Gapping: Uma análise do fenómeno no português europeu * Gonçalo Silva Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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Transcrição:

Gapping: Uma análise do fenómeno no português europeu * Gonçalo Silva Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa goncalo.bl.silva@gmail.com Abstract Gapping has been classically characterized as an ellipsis. However, recent literature (Johnson 2009) has regarded it as Across-the-Board movement in the English language. This paper aims at analyzing these proposals and giving its own for European Portuguese, emphasizing some of the differences between the two languages as the source for these contrasts. Keywords: Gapping, Gap Ellipsis, Ellipsis, Movement, Across-The-Board Palavras-chave: Gapping, Elipse Lacunar, Elipse, movimento, extracção simultânea 1.1 Introdução Gapping é um fenómeno pouco estudado em português europeu (PE). Algumas das suas propriedades gerais foram descritas (Matos 1992, 2003, 2005, 2013), mas a sua análise nunca foi aprofundada. Porém, uma vez que Gapping foi bastante estudado em inglês, veja-se, entre outros, Ross 1967, Sag 1980 (em quadros anteriores à Teoria de Princípios e Parâmetros) e Johnson 2009,Vicente 2010 (no âmbito do Programa Minimalista), pode-se fazer uma comparação do comportamento do fenómeno nessa língua e em PE de forma a estabelecer algum contraste ou equivalência entre ambas, bem como avaliar a validade dos tratamentos propostos. 1.2 Objectivo Este artigo fará uma análise inicial do fenómeno em português europeu, contrastando-a com análises recentes feitas para o inglês. Procurarei esclarecer dúvidas e responder a questões como a ligação entre Gapping e Movimento Simultâneo (Across-the-Board). Procurarei também aprofundar a questão do nível de incompatibilidade de Gapping com o nó CP. * Agradeço os comentários feitos pelos revisores anónimos que me forneceram críticas valiosas para o meu trabalho e também a quem esteve presente na apresentação deste trabalho no Encontro Nacional da APL em Coimbra. Textos Selecionados, XXIX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Porto, APL, 2014, pp. 509-518, ISBN 978-989-97440-3-5 509

XXIX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA 1.3 Metodologia e Enquadramento Para efeitos da análise, assume-se a Teoria de Princípio e Parâmetros como quadro teórico. A análise será feita com base em dados presentes na bibliografia e do próprio autor enquanto falante nativo da língua. 2. Algumas propriedades centrais de Gapping em Português Europeu Gapping (designada Elipse Lacunar em Matos, 1992, 2003, 2005 e por elipse verbal em Matos 2013) ocorre quando na frase se dá a omissão do verbo ou da sequência verbal e por vezes de alguns dos seus constituintes, permanecendo realizados obrigatoriamente pelo menos dois deles, como ilustrado nos exemplos (1): (1) a. O Paulo vai ao cinema e o Pedro vai ao teatro. b. A Joana tem estudado alemão e a Ana tem estudado francês. c. A Maria deu chocolates ao Manuel e a Rita deu rebuçados ao Rui. d. *O João tem ido às aulas e o Miguel tem ido às aulas. Em PE, em Gapping, a elipse incide sobre toda a sequência verbal quando esta inclui vários verbos (semi-) auxiliares além do pleno, tal como ilustram os exemplos (2)a-c. Porém, se as orações não partilharem o mesmo verbo pleno e apenas o auxiliar, só este último é que é omitido. O oposto, no entanto, é completamente agramatical. Este facto de se poder apenas omitir o verbo auxiliar será importante mais à frente. (2) a. A Joana tem estudado alemão e a Ana tem estudado francês. b.*/#a Joana tem estudado alemão e a Ana tem estudado francês. c.*eu tenho ido comprar revistas à loja e ele tem ido comprar livros à feira. d. O Pedro tem caçado e o João tem pescado. As orações têm de ter valores de polaridade idênticos e não divergentes, i.e, têm de ter ambas valor negativo ou positivo: (3) a. O Pedro é inteligente e o João é simpático. b. O Pedro não é inteligente nem o João é simpático. c. *O Pedro é inteligente e o João não é simpático. d. *O Pedro não é inteligente e o João é simpático. Estas são algumas das propriedades básicas essenciais das construções de Gapping. Admito que estas propriedades são adequadamente tratadas numa abordagem de elipse. Abaixo encontra-se uma proposta de estrutura para uma frase como (4): 510

GAPPING: UMA ANÁLISE DO FENÓMENO NO PORTUGUÊS EUROPEU (4) O Paulo vai ao cinema e o Pedro vai ao teatro. Na estrutura em (4), os constituintes com dois traços foram movidos da sua posição base, enquanto que os que têm um único traço foram alvo de elipse (Gapping). Nesta representação, as orações são ligadas ao nível do TP através de um núcleo Conj que, com as orações em posição de especificador e de complemento, projecta ConjP. Para estas estruturas, assumo a configuração de coordenação segundo Johannessen (1998). Cada uma das orações é derivada como se fosse uma frase independente, com os verbos a moverem-se para T e deixando cópias que são rasuradas. A elipse opera apagando o verbo e outros constituintes redundantes da segunda oração. Esta proposta de representação vai servir de base para a minha argumentação perante o problema de que me ocuparei abaixo. 3. Gapping como estrutura de elipse ou de movimento-atb? Alguns autores, como Larson (1988) e Johnson (2006) argumentam que Gapping é uma instância de movimento-atb e não uma construção elíptica. Citando Colaço (2006), o movimento-atb tem de observar duas características: (...) (i) A ocorrência de uma categoria vazia em cada termo coordenado, estando ambas relacionadas com um único constituinte com realização fonética. (ii) A ocorrência desse constituinte numa posição que lhe permita a legitimação das referidas categorias vazias através da relação estrutural de c-comando. (...). Como visível pela estrutura em (4), tal não acontece. Porém esta não é a estrutura defendida pelos autores referidos. Larson no seu artigo sugere a seguinte representação (que evidencia apenas os aspectos relevantes): 511

XXIX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA (5) John sent a letter to Mary and a book to Sue. Larson foi o primeiro a sugerir uma análise deste tipo, em que os constituintes estão coordenados ao nível do VP e ocorre movimento-atb dos verbos (subida-atb para ser específico) para o V mais alto da concha de VP (a concha de Larson). Johnson (2006, 2009) apresenta uma estrutura semelhante mas não idêntica, desenvolvendo este tratamento com detalhe no âmbito do Programa Minimalista (Chomsky, 1995). Note-se a frase (6), retirada do artigo de Johnson: (6) Some will eat eat beans and others eat rice. 512

GAPPING: UMA ANÁLISE DO FENÓMENO NO PORTUGUÊS EUROPEU Adoptando o Programa Minimalista, Johnson assume que o sujeito do verbo é gerado inicialmente em vp, e defende que ocorre coordenação ao nível de vp com subida-atb das ocorrências do verbo principal para uma projecção funcional que ele denomina XP. Como argumento empírico a favor da coordenação neste nível baixo, Johnson refere a existência de Pseudogapping, que se distingue de Gapping por deixar o(s) verbo(s) auxiliar(es) intacto(s). Um exemplo deste fenómeno está ilustrado em 7: (7) Some had eaten mussels and others had eaten shrimp. Porém, esta análise causa alguns problemas, especialmente no que diz respeito ao português europeu. Primeiro que tudo, esta estrutura viola a Condição da Estrutura Coordenada ao extrair o sujeito do primeiro termo coordenado some, deixando others imóvel, e o auxiliar do primeiro termo coordenado, deixando o do segundo na sua posição base. Além disso, há vários argumentos empíricos a favor de que, em português europeu, em Gapping a coordenação ocorre, pelo menos, ao nível do TP. Os argumentos são os seguintes: i) Como dissemos, o PE não aceita Pseudo-Gapping. A omissão dos verbos auxiliares e semiauxiliares quando presentes é obrigatória, como vimos em (2), retomado em baixo como (8). (8) *Eu tenho ido comprar revistas à loja e ele tem ido comprar livros à feira. Além do mais, deve-se retomar aqui a ideia de que em PE ocorre o inverso de Pseudo-Gapping, ou seja, a possibilidade de omissão do verbo auxiliar com realização do verbo principal. De notar que PE é uma lingua de movimento generalizado do Verbo, ou seja, numa sequência verbal formada por um (ou mais) verbo(s) auxiliar(es) e um verbo principal, o (primeiro) verbo auxiliar move-se para T. Assim, não há justificação plausível para uma coordenação de nível baixo, coordenação de vp, como argumentado para o inglês. ii) O descarregamento dos traços-φ só é possível em PE quando o verbo se move para núcleo de T e o sujeito para Spec, TP. É verdade que movimento explícito do sujeito para Spec, TP não é necessário dado que há frases em PE completamente naturais onde o sujeito fica in situ, Spec vp, em posição pósverbal. Porém, mesmo nestes casos assume-se que ocorre um constituinte na posição de sujeito de modo a verificar o traço EPP forte de T. Se ocorrer movimento ATB e os termos coordenados tiverem sujeitos distintos, torna-se impossível verificar esses traços contra os traços-φ e EPP do sujeito do segundo termo coordenado. iii) A compatibilidade entre Gapping e a topicalização de constituintes. Tomemos atenção à frase (9) retirada de Matos (2013): (9) À Maria eles ofereceram flores e ao Paulo eles ofereceram um livro. (topicalização do objecto indirecto) Partindo do exemplo dado em (9), podemos verificar que a coordenação engloba necessariamente ambos os constituintes topicalizados, pois se tal não acontecesse, não só o movimento 513

XXIX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA dos constituintes topicalizados estaria a ser assimétrico como estaria a ser violada a Condição da Estrutura Coordenada. Em (10) encontra-se a estrutura correcta para estas construções: (10) Com estes três argumentos, conclui-se que em português europeu, é, pelo menos, ao nível de TP que ocorre a coordenação. Com efeito, Matos (2004) refere que em Gapping as orações têm de ser coordenadas ao nível do TP, ficando a estrutura de coordenação incluída numa fase CP. No entanto, aceitando a análise articulada de CP inicialmente apresentada em Rizzi (1997), a proposta de Matos 2004 tem de ser reformulada, pois como visto na representação (10), a coordenação inclui TopP, que, ainda que esteja incluída em CP(=ForceP), se encontra na periferia esquerda da frase acima de TP (cf. Duarte 1996 1, Rizzi 1997, 2004). De notar que Deslocação à Esquerda Clítica não parece diferir de Topicalização no que toca a aceitabilidade com Gapping, como visto em (11): (11) Ao Pedro, a Maria dá(-lhe) livros e ao Paulo, a Maria dá-(lhe) chocolates. Assim, assumindo as propostas de Rizzi, é possível actualizar esta proposta, afirmando que Gapping não se limita necessariamente à coordenação de TPs. Porém, continua a assumir-se que não vai além da fase CP=ForceP como orações subordinadas, nomeadamente em domínios-ilha, como visto na frase e respectiva representação em (12), em que gapping ocorre numa frase adverbial temporal (um caso de ilha da frase adjunta), e nos restantes exemplos em (13): 1 É de notar que, apesar de Duarte (1996) não adoptar a representação de TopP para a Topicalização propriamente dita, adopta-a para a Deslocação à Esquerda Clítica e assume que TopP ocorre acima de TP. 514

GAPPING: UMA ANÁLISE DO FENÓMENO NO PORTUGUÊS EUROPEU (12) *A Maria come maçãs quando a Joana come pêras. (13) a. *A Maria come maçãs e que a Ana come pêras é óbvio. ILHA DO SUJEITO FRÁSICO b. *A Ana gosta de livros e nós temos um amigo que gosta de chocolates. ORAÇÃO RELATIVA Uma possível explicação, ainda preliminar, é que Gapping não vá além da fase CP. Porém, note-se a ambiguidade da seguinte frase (14a) e nas suas interpretações possíveis em (14b) e (14c) 2 : (14) a. O João disse que convidava a Joana e o Pedro a Maria. b. O João i disse que [pro i convidava a Joana e o Pedro convidava a Maria]. c. O João disse que [convidava a Joana] e o Pedro disse que [convidava a Maria]. Na interpretação em (14c) desta frase, temos claramente um CP, a oração subordinada completiva que convidava a Joana/Maria em cada uma das orações coordenadas, porém a frase é completamente gramatical. Assim, o que causa a agramaticalidade? Olhemos agora para os exemplos em (15) e para a estrutura relativa a (15b): 2 Independetemente dos exemplos dados, Matos (2013) admite que possa haver Gapping através de frases subordinadas completivas infinitivas como a seguinte: A Ana admite ir ao cinema e a Paula admite ir ao teatro. 515

XXIX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA (15) a. *O Pedro pediu que a Maria comesse a pêra e que a Joana comesse a maçã. b. O Pedro pediu que a Maria comesse a pêra e a Joana comesse a maçã. Com este contraste e os exemplos anteriores em mente, o que proponho é que Gapping é incompatível com CP(=ForceP) quando este nó está directamente envolvido na articulação das duas orações. Se o nó CP estiver inserido na oração elíptica, como no caso da subordinada completiva em (14), não há incompatibilidade alguma. Assim, o contraste de gramaticalidade entre (15) A e B deve-se ao nível da coordenação. Na estrutura de (15) A, o núcleo Conj tem nas suas posições de Complemento e Especificador as projecções máximas dos núcleos C (Force), ou seja, os CP, causando a agramaticalidade. Em (15) B, como visto na estrutura abaixo, a projecção máxima de Conj é complemento de um único CP e tem nas suas posições de Especificador e Complemento os dois TP que correspondem às orações completivas coordenadas entre si. Além disso, assumo também que os constituintes articulados tenham de ser simétricos até nas suas orações subordinadas. Olhemos para o seguinte exemplo: (16) *A Ana lê romances e penso que a Maria leia poemas (Matos 2003:902) 3 3 Um comentador anónimo sugeriu paralelismo verbal neste exemplo pois a utilização do conjuntivo apenas no segundo membro podia ser um elemento perturbador. Dado que este exemplo foi citado de outra obra, decidi mantê-lo intacto mas para todos os efeitos a sugestão não tem qualquer efeito na agramaticalidade no exemplo nem qualquer implicação nas considerações feitas. Fica abaixo para confirmação: 516

GAPPING: UMA ANÁLISE DO FENÓMENO NO PORTUGUÊS EUROPEU Neste caso, parece claro que a razão da agramaticalidade seja a existência de CP(=ForceP) entre os dois termos coordenados. No entanto, pode ser mais específico que isto. O paradigma apresentado em (17) ilustrará melhor esta ideia: (17) a. *O João foi ao cinema e o Pedro disse que foi ao teatro. b. O João disse que foi ao cinema e o Pedro disse que foi ao teatro. Este par de casos dá a entender que Gapping pode incluir orações subordinadas completivas sob a condição de que ambos os termos coordenados têm a sua própria oração encaixada, como no exemplo (17b). No entanto, é impossível que seja apenas o segundo termo coordenado a ter uma oração encaixada (17a). A razão porque pode ocorrer só na primeira deve-se ao facto de nesses casos estarem as duas orações subordinadas a ser coordenadas entre s, fazendo com que a coordenação nunca alcance o nó CP. Para já esta é a generalização inicial proposta e será trabalhada no futuro. Outro contraste que merece uma análise mais aprofundada é o aparente contraste de estrutura entre orações subordinadas cujos sujeitos sejam co-referentes ou realizados e portanto disjuntos. Olhemos para a frase (18a) e respectivas interpretações para análise em (18b) e (18c): (18) a. O João disse que o Manel convidava a Joana e o Pedro a Maria. b. O João disse [que [o Manel convidava a Joana] e o Pedro convidava a Maria]. c.?? [O João disse que o Manel convidava a Joana] e [o Pedro disse que o Manel convidava a Maria]. Se contrastarmos com a frase em (14), vê-se que é muito mais natural a interpretação em que foi o Pedro a dizer que convidava a Maria, ou seja, a estrutura em que temos duas orações subordinantes coordenadas entre si e cada uma com a sua própria oração subordinada completiva. No entanto, se o sujeito da primeira oração completiva for devidamente realizado e, portanto, tiver referência disjunta do sujeito da oração subordinante, a interpretação de que o sujeito da subordinada ocorre em ambas as orações é extremamente forçada. Neste caso, a interpretação mais natural, ou até a única possível, é a de que temos uma única oração subordinante com duas orações subordinadas que se encontram coordenadas entre si, remetendo para a estrutura acima da frase (15)b. Conclusão Com este trabalho, que ainda não foi devidamente empreendido para o Português Europeu, contrastou-se as análises feitas da estrutura de Gapping no inglês com o Português Europeu e apresentouse argumentos empíricos a favor da impossibilidade de Movimento ATB se aplicar para derivar a construção de Gapping em português. Também se analisou e tentou-se explicar, de forma ainda preliminar, a aparente incompatibilidade existente entre o nó CP e esta estrutura, propondo algumas ideias iniciais que dêem conta de exemplos da literatura em questão e que levantem problemas a serem resolvidos no futuro deste trabalho. Referências COLAÇO, Madalena (2006). Omissão de Material Idêntico em Estruturas Coordenadas: Elipse vs ATB. Actas do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Coimbra: Associação Portuguesa de Linguística. 261-271. (i) *A Ana lê romances e penso que a Maria lê poemas. 517

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