Pleuroscopia com mediastinoscópio em crianças com derrame parapneumônico complicado

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470 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 0021-7557/99/75-06/470 Jornal de Pediatria Copyright 1999 by Sociedade Brasileira de Pediatria RELATO DE CASO Pleuroscopia com mediastinoscópio em crianças com derrame parapneumônico complicado Thoracoscopy with mediastinoscope in pediatric complicated parapneumonic effusion José C. Fraga 1, Angevaldo Lima 2, Luciano Schopf 2, Carlos Antunes 3 Resumo Objetivo: Avaliar nossa experiência com a pleuroscopia com mediastinoscópio em crianças com derrame parapneumônico complicado. Métodos: Foi realizada revisão retrospectiva de prontuários de sete crianças submetidas à pleuroscopia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de Julho/1995 a Junho/1997. O procedimento foi realizado com mediastinoscópio especialmente construído para uso em crianças. Resultados: Foram estudados seis meninos e uma menina. O procedimento foi realizado sob anestesia geral, sem intubação seletiva. Seis crianças tinham sido previamente submetidas à drenagem torácica fechada; uma realizou pleuroscopia como procedimento inicial. Não foi observada nenhuma complicação cirúrgica da pleuroscopia. Após o procedimento, duas crianças apresentaram recorrência do derrame pleural e febre persistente, tendo sido necessária a realização de drenagem torácica aberta (pleurostomia); duas outras apresentaram pequeno derrame pleural residual assintomático, que não necessitou tratamento. Conclusão: A pleuroscopia com mediastinoscópio é segura, eficaz e sem complicações graves, sendo útil para a remoção do líquido e das septações pleurais em derrames parapneumônicos complicados em fase fibrinopurulenta, permitindo a expansão completa do pulmão. J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75(6): 470-476: empiema, toracoscopia, pleuroscopia com mediastinoscópio. Abstract Objective: To evaluate our experience with thoracoscopy with small mediastinoscope in pediatric complicated parapneumonic effusion. Methods: From July 1995 to June 1997, seven children with complicated parapneumonic pleural effusion underwent thoracoscopy with mediastinoscope at Hospital de Clínicas de Porto Alegre. The procedure was carried out with a small mediastinoscope built in our hospital. Results: There were six girls and one boy. The procedure was done under general anesthesia, without selective intubation. Six patients had previous intercostal tube drainage; one did thoracoscopy as a primary procedure. No complication after the procedure was observed. In the follow-up, two children were submitted to pleurostomy due to residual pleural effusion with persistent fever; two others presented asymptomatic small pleural effusion. Conclusion: Thoracoscopy with small mediastinoscope is safe, efficient and without severe complications. It is very useful to remove loculated complicated parapneumonic effusion at fibrinopurulent stage and to enable lung expansion. J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75(6): 470-476: empyema, thoracoscopy with mediastinoscope. Introdução O tratamento apropriado de crianças com empiema é controverso e tem sido baseado na experiência pessoal e no limitado número de casos relatados na literatura 1.As 1. Prof. Cirurgia Pediátrica e Membro do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hosp. de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina da UFRGS. Mestre e Doutor em Medicina pela UFRGS. 2. Residente de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina da UFRGS. 3. Prof. Cirurgia Pediátrica e Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Fac. de Medicina da UFRGS. Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), Faculdade de Medicina da UFRGS. decisões cirúrgicas são influenciadas por uma série de variáveis, tais como idade do paciente, estado clínico, resposta à antibioticoterapia, microorganismos nos culturais, estágio e duração do empiema 1. Os tratamentos possíveis incluem somente antibióticos, ou antibióticos associados a toracocentese 2, drenagem torácica fechada 3, fibrinolíticos 4, toracoscopia 5-7, minitoracotomia 8, drenagem torácica aberta 2, toracotomia usual 9,10 e decorticação. A toracoscopia têm sido usada em adultos com empiema com bons resultados. Recentemente, Kehr e Rodgers 5 descreveram o sucesso da toracoscopia no tratamento de crianças com empiema. Eles enfatizam que a 470

Pleuroscopia com mediastinoscópico... - Fraga JC et alii toracoscopia é um procedimento minimamente invasivo, que permite a lavagem e remoção de debris da cavidade pleural, bem como a colocação de um dreno torácico bem posicionado sob visão direta. E que, quando utilizada precocemente, reduz a necessidade de drenagem torácica aberta. Em nosso meio, a toracoscopia tem sido pouco realizada em crianças devido à falta de material videoendoscópico. Em serviços onde o material de videotoracoscopia não é disponível, a realização do exame da cavidade pleural (pleuroscopia) através do mediastinoscópio tornase uma excelente alternativa 11. Nesta revisão, nós relatamos nossa experiência com sete crianças que realizaram pleuroscopia para derrame parapneumônico complicado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de Julho de 1995 a Junho de 1997 (Tabela 1). Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 471 Relato de Casos Caso 1 Criança de 1 ano e 3 meses, sexo masculino, branco, interna com história de pneumonia em tratamento há 4 dias. Rx de tórax na internação mostrou consolidação com moderado derrame pleural. Realizada toracocentese, que evidenciou pus. Bioquímica deste líquido com ph 6,72, LDH 3480 e glicose 3. Realizada drenagem torácica fechada. Gram do líquido pleural foi negativo. Cultura do líquido pleural mostrou estafilococos aureos. A febre persistiu, apesar da melhora do estado geral. Realizada ecografia torácica no 5º dia após drenagem, tendo-se observado derrame pleural residual, com conteúdo denso. Indicada pleuroscopia, que evidenciou secreção purulenta, com aderências e espessamento pleural, porém com expansão completa do pulmão. Deixado dreno torácico tubular, que permaneceu durante 5 dias. Melhora progres- Tabela 1 - Características clínicas, indicação e tipo de tratamento do derrame, bem como o tempo de hospitalização após a realização da pleuroscopia Paciente Tratam. Indicação Tratam. Tempo Indicação Dreno Complicações Hospitalização Sexo/Idade clínico cirurgia inicial dreno pleuro pós-pleuro pós-pleuro (meses) (dias) (dias) (dias) (dias) 1 4 Pus Dreno 5 Derrame + 5 Mínimo 20 M/15 Ph 6,72 febre derrame Glic 3 recorrente estafilo 2 5 Pus Dreno 4 Derrame + 5-23 F/24 Glic 18 febre estrepto 3 7 Pus Dreno 6 Derrame + 10-11 M/16 Ph 6,66 febre 4 6 Glic 3 Dreno 4 Derrame + 5 Derrame 20 M/19 febre+ mal recorrente + estado geral febre Pleurostomia 5 4 Glic 34 Dreno 7 Derrame + 5-10 M/20 estafilo febre 6 6 Glic 32 Dreno 4 Derrame + 3-26 M/27 febre+ mal estado geral 7 3 Pus Pleuro - Derrame + 20 Derrame 42 M/135 Ph 6,4 febre recorrente + febre Pleurostomia

472 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 siva da febre, mantendo-se em bom estado geral. Ecografia torácica realizada após a remoção do dreno mostrou pequeno derrame pleural residual. Durante a internação apresentou diarréia infecciosa, que necessitou tratamento antibiótico. Recebeu alta 20 dias após a realização da pleuroscopia. Caso 2 Menina de 2 anos de idade, branca, com história de febre e dificuldade respiratória há 5 dias. Rx de tórax realizado na emergência mostrou pneumonia com derrame pleural. Toracocentese evidenciou líquido purulento, com análise bioquímica com LDH 3640 e glicose 18; gram do líquido era negativo, e cultural mostrou estreptococos pneumonia. Realizada drenagem tubular fechada. Criança evoluiu bem inicialmente, começando com picos febris a partir do 3 dia pós-drenagem. Ecografia mostrou derrame pleural residual, com septações finas. Indicada pleuroscopia, com observação de pequena quantidade de líquido purulento, espessamento pleural e expansão pulmonar preservada. Deixado dreno tubular, que permaneceu durante 5 dias. Evolução adequada até a alta hospitalar. Caso 3 Menino branco de 1 ano e 4 meses, com história de febre alta há 7 dias. Consultou na emergência, tendo Rx de tórax mostrado pneumonia em hemitórax esquerdo, com derrame pleural. Toracocentese revelou pus. Bioquímica do líquido pleural com ph 6,66. Gram e cultura do líquido foram negativos. Realizada drenagem tubular. Evolução adequada nos dois primeiros dias, quando iniciou com febre. Ecografia mostrou pequeno derrame pleural residual em hemitórax esquerdo, sem septos. Menino continuou a apresentar febre, tendo sido realizada pleuroscopia: presença de líquido pleural turvo. Pulmão com boa expansibilidade. Deixado dreno torácico tubular, que foi removido após 10 dias. Boa evolução. Caso 4 Menino de 1 ano e 7 meses, com história de febre há 6 dias e dificuldade respiratória há 24 horas. Rx de tórax realizado na emergência mostrou pneumonia em hemitórax esquerdo, com derrame pleural. Toracocentese mostrou líquido turvo, com LDH 1525 e glicose 3. Gram e cultura negativos. Realizada drenagem pleural fechada. Paciente persistiu com febre e piora progressiva do estado geral. Ecografia mostrou moderado derrame pleural residual, com septações. Realizada pleuroscopia, com drenagem de moderada quantidade de líquido seropurulento. Observada boa expansibilidade pulmonar, deixando-se dreno torácico tubular. Evoluiu bem incialmente, mas no 3 dia pós-operatório iniciou com febre persistente, e drenagem seropurulenta através do dreno torácico. Ecografia realizada 8 dias após a pleuroscopia mostrou Pleuroscopia com mediastinoscópico... - Fraga JC et alii derrame pleural septado, anterior ao dreno torácico, com provável encarceramento pulmonar. Realizada mitoracotomia, com evidência de enorme cavidade na região posterior do hemitórax esquerdo, com pequena quantidade de secreção purulenta. Como o pulmão estava encarcerado, optou-se pela realização de pleurostomia. Melhora progressiva da curva térmica, com alta hospitalar em 10 dias. Caso 5 Menino de 1 ano e 8 meses, branco, com história de febre há 4 dias. Rx de tórax realizado na emergência mostrou penumonia lobar à direita, com derrame pleural. Toracocentese mostrou líquido turvo, com ph 7,17, LDH 1280 e glicose 34. Gram sem germens e cultural com estafilococos. Realizada drenagem torácica fechada. Evoluiu bem até o 3 dia pós-drenagem, quando iniciou febre. Ecografia mostrou derrame pleural residual septado. Realizada pleuroscopia, observando-se pequena coleção líquida, que foi drenada. Criança evoluiu bem, com remoção do dreno em 4 dias e alta hospitalar 10 dias após a pleuroscopia. Caso 6 Menino de 2 anos e 3 meses, com relato de febre e irritabilidade há 6 dias e dificuldade ventilatória há 24 horas. Rx de tórax na internação hospitalar mostrou pneumonia com derrame pleural à direita, e ecografia não evidenciou septações neste derrame. Toracocentese mostrou líquido turvo, não purulento, com ph 7,18, LDH 3375 e glicose 32. Gram e cultural negativos. Hemocultura com crescimento de estreptocos pneumonia. Realizada drenagem torácica fechada. Criança persistiu com febre após a drenagem, juntamente com piora gradativa do estado geral. Ecografia 4 dias após mostrou derrame pleural residual, com septações. Realizada pleuroscopia, com drenagem de pequena quantidade de líquido, e observada adequada expansão do parênquima pulmonar. Deixado dreno torácico, que foi removido no 4 dia pós-operatório. Na alta hospitalar apresentava pequeno pneumotórax, que desapareceu após 3 meses de acompanhamento. Caso 7 Menino, 11 anos e 3 meses, com paralisia cerebral e graves seqüelas neurológicas. História de febre e prostração há 3 dias, tendo Rx de tórax mostrado pneumonia com derrame pleural à esquerda. Toracocentese mostrou líquido purulento, com ph de 6,4. Gram e cultural negativos. Realizada ecografia torácica que mostrou volumoso derrame pleural à esquerda com septações. Indicada pleuroscopia, com drenagem de líquido purulento, com observação de adequada expansão pulmonar. Deixado dreno torácico que foi retirado após 3 dias. Dez dias após a remoção do dreno apresentou febre e dispnéia, com ecografia torácica mostrando volumoso derrame pleural à

Pleuroscopia com mediastinoscópico... - Fraga JC et alii esquerda com septações. Realizada minitoracotomia, observando-se grande cavidade na região posterior e inferior do hemitórax esquerdo, com pequena quantidade de material purulento. Como o pulmão encontrava-se encarcerado, optou-se pela realização de pleurostomia. Criança apresentou evolução complicada, com sangramento digestivo e piora da infecção do parênquima pulmonar. Recebeu alta 29 dias após a realização de pleurostomia. Discussão O derrame pleural ocorre em 40% das crianças que apresentam pneumonia bacteriana 6. A grande maioria desses derrames não requer nenhum procedimento de drenagem, visto que geralmente ele é do tipo exsudativo, que melhora espontaneamente caso o tratamento antibiótico da pneumonia subjacente seja adequado (Figura 1). O surgimento de empiema marca uma mudança importante na morbidade e mortalidade do processo pneumônico 12. O conhecimento da história natural do empiema Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 473 ajuda consideravelmente no seu manejo, com a escolha do tipo apropriado de tratamento de acordo com o estágio do empiema. O empiema exibe três fases bem distintas. Se inadequadamente tratado, ele pode progredir através de todas as fases. A fase aguda ou exsudativa é caracterizada pela presença de líquido claro, não espesso, decorrente de inflamação pleural. Este líquido pode ser facilmente drenado, e o pulmão reexpande rapidamente. Na fase fibrinopurulenta há invasão bacteriana, com acúmulo de leucócitos e fibrina. O líquido torna-se espesso, freqüentemente com formação de septações e loculações. Para ocorrer re-expansão do pulmão é necessário desfazer as septações e remover toda a fibrina. Na fase organizada (2 a 4 semanas após a infecção primária) há formação de fibroblastos no exsudato, com surgimento de uma membrana pleural espessa e rígida que impede a reexpansão do pulmão. Neste estágio, mesmo após a remoção de todo o líquido e fibrina da cavidade pleural, não ocorre a expansão completa do pulmão. Figura 1 - Manejo do derrame parapneumônico complicado 13

474 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 Pleuroscopia com mediastinoscópico... - Fraga JC et alii Figura 2 - Tipos de drenagem de derrame parapneumônico complicado Aqueles derrames parapneumônicos que necessitam algum tipo de drenagem são denominados de derrames complicados 13. A drenagem cirúrgica de um derrame pleural é baseada fundamentalmente no exame do líquido pleural (Figura 1). Nesta revisão, a indicação do tratamento cirúrgico do derrame foi a presença de pus durante a toracocentese em quatro crianças, alterações bioquímicas do líquido pleural em cinco e cultura positiva do líquido pleural em três crianças (estafilococos em 2; estreptococos em 1). Este baixo índice de culturais positivos também tem sido relatado em outros estudos 13 e é decorrente, fundamentalmente, do uso de antibiótico antes da realização da toracocentese. O tipo de drenagem a ser realizada depende da fase do derrame parapneumônico (Figura 2). Na fase aguda é suficiente a colocação de um dreno torácico na porção mais inferior do derrame; na fase fibrinopurulenta, devese remover a fibrina e romper as septações através de minitoracotomia ou pleuroscopia, deixando-se um dreno pleural; na fase organizada, preferimos comunicar a cavidade com o exterior através de drenagem torácica aberta (pleurostomia). Todas as crianças estudadas apresentavam pneumonia com derrame parapneumônico e receberam antibiótico endovenoso. Seis das crianças submeteram-se a drenagem torácica fechada; uma apresentava derrame pleural purulento à ecografia, tendo sido realizada incialmente pleuroscopia, sem drenagem torácica prévia (Tabela 1). As crianças que permaneciam com febre após a drenagem pleural fechada, com ou sem piora do estado geral, eram submetidas à ecografia torácica. Na presença de líquido pleural residual, com ou sem septações, foi indicada pleuroscopia. A pleuroscopia tem sido indicada em crianças com empiema ou derrame parapneumônico complicado loculado, ou que não foram completamente drenados através de drenagem torácica fechada 14. A ruptura de aderências pleurais e a remoção do material infectado permite a expansão completa do pulmão e a melhora da infecção 5. É importante a ruptura de todas as aderências pleurais e a liberação de todas as superfícies pulmonares, incluindo as diafragmáticas. Nesta série de pacientes, a pleuroscopia foi realizada sob anestesia geral, com a criança entubada e em ventilação espontânea. Não foi utilizada ventilação brônquica seletiva. As crianças eram colocadas em decúbito lateral, com o hemitórax acometido colocado para cima. Uma pequena incisão (± 1,5 cm) era realizada na cavidade torácica, na região que correspondesse ao local de maior coleção líquida, e um pequeno mediastinoscópio era introduzido através dela. Este aparelho foi especialmente construído em nosso hospital, e foi baseado no menor mediastinoscópio utilizado em adultos, apenas com diâmetro reduzido à metade (Figura 3), a fim de permitir sua

Pleuroscopia com mediastinoscópico... - Fraga JC et alii Figura 3 - Mediastinoscópio construído especialmente para ser utilizado como pleuroscópio em crianças: comprimento de 12,8cm e diâmetro interno de 1cm introdução através do diminuto espaço intercostal da criança. Um aspirador tubular era introduzido através do mediastinoscópio e usado para romper as aderências pleurais, remover materiais oriundos do debridamento e aspirar o conteúdo líquido. Este material era então encaminhado para cultura, e a cavidade torácica era irrigada com solução fisiológica. O procedimento terminava quando o pulmão expandia livremente com pressão ventilatória positiva. Um dreno torácico era então colocado na linha axilar posterior, e a incisão torácica da pleuroscopia era fechada por planos. Nesta revisão, a principal indicação da pleuroscopia foi a presença de febre e derrame pleural residual após a drenagem torácica fechada em seis crianças; duas delas também apresentavam sepse e mal estado geral. Acreditase que estas crianças já apresentavam derrame pleural em estado fibrinopurulento, que não foi detectado no momento da indicação do tipo de drenagem. Nestes casos, a colocação do dreno torácico não teria sido suficiente para a drenagem de todo o líquido, devido à presença de septação e loculação do líquido. A partir de então, nós passamos a realizar ecografia em todas as crianças que necessitavam algum tipo de drenagem do derrame pleural, para evitar a realização de drenagem fechada como procedimento inicial em derrames septados (Figura 2). No último paciente desta série, a ecografia torácica foi realizada antes da indicação do tipo de drenagem do derrame, e optamos pela realização inicial de pleuroscopia devido à presença de líquido pleural septado. A drenagem do derrame pleural parapneumônico complicado (drenagem fechada ou pleuroscopia) somente é suficiente se houver completa reexpansão pulmonar, com o pulmão ocupando o espaço do líquido. Se o pulmão não expandir completamente, a cavidade tornará a infectar. Nestes pacientes, como observado nas crianças4e7desta Jornal de Pediatria - Vol. 75, Nº6, 1999 475 série, esta cavidade pleural deve ser exteriorizada à pele (pleurostomia). Em nossa revisão, a pleuroscopia com mediastinoscópio foi um procedimento sem complicações anestésicas e pós-operatórias. Todas as crianças foram extubadas no final da pleuroscopia, e não houve nenhuma complicação relacionada ao procedimento cirúrgico. Não foi observada nenhuma infecção na incisão cirúrgica. Radiografia de tórax no pós-operatório imediato mostrou adequada expansão pulmonar, com espessamento pleural residual e sem evidência de derrame. Quatro crianças apresentaram recorrência do derrame pleural, sendo que duas delas também apresentavam febre persistente. Nestas duas últimas foi necessária a realização de pleurostomia. As outras apresentaram mínimo derrame assintomático, não tendo sido necessário nenhum procedimento terapêutico. A recorrência do derrame pleural não deve ser referida como uma complicação direta da pleuroscopia, visto que ele surgiu numa fase tardia no seguimento destas crianças. Isso provavelmente foi decorrente da evolução do processo infeccioso do parênquima pulmonar. A utilização do mediastinoscópio para a realização de pleuroscopia não é novidade 11. O aparelho propicia boa visibilidade (com a possibilidade, inclusive, do uso de ópticas de aumento), e permite a introdução de aspiradores potentes para adequada aspiração do conteúdo líquido e também ruptura dos septos pleurais. Entretanto, o tamanho exagerado do aparelho do adulto impedia seu uso no diminuto espaço intercostal da criança. O aparelho fabricado em nosso hospital resolveu este problema, visto que ele pôde ser utilizado em lactentes, sem dificuldades ou complicações. Acreditamos que este pequeno mediastinoscópio seja uma boa opção para hospitais sem material de videoendoscopia. Embora o manejo de empiema permaneça controverso, é importante que o tipo de tratamento seja baseado no estágio de evolução da doença, e que seja instituído o mais precocemente possível. Na presença de derrame loculado ou septado, sem evidência de organização, deve-se realizar pleuroscopia 5. Atualmente, em nosso serviço, as crianças que apresentam derrame parapneumônico com indicação de drenagem realizam, inicialmente, ecografia torácica: se o derrame é livre, realiza-se drenagem torácica fechada; se o derrame é loculado ou septado, realizase pleuroscopia. A pleuroscopia com pequeno mediastinoscópio mostrou-se segura, efetiva, sem complicações graves, e pôde ser utilizada mesmo em lactentes. Este equipamento é uma excelente opção para hospitais que não dispõem da videoendoscopia. Referências bibliográficas 1. Chan W, Keyser-Gauvin E, Davis LT, Nguyen LT. Laberge JM. Empyema thoracis in children: a 26-year review of the Montreal Children s Hospital experience. J Pediat Surg 1997; 32:870-2.

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