O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na. maturidade e velhice. Josevânia da Silva



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL - DOUTORADO NÚCLEO DE PESQUISA VULNERABILIDADES E PROMOÇÃO DA SAÚDE O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice Josevânia da Silva JOÃO PESSOA-PB NOVEMBRO/2011 i

Josevânia da Silva O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Psicologia Social. Profa. Dra. Ana Alayde Werba Saldanha Pichelli (Orientadora) JOÃO PESSOA-PB NOVEMBRO/2011 ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL - DOUTORADO NÚCLEO DE PESQUISA VULNERABILIDADES E PROMOÇÃO DA SAÚDE O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice Autora: Josevânia da Silva BANCA AVALIADORA Profª Drª Maria do Carmo Eulálio (UEPB, Membro) Profª Drª Suy-Mey Carvalho de Mendonça Gonçalves (UNIPE, Membro) Profª Drª Evelyn Rúbia de Albuquerque Saraiva (UFPB, Membro) Profº Drº Leôncio Camino (UFPB, Membro) Profª Drª Ana Alayde Werba Saldanha (UFPB, Orientadora) DEDICATÓRIA iii

U S586a Silva, Josevânia da. O impacto da AIDS na saúde mental e qualidade de vida de pessoas na maturidade e velhice / Josevânia da Silva.- João Pessoa, 2011. 200f. Orientadora: Ana Alayde Werba Saldanha Tese (Doutorado) UFPB/CCHLA 1. Psicologia Social. 2. HIV/AIDS saúde mental maturidade - velhice. 3. HIV/AIDS qualidade de vida maturidade - velhice. UFPB/BC CDU: 316.6(043)

À Ana Alayde, Por tudo e tanto. De quem tenho a honra de ser a primeira doutora sob sua orientação. Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver (Vinícius de Morais) iv

AGRADECIMENTOS À DEUS, meu PAI, presença constante em minha vida. À LUCIANO, fonte de saúde mental e qualidade de vida, pelo amor e companheirismo, por me forçar, mesmo contra a minha vontade, a parar para comer, parar para dormir e até sorrir. Amo todas as suas formas de amor. À CÉLIA, mainha, por me amar, por cuidar de mim, ainda que distante. Obrigada por entender minhas ausências com paciência e serenidade. Aos meus sobrinhos JANIELE, JANIELISSON, TAINÁ e CAIO VINÍCIOS, uma das razões do meu viver. Obrigada por me receberem com alegria e entusiasmo a cada novo encontro, por entenderem minhas ausências, pois, como vocês disseram: é que tia está escrevendo um livro grande. Amo vocês. À Profª Drª ANA ALAYDE, fonte constante de amparo, amor e incentivo, por toda orientação e amizade compartilhada. Obrigada por me acrescentar à sua família que agora considero minha. Ao Paulo, Rafinha, Dany e Michele... minha eterna gratidão. Ao Profº LEÔNCIO CAMINO, cuja prática profissional inspira, por me acompanhar desde a graduação, obrigada pela amizade e contribuições. À Profª Drª SUY-MEY, pelas valiosas contribuições desde a qualificação. Agradeço pela tranquilidade nas palavras e pelo modo sereno de conduzir todo o processo. v

À Profª Drª CARMITA EULÁLIO, com quem compartilho a luta pela promoção de um envelhecimento com qualidade de vida. Obrigada pela disponibilidade e pela atenção carinhosa que me dedicou enquanto estive na UEPB. À Profª Drª EVELYN SARAIVA, que esteve comigo nos primeiros passos, durante a graduação. Obrigada por estar comigo nesse momento, por me incentivar com sua tranquilidade e sorriso frequente. À HENRY PONCIO, fonte inesgotável de amizade, por se fazer presente e sempre. Aos AMIGOS do Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades e Promoção da Saúde (NVPS), Aline, Amanda, Bruno, Camila, Cássio, Celestivo, Degmar, Elís, Flávio, Gleyde, Iria, Isabelle, Jackeline, Juliana, Karla, Laudicéia, Lidyanne, Marina, Michael, Pollyanna, Regina, Roberta, Sandra, Tereza... Sou um pouco de cada um de vocês! Aos PROFESSORES do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (UFPB), que permitiram compartilharmos conhecimentos, bem como pela compreensão e atenção. À ISRAEL, profissional da instituição de pesquisa, pelo carinho a atenção. Aos PARTICIPANTES desta pesquisa que com sua experiência e sabedoria me ensinaram que é sempre possível sonhar e viver. Muito Obrigada! vi

...até porque eu já estou numa idade, 72 anos, mas a gente não pára de sonhar, a gente envelhece tendo sonhos. [Participante 01] vii

SUMÁRIO LISTA DE TABELAS... 10 LISTA DE FIGURAS... 11 LISTA DE ABREVIATURAS... 12 RESUMO... 14 ABSTRACT... 15 APRESENTAÇÃO... 16 Capítulo I ENVELHECIMENTO E HIV/AIDS... 24 1.1 Vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas na maturidade e na velhice... 29 1.2 Maturidade, velhice e saúde mental: implicações no contexto do HIV/AIDS... 1.3 Saúde Mental de pessoas com HIV/AIDS: considerações acerca dos 38 42 Transtornos Mentais Comuns... Capítulo II APORTE TEÓRICO... 52 2.1 QUALIDADE DE VIDA... 50 2.1.1 Operacionalizando o construto... 50 2.1.2 A medição da Qualidade de Vida... 60 2.1.3 Avaliação da Qualidade de Vida no contexto do HIV/AIDS... 65 2.2. OBJETIVOS... 71 2.2.1 Geral... 71 2.2.2 Específicos... 72 2.3. HIPÓTESES... 72 Capítulo III MÉTODO... 73 3.1 Delineamento... 74 8

3.2 Participantes... 74 3.3 Instrumentos... 76 3.4 Procedimentos... 80 3.5 Análise dos dados... 81 3.6 Aspectos Éticos... 85 Capítulo IV RESULTADOS E DISCUSSÕES 86 4.1 Perfil sociodemográfico e Clínico... 87 4.2 Transtornos Mentais Comuns e sintomas de ansiedade e depressão em 98 pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS... 4.3 Qualidade de Vida em pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS 111 4.4 Variáveis explicativas da Qualidade de Vida em pessoas na maturidade e 123 velhice com HIV/AIDS... 4.5 Aspectos psicossociais AIDS na perspectiva dos participantes: 130 implicações para a Saúde Mental e Qualidade de Vida... CONSIDERAÇÕES FINAIS... 159 REFERÊNCIAS... 164 ANEXOS 9

LISTA DE TABELAS Tabela 1 Etapas e Procedimentos da Análise Categorial Temática...83 Tabela 2 Perfil dos participantes segundo frequência das variáveis sociodemográfica...89 Tabela 3 Perfil dos participantes segundo frequência das variáveis clínicas...92 Tabela 4 Avaliação dos participantes acerca da saúde e do considerar-se doente...94 Tabela 5 Média Global e por Fatores no SRQ-20...99 Tabela 6 Frequência das respostas afirmativas por itens do SRQ-20, com diferenças significativas entre os participantes com mesmo diagnóstico...100 Tabela 7 Frequência das respostas afirmativas por itens do SRQ-20, com diferenças significativas entre os participantes de mesma faixa etária...102 Tabela 8 Prevalência de sintomas de Ansiedade, de Depressão e Co-morbidade...103 Tabela 9 Médias nos Fatores sintomas de Ansiedade e Sintomas de Depressão...104 Tabela 10 Frequência de Transtorno Mental Comum em relação às variáveis sociodemográficas...105 Tabela 11 Frequência de Transtorno Mental Comum em relação às variáveis clínicas...106 Tabela 12 Média Geral e por Fatores dos participantes para a escala de Qualidade de Vida...112 Tabela 13 Relação entre os Fatores do Psicológico e Ambiental e a variável renda...120 Tabela 14 Correlações entre a Qualidade de Vida e as variáveis antecedentes...125 Tabela 15 Regressão múltipla da Qualidade de Vida em relação às variáveis antecedentes...128 10

LISTA DE FIGURAS Figura 1 Domínios e Facetas do WHOQOL-HIV...67 Figura 2 Relações hipotetizadas entre a variável Qualidade de Vida e as variáveis Físico, Psicológico, Independência, Social e Transtorno Mental Comum...127 11

LISTA DE ABREVIATURAS ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AMP Associação Mundial de Psiquiatria ANOVA Análise de Variância AVAI Anos de vida ajustados por incapacidade CD4 Cluster of differentation 4 CID Código Internacional de Doenças DP Desvio Padrão DSTs Doenças sexualmente transmissíveis HAD Escala de Ansiedade e Depressão HIV Vírus da Imunodeficiência Humana HNRC Neurobehavioral Research Center IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MOS SF-36 Medical Outcome Study Short From -36 MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde ONU Organização das Nações Unidas OPAS Organização Pan-Americana da Saúde PLWHA People Living with HIV/AIDS PN-DST/AIDS Programa Nacional de DST/AIDS Q-LES-Q Quality of Life Enjoyment and Satisfaction Questionnaire QV Qualidade de Vida RM Regressão Múltipla 12

SAE Serviço de Atendimento Especializado SAS Secretaria de Assistência Social SPSS Statistical Package for Social Sciences SRQ Self-Reporting Questionnaire TARV Terapia Antirretroviral TMC Transtorno Mental Comum UDI Usuários de drogas Injetáveis UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS VA Variáveis Antecedentes VC Variável Consequente WHOQOL World Health Organization Quality of Life Instrument WHOQOL Group World Health Organization Quality of Life Group WHOQOL-HIV Bref Escala de Qualidade de Vida abreviada para o contexto do HIV/AIDS 13

Silva, J. (2011). O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice. Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba. RESUMO: Introdução e Objetivo: Qual o impacto da AIDS para a saúde mental e a Qualidade de Vida em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos? Este estudo teve por Objetivo Geral analisar o impacto da AIDS na saúde mental e Qualidade de Vida de pessoas com idade igual ou superior a 50 anos soropositivas para o HIV (HIV+). Método: Participaram 86 pessoas HIV+ com idade igual ou superior a 50 anos. Foram constituídos, ainda, dois grupos comparativos: a) Grupo formado por 86 pessoas HIV+ com idade abaixo de 50 anos, na faixa-etária de 40 a 49 anos e b) Grupo formado por 86 pessoas com idade igual ou superior a 50 anos da população em geral, sem o diagnóstico de soropositividade ao HIV. Foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Questionário sociodemográfico e clínico; 2) Escala Whoqol-HIV Bref; 3) Escala Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20); 4) Escala de Ansiedade e Depressão (HAD); e 5) Entrevista. Para a análise dos dados do questionário sociodemográfico e das escalas foram realizadas análises de estatística descritiva e multivariada. Já para os dados das entrevistas, utilizou-se a Análise Categorial Temática. Resultados: Quando comparado com pessoas de mesma faixa etária da população geral, as pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS têm maiores prejuízos na saúde mental e na qualidade de vida, mas não mais que as pessoas abaixo de 50 anos HIV+. Na verificação das variáveis preditivas, O fator Independência ( =0,414) foi o principal responsável pela explicação da variância, seguido do fator Psicológico (β=0,29), e, de forma negativa, os Transtornos Mentais Comuns (β= -0,20). A partir da análise dos relatos dos participantes, emergiram nove categorias: Contágio, Diagnóstico, Percepção da AIDS, AIDS na velhice, Enfrentamento, Suporte, Preconceito, Trabalho e Perspectivas. Conclusão: A convivência com o HIV/AIDS tem impacto em várias dimensões da vida de um indivíduo, contribuindo para a presença de Transtornos Mentais Comuns. O impacto da doença para a avaliação de Qualidade de Vida foi verificado, principalmente, quando comparado com as pessoas sem o diagnóstico da doença, corroborando a hipótese inicial do estudo. Além disso, há variações interindividual significativa em termos do impacto da doença para as pessoas, ainda que com o mesmo diagnóstico. Esta variação do impacto sugere considerar não só variáveis mensuráveis, tais como a idade, níveis de CD4 ou estágio da doença (sintomático ou assintomático), uma vez que tal variação pode estar relacionada à natureza subjetiva da resposta do indivíduo a uma complexa interação de fatores inerentes à convivência com a doença, conforme verificado nos relatos dos participantes. Palavras-chave: HIV/AIDS; Qualidade de Vida; Saúde Mental; Maturidade; Velhice. 14

Silva, J. (2011). The impact of AIDS on Mental Health and Quality of Life of people in their maturity and in their old age. Post Graduate Program in Social Psychology. Doctorate Thesis. João Pessoa, Federal University of Paraíba. ABSTRACT: Introduction and Objectives: What is the impact of the AIDS on the mental health and Quality of Life in people who are equal or superior the age of 50 years? This study had as General Objective to analyze the impact of AIDS on the mental health and Quality of Life on people who are equal or superior the age of 50 years for HIV (HIV+) seropositiv. Method: A number of 86 people who are equal or superior age of 50 years, HIV+ seropositiv were the participants of this study. It was composed two comparative groups: a) Group formed by 86 people HIV+ who are age below of the 50 years, in the age band of 40 49 years and b) Group formed by 86 people who are equal or superior age of the 50 years of the population in general, without the diagnosis of the HIV seropositiv. This study counted on the following instruments:1) Socio-demographic and clinical questionnaire; 2) Whoqol-HIV Brief scales; 3) Self-Reporting Questionnaire scales (SRQ-20); 4) Scale of Anxiety and Depression (HAD); and 5) Interview. For the analysis of the data originated by the socio-demographic questionnaire and the scales it was applied the descriptive and multivariate statistics analysis. The data of the interviews, the Thematic Categorical Analysis was carried out. Results: When compared with people of same age bands of the general population, the people in the maturity and in the old age with HIV/AIDS have greater damages in their mental health and in their quality of life, but they have not more damages than the people below of the 50 years HIV+. In the verification of the predictive variables, the factor Independence ( =0,414) was main the responsible for the explanation of the variance, followed by the Psychological factor (β=0, 29), and, of negative form, the Common Mental Disorders (β= -0, 20). The analysis of the participants stories counted with nine emerged categories: Infect, Diagnosis, Perception of the AIDS, AIDS in the old age, Confrontation, Support, Prejudice, Work and Perspectives. Conclusions: Living with the HIV/AIDS has its impact in some dimensions of the individual s life, contributing for the presence of Common Mental Disorders. The impact of the illness for the evaluation of the Quality of Life was verified, mainly, when compared with the people without the diagnosis of the illness, corroborating for the initial hypothesis of the study. Moreover, it has inter individual variations significant in terms of the impact of the illness for the people, despite with the same diagnostic. This variation of the impact suggests not only considering the changeable variables, such as the age, levels of CD4 or period of the disease (symptomatic or asymptomatic), a time that such variation might be related to the subjective nature of the individual s reply to a intricate interaction of inherent factors of living with the illness, as verified in the participants narratives. Keywords: HIV/AIDS; Quality of Life; Mental health; Maturity; Old age. 15

APRESENTAÇÃO Qual o impacto da AIDS para a saúde mental e a Qualidade de Vida em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos? A avaliação do impacto da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na saúde das pessoas tem sido objeto de estudos desde o início da epidemia (Silva, & Saldanha, 2010), na década de 80, seja a partir de uma avaliação subjetiva das pessoas, seja considerando as implicações clínicas para o funcionamento orgânico. Dentre as implicações para a saúde, está o impacto do adoecimento para a Qualidade de Vida que, por sua vez, está relacionada com as implicações do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) para a saúde mental, tendo em conta que a avaliação da Qualidade de Vida é perpassada pela dimensão subjetiva e abarca a dimensão psicológica. A ênfase na avaliação da Qualidade de Vida tem ocorrido, sobretudo, na última década, principalmente no contexto dos avanços da eficácia da Terapia Antirretroviral (TARV) que contribuiu para a mudança no caráter da doença, permitindo que a mesma fosse considerada uma patologia crônica, em detrimento a associação anterior entre AIDS e morte iminente. Assim, o foco das ações no lidar com a infecção voltou-se para a convivência com a doença e, nesse caso, para a manutenção da saúde mental e da Qualidade de Vida. Esta mudança na abordagem da doença esteve relacionada, principalmente, com o aumento da sobrevida das pessoas, em decorrência da TARV, o que tem contribuído para que as mesmas adentrem a maturidade e a velhice já com a soropositividade ao HIV. Outras, porém, recebem o diagnóstico após os 50 anos ou mesmo contraem o vírus durante essa etapa da vida. Além disto, o diagnóstico do HIV/AIDS entre pessoas maturidade e da 16

velhice, quando não realizado de forma precoce, aumentam as chances de maior impacto na saúde mental e, consequentemente, na Qualidade de Vida destas pessoas. As pessoas com soropositividade ao HIV podem apresentar transtornos mentais importantes, associados com prejuízos cognitivos significativos (Deribew et al., 2010). No entanto, o estereótipo negativo, socialmente compartilhado, acerca da associação entre envelhecimento e debilidade mental, reforçado, muitas vezes, por políticas públicas direcionadas a redução de problemas de saúde mental em pessoas adultas e não em idosos (Neri, 2001; Falcão, & Carvalho, 2010), contribui, em muitos casos, para a equivocada naturalização dos prejuízos na saúde mental como sendo aspectos próprios do envelhecimento. Assim, por exemplo, o diagnóstico da chamada demência associada ao HIV pode ocorrer tardiamente em decorrência de tais estereótipos, embora se trate, segundo CID-10, de uma demência que se desenvolve no curso da doença pelo HIV, na ausência de qualquer outra doença ou infecção concomitante que pudesse explicar a presença das características clínicas (OMS, 1993). No que se refere à idade das pessoas soropositivas ao HIV/AIDS, Wong et al. (2007) demonstraram que esta variável se apresenta como fator que aumenta as chances de vulnerabilidade aos Transtornos Mentais Comuns sem, contudo, ser determinante. Nessa direção, o HIV Neurobehavioral Research Center (HNRC) ressaltou que a avaliação neuropsicológica deve considerar aspectos como cultura, idade, nível educacional e sexo, pois estes podem interferir no desempenho cognitivo das pessoas (Ellis, 2007). Considerase que, dada às particularidades da história de vida e contextos específicos das pessoas, não é possível tratar o fenômeno do envelhecimento como modelo único, mas considerar a existência da velhice, uma vez que esta se apresenta para cada indivíduo de maneira dinâmica, nos âmbitos biológicos, psicológicos e sociais. 17

Os Transtornos Mentais Comuns caracteriza-se pela presença de sintomas diversos, tais como: irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de concentração, esquecimento, ansiedade e sintomas depressivos. Trata-se de sintomas não psicóticos, os quais podem manifestar-se precedendo, acompanhando ou sucedendo quadros variados de infecções, inclusive por HIV, ou de distúrbios físicos, sem que haja evidências diretas de comprometimento cerebral. O Transtorno Mental Comum em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos com HIV/AIDS demanda impacto biopsicossocial que acarreta, dentre outros aspectos, baixa adesão ao tratamento e demência associada ao HIV. Dentre os Transtornos Mentais Comuns, a literatura tem apontado a ansiedade e depressão como patologias frequentes em pessoas que vivem com HIV/AIDS, apresentando, prevalência de 50% nos Estados Unidos, segundo estudo realizado com 2.864 pessoas (Ammassari et al., 2004). No Brasil, entre os transtornos psiquiátricos mais comumentes observados em indivíduos com HIV, a depressão é o mais prevalente (Malbergier, & Schöffel, 2001; Castanha, Coutinho, & Saldanha, 2006). Todavia, os aspectos que caracterizam os quadros de sintomas de ansiedade e depressão nesse grupo social, suas implicações para a adesão ao tratamento, bem como os aspectos subjacentes à patologia, devem ser analisados numa perspectiva social do adoecimento, uma vez que a depressão e a ansiedade podem estar associadas a fatores relacionados ao estigma da própria doença (Deribew et al., 2010). Em pesquisa realizada por Castanha et. al. (2006), com 91 participantes soropositivos para o HIV, obteve-se uma prevalência de 64% de casos de sintomatologia depressiva, destacando-se que representações sociais sobre a depressão e a AIDS estiveram associadas à uma doença que atinge o ser humano nas mais diversas facetas da vida, o que 18

impacta na qualidade de vida em seus diversos fatores, tais como na produtividade e na capacitação social. Quanto às implicações para a Qualidade de Vida das pessoas, a presença de Transtornos Mentais Comuns e de sintomas de ansiedade e depressão, além influenciar a saúde mental pode reduzir a adesão à TARV, tratamento que tem contribuído, ao longo das últimas décadas, para o prolongamento da vida e manutenção da Qualidade de Vida (Brasil, 2005). Embora não seja comprovado que a introdução da TARV levou a declínio nestas desordens cognitivo-afetivas, o estudo de Ammassari et al. (2004) demonstrou que a presença de depressão e ansiedade se constitui em importante barreira para a adesão ao tratamento. No estudo desenvolvido por estes pesquisadores, foi analisado a associação de sintomas de depressivos, prejuízos neurocognitivos e aderência a TARV em 135 pessoas HIV positivas, das quais 30% afirmaram a não aderência ao tratamento. Os resultados apontaram a presença de sintomas depressivos e prejuízos neurocognitivos em 24% e 12% respectivamente, mas, apenas a depressão foi associada com a não aderência. Outro estudo, realizado por Starace et al. (2002), apontou, dentre um amostra de 395 pacientes soropositivos para o HIV, a prevalência de prejuízos cognitivos em 18% e de sintomatologia depressiva em 15%, com diferença significativa (p=0.05) entre pacientes em TARV e aqueles que não tomavam antirretrovirais, prevalência de 14% e 24% respectivamente. A partir do surgimento da TARV as manifestações clínicas decorrentes da infecção pelo HIV foram reduzidas e foi verificado melhor expectativa em relação ao prognóstico, o que favoreceu uma melhor Qualidade de Vida das pessoas com diagnóstico positivo para o HIV/AIDS (Brasil, 2005). Assim, o principal objetivo da TARV seria, através da inibição 19

da replicação viral, retardar o progresso da imunodeficiência e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, contribuindo para o aumento do tempo e da Qualidade de Vida (Brasil, 2005). Mediante o exposto, este estudo em Psicologia Social considera que a soropositividade ao HIV influencia o aparecimento de Transtornos Mentais Comuns e de sintomas de ansiedade e de depressão, não estando, todavia, o aparecimento de tais patologias associadas ao avançar da idade. Tal impacto pode contribuir para a redução da Qualidade de Vida. No entanto, considerando o caráter subjetivo do construto, é possível que variáveis relacionadas aos aspectos psicossociais da vida das pessoas e a adesão ao tratamento influenciem, positivamente, na percepção dos participantes acerca da sua Qualidade de Vida (Zeña-Castillo et al., 2009). Embora sejam encontrados estudos na literatura das ciências da saúde (Canavarro, 2006; Fleck, 2008) acerca da avaliação da Qualidade de Vida e da saúde mental no contexto do HIV/AIDS, a compreensão acerca dos fatores que influenciam na avaliação dos indivíduos é de difícil consenso, principalmente quando se considera em que medida essa percepção de Qualidade de Vida é determinada pela condição de sorologia positiva ao HIV/AIDS ou se decorre de um conjunto de manifestações clínicas (Canavarro, 2006), ou mesmo da associação desses aspectos com outras dimensões da vida, como a social, psicológica e ambiental. Por considerar vários aspectos da vida, as medidas de avaliação da Qualidade de Vida, propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), têm permitido sua avaliação numa perspectiva que considera as dimensões psicossociais, dada a centralidade desses aspectos na vida das pessoas soropositivas ao HIV/AIDS. Ademais, estudos comparativos 20

com a população em geral e/ou o uso de medidas que abarquem questões específicas para contexto do HIV têm sido considerados. O estudo dessa temática no contexto da Psicologia Social contribui, ainda, para uma análise ampla do fenômeno, não se limitando, apenas, aos aspectos clínicos e epidemiológicos, por considerar os significados atribuídos pelos indivíduos acerca da sua vivência e convivência com o HIV/AIDS. Portanto, trata-se de uma análise que abarca as condições de vida, as subjetividades que se concretizam nas demandas diárias do conviver com uma patologia com legado histórico de preconceitos e, mais ainda, no contexto do envelhecer. A Psicologia Social apresenta-se como perspectiva teórico-metodológica que possibilita a investigação de um tema complexo e que, por esta razão, requer o uso de abordagens quantitativas (questionários, escalas) e qualitativas (entrevistas individuais), possibilitando o conhecimento acerca dos indicadores de saúde, dos construtos medidos, dos aspectos sociodemográficos e das vivências dos atores sociais. Espera-se, assim, subsidiar a estruturação dos serviços em saúde para atender a novas demandas apresentadas por pessoas que convivem com o HIV/AIDS com idade igual ou superior a 50 anos, numa perspectiva psicossocial, contribuindo para a integralidade e a melhor qualidade da atenção em saúde. Ante os aspectos supracitados, esta Tese tem por Objetivo Geral analisar o impacto da AIDS na Saúde Mental e na Qualidade de Vida de pessoas com idade igual ou superior a 50 anos. Para tanto, considera os seguintes Objetivos específicos: 1) Comparar, em relação às variáveis indicadoras de saúde mental e de Qualidade de Vida, a amostra deste estudo (pessoas com idade igual ou superior a 50 anos) com dois grupos comparativos, isto é: o primeiro, caracterizado pelo mesmo diagnóstico 21

(soropositividade ao HIV) e faixa etária diferente (40 a 49 anos); e o segundo, formado por pessoas da mesma faixa etária (idade igual ou superior a 50 anos), mas sem o diagnóstico de soropositividade ao HIV. 2) Analisar a relação entre a Qualidade de Vida e variáveis sociodemográficas e clínicas entre os participantes HIV+ com idade igual ou superior a 50 anos; 3) Identificar as variáveis preditoras da Qualidade de Vida para os participantes HIV+ com idade igual ou superior a 50 anos; 4) Analisar, entre os participantes com idade igual ou superior a 50 anos, a relação entre os Transtornos Mentais Comuns, os Sintomas de Ansiedade e Depressão e a Qualidade de Vida; 5) Apreender os discursos dos participantes com idade igual ou superior a 50 anos acerca da sua convivência com o HIV/AIDS. O Capítulo I desta Tese versa sobre o fenômeno estudado, ou seja, as velhices e o HIV/AIDS, demonstrando os aspectos considerados na delimitação do objeto de estudo, isto é, a relação entre envelhecimento e estigmas em torno da saúde mental, bem como a abordagem desta no contexto do HIV/AIDS. Ademais, consideram-se os aspectos da vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos, bem como a emergência dessa patologia nesse grupo etário. No Capítulo II é apresentada a perspectiva teórica do construto Qualidade de Vida que fundamenta o estudo. Discute-se o conceito de Qualidade de Vida na literatura e a avaliação da Qualidade de Vida no contexto da AIDS. Por conseguinte, são apresentados os objetivos da pesquisa. No método Capítulo III é demonstrado o delineamento do estudo, a delimitação da amostra, os instrumentos e os procedimentos adotados, bem como 22

o processamento e a análise dos dados. Por fim, no Capítulo IV, os resultados são apresentados e discutidos. 23

CAPÍTULO I DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO 24

1. Envelhecimentos e HIV/AIDS A emergência da do HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos e o aumento do número de casos, na última década, ocorre em um contexto demográfico de envelhecimento populacional. Os avanços tecnológicos na área da saúde e a melhoria de condições estruturais das pessoas (saneamento básico, acesso à informação, etc.), associado ao progresso da ciência em diferentes campos do saber, são aspectos a serem considerados na explicação do aumento, sobretudo nos países desenvolvidos, da esperança de vida da população mundial. Embora tenha ocorrido aumento de 20 anos na expectativa de vida da população mundial, durante a última metade do século XX, essa expectativa varia entre os diversos locais do mundo. A OMS (2005) postula que nos países desenvolvidos, diferentemente dos países em desenvolvimento, o envelhecimento populacional ocorre de maneira diferenciada, uma vez que o processo é gradual, acompanhado por aumento substancial da economia e diminuição das desigualdades sociais. O envelhecimento individual e o envelhecimento da população são considerados, na presente Tese, enquanto processos relacionados, principalmente tendo em vista a influência exercida pelo envelhecimento populacional nas oportunidades de participação e inserção das pessoas na maturidade e na velhice na dinâmica da sociedade. Nessa direção, as recentes mudanças demográficas e suas implicações sociais e econômicas constituem desafios para a sociedade e tem motivado reflexões de setores da sociedade acerca do papel das pessoas idosas enquanto cidadãos e que, por isto mesmo, com elevada importância na participação social. No Brasil, a população de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos cresce a cada ano. Estima-se que em 2025 os idosos chegarão a 32 milhões de pessoas, 25

representando 11,4% da população (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2009). Quando se considera o ano de 2000, verifica-se que houve uma diminuição da representação de grupos etários com idades até 25 anos, ao passo que os demais grupos etários aumentaram na última década (IBGE, 2009). À exemplo, destaca-se o grupo etário de crianças com idades entre zero a quatro anos do sexo masculino que representava 5,7% da população tota,l em 1991, enquanto o feminino representava 5,5%. Contudo, em 2000, houve uma diminuição destes índices correspendente a 4,9% e 4,7%, respectivamente, com continuo declínio em 2010, apresentando índice de 3,7% e 3,6%, respectivamente (IBGE, 2009). Não obstante, verifica-se crescimento da participação relativa da população com 60 anos ou mais, que era de 9,1% em 1999, passando a 11,3% em 2009 (IBGE, 2009). No entanto, no contexto brasileiro, o fenômeno do envelhecimento populacional ocorre em meio a elevados índices de pobreza e desigualdade social (Silva, 2005), de problemas infraestruturais, do analfabetismo, dentre outros. Devido a esta falta de planejamento, o desfavorável impacto socioeconômico se reflete nos serviços de saúde física e mental destinados aos idosos, nos programas de previdência e nos diversos tipos de apoio social (Silva, 2005). Segundo o IBGE (2009), embora a grande maioria dos idosos (64,1%) seja a pessoa de referência no domicílio em que vivem e 77,4% deles afirmem ter doenças, 32,5% não tinham nem cadastro no Programa de Saúde da Família nem plano de saúde particular. Todavia, essa porcentagem diminui para idosos com rendimento domiciliar per capita de 2 salários mínimos ou mais, apresentando percentual 19,7%, apontando para a estreita relação entre saúde e seus determinantes sociais (IBGE, 2009). Os dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) demonstraram que um terço das pessoas com mais de 50 anos são analfabetas (25,36%), 26

sendo 42% homens e 58% mulheres (IBGE, 2004). Além disso, a média de anos de estudo das pessoas com 50 a 59 anos é de 5,6 anos, a das pessoas com 60 anos ou mais é de 3,5 anos (IBGE, 2004). Na Região Nordeste, verifica-se que valores supracitados em relação a essas faixas etárias são menores que a média nacional, apresentando 4 e 2,3 anos de estudo, respectivamente, segundo o mesmo instituto. Também foram verificadas diferenças em relação ao nível de escolaridade entre os sexos: homens com idade igual ou superior a 50 anos são mais alfabetizados do que as mulheres dessa faixa etária, índice de 94,61 %, em comparação com as mulheres que apresentou índice de 85,69 % (IBGE, 2004). Ainda para o IBGE (2004), o analfabetismo funcional, ou seja, os indivíduos que possuem menos de quatro anos de estudo correspondem a 59,4% dos idosos brasileiros responsáveis pelos domicílios. No entanto, deve-se considerar que esses idosos compreendem as pessoas nascidas entre os anos de 1930 e 1960, quando o ensino fundamental era limitado a poucas pessoas (IBGE, 2004), sendo este acesso à educação maior para as pessoas do sexo masculino. As possibilidades de entendimento das questões suscitadas pelo envelhecimento populacional são limitadas quando se aborda este fenômeno, apenas, como preocupação para os fundos de pensão, serviços de saúde ou aumento de previdenciários (Araújo, 2006). Se faz necessário entender o envelhecimento como processo inerente ao desenvolvimento humano e com chances de valorização das várias competências das pessoas idosas como o saber adquirido ao longo do exercício de várias profissões e outras atividades, dentre outros, como também é pertinente à inserção social do idoso enquanto cidadão participativo nos processo decisórios no âmbito individual e coletivo, tirando-lhe o estereótipo negativo de que são incapazes e inúteis (Araújo, 2006). 27

No Brasil, as iniciativas do Governo Federal para direcionar as ações relacionadas à assistência ao idoso foi regulamentada por meio da Lei 8.842/94, que cria a Política Nacional do Idoso (Brasil, 1999). Esta lei estabelece ações nas áreas de atuação da Secretaria de Assistência Social (SAS), do Ministério da Previdência Social, Ministério da Educação e Ministério da Saúde. A lei 8.842/94 determina o fim do modelo de atendimento asilar, substituindo-o por centros de convivência, bem como estende o benefício de prestação continuada (um salário mínimo) aos idosos/idosas com renda familiar menor ou igual a meio salário mínimo (Brasil, 1999). O Programa Brasil Saudável criado pelo Ministério da Saúde (MS) visa à criação de políticas públicas para promover estilos de vida mais saudáveis prática de atividades físicas, lazer, redução do consumo de álcool e outras drogas, uma vez que tais questões são consideradas necessárias para o envelhecimento saudável, ou seja, um envelhecimento acompanhado de ganho substancial em Qualidade de Vida e saúde (OMS, 2005). Tendo em vista o Programa Brasil Saudável, foi publicado o documento Envelhecimento Saudável Uma Política de Saúde, elaborado pela Unidade de Envelhecimento e Curso de Vida da OMS. Com base nesse documento, por meio do Programa Brasil Saudável, o Ministério da Saúde recomenda a realização de ações intersetoriais e transdisciplinar dos profissionais da saúde, a fim de promover o chamado envelhecimento ativo, compreendido como o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a Qualidade de Vida à medida que as pessoas ficam mais velhas (OMS, 2005, p. 13). A perspectiva do envelhecimento ativo está pautada no reconhecimento dos direitos humanos e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização das pessoas mais velhas, preconizados pela Organização das Nações 28

Unidas (ONU) (OMS, 2005). Nesse sentido, como planejamento estratégico, o foco, antes centrado nas necessidades e considerando as pessoas mais velhas como passivas, é direcionado para uma abordagem baseada em direitos iguais de oportunidades, favorecendo a responsabilidade individual e participação dos sujeitos nos processos políticos e em outros aspectos da vida em comunidade (OMS, 2005), aspectos necessários para a Qualidade de Vida, principalmente no contexto de pessoas com HIV/AIDS depois dos 50 anos, conforme demonstrado a seguir. 1.1. Vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas na maturidade e na velhice A identificação de crenças estereotipadas sobre a sexualidade na maturidade e na velhice e suas consequências para a vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis (DST s) tem motivado a realização de pesquisas e trabalhos que possibilitem a desconstrução de discursos equivocados. Assim, para o entendimento das concepções existentes na contemporaneidade sobre a sexualidade na maturidade e velhice, é preciso considerar o processo histórico-cultural de práticas sociais subjacentes a tais concepções. A afirmativa de que a procriação seria o objetivo da relação sexual foi significativamente fomentada pelo Cristianismo (Risman, 2005). Tal discurso ocasionou duas consequências: a) a associação direta entre atividade sexual e reprodução e, por consequência da primeira, b) a exclusão do sexo enquanto manifestação de trocas afetivas (Risman, 2005). Embora esse discurso seja datado da Idade Média, verifica-se sua permanência em contextos nos quais o exercício da sexualidade e da troca afetiva entre as pessoas que ultrapassam o período da possibilidade de procriação são tratadas como fenômenos ignorados ou invisíveis (Lisboa, 2007; Barbosa, 2010). 29

As poucas campanhas de prevenção das DST`s destinadas às pessoas nessa faixa etária, o silêncio social como forma de abordagem da vivência da sexualidade e da intimidade na velhice, são alguns dos aspectos decorrentes desse legado histórico de práticas discursivas sobre a sexualidade (Silva 2009). Nesse sentido, Covey (1989) afirmou que o pensamento da Idade Média, caracterizado pela ideia do desaparecimento do desejo sexual a medida em que a pessoas vai envelhecendo e a prática sexual na velhice como sinônimo de perversão, ainda perpassa as crenças ocidentais sobre a assexualidade do idoso. A ciência, de certo modo, também contribuiu para a elaboração de discursos sobre a sexualidade ao longo da história (Neri, Born, Grespan, & Medeiros, 2006). Pautando-se em aparatos técnico-científicos, classificou como casos de patologias psíquicas e físicas não só as mulheres idosas, mas, também, pessoas homossexuais (Barbosa, 2010), exercendo, assim, o controle das práticas sexuais por meio de dispositivos de poder (Foucault, 1990). Contudo, com o passar das décadas, verifica-se a ocorrência de mudanças relacionadas à produção discursiva sobre a sexualidade, bem como sobre a vivência desta sexualidade entre pessoas idosas. Tais transformações, segundo Ribeiro (1997), estão relacionadas, em parte, com a mudança na função da atividade sexual, ou seja, o que antes tinha a função de procriação, agora tem o afeto como elemento norteador de satisfação pessoal dos relacionamentos; e com o significativo aumento dos anos na expectativa de vida população mundial com condições psíquica e física satisfatórias e dispostas a vivenciar sua sexualidade, mas, sobretudo do surgimento da AIDS, exigindo, por parte da sociedade, repensar a maneira como lidava com a sexualidade. 30

Verificou-se, sobretudo no final da década de 1980 e início da década de 1990, uma progressiva tomada de conhecimento no mundo de uma doença imunossupressora, que provocava deficiência de imunidade celular e humoral. No Brasil, nessa mesma década, começa a serem publicados os primeiros casos de HIV/AIDS em periódicos científicos da área de Medicina (Silva, 2009). A AIDS passa a ser associada a outras epidemias, como a peste negra, a gripe espanhola e outras. Entre as pessoas idosas, o primeiro caso diagnosticado foi publicado em 1984 (Benedict, Haight, & Johnson, 1998). Contudo, o aumento do número de casos de HIV/AIDS nessa faixa etária não esteve associado, de igual modo, no aumento estudos que contemplasse tal problemática, principalmente, no que se refere ao conhecimento dessa população sobre práticas sexuais e prevenção das DST`s/Aids (Silva, 2009). Revisões da literatura, incluindo publicações entre 1989 e 2001, realizadas por Savasta (2004) acerca do HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos identificou que poucos foram os estudos desenvolvidos sobre os riscos e as formas de transmissão do HIV. Após os primeiro caso de AIDS, por volta de década de 1990, a epidemia do HIV/Aids, tornou-se pauta de ações de órgão governamentais, não governamentais e da sociedade civil em geral, demandando vários esforços na tentativa de prevenir as DST s (Silva, 2009). A estimativa da OMS (1994) era de que em 1996 fossem infectados 22,6 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais, a maioria seriam homens (12,6 milhões), seguido das mulheres (9,2 milhões) e também acometendo crianças (830 mil). Contudo, os dados apresentaram valores superiores ao estimado, sendo identificados 29,4 milhões de casos de Aids notificados, cumulativamente, até o final de 1996. Destes, um total de 2,6 milhões de casos referiram-se à crianças (Colombrini, Figueiredo, & Paiva, 2001). Assim, observou-se disseminação do HIV por todas as partes do mundo, contradizendo a ideia de 31

que a AIDS estivesse restrita à grupos específicos, como usuários de drogas injetáveis, dentre outros. Na contemporaneidade, de acordo com o Boletim Epidemiológico de DST/AIDS (Brasil, 2010), o número total de casos de AIDS no Brasil acumulados desde 1980 até junho de 2010 corresponde a 474.087 casos. Todavia, a estimativa é de que 630 mil pessoas estejam com HIV/AIDS no Brasil, número que permanece estável desde 2000. A estabilidade da incidência da doença é observada, sobretudo, entre os homens. O número de casos registrados era de 22,3 casos por 100 mil homens em 1996 e passou para 21,1 casos por 100 mil em 2006 (Brasil, 2010). Nas mulheres, por sua vez, verifica-se aumento na incidência dos casos que, em 1996, era de 9,1 casos por 100 mil, e aumentou para 14/100 mim no ano de 2006 (Brasil, 2007), observando-se o fenômeno da feminização 1 da doença. No entanto, o percurso histórico de desigualdades sociais, políticas e culturais vividos pelas mulheres corroboram a sua vulnerabilidade ao HIV (Brasil, 2000), já que, no processo de feminização da epidemia, existe a desigualdade de gênero, especificamente, no que diz respeito às estratégias de prevenção e tratamento das mulheres infectadas. Em pessoas na faixa etária acima de 50 anos, as estimativas de vulnerabilidade tendo em vista a variável idade (Barbosa & Struchiner, 2002) tem considerado o risco relativo de infecção pelo HIV tem aumento a partir dos 13 anos de idade, com pico máximo na faixa etária de 20 anos, o qual decresce até os 40 anos e volta a crescer em seguida. Tal fato indica a necessidade de inserção desse segmento populacional em estratégias de promoção à saúde e prevenção das DSt`s/AIDS, bem como a necessidade de participação dos mesmos em ensaios Clínicos e projetos de intervenções. 1 Termo utilizado para indicar o aumento proporcional dos casos de AIDS em mulheres quando comparado com os homens no início da epidemia. 32

Desde o advento da AIDS até 2000, o Brasil possuía cerca de 18.284 casos de AIDS referentes às pessoas acima de 50 anos. Passados dez anos, o número de casos de AIDS em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos passou para 60.367, em 2010, representando um aumento de mais de 230% (Brasil, 2010). A taxa de incidência (por 100.000 hab.) de casos de AIDS em homens na faixa etária de 50 a 59 foi de 24,9 em 2010, índice superior à taxa de incidência dos homens na faixa etária de 20 a 24 anos, que apresentou índice de 15,8. As mulheres de 50 a 59 anos apresentaram uma incidência de 19,3, número relativamente superior ao das mulheres com idades de 20 a 24 anos, que apresentou uma taxa de incidência de 13,4 (Brasil, 2010). Quando se considera a escolaridade, verifica que a incidência de AIDS é maior entre as pessoas com menos de 8 anos de escolaridade, representando 48,7% dos casos. Já as pessoas com oito anos ou mais de escolaridade representam 27,2%, os 24,1% restante dos casos são caracterizados como ignorado e não se aplica (Brasil, 2010). Assim, mais que destacar características epidemiológicas, demonstra-se uma patologia que se configura a partir de contextos sociais, tendo como característica a pauperização. Dentre as 27 federações, a Paraíba ocupa o 26º lugar no rol de incidência de casos (por 100.000 hab.), passando de uma incidência de 7,4, em 1999, para 11,8 em 2009 (Brasil, 2010). Todavia, em termos das capitais federativas, João Pessoa ocupa o 15º lugar com incidência de 38,9 no último Boletim Epidemiológico de DST/AIDS (Brasil, 2010). Além disso, o número de pessoas contaminadas pelo HIV pode ser ampliado significativamente, em decorrência da subnotificação dos casos, a qual ocorre quando os mesmos não são comunicados ao serviço local de saúde pública, ou então, quando não há a notificação no período de tempo estabelecido, embora os casos preencham os critérios preconizados pela vigilância e tenham sido identificados pelo profissional de saúde. 33

Se por um lado os dados demonstram o progressivo aumento dos casos de AIDS em pessoas acima de 50 anos, por outro, este aumento pode estar relacionado a eficácia da TARV, uma vez que, no Brasil, o acesso universal e gratuito aos medicamentos, garantido pelo Programa Nacional, vem propiciando a diminuição dos casos de morbimortalidade relacionados aos HIV/Aids (Silva, 2009). É possível que, em alguns casos, as pessoas já adentrem a faixa etária dos 50 anos com o diagnóstico positivo para o HIV, o que aponta demandas para o setor da saúde em termos de estratégia de prevenção que respondam às demandas suscitadas (Silva, 2009). Nesse sentido, haja vista o aumentos de casoso de AIDS em pessoas com idade entre 50 e 59 anos, a presente Tese contou com a participação de pessoas acima de 50 anos e não somente, de pessoas acima de 60 anos. Assim, após três décadas de epidemia, verifica-se maior entendimento acerca da AIDS, maior eficácia do tratamento, aumento da sobrevida dos pacientes, contribuindo para maior interesse pela Qualidade de Vida das pessoas que convivem com a doença. No entanto, embora se apresente como doença, a vivência da Aids entre pessoas acima de 50 anos demonstra, ainda, os diversos aspectos a ela relacionados, tais como: contextos sociais de pertença destas pessoas; os determinantes sociais da saúde; o acesso à informação, à renda e à educação, dentre outros. Assim, as ações em saúde deve considerar as dimensões objetivas e subjetivas da vida, transcendendo uma análise que se limite à aspectos estritamente biológicos, incluindo também os aspectos psicossociais. Em 2005, com a identificação do aumento do número de idosos com AIDS, o Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde estabeleceu parceria com a Coordenação de Saúde do Idoso do mesmo Ministério, objetivando desenvolver insumos educacionais para a saúde e prevenção dirigidas a essa população e que tivesse como temática a prevenção ao HIV/Aids (Silva, & Paiva, 2006). Essa parceria foi fundamental 34

na minimização dos casos, uma vez que a possibilidade de uma pessoa com mais de 60 anos ser infectada pelo HIV parecia ser invisível para a sociedade e para os próprios idosos (Lisboa, 2007). O diagnóstico da AIDS entre pessoas cima de 50 anos, geralmente, é detectado tardiamente. Dentre as razões, está a falsa crença de alguns profissionais de saúde de que a AIDS, dificilmente, ocorrerá nessa fase da vida, por acreditarem na inexistência de uma vida sexualmente ativa nessa população (Dias, Fonseca, Renca, & Silva, 2005; Silva, 2009). No entanto, a utilização de terapias hormonais e a descoberta de novos fármacos têm contribuído de forma significativa para uma melhoria da atividade sexual neste segmento (Dias, Fonseca, Renca, & Silva, 2005), sendo as práticas sexuais a principal via de contaminação da AIDS entre os idosos (Cloud, Browne, Salooja, & McLean, 2003). Por outro lado, esta melhora na qualidade da vida sexual na velhice não é acompanhada de igual modo por uma política de saúde voltada para a prevenção das DST`s nesta população, bem como de uma discussão ampla que considere uma melhor compreensão do processo de envelhecimento (Souza, & Leite, 2002; Silva, 2009). Os Programas de Terceira Idade estimulam a socialização e facilitam o surgimento de relacionamentos que podem ou não desembocar em relacionamentos de cunho sexual (Lisboa, 2007). Analogamente, o trabalho de valorização da autonomia das pessoas na maturidade e na velhice deve partir, também, da consideração de que estas pessoas possuem o direito à livre expressão da sua intimidade, à vivência subjetiva do seu corpo e ao exercício da sexualidade (Lisboa, 2007). Entre as pessoas de 50 anos, a emergência do HIV/Aids aponta que o exercício da sexualidade nessa população é efetivo e revela que, com o avançar do desenvolvimento humano, as pessoas não se tornam assexuadas e, consequentemente, são vulneráveis ao 35

risco de contrair DST`s (Butin, 2002). Nesse contexto, Ayres, França Jr e Calazans (1997) definiram a vulnerabilidade como sendo graus e naturezas de susceptibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pela infecção por HIV, segundo particularidades formadas pelo conjunto dos aspectos sociais, programáticos e individuais que os põem em relação com o problema e com os recursos para seu enfrentamento. Assim, a vulnerabilidade pode expressar-se no plano individual, social e programático/institucional. Quando se considera o plano individual, todas as pessoas são, em algum grau, vulneráveis à infecção por HIV e suas consequências, embora essa vulnerabilidade varie ao longo do tempo em função das estratégias e recursos que os mesmos dispõem para se proteger (Ayres et al., 1997). Nesse aspecto, segundo Ayres et al. (1997), a vulnerabilidade individual está relacionada a comportamentos e práticas de risco, que podem ou não, deixar os indivíduos suscetíveis à infecção pelo HIV. Já no plano social, a vulnerabilidade refere-se à avaliação de aspectos relacionados à coletividade acesso à informação, investimento do Estado em saúde, acesso aos serviços de saúde, aos aspectos sociopolíticos e culturais, entre outros (Ayres et al., 1997). No contexto da maturidade e da velhice, a vulnerabilidade social pode estar relacionada à forma como se concebe o exercício da sexualidade, uma vez que a atividade sexual não se restringe à dimensão física e orgânica das pessoas, possuindo, também, características psicossociais e da história de vida dos sujeitos, bem como do contexto social e cultural no qual ele está inserido (Silva, 2009). Por último, no plano programático, a vulnerabilidade corresponde à existência ou não de ações institucionais direcionadas para a questão da AIDS, tais como programas de prevenção e tratamento (Ayres et al., 1997). Nesse plano, a vulnerabilidade será 36