COMPONENTES SOMÁTICOS E GERMINATIVOS OVARIANOS DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus LINNAEUS, 1763 (DECAPODA: OCYPODIDAE)

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Arquivos de Ciências do Mar COMPONENTES SOMÁTICOS E GERMINATIVOS OVARIANOS DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus LINNAEUS, 1763 (DECAPODA: OCYPODIDAE) Somatic and ovarian germinative components of the mangrove crab, Ucides cordatus Linnaeus, 1763 (Decapoda: Ocypodidae) Givanildo Ximenes Santana 1,* Marcos de Miranda Leão Leite 2, José Roberto Feitosa Silva 2 RESUMO O caranguejo-uça, Ucides cordatus, é bastante explorado nas regiões Norte e Nordeste, o que pode estar levando a uma depleção dos estoques e redução do tamanho individual. O conhecimento da estrutura histológica e embriológica de seu aparelho reprodutor é importante para auxiliar nas técnicas de manejo e conservação. Esse trabalho objetivou estudar mais detalhadamente os processos de formação dos componentes germinativos e somáticos, relacionados à oôgenese e vitelogênese em fêmeas, caracterizando seus estágios de desenvolvimento gonadal por meio de técnicas histológicas e microscopia de luz. Os caranguejos foram coletados mensalmente, durante o período de novembro a maio e, em seguida, submetidos à dissecção dos ovários. As células germinativas das gônadas constituíramse em oogônias, oócitos pré-vitelogênicos, oócitos vitelogênicos e oócitos maduros. Essas células sexuais foram visualizadas sempre acompanhadas por células somáticas foliculares ou acessórias. Na organização geral do ovário foi possível observar também a presença de revestimento, vasos sanguíneos, seios hemais e lúmen. Os testes histoquímicos mostraram o aparecimento de pequenos grânulos de vitelo contendo proteínas ou lipídios em sua composição. As células foliculares ou acessórias, participam ativamente em cada etapa do desenvolvimento ovariano. Assim, constatou-se que o processo de oogênese em fêmeas do caranguejo-uçá desenvolve-se por estágios e está intrinsecamente relacionado à formação de vitelo durante o crescimento das células germinativas. Palavras-chaves: caranguejo-uçá, Ucides cordatus, oogênese, vitelogênese. ABSTRACT The mangrove crab, Ucides cordatus, is submitted to intensive exploitation in North and Northeast Brazil, what may be leading to stock depletion and reduction of mean individual size. Thus, the knowledge of the histological and embryological structure of its reproductive organ is important to assist in the conservation management. This research work aims at studying details on the processes of formation of the germinatives and somatic cells, related to oogenesis and vitellogenesis in females, characterizing the different periods of gonadal development through histological and microscopy techniques. The crabs were collected monthly, during the period of November to May, and soon afterwards submitted to the ovary dissection. The germinative cells consisted of oogonia, pre-vitellogenic oocytes, vitellogenic oocytes, and mature oocytes. These sexual cells were always seen to be found together with somatic follicular, accessory cells. In the general organization of the ovary, the presence of lining, blood vessels, hemal sinuses and lumen was noticeable. The histochemical tests have shown the appearance of small yolk granules whose composition include proteins or lipids. In addition to those important germinative elements, the accessory cells participate actively in each stage of the ovarian development. Thus, it was evident that the process of oogenesis in females of the mangrove crab develops by stages and it is intrinsically connected to yolk formation during the germinative cells growth. Key words: mangrove crab, Ucides cordatus, oogenesis, vitellogenesis. 1 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA. Avenida André Araújo, 2936 - Cep. 69.060-001 Manaus-AM. tel.: (92) 3643-3190; fax (92) 3643-3186 2 Laboratório de Histologia e Embriologia Animal, Universidade Federal do Ceará-UFC * Autor correspondente: biogil@gmail.com; gil@inpa.gov.br 52 Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 2010, 43(1): 52-57

INTRODUÇÃO O caranguejo-uçá, Ucides cordatus Linnaeus, 1763, é um crustáceo muito abundante nos manguezais das regiões Norte e Nordeste, e submetida a intensa exploração por causa da demanda para consumo em todas as suas capitais litorâneas. Essa espécie é muito apreciada como prato típico na zona costeira do Nordeste, em restaurantes e barracas de praia, sendo sua comercialização uma das fontes principais de renda para populações que moram em áreas de manguezal. Segundo Pinheiro & Fiscarelli (2001), a carne do caranguejo-uçá apresenta elevado teor protéico (72%) e reduzido teor de gordura (1,8%) sendo, portanto, de alto valor nutricional para o consumo humano. Devido à sua importância econômica e ecológica, estudos sobre a biologia do caranguejo-uçá foram realizados para diferentes regiões do Brasil (Costa, 1972; Alcântara-Filho, 1978; Branco, 1993; Pinheiro & Fiscarelli, 2001). Descrições morfológicas dos sistemas reprodutores masculinos e femininos foram realizadas por alguns autores (Mota Alves, 1975; Dalabona, 2001; Santana, 2002; Leite, 2005; Santana, 2008), porém as informações com relação aos seus componentes somáticos, germinativos e processo de vitelogênese, ainda são bastante escassas. Em U. cordatus o tamanho e a coloração dos ovários mudam com o grau de maturidade sexual das fêmeas. Alterações morfológicas nos ovários ocorrem à medida que avançam de um estágio de maturação a outro, principalmente quanto a volume e a tonalidade de coloração das gônadas, tendo sido descritos quatro estágios de maturação (Santana, 2008). Mota Alves (1975) definiu cinco estágios de maturação dos ovários de acordo com as características celulares presentes, mas não esatabeleceu nenhuma relação entre o processo de vitelogênese e a maturação das gônadas. Segundo Tsukimura (2001), a oogênese é um processo reprodutivo energeticamente dispendioso que pode ser dividido em diversas fases, sendo as últimas caracterizadas por períodos de acumulação das proteínas vitelínicas nos oócitos em crescimento e por um aumento significante no diâmetro dessas células, sendo essas fases denominadas vitelogênese primária e secundária (Meusy & Payen, 1988). Acredita-se que devido a sua grande comercialização, sem um plano de manejo e de sustentabilidade adequados, o caranguejo-uçá em algumas localidades litorâneas, esteja diminuindo sua população, bem como tendo seu tamanho corpóreo reduzido. Assim, estudos sobre sua biologia reprodutiva e seu comportamento são de grande importância para a preservação e monitoramento da espécie em seu habitat natural. Dessa forma, o conhecimento da estrutura histológica e embriológica de seu aparelho reprodutor se faz necessário para auxiliar nas técnicas de manejo e conservação dessa espécie. Esse trabalho foi realizado para fornecer mais detalhes sobre os processos de formação dos componentes germinativos e somáticos, relacionados à oôgenese e vitelogênese em fêmeas do caranguejo-uçá, caracterizando os diferentes estágios de desenvolvimento gonadal dessa espécie, por meio de técnicas histológicas e microscopia de luz. MATERIAL E MÉTODOS As coletas foram realizadas no manguezal do Rio Ceará (3 40-3 45 S/ 38 35-38 40 W), município de Caucaia, com intervalo mensal durante o período de novembro a maio, sendo os indivíduos mantidos em congelamento (crioanestesia) até a dissecção dos ovários. Fragmentos retirados dos ovários dissecados foram processados histologicamente. A etapa de fixação dos órgãos realizou-se em solução de Bouin, por 12-24 h. O processamento histológico foi seguido de lavagem do material em etanol 50% e preservação em etanol 70%. Uma desidratação foi realizada em serie crescente de etanol 80% até absoluto (P.A.) e, logo em seguida, os fragmentos foram tratados com xilol e incluídos em parafina líquida. Secções histológicas (5-7 µm) foram feitas em micrótomo manual e os cortes histológicos corados em hematoxilixa-eosina, azul de bromofenol, resorcina-fucsina, tricrômico Azan-Mallory e posteriormente fotografados em câmera acoplada ao microscópio óptico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Considerando-se o processo de oogênese no caranguejo-uçá, as células germinativas foram classificadas em quatro tipos distintos: oogônias, oócitos pré-vitelogênicos, oócitos vitelogênicos e oócitos maduros. Essas células sexuais foram visualizadas sempre acompanhadas por células somáticas foliculares ou acessórias. Na organização geral do ovário, além dos componentes germinativos também foi possível observar a presença de revestimento, seios hemais, lúmen (Figura 1-A, B, D) e de vasos sanguíneos (Figura 1-C). O revestimento ovariano é composto por tecido de natureza fibrosa, no qual podem ser observados alguns núcleos isolados que possuem um ca- Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 2010, 43(1): 52-57 53

ráter basofílico ao reagirem com hematoxilina. Ao longo da periferia do ovário o revestimento sofre algumas invaginações, dando origem a subunidades onde se desenvolvem as células germinativas. É possível identificar a presença de células foliculares tanto entre as subunidades desse material fibroso como ocupando os espaços entre um oócito e outro. No ovário de U. cordatus a zona germinativa está localizada na porção central do órgão, formando ninhos juntamente com células foliculares. Foi observada, em secções transversais e longitudinais de todo o ovário, uma região correspondente ao lúmen associada à zona germinativa, a qual parece estender-se ao longo dos lobos ovarianos, persistindo durante toda a oogênese e sendo observada até mesmo em ovários atrésicos (Figura 1-A). Uma cápsula ou revestimento de tecido conjuntivo envolve a parede dos ovários nos Decapoda (Krol et al., 1992). Johnson (1980) relata que na espécie Callinectes sapidus todo o ovário é envolto por uma fina cápsula de tecido conjuntivo fibroso e células associadas, estas compreendem células foliculares, oogônias e oócitos. Em U. cordatus o revestimento ovariano constitui-se em fibras concêntricas formando uma ou mais camadas, concordando com as características acima descritas. Vasos sanguíneos e seios hemais, algumas vezes contendo hemolinfa, estão presentes nos espaços intercelulares entre os oócitos. Esses componentes aqui descritos estão de acordo com as observações realizadas por Weitzman (1966) na espécie Gecarcinus lateralis. Os componentes observados nesse estudo também corroboram com os trabalhos de Johnson (1980) sobre a oogênese em C. sapidus e Silva (1999) que realizou descrições histológicas do sistema reprodutor em três espécies de lagostas do gênero Panulirus. O epitélio germinativo está localizado na porção central, no interior de todo o ovário, estando bem caracterizado pela presença de células germinativas em divisão e células foliculares. Esta zona compreende a região do ovário onde são originadas as oogônias e nela podem também ser identificados células foliculares em torno das oogônias e alguns oócitos formando cordões. Krol et al. (1992) descreveram que em ovários da maioria das espécies de decápodos, o epitélio germinativo pode situar-se perifericamente ou na região central. As células foliculares se caracterizam por possuir um núcleo basófilo bem evidente de forma oval. O citoplasma destas células é pouco visível. Elas estão localizadas por todo o estroma de tecido fi broso do ovário, principalmente associado aos oócitos, ou formando grupos próximos às oogônias, e coram seus núcleos positivamente com os corantes azul de bromofenol, resorcina-fucsina e tricrômico Azan- Mallory (Figura 2- B,C). As oogônias localizam-se no interior da zona germinativa (Figura 2-A). Estas células possuem forma arredondada e são as menores células da linhagem sexual. Nessa região as células germinativas apresentam diferentes graus de condensação e Figura 1 - Fotomicrografias de secções longitudinais em ovários de Ucides cordatus: A - zona germinativa formando cordão de ninhos contendo células germinativas em divisão (zn), coloração; HE (100x); B - ovócito maduro (OM), lúmen (L) contendo hemolinfa (h), Coloração: azul de bromofenol (100x); C - vaso sanguíneo (vs), coloração: resorcina-fucsina (400x); D - zona germinativa (zn), oogônias (Og), lúmen (L), coloração: azul de bromofenol (400x). 54 Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 2010, 43(1): 52-57

Figura 2 - Fotomicrografias em secções longitudinais dos estágios das células germinativas em desenvolvimento no ovário de Ucides cordatus. A - zona germinativa (ZG), oogônias (Og), coloração: resorcina-fucsina (100x); B - oócitos prévitelogênicos (OpV), células foliculares (cf), núcleo (n), nucléolo (nu), coloração: HE (200x); C - oócitos vitelogênicos (OV), grão de vitelo (gv), núcleo (n), coloração: HE (200x); D - oócitos maduros (OM), coloração: resorcina-fucsina (100x). arranjo da cromatina, acrescentado ao núcleo um caráter basófilo ao reagir com o corante hematoxilina. A cromatina localiza-se tanto na periferia do núcleo como no seu centro. O nucléolo não é evidenciado. O citoplasma é pouco visível formando uma estreita faixa em torno do núcleo. O núcleo reage com bastante intensidade aos testes com os corantes resorcina-fucsina e azul de bromofenol. Os oócitos pré-vitelogênicos são células pouco maiores que as oogônias, com um aumento do citoplasma em relação ao núcleo (Figura 2-B); seu nucléolo é grande e bastante evidente, apresentando uma coloração intensa ao reagir com a hematoxilina. O material cromatínico localiza-se organizadamente condensado no centro do núcleo. O citoplasma possui um caráter basofílico, proporcionado pela reação com a hematoxilina. Nestes oócitos, o núcleo reagiu mais intensamente que o citoplasma aos testes com azul de bromofenol e resorcina-fucsina e fracamente ao corante Azan-Mallory. O citoplasma mostra-se basofílico ao reagir com a hematoxilina. Pode-se observar uma grande inclusão citoplasmática na forma de um grânulo de vitelo originando-se em uma porção dos oócitos. Os oócitos vitelogênicos são células germinativas que possuem uma forma poliédrica ou arredondada (Figura 2-C). No interior dos ovários em desenvolvimento gonadal, eles podem ser obser vados em toda a sua extensão. O volume citoplasmático nos oócitos vitelogênicos é bem maior quando comparado ao volume das células germinativas citadas anteriormente. No interior do citoplasma desses oócitos, podem-se observar diversos grânulos vitelínicos distribuídos na periferia ou em toda a matriz citoplasmática. Os grânulos periféricos não reagiram aos corantes. O núcleo apresenta um pequeno nucléolo e o material cromossômico encontra-se bem condensado em seu interior, o que lhe confere uma intensa basofilia ao reagir com a hematoxilina. O citoplasma apresenta um caráter acidófilo reagindo com a eosina e positivamente com os corantes azul de bromofenol, Azan-Mallory e resorcina-fucsina. Os oócitos maduros possuem forma poliédrica, apresentando um citoplasma bastante volumoso (Figura 2-D), sendo as maiores células da linhagem germinativa. O citoplasma apresenta-se totalmente preenchidos por grânulos de vitelo. Seu pequeno núcleo muitas vezes não pôde ser evidenciado ao microscópio óptico. A hematoxilina reage positivamente com o núcleo proporcionando-lhe um caráter basofílico. O citoplasma é acidófilo reagindo intensamente com a eosina e também com azul de bromofenol e resorcina-fucsina. O corante tricrômico Azan-Mallory reagiu fracamente em azul com alguns oócitos e com outros o citoplasma corou-se em róseo no centro e alaranjado na periferia. Nesse estudo sobre as gônadas femininas do caranguejo-uçá, observou-se que os oócitos se originam a partir de oogônias, que sofrem divisão na zona germinativa. Esse fenômeno pode ser confir- Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 2010, 43(1): 52-57 55

mado pela movimentação por grupos de oócitos que se orientam nessa região do ovário, da porção central para a periferia. As características de desenvolvimento dos oócitos para essa espécie são similares aos resultados obtidos por Armstrong (1988), em seus estudos sobre a biologia reprodutiva do caranguejo Ovalipes catharus. Algumas características das células germinativas observadas nesse estudo estão de acordo com os aspectos abordados por Leite (2005), porém este autor só relatou os aspectos histológicos de oócitos pre-vitelogênicos, vitelogênicos e maduros para três estágios de maturação gonadal em fêmeas de U. cordatus, não observando as características microscópicas das oogônias em estágio imaturo, conforme as descrições reportadas por Santana (2002). Nas células germinativas em desenvolvimento no ovário do caranguejo-uçá, os testes histoquímicos realizados mostraram o aparecimento de pequenos grânulos de vitelo contendo proteínas ou lipídios em sua composição. Estes localizavam-se principalmente no centro do citoplasma, próximos ao núcleo, encontrando-se vazios de substâncias lipídicas. Esses grânulos encontrados em torno da periferia do citoplasma sugerem que neles poderia haver algum conteúdo lipídico, o qual se perdia durante o processamento histológico. A natureza protéica do vitelo constituinte dos oócitos maduros confirma-se utilizando o teste de coloração por azul de bromofenol para proteínas totais. Conforme se observou nesse método, os grânulos de vitelo contendo proteínas coram-se intensamente em azul escuro. As observações dos grânulos de vitelo, bem como a composição protéica e lipídica destes, estão de acordo com os estudos realizados por Weitzman (1966) para o caranguejo terrestre Gecarcinus lateralis. Além desses elementos germinativos, existem outras células, denominadas foliculares ou acessórias, que têm participação secundária e auxiliam o desenvolvimento dos componentes germinativos durante as etapas da oogênese na maioria dos decápodos (Johnson, 1980; Krol et al., 1992). CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, podem-se constatar diversos aspectos da oogênese e vitelogênese de Ucides cordatus que não haviam sido abordados por Mota Alves (1975) e Leite (2005). A importância da microscopia de luz utilizada no trabalho contribui para que características morfológicas celulares sirvam de embasamento a futuras pesquisas sobre a biologia da reprodução desta espécie e conhecimento da constituição dos componentes celulares no sistema reprodutor feminino dos crustáceos decápodos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alcântara-Filho, P. Contribuição ao estudo da biologia e ecologia do caranguejo-uçá, Ucides cordatus cordatus (Linnaeus, 1763) (Crustacea, Decapoda, Brachyura), no manguezal do Rio Ceará (Brasil). Arq. Cien. Mar., Fortaleza, v.18, n.(1/2), p.1-41, 1978. Armstrong, J.H. Reproduction in the paddle crab Ovalipes catharus (Decapoda: Portunidae) from Blueskin Bay, Otago, New Zealand. New Zealand J. Mar. Freshw. Res., v.22, p.529-536, 1988. Branco, J.O. Aspectos bioecológicos do caranguejo Ucides cordatus (Linnaeus 1763) (Crustacea, Decapoda) do manguezal do Itacorubi, Santa Catarina. Arq. Biol. Tecnol., v.36, n.1, p.133-148, 1993. Costa, R.S. Fisioecologia do caranguejo-uçá Ucides cordatus Linnaeus 1763, (Crustáceo Decápode). Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 121 p., São Paulo, 1972. Dalabona, G. Reprodução e análise biométrica do caranguejo-uçá Ucides cordatus nas Ilhas do Pavoaçá e das Peças, Paraná, Brasil. Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2001. Johnson, P.T. Histology of the blue crab Callinectes sapidus: A model for Decapoda. Praeger Publishers, New York, 1980. Krol, R.M.; Hawkins, W.E. & Overstreet, R.M. Microscopic anatomy of Invertebrates vol. 1: Decapod Crustacea Wiley-Liss, p. 295-343, 1992. Leite, M.M.L. Relações morfométricas para a compreensão de aspectos reprodutivos do caranguejo-uçá Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) no estuário do Rio Coreaú Ceará. Dissertação de Mestrado, Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, 115 p., Fortaleza, 2005. Meusy, J.J. & Payen, G.G. Female reproduction in malacostracan Crustacea. Zool. Sci., v. 5, p.217-265, 1988. Mota Alves, M.I. Sobre a reprodução do caranguejo-uçá, Ucides cordatus (Linnaeus), em mangues do Estado do Ceará (Brasil). Arq. Cien. Mar, Fortaleza, v.15, p.85-9, 1975. Pinheiro, M.A.A. & Fiscarelli, A.G. Manual de apoio à fiscalização do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) UNESP/CEPSUL/IBAMA, 43 p., 2001. Tsukimura, B. Crustacean vitellogenesis: its role in oocyte development Amer. Zool., v. 41, p. 465-476, 2001. 56 Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 2010, 43(1): 52-57

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