*** Fundamentação. 1 Segundo cremos, a falta de inscrição da emissão deste alvará deve-se ao facto de se tratar de ato

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Transcrição:

P.º n.º R.P. 135/2012 SJC-CT Registo de operação de transformação fundiária com base em alvará de loteamento emitido na sequência de declaração administrativa de nulidade de ato de licenciamento anterior. PARECER 1. Pela ap. de 2012/09/20, foi pedido sobre o prédio n.º (freguesia e concelho de ) o registo de operação de transformação fundiária-loteamento, juntando-se para o efeito o alvará de loteamento n.º../2012, emitido pela Câmara Municipal de, a certidão da deliberação camarária, de 06/07/2007, relativa à declaração de nulidade do ato que licenciou a operação de loteamento titulada pelo alvará n.º /83, e a ata n.º, de 03/10/2007, de que consta a deliberação camarária tomada ao abrigo do disposto no artigo 134.º/3 do CPA tendo em vista a jurisdicização de operações urbanísticas consolidadas, incluindo a que se refere ao referido alvará n.º /83. 1.1. O prédio indicado no pedido de registo foi desanexado do descrito n.º (descrição n.º ) com base no alvará n.º /83 e respetiva alteração, e encontra-se descrito como lote de terreno para construção urbana, com o n.º, com a área de 660 m2, encontrando-se registado a favor da sociedade T, Limitada, atualmente sociedade anónima e ora recorrente. 2. O registo foi recusado com fundamento nos artigos 68.º, 69.º/1/c) e 70.º do CRP, por não estar titulada qualquer operação de transformação fundiária nos termos definidos no artigo 2.º/i) do Decreto-Lei n.º 555/99, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, sendo que o lote identificado no documento junto já se encontra autonomamente descrito, com as mesmas confrontações e a mesma designação, não deixando, contudo, de se assinalar a divergência quanto à área indicada no registo (660 m2) e a que vem mencionada no alvará apresentado (686,75 m2) e o lapso no modelo 1 (declaração para inscrição de prédio urbano na matriz) quanto ao número do lote, referido como lote 22, em vez de lote 222, como no alvará e no registo. 3. É desta recusa que vem interposto o presente recurso, nele se aduzindo que a operação de loteamento está devidamente fundamentada e documentada no alvará apresentado; que o alvará de loteamento que deu origem ao lote 222 registalmente 1

descrito foi declarado nulo; e que o lapso no modelo 1 já se encontra corrigido, pelo que estão reunidas as condições necessárias à feitura do registo nos termos requeridos. 4. No despacho a que se refere o artigo 142.º-A/1 do CRP é sustentada a recusa, em termos que aqui damos por inteiramente reproduzidos, acrescentando-se, face aos argumentos apresentados pela recorrente, que o suprimento das deficiências atinentes à prova matricial só teria cabimento se não houvesse, como há, um motivo de recusa insanável ao abrigo do disposto no artigo 73.º do CRP. *** Vistas sumariamente as posições em confronto, não havendo questões prejudiciais que obstem à apreciação do presente recurso, cumpre emitir parecer. Fundamentação 1. Em face dos documentos disponíveis, o lote n.º 222, descrito sob o n.º, respeita a um ato urbanístico titulado por alvará de loteamento com o n.º /83 (alterado por deliberação de 28/07/1987), cuja emissão não foi inscrita no registo 1, e que, por deliberação camarária, de 06/07/2007, foi declarado nulo, por desconformidade com as normas legais em vigor à data da sua prática, concretamente e ao que tudo indica, por não ter sido precedido dos pareceres legalmente exigidos. 1.1. Depois disso, em reunião de câmara de 03/10/2007 e ao abrigo do disposto no artigo 134.º/3 do CPA, foi deliberada a jurisdicização das operações urbanísticas objeto de nulidade «no caso dos loteamentos que se encontram consolidados ou praticamente consolidados, assim permitindo a sua conservação e a possibilidade do seu tráfico jurídico normal», invocando-se, de forma genérica, o decurso do tempo como fator de tutela jurídica, o interesse público e os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade. 1 Segundo cremos, a falta de inscrição da emissão deste alvará deve-se ao facto de se tratar de ato administrativo anterior ao Código do Registo Predial de 1984 (em cujo artigo 2.º figurou, pela primeira vez, a sujeição a registo da emissão do alvará de loteamento) e de a pulverização da área de intervenção urbanística por descrições prediais distintas se ter iniciado, por via de sucessivos averbamentos de desanexação, antes da entrada em vigor do referido Código (cfr. a propósito o parecer proferido no processo RP 123/2006 DSJ-CT). 2

1.2. Todavia, ao invés de uma deliberação camarária concretizadora das circunstâncias da operação urbanística a que pertence o lote n.º 222 (descrição n.º ), colocando-a nas condições de jurisdicização fixadas naquela deliberação de 03/10/2007 (isto é, caracterizando-a como operação urbanística materialmente consolidada e densificando, quanto à situação de facto assim definida, os pressupostos previstos no artigo 134.º/3 do CPA), o que a seguir se fez foi autorizar o loteamento do prédio descrito sob o n.º, emitindo-se o alvará de loteamento n.º /2012. 1.3. Acontece que, como bem refere o recorrido, a mais de a descrição n.º corresponder a um lote de terreno para construção urbana (lote n.º 222) desanexado do prédio n.º (descrição n.º ) com base no alvará de loteamento n.º /83 (alterado por deliberação de 28/07/1987), e de, portanto, não poder ser objeto a se de loteamento, na definição legal de «operação de loteamento em sentido estrito» não cabe uma ação que não integre a divisão jurídica da propriedade. 1.4. A despeito da epígrafe contida no documento apresentado e do aspeto formal que se lhe quis atribuir, a verdade é que não há nele um conteúdo representativo de uma operação de divisão fundiária com o sentido e alcance fixado no artigo 2.º/i) do RJUE, desde logo porque o lote criado (com o n.º 222) absorve toda a área atribuída ao prédio identificado como objeto de loteamento. 1.5. Não vale, por outro lado, considerá-lo correctivamente, no sentido de o interpretar como suporte de um ato administrativo de certificação do efeito real (divisão fundiária) produzido pelo ato de licenciamento nulo, de forma a permitir que a área correspondente ao lote 222 (resultado da operação urbanística) entre no tráfico jurídico normal como unidade predial autónoma, posto que nenhuma das especificações contidas no alvará se destina a sinalizar a situação de facto consolidada decorrente do licenciamento nulo (alvará n.º /83), a concretizar os pressupostos contidos no artigo 134.º/3 do CPA ou a definir os concretos efeitos jurídicos atribuídos àquela situação de facto (jurisdicização). 1.6. A dúvida que os documentos apresentados inculcam radica, aliás, na via alternativa à demolição da operação urbanística, realizada com base naquele ato administrativo (licenciamento) nulo, que realmente se quis seguir; se a via da jurisdicização, que, em linhas gerais, se aprovou na reunião de 03/10/2007; se a da legalização, através da prática de um novo ato de licenciamento da operação consolidada, desta vez sem o vício 3

causador da nulidade, como sugerem a emissão de um novo alvará e as especificações relativas ao enquadramento da operação urbanística em plano municipal de ordenamento do território em vigor (Plano de Pormenor da Zona, publicado no DR em 12/12/2011). 2. Considerando que o ato de licenciamento a que se refere o alvará de loteamento n.º.../83 foi declarado nulo e, como tal, não foi de molde a produzir os seus efeitos típicos, entre eles, o efeito real de divisão fundiária a que se propunha a operação urbanística implicada, o que por força do desvalor jurídico deste ato administrativo sobrou foi a situação de facto criada ao abrigo, ou por causa, dele, designadamente, a operação material de loteamento e as obras de urbanização respetivas que tenham sido efetivadas 2. 2.1. Porém, a situação de facto consolidada que se mostre existir neste caso, e que interesse preservar, só assumirá relevância jurídica e, como isso, pertinência registal se tiver sido objeto de legalização da operação urbanística respetiva, mediante a emissão de um novo alvará de loteamento tendo por objeto o prédio originário (ainda que com alguns ajustamentos das especificações anteriores e, por isso, com alguma alteração da situação de facto), ou se lhe puderem ser atribuídos certos efeitos jurídicos, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais de direito (artigo 134.º/3 do CPA). 2.2. Assim, do ponto de vista do registo, sabendo-se que pressuposto do ato de legalização ou da jurisdicização da situação de facto consolidada é a declaração de nulidade do ato administrativo que esteve na base da desanexação operada no prédio n.º (descrição n.º...), dando origem ao lote n.º 222 (descrição n.º ), parece que, antes de mais, cumpriria patentear esse facto, não por cancelamento da inscrição da autorização do loteamento, posto que esta não foi feita, mas ao nível descritivo 3. 2 Sobre as consequências da nulidade dos atos administrativos de gestão urbanística e as vias alternativas à demolição das operações urbanísticas realizadas ao abrigo destes atos, seguimos de perto Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira, O Regime da Nulidade dos Atos Administrativos de Gestão Urbanística que Investem o Particular no Poder de Realizar Operações Urbanísticas, Revista Cedoua, Ano II_2.99, pp. 15/32, e Dulce Lopes, Medidas de Tutela da Legalidade Urbanística, Revista Cedoua, 2.2004, pp. 49/90. 3 Sobre a tradução tabular dos efeitos da nulidade da operação de loteamento, vd. parecer proferido no processo CP 55/2010 SJC-CT. 4

2.3. Depois, porque ao registo interessa a situação de facto consolidada transformada em situação de direito, o ato jurídico de legalização a submeter a registo terá de consistir em operação de loteamento, total ou parcial, do prédio originário, a inscrever na ficha respetiva e, se for o caso, com nova individualização no registo do lote ou lotes resultantes da divisão fundiária, assim se manifestando, também no plano tabular, o caráter primário do novo ato de licenciamento (ainda que praticado com um objetivo regularizador). 2.4. Na hipótese de não ser possível legalizar a operação urbanística estabilizada 4, não deixa de se afigurar compatível com a racionalidade ínsita no artigo 2.º/1/d) do CRP que no registo predial se publicite o ato administrativo de atribuição de certos efeitos jurídicos à situação de facto decorrente do ato nulo (jurisdicização) 5, permitindo que a área correspondente a cada um dos lotes possa ser objeto de direitos, com as características e nos precisos termos definidos no ato de licenciamento nulo, e que, portanto, se autonomize, ou se mantenha autonomizada, em descrição própria, obtendose, desta forma, uma reconciliação entre a realidade material transformada em situação de direito e a realidade registal 6. 2.5. Importará, todavia, não esquecer que a jurisdicização ou juridificação dos efeitos putativos do ato nulo a que se refere o artigo 134.º/3 do CPA permite atenuar a severidade do regime da nulidade, facultando a manutenção da situação de facto à luz de um balanceamento da exigência de reintegração plena do bloco de legalidade e de certos princípios, como é o da tutela da confiança 7, mas não significa superação ou sanação do vício do ato administrativo que determinou a operação urbanística consolidada. 4 Hipótese pouco provável, em face da existência e do conteúdo do plano de pormenor atrás referido e da causa de nulidade do loteamento indicada na ata n.º 28. 5 Como sublinha Fernanda Paula Oliveira, Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas, 2011, p. 129, nota 54, o procedimento da atribuição de efeitos jurídicos às situações de facto decorrentes de atos nulos não visa verificar ou declarar a existência de um direito à atribuição de efeitos jurídicos; é antes um procedimento com efeitos e natureza constitutiva. 6 Em princípio, esta autonomização far-se-á mediante nova desanexação dos lotes jurisdicizados, quando as descrições anteriores tenham sido inutilizadas, ou através de averbamentos às descrições abertas por dependência do registo do ato administrativo nulo que se mantiveram em vigor (por exemplo, as descrições de lotes inscritos a favor de terceiros ou de lotes já edificados), apesar da declaração de nulidade e do seu registo. 7 Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, p. 174. 5

2.6. Vale isto por dizer que, a mais de ser uma via subordinada a determinados pressupostos legais e a utilizar apenas quando se mostre inviável a legalização 8, do seu acionamento resulta apenas a transformação da situação de facto consolidada em situação de direito, isto é, a conservação da operação urbanística decorrente do ato administrativo nulo; não a regularização ou a legalização desta operação urbanística. 2.7. Sendo este o plano legalmente admitido, parece que não combina com esta forma de jurisdicização a descrição de uma situação de facto consolidada de que resulte a modificação das especificações da operação urbanística desenhada no ato administrativo declarado nulo (como acontece no caso em apreço, pelo menos, relativamente à área do lote), porquanto, mesmo que se demonstre ser essa a realidade material, não haverá já uma situação de facto, toda ela, recoberta pelo ato administrativo ferido de nulidade, mas o resultado de uma atuação que parcialmente extravasa o poder de realização da operação urbanística em que o particular foi investido. 2.8. Por outro lado, tendo a jurisdicização como propósito a consolidação jurídica de uma operação urbanística originariamente ilegal, convém, outrossim, notar que não deixa de estar em causa uma situação que não pode progredir, dado o peso do desvalor jurídico que sobre ela continua a incidir, donde, em regra, ficarão vedados quaisquer atos que 8 Na verdade, o artigo 134.º/3 do CPA não consagra um ato vinculado, mas uma possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos que deve ser aplicada com muitas reservas e entendida como tendo caráter excecional pela autoridade administrativa competente, isto é, que há de ser operada mediante ponderação das circunstâncias do caso concreto e em estrita observância dos pressupostos legalmente fixados (de que se destacam a harmonização com os princípios gerais de direito e a preservação de interesses públicos primordiais em matéria urbanística). Trata-se, pois, de uma solução que culmina num novo ato administrativo, de natureza constitutiva, o qual, nas impressivas palavras de Clara Serra Coelho, O Urbanismo, O Ordenamento do Território e os Tribunais, p. 270, carece de fundamentação nos termos gerais, ou seja, de explicitação da razão de ser da nulidade, de indicação do lapso de tempo decorrido entre a prática do ato, o surgimento da situação de facto e a sua consolidação na realidade, e de análise dos princípios gerais de direito que, por referência às específicas circunstâncias do caso concreto, justificam a atribuição ao ato administrativo nulo de determinados efeitos jurídicos, que devem ser convenientemente especificados. Ora nada disto se mostra ter ocorrido no caso apreço, sendo que os documentos apresentados não vão além de uma proposição vaga e genérica sobre a jurisdicização, por isso, insuficiente para alicerçar um juízo de viabilidade acerca da registabilidade da operação urbanística implicada e dos termos em que a mesma há de valer como situação de direito. 6

traduzam alteração da situação de facto, tal como ela se encontra depois do ato de jurisdicização, ou que não se destinem a desagravar a situação de ilegalidade 9. 3. Considerando o que atrás se deixou dito, impõe-se então concluir que os documentos apresentados não titulam qualquer operação de transformação fundiária, e daí que o registo deva ser recusado, como foi, porém, com fundamento legal nos artigos 68.º e 69.º/1/b) do CRP 10. 3.1. Quanto à divergência entre a área do lote que consta do registo (660 m2) e a que figura nos documentos apresentados (686,75 m2), a sua relevância dependerá da medida de tutela da legalidade urbanística tomada ou que se prove ter operado, dentro do elenco de mecanismos legais disponíveis e segundo um critério e termos juridicamente enquadrados, e que, a nosso ver, os documentos apresentados não revelam de forma concludente. 3.2. Por fim, salientamos que o suprimento do lapso relativo à identificação do lote na matriz urbana ao abrigo do disposto no artigo 73.º/2 do CRP só teria cabimento se fosse de molde a permitir a feitura do registo como definitivo e, portanto, se não houvesse, 9 Assim, um esforço de jurisdicização da operação urbanística a que se referem os autos esgotar-se-ia na conservação do lote 222 como unidade predial autónoma, ficando, em princípio, prejudicada a prática de outros atos, como a operação urbanística de edificação no lote, a qual, como ato consequente que é, suporia a validade do ato de loteamento anterior. De todo o modo, diante do conteúdo do plano de pormenor apresentado, cremos não ser esse (a atribuição de certos efeitos jurídicos à operação urbanística, permitindo a sua conservação ao nível da divisão fundiária, mas não a concretização prática da capacidade edificativa precisa definida para os lotes) o desfecho pretendido pelo interessado, nem o caminho que a entidade administrativa competente quis gizar para resolver o problema suscitado pela nulidade daquela operação urbanística. Com efeito, em face dos objetivos indicados no artigo 2.º do Regulamento do PP, não custa reconhecer nele a consideração da pré-existência de facto criada a partir do alvará n.º 127/83 na definição das regras atinentes à ocupação, uso e transformação do solo correspondente à área de intervenção do plano. Note-se, todavia, que, tendo havido declaração de nulidade do ato administrativo de licenciamento anterior e não estando em causa um plano de pormenor com efeitos registais, a definição da situação fundiária inscrita no aludido plano não dispensa as operações de loteamento e ou de reparcelamento mencionadas no seu artigo 4.º, segundo a tramitação legalmente prevista. 10 Salientamos que o facto submetido a registo foi a operação de transformação fundiária/loteamento e não a individualização do lote n.º 222 no registo, caso em que se justificaria o enquadramento no artigo 69.º/1/c)/1.º segmento do CRP. 7

como há, uma deficiência mais grave e insuprível, capaz de tornar inútil o esforço de «aproveitamento do pedido» para que aponta o aludido preceito legal. Em conformidade com o que antecede, propomos a improcedência do recurso e firmamos as seguintes CONCLUSÕES I- Os atos administrativos de legalização e de jurisdicização de operações urbanísticas de loteamento, enquanto instrumentos que operam a transformação da situação de facto criadas ao abrigo de um ato administrativo de gestão urbanística declarado nulo em situação de direito, recebem enquadramento no artigo 2.º/1/d) do Código do Registo Predial, estando, por isso, sujeitos a registo. II- Antes disso, caberá refletir no registo a declaração de nulidade do ato administrativo de licenciamento da operação urbanística objeto de jurisdicização ou de legalização, concretamente, através do cancelamento da inscrição da operação de loteamento, quando exista, e ou ao nível das descrições dos lotes abertas ao abrigo daquele ato administrativo. III - Não constitui título de jurisdicização ou de legalização de operação de loteamento o documento apresentado sob a forma de alvará de loteamento que defina como área de intervenção urbanística a parcela de terreno correspondente a um dos lotes resultantes da operação de loteamento objeto de declaração de nulidade e cujo conteúdo se restrinja à especificação da capacidade edificativa atribuída àquele lote. Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 23 de maio de 2013. Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Luís Manuel Nunes Martins. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 28.05.2013. 8