SELEÇÃO DE FRUTOS DE JERIVÁ SYAGRUS ROMANZOFFIANA (ARECACEAE) POR BESOUROS PREDADORES DE SEMENTES INTRODUÇÃO. Juliana Ranzani de Luca

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Transcrição:

SELEÇÃO DE FRUTOS DE JERIVÁ SYAGRUS ROMANZOFFIANA (ARECACEAE) POR BESOUROS PREDADORES DE SEMENTES Juliana Ranzani de Luca INTRODUÇÃO Muitos insetos especializados em predação de sementes completam seu ciclo de vida no interior das sementes de palmeiras (Costa et al., 1988; Alves-Costa, 2004), onde as larvas se desenvolvem alimentando-se do endocarpo (Christianini, 2006). As sementes podem ser predadas tanto na fase prédispersão, quando os frutos ainda estão no cacho, quanto na fase pós-dispersão, quando os frutos encontram-se no chão (Alves-Costa, 2004). Curculionidae e Bruchidae são famílias pertencentes à ordem Coleoptera com várias espécies especializadas na predação de sementes (Costa et al., 1988; Borror & Delong, 1989). Pelo menos três espécies de bruquídeos predam as sementes do jerivá Syagrus romanzoffiana (Arecaceae) durante a fenofase de frutificação (Johnson et al., 1995), especificamente na fase pósdispersão das sementes (Alves-Costa, 2004). Curculionídeos, por sua vez, se alimentam dos frutos verdes e maduros de jerivá na fase prédispersão. Ravena rubiginosa, em particular, apresenta uma relação espécie-específica com S. romanzoffiana e suas larvas são consideradas um dos principais predadores de sementes da espécie (Alves-Costa, 2004). Fêmeas de R. rubiginosa realizam a postura dos ovos em frutos maduros no período pré-dispersão, em um momento no qual o endocarpo ainda está mole. O endosperma é parcialmente ou completamente consumido pelas larvas, que quando atingem seu quarto estágio de desenvolvimento, cavam um orifício através do endocarpo para sair do fruto e empupar. Embora possam ocorrer múltiplos ataques às sementes de S. romanzoffiana, apenas uma larva de curculionídeo consegue desenvolver-se dentro dos frutos (Alves-Costa & Knogge, 2005). Como os curculionídeos atacam os frutos de jerivá antes dos bruquídeos e, conseqüentemente, não competem com outras espécies de besouros por recursos neste período de ataque, provavelmente os curculionídeos concentraram a postura dos ovos na época de máxima produção de infrutescências maduras do jerivá (Figura 1). Durante este período de pico de produção de frutos, há maior disponibilidade de sítios de oviposição para as fêmeas, o que provavelmente reduz a competição intra-específica. Quando os frutos desprendem-se dos cachos e ficam disponíveis para os bruquídeos, uma porcentagem dos frutos já se encontra atacada pelos curculionídeos e não disponível para os bruquídeos. Assim, é possível que os bruquídeos concentrem o ataque às sementes de jerivá em um período da fenofase de frutificação em que haja menor ataque por curculionídeos (Figura 1) como uma estratégia para reduzir competição interespecífica. Por só comportar o desenvolvimento de um único predador, é possível que a competição intra e inter- Figura 1. Fenofase de infrutescências maduras de Syagrus romanzoffiana representada pela curva de distribuição unimodal. A área preenchida da curva representa a fase de pico de produção de frutos maduros. A seta branca representa a fase na qual curculionídeos apresentariam maior proporção de ataque aos frutos de jerivá, ou seja, durante o pico de produção de frutos maduros. As setas pretas representam as fases nas quais bruquídeos apresentariam maior proporção de ataque aos frutos de jerivá. A linha tracejada marca o momento da fenofase de frutificação em que foram coletados os frutos de jerivá neste estudo. As setas pretas horizontais indicam o período em que os frutos sem e com mesocarpo caíram dos cachos. 1

específica pelas sementes de jerivá seja bastante intensa (Alves-Costa & Knogge, 2005). Quando duas espécies competem intensamente por um determinado recurso, a coexistência é facilitada quando existe alguma segregação espacial ou temporal entre elas (Begon et al., 2007). Minha hipótese, portanto, é que bruquídeos devem concentrar seu ataque sobre a coorte de frutos de jerivá que caem dos cachos nos períodos anterior e posterior ao período de máxima produção de frutos maduros (Figura 1). Dessa forma, os bruquídeos estariam temporalmente segregados do pico de ataque dos curculionídeos, minimizando a competição inter-específica pelos frutos de jerivá. MATERIAL & MÉTODOS Espécie estudada A palmeira Syagrus romanzoffiana apresenta inflorescência em cachos pendentes. Os frutos globosos são recobertos por um exocarpo fino que protege um mesocarpo fibroso, suculento e adocicado. Cada fruto possui uma única semente que se encontra protegida por um endocarpo lenhoso e rígido localizado logo abaixo da camada fibrosa do mesocarpo (Lorenzi, 2002, 2004). O jerivá apresenta infrutescências verdes ao longo de todo o ano e produz infrutescências maduras entre os meses de abril a agosto, com pico de produção no mês de junho (Begnini, 2008; Figura 1). Quando maduros, os frutos caem dos cachos e acumulamse próximos à planta-mãe. Frutos que se desprenderam a pouco tempo dos cachos, podem ser diferenciados de frutos que se desprenderam há mais tempo, pois os primeiros ainda apresentam o mesocarpo fibroso enquanto que os últimos estão em estádio mais avançado de decomposição e não apresentam a camada fibrosa do mesocarpo, somente o endocarpo rígido (obs. pess.). Vou me referir aos frutos que caíram dos cachos após o período de pico de produção de infrutescências maduras como frutos com mesocarpo e aos frutos que caíram dos cachos durante ou antes do período de máxima produção como frutos sem mesocarpo (Figura 1). Coleta de dados Realizei a amostragem na Estação Ecológica Juréia- Itatins (24p18 S; 47p00 W), litoral sul do estado de São Paulo. Coletei os dados entre os dias 23 e 24 de julho de 2010 durante a fenofase de frutos maduros de S. romanzoffiana, porém em um período posterior ao pico de frutificação da espécie (Figura 1). Nos arredores no núcleo Arpoador, selecionei oito indivíduos de jerivá com uma distância mínima de 10 m um do outro e que apresentassem frutos caídos no chão. Perto de cada indivíduo, delimitei quatro parcelas de 0,5 x 0,5 m no solo de modo que cada parcela ficasse posicionada em uma das quatro coordenadas cardeais (norte, sul, leste e oeste) e a 1 m de distância da planta-mãe. Dentro da área de cada parcela recolhi todos os frutos caídos de jerivá. Posteriormente, separei os frutos em duas coortes: 1) frutos com a camada fibrosa de mesocarpo presente e 2) frutos sem a camada de mesocarpo, apresentando somente o endocarpo rígido que envolve a semente. Considerei que os frutos com mesocarpo representavam frutos que caíram dos cachos no período posterior ao pico de frutificação, e que os frutos sem mesocarpo representavam os frutos que caíram dos cachos antes ou durante o período de pico de frutificação (Figura 1). Minha previsão é que a proporção de frutos atacados por bruquídeos na coorte de frutos com mesocarpo é maior ou igual à proporção de frutos atacados na coorte de frutos já sem a camada de mesocarpo. Isso porque frutos que não apresentam mesocarpo podem também ter se desprendido dos cachos em um momento anterior ao período de máxima produção de frutos maduros (Figura 1). Retirei a camada de fibras de todos os frutos com mesocarpo e, para cada fruto, registrei a presença ou ausência de orifícios de saída de bruquídeos e/ ou curculionídeos. Estes orifícios ficam facilmente visíveis formando furos na superfície do endocarpo. O critério para diferenciar as marcas deixadas por espécies das duas famílias de besouros foi considerar orifícios maiores (acima de 2 mm) como pertencentes à Curculionidae e orifícios menores (menos de 1,5 mm) como pertencentes à família Bruchidae (M.N. Rossi, com. pess.). Como frutos com mesocarpo e sem a presença de orifícios externos podem ainda conter larvas alimentandose em seu interior, retirei aleatoriamente da amostra cerca de 20% de frutos de cada indivíduo de jerivá para compor uma sub-amostra e estimar uma correção de detectabilidade para curculionídeos e bruquídeos. Nessa sub-amostra incluí somente frutos com mesocarpo sem a presença de orifícios de saída das larvas. Em seguida, quebrei os frutos e registrei a presença ou ausência de larvas em seu interior. Também separei e quantifiquei nesta sub-amostra os frutos em que não encontrei larvas, mas em cujo endosperma verifiquei sinais de predação, como frutos sem endosperma e frutos com endosperma de consistência pastosa. Por não ser possível chegar a uma identificação acurada do predador nesse caso, incluí os frutos com sinais de predação na categoria 2

de não atacados nos resultados apresentados a seguir. Entretanto, observei que as larvas de curculionídeos consomem todo o endosperma dos frutos e as larvas de bruquídeos aparecem em frutos cujo endosperma apresenta-se pastoso. A inclusão desses frutos sem larvas, mas com sinais de predação será discutida mais adiante nos resultados. Para os frutos sem mesocarpo, registrei somente a presença ou ausência de orifícios de saída das larvas. Os frutos sem mesocarpo, por estarem em estádio mais avançado de decomposição, já não mais apresentam o endocarpo e possivelmente todas as larvas que atacaram esta coorte já emergiram dos frutos. Análise de dados Devido ao alto número de frutos que compuseram a amostra (n = 1.855), assumi a amostra como uma população. Para obter a média da proporção de frutos atacados e o seu intervalo de confiança (95%), utilizei a técnica de bootstrap, reamostrando com reposição 10.000 vezes os dados de presença ou ausência de curculionídeos e bruquídeos separadamente em cada uma das duas coortes de frutos. Para os frutos com mesocarpo, corrigi o erro de detectabilidade da seguinte maneira: a cada aleatorização conjunta dos dados da amostra e da sub-amostra de frutos com mesocarpo, obtive um valor para frutos atacados na amostra e uma proporção de frutos com larvas na sub-amostra. Em seguida, multipliquei a proporção de frutos com larvas da sub-amostra pelo número de frutos não atacados da amostra, somei o produto dessa multiplicação ao número total de frutos atacados da amostra e dividi o resultado pelo número total de frutos da amostra para obter a proporção de frutos atacados corrigida pela detctabilidade. Para os frutos sem mesocarpo, realizei a reamostragem com reposição diretamente sobre os dados da amostra. RESULTADOS No total, inspecionei 1.498 frutos de jerivá com mesocarpo e 366 frutos sem mesocarpo. A subamostra de frutos com mesocarpo, para a estimativa de detectabilidade, foi composta por 352 frutos. A Tabela 1 apresenta a quantidade de frutos que apresentaram sinais de ataques por besouros em cada coorte e a quantidade de frutos com sinais de predação (endosperma danificado) da subamostra. Tabela 1. Quantidade de frutos de jerivá (Syagrus romanzoffiana) com sinais de ataque por besouros das famílias Curculionidae e Bruchidae de acordo com a coorte de frutos (novos = com mesocarpo; velhos = sem mesocarpo). Entre parênteses, o sinal de ataque deixado pelo predador. Curculionidae Bruchidae Frutos sem endosperma Frutos com endosperma pastoso Total de frutos atacados Total de frutos amostrados Frutos com mesocarpo (orifícios de saída) 125 17 142 1.498 Frutos sem mesocarpo (orifícios de saída) 100 120 220 366 Frutos com mesocarpo (presença de larvas) 18 5 18 12 53 352 Figura 2. Proporção de frutos de jerivá (Syagrus romanzoffiana) atacados por (A) Curculionidae e por (B) Bruchidae de acordo com a coorte (novos = frutos com mesocarpo; velhos = frutos sem mesocarpo). As barras verticais representam os intervalos de confiança (95%) para a proporção de frutos atacados. 3

A proporção de frutos atacados por curculionídeos foi maior na coorte de frutos sem mesocarpo (27,3%) do que na coorte de frutos com mesocarpo (12,7%). A coorte de frutos sem mesocarpo também apresentou maior proporção de ataque por bruquídeos (32,8%) do que a coorte de frutos com mesocarpo (2,5%). A proporção de frutos atacados por curculionídeos variou menos entre as duas coortes de frutos (Figura 2A) do que variou para bruquídeos, que apresentou uma maior variação na proporção de frutos atacados entre as duas coortes (Figura 2B). Tanto para curculionídeos como para bruquídeos, os intervalos de confiança entre as duas coortes de frutos não se sobrepõem, indicando que houve diferença significativa na proporção de frutos atacados entre as duas coortes (Figura 2). A coorte de frutos sem mesocarpo apresentou maior proporção de ataque pelos bruquídeos (32,8%) do que pelos curculionídeos (27,3%). Já a coorte de frutos com mesocarpo apresentou maior ataque pelos curculionídeos (12,7%) do que pelos bruquídeos (2,5%). Se os frutos da sub-amostra que não apresentavam endosperma forem quantificados como pertencentes à Curculionidae, os intervalos de confiança da proporção de ataque aos frutos com e sem mesocarpo se aproximam, porém não se sobrepõem (Figura 3). Da mesma forma, se os frutos da sub-amostra que apresentavam endosperma pastoso forem quantificados como pertencentes a bruquídeos, ainda assim, a proporção de frutos com e sem mesocarpo atacados é significativamente diferente entre as duas coortes, pois os intervalos de confiança continuam não se sobrepondo (Figura 3). DISCUSSÃO Os resultados encontrados não corroboram a hipótese de que os bruquídeos concentram o ataque sobre a coorte de frutos de jerivá que caem dos cachos no período posterior ao período de máxima produção de frutos maduros. Não é possível, no entanto, descartar a hipótese de que os bruquídeos concentram o ataque sobre a coorte de frutos que caem no período anterior ao pico de frutificação. Dado que a proporção de ataque aos frutos pelos bruquídeos foi significativamente maior sobre a coorte de frutos sem mesocarpo, ou os bruquídeos atacam os frutos no início da frutificação ou besouros das duas famílias atacam os frutos durante o período de máxima produção de infrutescências maduras, quando há maior disponibilidade de frutos no ambiente. Segundo Kubik (2010), na coorte de frutos sem mesocarpo, a proporção de frutos em que existe co-ocorrência de ataques por bruquídeos e curculionídeos é significativamente menor do que o esperado em um cenário em que estes encontros acontecessem ao acaso. Isso indica que, caso o ataque dos dois grupos de besouros ocorra no pico de frutificação, os bruquídeos são capazes de selecionar frutos caídos nos quais não existam larvas de curculionídeos. Dessa forma, a seleção Figura 3. Proporção de frutos de jerivá (Syagrus romanzoffiana) atacados por (A) Curculionidae e por (B) Bruchidae de acordo com a coorte (novos = frutos com mesocarpo; velhos = frutos sem mesocarpo). As barras verticais representam os intervalos de confiança (95%) para a proporção de frutos atacados. Na coorte de frutos com mesocarpo foram incluídos os frutos da sub-amostra com sinais de predação do endosperma. 4

de frutos pelos bruquídeos pode ser uma estratégia que diminua a competição inter-específica e permita a co-existência com os curculionídeos, cujas larvas utilizam o mesmo recurso alimentar. A predação de sementes pode variar ao longo do período de frutificação das palmeiras. No caso do palmito juçara Euterpe edulis, por exemplo, os danos causados por insetos predadores de sementes foram mais intensos no início da estação reprodutiva (Allmen et al., 2004). Silva et al. (2004) também observaram altas taxas de predação de sementes no período inicial de frutificação de S. romanzoffiana, encontrando uma relação positiva entre o número de sementes predadas e o número de sementes produzidas pela planta-mãe. Entretanto, os autores consideraram frutos predados tanto por curculionídeos (Ravena rubiginosa) como por bruchídeos (Pachymerus cardo), não fazendo uma distinção entre a freqüência de predação por estes dois táxons. Para investigar se os bruquídeos concentram o ataque na coorte de frutos de jerivá produzidos antes do período de máxima frutificação, sugiro que, em futuros estudos, os frutos sejam divididos em três coortes, ou seja, aqueles produzidos no período inicial, intermediário (máxima produção) e final da fenofase de infrutescências maduras. Essa divisão poderia esclarecer se, de fato, existe uma segregação temporal entre os dois grupos de besouros que atacam as sementes de S. romanzoffiana. AGRADECIMENTOS Agradeço aos coordenadores Glauco Machado, Paulo Inácio K.L. Prado e Alexandre A. Oliveira por toda a orientação, pelo grande aprendizado e incentivo. Muito obrigada pela paciência e pela grande oportunidade de realizar o curso. Aos professores Leda L. Montero, Pedro Rocha, Luiz Ernesto C. Schmidt, Roberto Munguia-Steyer, Paulo Roberto G. Junior (Miúdo) pela orientação, paciência, aprendizado, incentivo e amizade. Aos monitores Marie-Claire e Marcel Vaz (Harry Baby), pelas dicas de beleza, pelo humor na correção, pela atenção, aprendizado e amizade. À Adriana, Marquinhos, Dito e sua filhota que muito me ajudaram e foram sempre muito amigos e companheiros. Aos amigos e colegas que realizaram o curso por todo bom humor, pela amizade e pelo companheirismo. Obrigada a todos. REFERÊNCIAS Allmen, C.V.; L.P.C. Morellato & M.A. Pizo. 2004. Seed predation under high seed density condition: the palm Euterpe edulis in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Tropical Ecology, 20:471 474. Alves-Costa, C.P. 2004. Efeitos da defaunação de mamíferos herbívoros na comunidade vegetal. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Alves-Costa, C.P. & C. Knogge. 2005. Larval competition in weevils Revena rubiginosa (Coleoptera: Curculionidae) preying on seeds of the palm Syagrus romanzoffiana (Arecaceae). Naturwissenschaften, 92:265-268. Begnini, R.M. 2008. O jerivá Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman (Arecaceae) fenologia e interações com a fauna no Parque Municipal de Lagoa do Peri, Florianópolis, SC. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Begon, M.; C.R. Townsend & J.L. Harper. 2007. Ecologia de indivíduos a ecossitemas. Editora Artmed, Porto Alegre. Christianini, A.C. 2006. Fecundidade, dispersão e predação de sementes de Archontophoenix cunninghamiana H. Wendl. & Drude, uma palmeira invasora da Mata Atlântica. Revista Brasileira de Botânica, 29:587-594. Costa, C.; S.A. Vanin & S.A. Casari-Chen. 1988. Larvas de coleóptera do Brasil. Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, FAPESP, São Paulo. Johnson, C.D; S. Zona & J.A. Nilsson. 1995. Bruchid beetles and palm seeds: recorded relationships. Principes, 39: 25-35. Kubik, T. 2010. Testemunhos de um jerivá (Syagrus romanzoffiana, Arecaceae): coexistência de besouros fitófagos por meio da partição de recursos. Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.A. Oliveira, Eds.). USP, São Paulo. Lorenzi, H. 2002. Árvores brasileiras Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Vol. 1. Instituto Plantarum, Nova Odessa. 5

Lorenzi, H. 2004. Palmeiras brasileiras e exóticas cultivadas. Instituto Plantarum, Nova Odessa. Silva, F.R.; R.M. Begnini; K.Z. Scherer; C.B. Lopes & T.T. Castellani. 2007. Predação de sementes de Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman (Arecaceae) por insetos na Ilha de Santa Catarina, SC. Revista Brasileira de Biociências, 5:618-683. 6