USARSKI, F. (Org.). O budismo no Brasil. São Paulo: Lorosae, 2002. 317 p.



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337 USARSKI, F. (Org.). O budismo no Brasil. São Paulo: Lorosae, 2002. 317 p. Daniel Alves Mestrando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil Algumas obras surgem em momentos bastante propícios. O Budismo no Brasil, organizado por Frank Usarski, é um desses casos em que há um conjunto de trabalhos acadêmicos sobre um determinado fenômeno social, reunido agora sob forma de livro. Trata-se de um lançamento muito bemvindo, em vista da escassez de obras direcionadas à dinâmica social das religiões budistas no Brasil, apontada numerosas vezes pelos próprios autores dos artigos. O livro traz uma gama variada de manifestações religiosas, de forma que, depois de lê-lo, tem-se a impressão de que seria mais apropriado falarmos de budismos. A chave principal de interpretação para essa diversidade pode ser lida no primeiro texto de Frank Usarski. O organizador do livro sistematiza um panorama geral, fazendo uma tripla tipologia para interpretar o budismo no Brasil. A primeira delas seria o budismo de imigração, religiosidade articulada com a identidade étnica dos migrantes e seus descendentes. O budismo de conversão é dividido em duas correntes: a primeira geração, na década de cinqüenta e sessenta, e a segunda geração, a partir dos anos setenta. Apesar de parecerem sucessivos, esses tipos podem ser constituídos como linhas distintivas entre os budismos que hoje existem. Com exceção do artigo de Martin Baumann, professora na Universidade de Luzern, Suíça, os artigos publicados tratam de estudos de caso, e são encadeados segundo a seqüência dos tipos estabelecidos por Usarski. O texto de Frank Usarski e o de Martin Baumann, que abrem o livro, são dois resumos sistemáticos da dinâmica do budismo no Brasil e no Ocidente, respectivamente. Baumann começa recordando a fase com as traduções de textos sem contexto, a partir da segunda metade do século XIX. Mais ao final do século XIX houve maior difusão do budismo no Ocidente, principalmente através de organizações internacionais e dos imigrantes japoneses e chineses, na Europa e na América. Sociedades budistas que começaram a se organizar em diversos países, desde o início do século XX, tiveram um retrocesso devido à Segunda Guerra Mundial. Durante as décadas de cinqüenta e sessenta, houve uma pluralização de manifestações budistas no

338 Sérgio Daniel F. Ferretti Alves Ocidente. A isso se seguiu, a partir dos anos setenta, um rápido crescimento de pessoas que se identificavam enquanto budistas. Baumann inclui outro par de tipos ideais, ao lado da dicotomia entre budismo de imigração e de conversão. Teríamos um budismo tradicionalista, com ênfase nos rituais e nas devoções; e um budismo modernista, caracterizado pela mediação dos livros e por uma interpretação racionalista. Os artigos que tratam do budismo de migração, por vezes, envolvem as dificuldades de adaptação no Brasil e as formas de superação dos obstáculos culturais. Hirochika Nakamaki, em seu texto sobre a Honmonbutsuryû-shû, relata a história de Nissui Ibaragui, missionário dessa instituição religiosa que veio ao Brasil em 1908, no primeiro navio de imigrantes japoneses que desembarcou no porto de Santos. A história de Ibaragui confunde-se com a história dos japoneses no Brasil, retratada em filmes como Gaijin, de Tizuka Yamazaki. Com uma trajetória marcada pela política desumana de colonização a que os imigrantes japoneses foram submetidos, Ibiragui dedicou-se exclusivamente aos serviços religiosos somente na década de trinta. A atuação da Honmon-butsuryû-shû é voltada principalmente à comunidade dos descendentes de imigrantes japoneses. Rafael Shoji também se dedica ao estudo de uma denominação específica, a Fo Kuan Shan, presente no Brasil desde 1992, primeiramente em Cotia, (SP). Embora a atuação da Fo Kuan Shan não esteja tão associada com os descendentes chineses quanto a Honmon-butsuryû-shû está com os japoneses, os problemas são semelhantes. As questões de adaptação, por parte dos brasileiros, têm relação com a língua e com a apreensão estética e doutrinal da religião. Por parte da Fo Kuan Shan, o principal problema tem sido manter quadros regulares de participação de monges e leigos. Assim como em Nakamaki e Shoji, todos os artigos centram-se em estudos de caso numa corrente budista específica. Com exceção do texto de José Arthur Teixeira Gonçalves, que trata acerca do budismo japonês no Oeste Paulista, onde o foco do estudo de caso não é a denominação, e sim a região. Destacamos o quadro de matizes de religiosidade japonesa, através da qual seu texto é construído. Gonçalves analisa o budismo étnico-familiar, que lembra em muitos aspectos o catolicismo italiano dos padres-leigos dos imigrantes de primeira geração. Passa pelo budismo étnico de missões, através de instituições religiosas japonesas, até a fase de desenraizamento étnico (com o avanço das pastorais católicas e dos evangélicos entre a popula-

339 ção nikkei) e, finalmente, a do budismo globalizado, mais acessível aos não-descendentes e ocidentalizado. Dois textos muito interessantes são os de Eduardo Basto de Albuquerque e Ricardo Mário Gonçalves. Segundo Usarski, esses dois autores fazem parte de um grupo de intelectuais de classe média que, nas décadas de cinqüenta e principalmente sessenta, convertem-se ao zen-budismo de origens étnicas que havia vindo com os imigrantes japoneses. O texto de Gonçalves constrói sua trajetória no budismo, desde as primeiras aproximações com o Budismo (através de livros, cinema e teatro), passando pela refundação da Sociedade Budista do Brasil em 1955, pela academia e pelas viagens ao Japão. Ao final, Gonçalves explica a tradição à qual se fixa atualmente, o budismo japonês Shin, dando sentido à sua trajetória por três outras diferentes escolas zen-budistas. Gonçalves oferece ainda sua interpretação atual acerca do budismo, associando uma gama numerosa de influências religiosas (não somente budistas), que revelam um grande pensador associado a uma religiosidade atuante. Eduardo Basto de Albuquerque também traz um relato relacionado a esse budismo de conversão da primeira geração. Conta que cursava filosofia na USP em 1962, quando foi convidado por Ricardo Mário Gonçalves para conhecer o Sôtô Zen, escola budista da qual, na época, era monge. Albuquerque conheceu, em sua primeira visita, o mestre Ryohan Shingu, personagem central de suas memórias. Numa primeira parte do texto, há uma transcrição literal de uma conversa entre brasileiros não-descendentes e o mestre Shingu, procurando sanar as dúvidas dos praticantes. Numa segunda parte, Albuquerque traz um comentário de Shingu sobre um texto budista, sempre intermediado por tradutores, sem mediação do inglês. Interessante perceber a distinção entre budistas descendentes e não-descendentes, muito clara em Albuquerque e em Gonçalves. O interesse na meditação e na filosofia budista era muito maior entre os não-descendentes, enquanto que os mais ligados a um budismo étnico se detinham nos aspectos rituais, como os batismos, casamentos e funerais. Na década de oitenta, o trabalho monástico de um desses primeiros conversos, o engenheiro carioca Murillo Nunes de Azevedo, consolidou uma abertura do budismo Terra Pura, em Brasília, aos não-nikkeis. Esta estória é contada através da trajetória de quatro monges da Terra Pura, por Regina Yoshie Matsue. Apontam-se, entre os monges, as diferenças de perspectiva sobre o budismo, decorrentes de suas trajetórias. Esses monges

340 Sérgio Daniel F. Ferretti Alves podem articular sua afinidade e compromisso através de uma leitura intelectual do budismo, no caso de Murillo; da volta às origens étnicas, no caso do monge nissei Sato; ou mesmo do constante conflito com suas raízes de católico praticante e com obstáculos lingüísticos que impediriam maior acesso ao culto do Buda Amida. Este último é o caso de monge Marcelo. O artigo de Cristina Moreira Rocha chama a atenção para aspectos do zen-budismo, enquanto Ronan Alves Pereira analisa a presença da Sôka Gakkai. Esses dois artigos avaliam o percurso dessas duas expressões religiosas budistas em vários pontos do Brasil. Rocha discorre sobre diversas reapropriações do zen-budismo por praticantes sem origens étnicas. Traça a história dos primeiros convertidos ao zen-budismo, fazendo contraste com o ponto de vista dos nisseis acerca do budismo. Rocha também traça um perfil atual desses zen-budistas. A partir de suas observações de campo, constata que existem níveis diferenciados de envolvimento e entendimento acerca dos ensinamentos, o que permite inclusive absorções leigas do budismo. Entre essas leituras menos ortodoxas, podemos encontrar combinações new-age que interpretam o budismo como terapia, ginástica ou autoajuda. Os praticantes, segundo Rocha, são indivíduos de classe média alta, profissionais liberais formados em universidade (p. 229), que tiveram seu primeiro contato com o zen através dos livros. Em suas trajetórias religiosas, iniciadas no catolicismo e com passagens por várias denominações, é recorrente a idéia de uma busca por autoconhecimento, entremeada por concepções holistas e gnósticas. A história da Sôka Gakkai é relatada, em O Budismo no Brasil, por Ronan Alves Pereira. Usarski considera a Sôka Gakkai como uma manifestação de um budismo de conversão de segunda geração, juntamente com o zen-budismo sem origens étnicas e o budismo tibetano. Em termos gerais, essas manifestações religiosas se caracterizam pela adoção de uma linguagem doutrinária e de sistemas organizacionais mais influenciados pelo Ocidente, sendo considerado mesmo um budismo globalizado. Embora Frank Usarski faça essa classificação, Pereira salienta que a presença institucional da Sôka Gakkai no Brasil existe desde 1960. A Sôka Gakkai (em japonês, Sociedade Educacional para a Criação de Valores ) surgiu na década de 30, no Japão, influenciada por uma ramificação ortodoxa do budismo Nichiren, denominada Nichiren Shôshu. Pereira divide a trajetória da Sôka Gakkai no Brasil em cinco etapas: uma pioneira, na década de cinqüenta; a organização e legislação, de 1960 a 66; expansão, de 1966 a 1991; transição e consolidação, de 1991 até 2000; e a retomada do crescimento a partir de 2001. Chama a atenção nesse artigo de

341 Pereira a trama organizacional complexa e proselitista da Sôka Gakkai Internacional, que adota princípios de divisão geográfica, em distritos (o Brasil foi o primeiro distrito fora do Japão) que são subdivididos em coordenadorias. A atuação desta religião de conversão exclusivista é voltada aos nisseis e aos nãodescendentes. Por fim, Usarski expõe algumas reflexões acerca do paulista Michel Calmanowitz, conhecido e difundido pela mídia como Lama Michel. Ele é considerado, pelos budistas tibetanos, como a reencarnação de um antigo lama, um tulku. Esse reconhecimento de um ocidental como tulku é algo raro, passou a ser uma possibilidade desde a tomada do Tibete pela China em 1959. Os pais de Michel conheceram Lama Gangchen em sua vinda ao Brasil em 1987. Esse mestre tibetano fez as primeiras observações que apontavam algo especial no menino. Em viagem ao Tibete, pouco tempo depois, confirmouse a suspeita de Lama Gangchen. Usarski compreende o reconhecimento de Lama Michel a partir de Lama Gangchen, em sua forma adaptada e eclética de transmitir o Budismo aos ocidentais. Além disso, problematiza a influência do reconhecimento de Lama Michel enquanto autoridade religiosa, e suas conseqüências para o futuro do budismo vajrayâna no Ocidente. Aponta ainda que será interessante perceber de que forma Lama Michel, como sucessor de Lama Gangchen, integrará tradição e inovação em seus ensinamentos. Trata-se, portanto, de uma obra que analisa diversos aspectos de um encontro cultural, traduzido em termos teóricos em conceitos como, por exemplo, adaptação cultural ou transplantação religiosa. O livro oferece uma visão encadeada do trajeto das várias manifestações budistas no país. Já surge como uma referência, não apenas para os que estudam o budismo no Ocidente, mas aos que se interessam pela introdução de religiões universalistas em contextos socioculturais que não os de origem.