Mieloencefalite protozoária eqüina. Equine protozoal myeloencephalitis

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Rev. Bras. Saúde Prod. An., v.4, n.1, p. 30-34, 2003 ISSN 1519 9940 Mieloencefalite protozoária eqüina Equine protozoal myeloencephalitis PEIXOTO, A.P.C. 1*, KUCHEMBUCK, M.R.G. 2, GONÇALVES R.C. 2, CHIACCHIO, S.B. 2, KOHAYAGAWA, A. 2, CASTRO A. A. P. 3. 1* Médica Veterinária - Mestranda- Clínica Veterinária - Departamento de Clínica Veterinária da FMVZ-UNESP / Campus de Botucatu - Distrito de Rubião Jr., Botucatu - Cep 18.618.000 - São Paulo. E-mail: paulacpeixoto@uol.com.br 2 Médico Veterinário - Departamento de Clínica Veterinária da FMVZ - UNESP/Campus de Botucatu /SP, 3 Médica Veterinária - Mestranda - Clínica de Grandes Animais -FMV-UFSM-RS RESUMO O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de mieloencefalite protozoária eqüina no Estado de São Paulo, Brasil. O diagnóstico se baseou nos sinais clínicos, no resultado positivo para anticorpos contra Sarcocystis neurona no soro e no líquor pela técnica de Western blot. Palavras chave: Mieloencefalite, Sarcocystis neurona, eqüinos. SUMMARY The purpose of this work was to present a case of equine protozoal myeloencephalitis (EPM) in the State of São Paulo, Brazil. The diagnosis was based on the clinical sings, the positive results of the serum and cerebrospinal fluid analysis (Western blot) for antibodies against Sarcocystis neurona. Keywords: Myeloencephalitis, Sarcocystis neurona, equine. INTRODUÇÃO A mieloencefalite protozoária eqüina (EPM) é uma doença neurológica provocada por protozoários, relatada pela primeira vez em 1974 nos Estados Unidos. Atualmente estimase que mais de 50% dos eqüinos norteamericanos tenham sido expostos ao parasito (DUBEY & MILLER, 1986). Em 1991, o Sarcocystis neurona foi identificado como agente etiológico da doença (DUBEY et al., 1991). Em 1986, BARROS et al. relataram um caso de mieloencefalite por protozoários em um eqüino de 10 anos de idade, no Sul do Brasil. Posteriormente, a presença de esquizontes e merozoítos de Sarcocystis, em cortes histológicos de sistema nervoso, foi associada a sinais de ataxia em eqüinos (MASRI et al,. 1992). Os sinais clínicos apresentados pelos animais acometidos estão diretamente relacionados com a localização das lesões no sistema nervoso. A ataxia, a incoordenação motora e a fraqueza muscular são os sinais mais freqüentemente encontrados (MASRI et al. 1992; FENGER et al. 1997; MACKAY, 1997). Até o ano de 1991, quando o S. neurona foi isolado, o diagnóstico baseava-se nos sinais clínicos e na exclusão de outras doenças que acometem o sistema nervoso dos eqüinos, como as mieloencefalites bacterianas e virais, as meningites, os traumas e o estreitamento do canal cervical (MOORE, 1997). Posteriormente, o cultivo do parasita possibilitou o desenvolvimento de testes de identificação de anticorpos específicos no soro e no líquor dos animais suspeitos, que atualmente têm sido utilizados nas investigações epidemiológicas e como auxílio diagnóstico em casos de EPM (BENTZ et al,. 1997). O teste utiliza cultura de merozoítos 30 30

para detectar anticorpos contra antígenos do S. neurona no soro e no líquor de animais suspeitos e fornecem ao clínico informações sobre a exposição do animal ao parasito. O imunoblot (Western blot) tem sido apontado como um teste que apresenta aproximadamente 90% de sensibilidade e 90% de especificidade (GRANSTRON & REED, 1994; SCARRATT & WALLACE, 1998). O risco de contaminação da amostra por sangue, no momento da colheita e por enfermidades que interferem na integridade da barreira hematoencefálica, podem levar a resultados falso-positivos, tornando-se importante a realização do teste no líquor e no soro sangüíneo. O resultado positivo do teste no soro sangüíneo indica a exposição do animal ao parasito, enquanto o resultado positivo no líquor, indica que o parasito penetrou na barreira hematoencefálica estimulando a resposta imune local (GRANSTRON & REED, 1994). Os resultados falso-negativos podem ocorrer por erro de técnica laboratorial ou pela utilização de antifolatos e corticosteróides em tratamentos anteriores (MOORE, 1997). Adaptações da conduta terapêutica para a toxoplasmose humana consistiram as primeiras tentativas de tratamentos para os casos de EPM. O protocolo envolve a administração de uma combinação de sulfonamidas/trimetoprim e pirimetamina por 90 dias (MACKAY, 1997). KISTHARDT & LINDSAY (1997) recomendam que o tratamento seja suspenso 30 dias após a estabilização do quadro ou após a ausência dos sinais clínicos. Os autores afirmam que o uso de antiinflamatórios, como o flunixin meglumine e a fenilbutazona, pode ser indicado com o objetivo de reduzir a resposta inflamatória resultante da rápida proliferação do protozoário, devendo-se evitar o uso de corticosteróides. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de mieloencefalite protozoária eqüina no Estado de São Paulo, haja vista a escassez de informações a respeito dessa enfermidade no Brasil. RELATO DE CASO No ano de 1997 foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp / Botucatu - SP, um eqüino da raça Anglo-árabe, macho, de quatro anos de idade, com histórico de incoordenação progressiva e curso de três meses. O animal apresentava temperatura retal de 38ºC, freqüência respiratória de 24 rpm e freqüência cardíaca de 54 bpm, em estação, com postura e estado mental sem alteração, micção e defecação presentes e normais. Foi realizado exame físico com avaliação minuciosa do sistema nervoso e locomotor. Amostras de sangue total foram obtidas por meio de punção da veia jugular em tubos a vácuo (Labnew, Ind. Comércio Ltda, Campinas, SP, Brasil.) com anticoagulante, para realização do hemograma e, sem anticoagulante, para obtenção do soro sangüíneo. As contagens de eritrócitos foram realizadas na câmara de Neubauer e a contagem diferencial de leucócitos, em esfregaços sangüíneos corados pelo Leishman, seguindo recomendações de JAIN (1986). A determinação do volume globular foi efetuada pelo método do microhematócrito (Quimislabor, Marília, SP, Brasil) e a determinação da hemoglobina, pelo método da cianometahemoglobina. O fibrinogênio foi determinado pela técnica de precipitação pelo calor seguindo as recomendações de LOPES et al. (1996). Amostra de líquor foi colhida no espaço lombosacro com o animal em estação, seguindo recomendações de DE LAHUNTA (1983). Foram colhidos 8 ml que, após serem divididos em dois tubos, foram encaminhados para exames físicos, químicos (Combur10Test, Boeheriger Mannheim, German) e citológicos (LOPES et al., 1996), e para realização da pesquisa de anticorpos contra antígenos de S. neurona pelo teste de Western blot (Equine Biodiagnostic, Lexington, KY, USA). A pesquisa para anticorpos foi realizada também no soro sangüíneo segundo as recomendações de GRANSTRON & REED (1994). 31

RESULTADOS E DISCUSSÃO Levantamento realizado na Universidade Estadual de Ohio, revelou que, de 158 eqüinos acometidos com EPM, 80% apresentavam comprometimento medular e apenas 6% apresentavam alterações encefálicas, enquanto 14% manifestavam anormalidades medulares e encefálicas. Em animais que apresentavam envolvimento da medula espinhal, com freqüência, observou-se fraqueza nos membros, ataxia e incoordenação, simétricas ou assimétricas (MACKAY, 1997). O exame do sistema nervoso do animal do caso relatado, não revelou alterações dos pares de nervos cranianos, entretanto observou-se nos testes de reação postural um discreto déficit de propriocepção no membro torácico direito e nos membros pélvicos. A sensibilidade à dor superficial estava presente em todos os membros. No exame com o animal em movimento pôde-se observar incoordenação dos membros pélvicos. O exame detalhado do sistema locomotor excluiu a possibilidade de problema músculo-esquelético primário e o exame radiográfico da coluna cervical não revelou alterações significativas. Os valores encontrados pelo hemograma podem ser observados na Tabela 1. Segundo MACKAY et al. (1992), alterações inespecíficas como linfopenia, hiperfibrinogenemia, hiperbilirrubinemia, elevação da uréia e das enzimas musculares podem ser observadas no hemograma e nos exames bioquímicos de animais acometidos por EPM. Provavelmente, segundo os autores, tais alterações sejam decorrentes do estresse das terapias instituídas ou das lesões musculares secundárias ao déficit neurológico. O líquor apresentava aspecto límpido com baixo número de eritrócitos e ausência de leucócitos, sendo que outros valores podem ser observados na Tabela 2. De acordo com GRANSTRON & REED (1994), o líquor de eqüinos com EPM freqüentemente revela um aumento do nível de proteína acima de 70 mg/dl, podendo apresentar um aspecto xantocrômico com um baixo número de células vermelhas. Segundo MACKAY (1997), o líquor, quando visivelmente contaminado por sangue, não deve ser enviado para testes imunológicos. Em amostras com aspecto amarelado ou cuja contagem de células vermelhas excedam 500/µL, deve-se avaliar o grau de contaminação da amostra. Tabela 1- Hemograma, proteína e fibrinogênio sérico de um eqüino com mieloencefalite protozoária eqüina. Hemácias (/µl) 6.580.000 Hemoglobina (g/dl) 12,5 Volume Globular (%) 33 Leucócitos (/µl) 6.200 Neutrófilos (/µl) 4.464 Linfócitos (/µl) 1.364 Monócitos (/µl) 228 Eosinófilos (/µl) 00 Basófilos (/µl) 00 Fibrinogênio (mg/dl) 300 Proteína Total (g/dl) 6,0 Tabela 2- Resultados dos testes físicos e químicos do líquor de um eqüino com mieloencefalite protozoária eqüina. Volume (ml) 4 Aspecto límpido Densidade 1005 ph 8,0 Proteínas (mg/dl) 100 Glicose (mg/dl) 100 Eritrócitos (/µl) 1 Leucócitos (/µl) 0 32

O diagnóstico clínico para EPM é realizado com base nos sinais clínicos apresentados pelo animal e na exclusão de outras mielopatias eqüinas (FENGER, 1997), podendo ser confirmado pela determinação de anticorpos específicos no líquor de animais suspeitos (SCARRATT & WALLACE, 1998). Diante dos sinais clínicos apresentados e dos resultados positivos para pesquisa de anticorpos contra S. neurona, no líquor e no soro sangüíneo do caso relatado, pode-se concluir que houve exposição do animal ao parasito e que, provavelmente, a doença estaria ativa. Estabeleceu-se então tratamento conforme as recomendações de MACKAY (1997), KISTHARDT & LINDSAY (1997) e SCARRATT & WALLACE (1998). Utilizou-se a combinação de sulfametoxazol-trimetoprim (30mg/kg/dia) associado à pirimetamina (1mg/kg/dia) por 60 dias. Nos sete primeiros dias foi instituído, ainda, tratamento com flunixim meglumine (1,1mg/kg) e vitamina E (1.000 UI/dia). A realização de exames físicos e hemogramas periódicos foi recomendada para acompanhamento da evolução do quadro e avaliação de possíveis efeitos colaterais decorrentes do tratamento. A utilização da sulfa/trimetoprim associada à pirimetamina, por longos períodos, pode provocar quadro de anemia, fato que tem sido observado em 10 a 20% dos eqüinos tratados com EPM (FENGER, 1997). O animal deste relato apresentou efeitos colaterais ao tratamento instituído, sendo observado uma significativa redução do número total de eritrócitos e de leucócitos. MACKAY (1997), recomenda que o tratamento seja suspenso em casos de leucopenia severa (3.000 células /µl). Neste relato porém, o tratamento foi mantido e após dois meses observou-se melhora do quadro hematológico, bem como, uma evolução clínica positiva com a redução do grau de incoordenação. CONCLUSÃO Embora o diagnóstico definitivo para a mieloencefalite protozoária equina seja realizado mediante a identificação do parasito no sistema nervoso, de acordo com os resultados positivos para pesquisa de anticorpos contra S. neurona no líquor e no soro sangüíneo do animal do caso relatado, pôde-se concluir que houve a exposição ao parasito, justificando a inclusão desta enfermidade no diagnóstico diferencial de doenças com sintomatologia neurológica em equinos no Brasil, bem como, a realização de estudos que visem avaliar a situação epidemiológica da EPM no país. REFERÊNCIAS BARROS, C.S.L.; BARROS, S.S.; SANTOS, M.N.; SILVA, C.A.M.; WAIHRICH, F. Mieloencefalite eqüina por protozoário. Pesq Vet Bras., v.6, p.45-49, 1986. BENTZ, B.G.; GRANSTRON, D.E., STAMPER, S. Seroprevalence of antibodies to Sarcocystis neurona in horses resinding in country of southeastern Pennsylvania. J Am Vet Med Assoc, v.210, p.517-527, 1997. DE LAHUNTA, A.D. Cerebrospinal fluid and hidrocephalus. In: Veterinary neuroanatomy and clinical neurology. 2 ed., Philadelphia: W.B.Sauders, p.30-32, 1983. DUBEY, J.P., MILLER, S. Equine protozoal myeloencephalitis in pony. J Am Vet Med Assoc, v.188, p.1311-1312, 1986. 33

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