ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4 de Junho de 2002 *

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Transcrição:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4 de Junho de 2002 * No processo C-99/00, que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234. CE, pelo Hovrätt för Västra Sverige (Suécia), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra Kenny Roland Lyckeskog, uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 234., terceiro parágrafo, CE e do artigo 45., n. 1, do Regulamento (CEE) n. 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n. 355/94 do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 (JO L 46, p.5), O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. Jann, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, J.-P. Puissochet (relator), M. Wathelet, V. Skouris, J. N. Cunha Rodrigues e A. Rosas, juízes, * Língua do processo: sueco. I - 4876

LYCKESKOG advogado-geral: A. Tizzano, secretário: R. Grass, vistas as observações escritas apresentadas: em representação do Governo sueco, por L. Nordling, na qualidade de agente, em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente, em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente, em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por M. Hoskins, barrister, em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Ström, na qualidade de agente, visto o relatório do juiz-relator, ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de Fevereiro de 2002, I - 4877

profere o presente Acórdão 1 Por decisão de 10 de Março de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 16 do mesmo mês, o Hovrätt för Västra Sverige (tribunal de primeira instância para a Suécia Ocidental) submeteu ao Tribunal, em aplicação do artigo 234. CE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 234., terceiro parágrafo, CE e do artigo 45., n. 1, do Regulamento (CEE) n. 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n. 355/94 do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 (JO L 46, p. 5, a seguir «Regulamento n. 918/83»). 2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um processo intentado contra K. Lyckeskog por tentativa de contrabando, uma vez que este tentou introduzir na Suécia 500 kg de arroz a partir do território norueguês sem declarar essa importação. Regulamentação comunitária 3 No que respeita às obrigações do órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 234., terceiro parágrafo, CE dispõe: «Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.» I - 4878

LYCKESKOG 4 As disposições comunitárias aplicáveis ao litígio no processo principal são os artigos 45. e 47. do Regulamento n. 918/83, que prevêem: «Artigo 45. 1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 46. a 49., são admitidas com franquia de direitos de importação as mercadorias contidas nas bagagens pessoais dos viajantes provenientes de um país terceiro, desde que se trate de importações desprovidas de qualquer caracter comercial. 2. Para efeitos do n. 1, entendem-se por: [...] b) 'Importações desprovidas de qualquer carácter comercial', as importações: que apresentem um carácter ocasional e I - 4879

que respeitem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes, ou destinadas a serem oferecidas como presente, não devendo a sua natureza ou quantidade traduzir qualquer preocupação de ordem comercial. [...] Artigo 47. No referente às mercadorias não enumeradas no artigo 46., a franquia referida no artigo 45. é concedida, por viajante, até ao valor global de 175 ecus. Contudo, os Estados-Membros dispõem da faculdade de reduzir a referida franquia até 90 ecus, relativamente aos viajantes de idade inferior a 15 anos.» Legislação nacional 5 Os hovrätter proferem decisões que podem ser objecto de recurso para o Högsta domstol (Supremo Tribunal da Suécia). Esse recurso é sempre apreciado se for interposto pelo procurador-geral em processos penais. Nos outros casos, a apreciação do recurso está subordinada a uma declaração de admissibilidade por parte do Högsta domstol. I-4880

LYCKESKOG 6 Nos termos do 10 do capítulo 54 do rättegångsbalk (código de processo), o Högsta domstol só pode proferir esta declaração de admissibilidade se: «1. for importante para a aplicação uniforme do direito que o recurso seja apreciado pelo Högsta domstol; ou 2. existirem razões especiais para a apreciação do recurso, tais como a existência de fundamentos de revisão, um vício de forma ou se a decisão proferida no processo submetido ao Hovrätt assentar manifestamente numa omissão ou num erro grave». O litígio no processo principal e as questões prejudiciais 7 K. Lyckeskog foi condenado pelo Strömstads tingsrätt (tribunal de primeira instância de Strömstad (Suécia) por tentativa de contrabando, por ter tentado introduzir na Suécia, em 1998, 500 kg de arroz a partir do território norueguês. O tingsrätt, baseando-se no facto de ter sido ultrapassada a quantidade de 20 kg autorizada por uma decisão da administração aduaneira para a importação de arroz com franquia de direitos aduaneiros, considerou que a importação por K. Lyckeskog revestia carácter comercial na acepção do Regulamento n. 918/83. 8 O interessado recorreu desta decisão para o Hovrätt för Västra Sverige que, embora considerando poder julgar o processo uma vez que a interpretação das disposições comunitárias aplicáveis não oferecia dificuldades, se interrogou se não devia ser considerado um órgão jurisdicional decidindo em última instância I-4881

e, consequentemente, se não seria obrigado, por força do artigo 234., terceiro parágrafo, CE, a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial de interpretação das disposições pertinentes do Regulamento n. 918/83, dado que as condições estabelecidas pelo acórdão de 6 de Outubro de 1982, Clift e o. (283/81, Recueil, p. 3415), não pareciam estar reunidas. 9 Nestas circunstancias, o Hovrätt för Västra Sverige submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais: «1) Um tribunal nacional que na prática é a última instância num processo, devido ao facto de ser exigida uma autorização específica para recorrer para que a causa possa ser apreciada pelo Supremo Tribunal do país, é um órgão jurisdicional de última instância na acepção do artigo 234., terceiro parágrafo, CE? 2) Um tribunal nacional na situação prevista no artigo 234., terceiro parágrafo, CE pode deixar de solicitar uma decisão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias quando considerar que se mostra claro como devem ser apreciadas as questões de direito comunitário suscitadas no processo, mesmo que tais questões não estejam abrangidas pela doutrina do acto claro ou do acte éclaire! I - 4882 No caso de o Tribunal de Justiça responder negativamente à primeira questão ou afirmativamente à primeira questão e negativamente à segunda questão mas em nenhum outro caso, o Hovrätt pretende que seja dada resposta também às questões seguintes.

LYCKESKOG 3) Nos termos do artigo 45., n. 1, do Regulamento (CEE) n. 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitàrio das franquias aduaneiras, sem prejuízo do disposto nos artigos 46. a 49., são admitidas com franquia de direitos de importação as mercadorias contidas nas bagagens pessoais dos viajantes provenientes de um país terceiro, desde que se trate de importações desprovidas de qualquer caracter comercial. Isto implica que a natureza e a quantidade das mercadorias consideradas objectivamente não devem permitir dúvidas sobre o carácter da importação? Ou devem ser tidos em conta o modo de vida e os hábitos do indivíduo em causa? 4) Qual o valor legal de disposições administrativas das autoridades nacionais que fixam qual a quantidade isenta de direitos de uma determinada mercadoria à qual é aplicável o Regulamento (CEE) n. 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras que normalmente é admitida?» Quanto à primeira questão 10 Através da sua primeira questão, o Hovrätt för Västra Sverige pergunta, em substância, se um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões só são apreciadas pelo Supremo Tribunal, perante o qual são impugnadas, se este último declarar o recurso admissível, deve ser considerado um órgão jurisdicional cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno na acepção do artigo 234., terceiro parágrafo, CE. 11 O Governo dinamarquês sustenta que qualquer órgão jurisdicional cujas decisões só possam ser objecto de recurso após uma declaração de admissibilidade deve ser considerado um órgão jurisdicional do tipo referido no artigo 234., terceiro I-4883

parágrafo, CE. Baseia este seu entendimento, por um lado, no acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa (6/64, Colect. 1962-1964, p. 549), no qual o Tribunal de Justiça recordou que, nos termos da referida disposição, os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são, como no processo principal, irrecorríveis, devem submeter ao Tribunal de Justiça uma questão a título prejudicial sobre a interpretação do direito comunitário, por outro lado, no acórdão de 24 de Maio de 1977, Hoffmann-La Roche (107/76, Colect., p. 333), no qual o Tribunal de Justiça indicou que o dispositivo instituído pelo artigo 234. CE visa garantir que o direito comunitário seja interpretado e aplicado de maneira uniforme em todos os Estados-Membros, e que o terceiro parágrafo deste artigo tem como finalidade, nomeadamente, evitar que se estabeleça, num Estado-Membro, uma jurisprudência nacional em desacordo com as regras de direito comunitário. A exigência de uma declaração de admissibilidade para interpor um recurso constituiria, portanto, um obstáculo à interpretação uniforme do direito comunitário se apenas o órgão jurisdicional supremo fosse abrangido pela obrigação resultante do artigo 234., terceiro parágrafo, CE. 12 O acórdão Costa, já referido, é igualmente invocado pelos Governos sueco e finlandês nas observações que apresentaram ao Tribunal, mas em apoio de uma análise oposta à feita pelo Governo dinamarquês. Assim, consideram que o simples facto de as decisões dos hovrätter serem susceptíveis de recurso basta para concluir que estes órgãos jurisdicionais não são abrangidos pelo artigo 234., terceiro parágrafo, CE. O mecanismo de declaração de admissibilidade mais não faz do que limitar a possibilidade de um recorrente ver o seu recurso apreciado. Não suprime, como sublinha o Governo do Reino Unido, a possibilidade de recorrer das decisões dos hovrätter. O Reino Unido sustenta, além disso, que, na fase de apreciação da admissibilidade do recurso, um Supremo Tribunal já tem a possibilidade de submeter uma questão prejudicial relativa à interpretação de uma regra comunitária, o que não é contestado, relativamente ao Högsta domstol, pelo órgão jurisdicional de reenvio, interrogado sobre este ponto pelo Tribunal de Justiça. O Governo sueco indica, por outro lado, que, nos casos excepcionais em que não existe nenhuma via de recurso ordinário contra os acórdãos dos hovrätter e em que estes decidem, portanto, em última instância do ponto de vista formal, entram no âmbito de aplicação do artigo 234., terceiro parágrafo, CE. 13 A Comissão adopta a mesma posição, baseando o seu raciocínio na circunstância de que, quando um órgão jurisdicional que decide em última instância com base numa declaração de admissibilidade considera que uma questão de direito I - 4884

LYCKESKOG comunitário não foi tratada correctamente, esse órgão jurisdicional é obrigado a submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 234., terceiro parágrafo, CE, ou a invocar um dos limites à obrigação de reenvio definidos no acórdão Cilfit e o., já referido, ou ainda a devolver o processo a uma jurisdição inferior. Assim, a possibilidade de submeter uma questão prejudicial fica, em qualquer circunstância, preservada, de modo que se evita o risco de pôr em causa uma interpretação uniforme do direito comunitário. 1 4 A obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são susceptíveis de recurso submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça insere-se no âmbito da colaboração entre os órgãos jurisdicionais nacionais, na sua qualidade de juízes incumbidos da aplicação do direito comunitário, e o Tribunal de Justiça, instituída com o objectivo de garantir a correcta aplicação e a interpretação uniforme do direito comunitário em todos os Estados-Membros. Esta obrigação tem como finalidade, nomeadamente, evitar que se estabeleça, num Estado-Membro, uma jurisprudência nacional em desacordo com as regras do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdãos Hoffmann-La Roche, já referido, n. 5, e de 4 de Novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C-337/95, Colect., p. I-6013, n. 25). 15 Este objectivo é alcançado quando são sujeitos a esta obrigação de reenvio, sob reserva dos limites admitidos pelo Tribunal de Justiça (acórdão Cilfit e o., já referido), os Supremos Tribunais (acórdão Parfums Christian Dior, já referido) bem como qualquer órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial (acórdão de 27 de Março de 1963, Da Costa en Schaake e o., 28/62 a 30/62, Colect. 1962-1964, p. 233). 16 As decisões de um órgão jurisdicional nacional de recurso que possam ser impugnadas pelas partes perante um Supremo Tribunal não emanam de um «um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno», na acepção do artigo 234. CE. A circunstância de a apreciação do mérito de tais impugnações depender de uma declaração prévia de admissibilidade do Supremo Tribunal não tem por efeito privar as partes da via de recurso. I - 4885

17 Assim acontece no sistema sueco. As partes conservam, em todas as situações, o direito de interporem recurso para o Högsta domstol do acórdão de um hovrätt que não pode, assim, ser qualificado de órgão jurisdicional que profere uma decisão não susceptível de recurso. Cabe sublinhar que, nos termos do 10 do capítulo 54 do rättegångsbalk, o Högsta domstol pode proferir uma declaração de admissibilidade se for importante para orientar a aplicação do direito que o recurso seja apreciado por este órgão jurisdicional. Assim, uma incerteza sobre a interpretação do direito aplicável, incluindo do direito comunitário, pode dar lugar a uma fiscalização, em última instância, do Supremo Tribunal. 18 Se se colocar uma questão de interpretação ou de validade de uma regra de direito comunitário, o Supremo Tribunal terá, por força do artigo 234., terceiro parágrafo, CE, a obrigação, na fase de apreciação da admissibilidade ou numa fase posterior, de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial. 19 Assim, há que responder à primeira questão que, quando as suas decisões são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal em condições como as que se aplicam às decisões do órgão jurisdicional de reenvio, um órgão jurisdicional nacional não está sujeito à obrigação referida no artigo 234., terceiro parágrafo, CE. Quanto à segunda questão 20 Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um hovrätt, no caso de ser considerado um órgão jurisdicional abrangido pelo artigo 234., terceiro parágrafo, CE, é obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial mesmo que a interpretação da regra comunitária aplicável no litígio no processo principal não apresente nenhuma dificuldade mas que as condições exigidas pelo acórdão Cilfit e o., já referido, para aplicar a teoria do acto claro não estejam reunidas. I-4886

LYCKESKOG 21 Tendo em conta a resposta à primeira questão e atendendo a que, na legislação sueca, o órgão jurisdicional supremo pode, no âmbito do recurso de uma decisão de um hovrätt, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, não há que responder à segunda questão. Quanto à terceira questão 22 O órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, em substância, que precise os critérios que permitem determinar que uma importação de mercadorias contidas nas bagagens pessoais de um viajante proveniente de um país terceiro não tem carácter comercial na acepção do artigo 45., n. 1, do Regulamento n. 918/83 e, em especial, pergunta se a apreciação deve ter em conta o modo de vida e os hábitos do indivíduo em causa. 23 Segundo o Governo finlandês, quando, em razão da sua natureza ou da sua quantidade, se afigure que mercadorias contidas nas bagagens pessoais de um viajante são importadas com fins comerciais, há que analisar o modo de vida e os hábitos deste. Se, em resultado dessa análise, se concluir que as mercadorias não se destinam a uso pessoal ou familiar, a autoridade aduaneira tem o direito de considerar que a importação é de natureza comercial e, portanto, de recusar a franquia. A Comissão está de acordo com este entendimento que impõe uma apreciação casuística da oportunidade de conceder a franquia. 24 O Governo sueco considera igualmente que, para determinar o carácter comercial de uma mercadoria contida nas bagagens pessoais de um viajante, há que ter em conta a natureza e a quantidade das mercadorias mas também as circunstâncias económicas e pessoais do viajante, cuja mulher, no caso presente, é originária da Ásia. Baseia-se na posição adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 6 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca (C-208/88, Colect., p. I-4445), segundo a qual o artigo 45. do Regulamento n. 918/83 não permite aos I - 4887

Estados-Membros presumir de forma inilidível que uma importação tem caracter comercial quando as mercadorias importadas que se encontram na bagagem pessoal de um viajante ultrapassam certa quantidade. 25 Segundo as disposições aplicáveis do Regulamento n. 918/83, são consideradas importações desprovidas de caracter comercial as importações que respeitem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes, ou destinadas a serem oferecidas como presente, não devendo a sua natureza ou quantidade traduzir qualquer preocupação de ordem comercial. 26 O uso pessoal varia, por definição, de uma pessoa para outra, de uma cultura para outra, e a determinação de um uso tipo que pudesse servir de referência seria, consequentemente, pouco satisfatória. Assim, é indispensável, para uma aplicação correcta do Regulamento n. 918/83, efectuar uma apreciação casuística da natureza comercial ou não da importação, tendo em conta, eventualmente, o modo de vida e os hábitos de cada viajante. A natureza e a quantidade das mercadorias em causa fazem parte dos indícios que devem ser tomados em consideração mas a que as autoridades aduaneiras não se podem limitar na análise do caracter comercial ou não da importação. 27 Assim, há que responder à terceira questão que a análise do caracter não comercial de uma importação de mercadorias, na acepção do artigo 45., n. 2, alínea b), do Regulamento n. 918/83, deve ser feita caso a caso com base numa apreciação global das circunstâncias, tendo em conta a quantidade e a natureza da importação, a frequência das importações dos mesmos produtos pelo viajante em causa mas também, eventualmente, o modo de vida e os hábitos desse viajante ou da sua família. I-4888

LYCKESKOG Quanto à quarta questão 28 Através da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, em substância, sobre a compatibilidade com o Regulamento n. 918/83 de disposições administrativas nacionais que estabelecem a quantidade de uma mercadoria, que entre no âmbito de aplicação deste regulamento, que pode ser importada com franquia de direitos aduaneiros. 29 O Governo finlandês recorda o objectivo do Regulamento n. 918/83, que consiste em instituir, na totalidade do território da Comunidade, um regime uniforme de franquia aduaneira. 30 Como o Governo sueco e a Comissão, considera que este regulamento não dá aos Estados-Membros o direito de impor restrições quantitativas mais rigorosas para certos produtos, a menos que essas restrições se justifiquem por razões de moralidade ou de ordem pública. Tão-pouco lhes dá a possibilidade de determinar se uma importação é comercial ou não tendo exclusivamente em conta a quantidade de mercadorias importadas. Tais disposições nacionais seriam incompatíveis com o Regulamento n. 918/83. 31 Em contrapartida, os interessados que apresentaram observações consideram que não são contrárias ao direito comunitário instruções não vinculativas elaboradas pelas autoridades aduaneiras indicando, em relação a uma mercadoria, a quantidade limite aquém da qual o viajante não tem de apresentar outros elementos que comprovem o carácter não comercial da importação. I - 4889

32 Esta análise do Regulamento n. 918/83 está em conformidade com a resposta dada à terceira questão. Se os Estados-Membros dispusessem do direito de impor restrições quantitativas por outras razões que não a moralidade ou a ordem pública, a uniformidade do regime da franquia aduaneira em todo o território da Comunidade ficaria ameaçada. Todavia, instruções elaboradas pelas autoridades aduaneiras, desde que não constituam um modo dissimulado de instituir uma presunção inilidível do carácter comercial das importações mas simplesmente um instrumento não vinculativo destinado a aligeirar os trâmites aduaneiros, não são incompatíveis com o dispositivo instituído pelo Regulamento n. 918/83. 33 Assim, há que responder à quarta questão que o artigo 45. do Regulamento n. 918/83 se opõe a disposições ou a práticas administrativas nacionais que estabeleçam de forma vinculativa limites quantitativos às franquias ou que possam ter por efeito criar uma presunção inilidível do carácter comercial da importação em razão da quantidade de mercadorias importadas. Quanto às despesas 34 As despesas efectuadas pelos Governos sueco, dinamarquês, finlandês e do Reino Unido, e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. I - 4890

LYCKESKOG Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hovrätt för Västra Sverige, por decisão de 10 de Março de 2000, declara: 1) Quando as suas decisões são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal em condições como as que se aplicam às decisões do órgão jurisdicional de reenvio, um órgão jurisdicional nacional não está sujeito à obrigação referida no artigo 234., terceiro parágrafo, CE. 2) A análise do carácter não comercial de uma importação de mercadorias, na acepção do artigo 45., n. 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n. 918/83, do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n. 355/94 do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, deve ser feita caso a caso com base numa apreciação global das circunstâncias, tendo em conta a quantidade e a natureza da importação, a frequência das importações dos mesmos produtos pelo viajante em causa mas também, eventualmente, o modo de vida e os hábitos desse viajante ou da sua família. I - 4891

3) O artigo 45. do Regulamento n. 918/83, conforme alterado pelo Regulamento n. 355/94, opõe-se a prescrições ou a práticas administrativas nacionais que estabeleçam de forma vinculativa limites quantitativos às franquias ou que possam ter por efeito criar uma presunção inilidível do carácter comercial da importação em razão da quantidade de mercadorias importadas. Rodríguez Iglesias Jann Macken Colneric von Bahr Gulmann Edward La Pergola Puissochet Wathelet Cunha Rodrigues Skouris Rosas Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Junho de 2002. O secretário R. Grass O presidente G. C. Rodríguez Iglesias I - 4892