. Aplicação ao Caso de Rutura de uma Barragem De uma forma geral pode concluir-se que o modelo HEC- RAS pode ser aplicado a estudos de escoamentos variáveis resultantes de ruturas de barragens e que o seu funcionamento se adequa relativamente bem às necessidades referidas. No entanto, foram sentidas limitações do modelo durante a sua aplicação que, de forma a melhorar o seu funcionamento, foram apresentadas no presente trabalho. A dificuldade de extração de alguns resultados, nomeadamente dos valores máximos da velocidade e dos respetivos instantes de ocorrência são as limitações a apontar ao modelo HEC-RAS. O facto de o modelo HEC-RAS ser um modelo comercial fechado, sem possibilidade de intervir no código e sendo limitada a compreensão total do seu funcionamento apenas com a leitura dos manuais, limita a sua aplicabilidade a sistemas complexos que requeiram condições fronteira específicas. Referências ANPC/INAG (2009). Guia Orientações para Elaboração de Planos de Emergência Interna de Barragens. Autoridade Nacional de Proteção Civil e Instituto da Água. Caderno de Encargos 5. Junho EDP (2008). Gestão da Produção de Energia, S.A. Barragem de Pracana Estudo de Ondas de Inundação. Outubro. EDP (2010). Gestão da Produção de Energia, S.A. Manual da Organização. Documento nº MO_EDP P 1/2010. Abril de 2010. HEC (2008). HEC-RAS River Analysis System. Hidraulic Reference Manual. U.S. Army Corps of Engineers. USA. LNEC (2003). Dam Break Flood Risk Management in Portugal. Lisboa. RSB (2007). Diário da República Nº 198 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Decreto- Lei n.º 344/2007 2007. Outubro. 137