Remanescentes da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro: distribuição dos fragmentos e possibilidades de conexão

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Transcrição:

Remanescentes da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro: distribuição dos fragmentos e possibilidades de conexão Elaine Cristina Cardoso Fidalgo 1 Mariella Camardelli Uzeda 2 Helena de Godoy Bergallo 3 Thomaz Corrêa e Castro da Costa 4 1 Embrapa Solos Rua Jardim Botânico, 1024-22460-000 Rio de Janeiro - RJ, Brasil efidalgo@cnps.embrapa.br 2 Instituto BioAtlântica Rua Goethe, 54 22281-020 Rio de Janeiro RJ, Brasil mariella@bioatlantica.org.br 3 Instituto Biomas / Departamento de Ecologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524-20550-170 Rio de Janeiro RJ, Brasil bergallo@uerj.br 4 Embrapa Milho e Sorgo Rodovia MG 424, km 45 35701-970 Sete Lagoas MG, Brasil thomaz@cnpms.embrapa.br Abstract. This work is part of the Strategies and Actions for Biodiversity Conservation of Atlantic Forest Project supported by Critical Ecosystem Partnership Fund and was developed in Rio de Janeiro State, Brazil, which has only 20,33% of its area covered by vegetation, in a fragmented landscape The objective is to identify areas in Rio de Janeiro state that the conservation is more propitious or critical. For this, it was applied spatial analysis to know the distribution of vegetation patches and the connection possibilities based on the diversity of the land use matrix and its permeability. It was observed that 25% of the remaining vegetation of the state is isolated of any reserve and the great part of them is in the Semi-deciduous seasonal forest region, where the conditions are more critical due to the smaller size of patches and their isolation. Palavras-chave: fragmentation, connectivity, GIS, Atlantic Forest, fragmentação, conectividade, Mata Atlântica. 1. Introdução O presente trabalho está inserido no Projeto Estratégias e Ações para a Conservação da Biodiversidade na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, financiado com recursos do CEPF (Critical Ecosystem Partnership Fund). Embora com ações focadas no Estado do Rio de Janeiro, o projeto visa contribuir com a definição de ações de conservação para a implementação do Corredor da Serra do Mar, que abrange uma área de cerca de 12,6 milhões de hectares estendendo-se do Paraná ao Rio de Janeiro. A conservação da biodiversidade nessa área, como em toda a região de Mata Atlântica, representa um grande desafio devido ao elevado nível de fragmentação deste bioma. A maior parte dos remanescentes encontra-se na forma de pequenos fragmentos, pouco conhecidos e pouco protegidos, em sua maioria inseridos em paisagens intensamente antropizadas. O Estado do Rio de Janeiro representa 58% do Corredor da Serra do Mar e apresenta apenas 20,33% de sua área originalmente coberta com remanescentes florestais de Mata 3885

Atlântica e vegetação de restinga e mangue (Fundação SOS Mata Atlântica e INPE, 2002), sendo esses distribuídos na paisagem de forma dispersa e fragmentada. A alteração da estrutura da paisagem devida à fragmentação afeta diversos processos e fatores biológicos como o tamanho das populações, a dispersão das espécies, a estrutura e quantidade de habitat disponível e a probabilidade de invasões de espécies exóticas. A fragmentação age fundamentalmente reduzindo e isolando as áreas propícias à sobrevivência das populações, sendo apontada como a principal causa da perda de biodiversidade. O efeito da fragmentação na dinâmica das espécies depende dos parâmetros da estrutura da paisagem como a área e o isolamento dos fragmentos; a conectividade dos hábitats; e a complexidade do mosaico da paisagem (Metzger, 1999). A conectividade corresponde ao grau em que a paisagem facilita ou impede o movimento das espécies entre os fragmentos (Taylor et al., 1993). Estudos como de Pardini (2004) apontam para a importância da matriz de hábitats alterados que circundam os fragmentos na manutenção da diversidade em paisagens fragmentadas. A matriz não é homogênea, atua como um mosaico de unidades que apresentam diferentes permeabilidades a diferentes espécies, influindo na conectividade funcional entre fragmentos remanescentes, fator que deve ser considerado para o manejo de paisagens fragmentadas. Estudos de permeabilidade e dispersão de espécies têm empregado Sistemas de Informação Geográfica (SIG), especialmente as funções de distância ponderada pelo custo (Ray et al., 2002). No presente trabalho, utilizaram-se técnicas de análise espacial para o conhecimento da distribuição dos fragmentos no Estado do Rio de Janeiro e seu potencial de conexão considerando a diversidade da matriz de usos da terra e sua permeabilidade. Seu objetivo foi identificar as áreas em situação mais favorável à conservação e em situação crítica como subsídio à definição de estratégias e ações para conservação da biodiversidade. 2. Material e Métodos A área de estudo, o Estado do Rio de Janeiro, totaliza 43.864,3 quilômetros quadrados e está localizada entre as latitudes 20 45 45 e 23 22 10 Sul e longitudes 40 57 20 e 44 53 20 Oeste. A análise da fragmentação e do potencial de conexão entre fragmentos foi realizada comparando-se dois cenários, um em que foram analisados somente os fragmentos, sem considerar a possibilidade de conexão entre eles, e outro cenário em que foram criadas regras para o estabelecimento de conexões potenciais entre fragmentos baseadas na distância entre eles e na permeabilidade da matriz de usos da terra. Os limites dos polígonos de fragmentos para o Estado do Rio Janeiro têm como fonte o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica no período 1995-2000 (Fundação SOS Mata Atlântica e INPE, 2002). As informações sobre a matriz de usos da terra foram derivadas do Mapa de Uso e Cobertura do Solo elaborado com imagens ETM+/Landsat-7 de 2001 (Fundação CIDE, 2003). O primeiro cenário envolveu a análise dos fragmentos, seu tamanho e distribuição na área do Estado. Inicialmente fez-se uma reclassificação do mapa dos remanescentes considerando todas as classes de vegetação natural (remanescente, restinga, mangue) como fragmentos. O mapa foi rasterizado, com células de 90 metros. O segundo cenário envolveu a análise dos fragmentos considerando as possibilidades de conexão na área do Estado, as quais foram obtidas utilizando a função de distância ponderada pelo custo. Para a aplicação da função foi necessário identificar um mapa em formato raster contendo as fontes, neste caso os fragmentos, e outro contendo os pesos, neste caso o mapa de permeabilidade da matriz. Em ambos os cenários, todos os fragmentos do mapa foram considerados, sendo a área mínima de mapeamento igual a 10 hectares. 3886

Para a elaboração do mapa de permeabilidade da matriz, criou-se um mapa no formato raster de forma que cada célula representasse um custo de energia para ser percorrida. Para tal, o Mapa de Uso de Cobertura do Solo foi rasterizado, com células de 90 metros. Elaborouse uma tabela de conversão para atribuir um peso associado ao custo de energia para o deslocamento de acordo com a permeabilidade considerada a cada tipo de uso da terra. O peso foi atribuído considerando eventuais impedimentos que os diferentes tipos de uso e cobertura da terra podem oferecer ao deslocamento de pequenos mamíferos. Devido à falta de informação na literatura sobre o tema, os pesos foram definidos com base na experiência de um grupo de pesquisadores de fauna silvestre do Estado do Rio de Janeiro e atendeu aos objetivos do trabalho de comparar cenários para a identificação de áreas mais favoráveis e áreas críticas à conservação. Empregando a tabela de conversão (Tabela 1), o mapa de permeabilidade da matriz foi obtido através da reclassificação do uso da terra. Tabela 1. Regras para conversão das classes de uso e cobertura do solo para permeabilidade da matriz. Peso relativo à Classes do Mapa de Uso e Cobertura do Solo permeabilidade Afloramento rochoso, campo de altitude, estepe, mangue, mangue degradado 1 0 Vegetação secundária 0,5 Reflorestamento, área inundável 2, várzeas 2, praia 3, restinga 4, 1 Área agrícola, Campo/pastagem 2 Encosta degradada, solo exposto 3 Área urbana, oceano, grandes construções, rios/lagos/lagoas 5, salinas 1000 1 Foi atribuído peso 0 às classes consideradas ambientes naturais, considerando que estas não apresentam nenhum tipo de impedimento ao deslocamento ou estão inseridas em paisagens naturais, não devendo ser consideradas impedimento. 2 Áreas classificadas como inundáveis e várzeas representam áreas predominantemente antropizadas. 3 Foi atribuído peso 1 à classe praia porque, embora seja ambiente natural, a atribuição de peso 0 resultava na formação de falso corredor de conexão. 4 A classe restinga compreende a área de formação de restinga e não a área com vegetação de restinga e, em grande parte, encontra-se antropizada. 5 Rios/lagos/lagoas, neste caso, correspondem aos grandes corpos d água, os quais, pela sua extensão, impedem a conexão. Tendo-se o mapa de fragmentos e o mapa de permeabilidade da matriz, obteve-se o mapa de distâncias, utilizando o programa ArcGIS 9.1 (ESRI, 2006). Para o cálculo da distância ponderada, estabeleceu-se como distância máxima o equivalente a duas células dos mapas em formato raster, que corresponde a 180 metros. Desta forma, considerou-se que os fragmentos apresentam possibilidade de conexão quando a distância ponderada máxima entre eles é de 360 metros. Neste segundo cenário, considerou-se como unidade para análise do tamanho e distribuição na área do Estado não mais o fragmento individualizado e sim o conjunto de fragmentos que se encontram conectados segundo as regras estabelecidas. Tendo-se os dois cenários, analisou-se a distribuição dos fragmentos e possibilidades de conexão no Estado do Rio de Janeiro considerando a presença desses em Unidades de Conservação de Proteção Integral e Uso Sustentável e nas diferentes regiões fitoecológicas presentes no território. Para tal, os mapas resultantes da construção dos dois cenários foram integrados ao Mapa de Unidades de Conservação do Estado do Rio de Janeiro (Rio de 3887

Janeiro, 2006) e ao Mapa de Vegetação (Projeto RADAMBRASIL, 1983). O Mapa de Vegetação permitiu identificar os limites das Regiões Fitoecológicas da área de estudo. 3. Resultados e Discussão Os dois cenários analisados são ilustrados na Figura 1, onde é apresentada parte da área do Estado do Rio de Janeiro com a distribuição dos fragmentos de vegetação (cenário 1) e dos fragmentos inseridos na área identificada como potencial para conexão, cuja distância ponderada de cada fragmento é, no máximo, 180 metros, totalizando 360 metros entre fragmentos (cenário 2). Cenário 1 Cenário2 Figura 1. Parte da área de estudo apresentando a distribuição dos remanescentes de vegetação e da área potencial de conexão de fragmentos, considerando os dois cenários. Foram contabilizados 6247 fragmentos de vegetação no Estado do Rio de Janeiro, cujos tamanhos variam entre 10 e 37302 ha. A distribuição dos fragmentos por classe de área é apresentada na Tabela 2. Tabela 2. Distribuição dos fragmentos por classe de área: número, área total e proporção de área de vegetação Classe de área (ha) Número de fragmentos Soma da área dos Proporção da área total vegetada no RJ <50 4734 99478,53 11,08 50-100 828 56877,39 6,33 100-250 427 64328,58 7,16 250-500 136 45043,29 5,02 500-1000 57 37714,41 4,20 >1000 65 594663,12 66,21 Nota-se na Tabela 2 que há um número expressivo de fragmentos de até 100 ha e sua área corresponde a quase 20 % da área total de vegetação do Estado. Se analisarmos os fragmentos no cenário 2, considerando a área total do conjunto de fragmentos conectados, a distribuição por classe de área é modificada conforme podemos verificar na Figura 2. 3888

800000 área total dos 600000 400000 200000 0 <50ha 50-100 100-250 250-500 500-1000 >1000 Figura 2. Distribuição da área de vegetação por classe de área considerando os dois cenários. É interessante verificar que houve redução da área total de fragmentos para todas as classes de área até 1000 ha, ocorrendo aumento somente na classe de área maior que 1000ha. Considerando no cenário 2 o conjunto de fragmentos com possibilidade de conexão que totalizam 1000 ha ou mais, verificamos que 749929 ha de vegetação se encontram nessas condições, o que representa um aumento de 17 % quando comparado ao cenário 1, cuja totalização da área de fragmentos com mais de 1000 ha atingiu 594663 ha. As diferenças entre os cenários não mantêm o mesmo padrão ao analisarmos as principais regiões fitoecológicas presentes no Estado do Rio de Janeiro: Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Ombrófila Densa. Na Tabela 3 é apresentada a distribuição dos fragmentos por classe de área para as duas regiões fitoecológicas. Tabela 3. Distribuição dos fragmentos presentes nas regiões fitoecológicas Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Ombrófila Densa por classe de área: número, área total e proporção de área de vegetação Classe de área (ha) Número de fragmentos Soma da área dos Proporção da área total vegetada na região fitoecológica Floresta Estacional Semidecidual <50 2891 61496,82 28,36 50-100 491 33692,76 15,54 100-250 240 36421,65 16,80 250-500 81 26696,79 12,31 500-1000 24 15369,75 7,09 >1000 19 43127,64 19,89 Floresta Ombrófila Densa <50 1661 35097,30 5,36 50-100 311 21449,61 3,28 100-250 175 26156,52 4,00 250-500 50 16505,37 2,52 500-1000 29 19754,28 3,02 >1000 42 535642,47 81,83 A região fitoecológica da Floresta Estacional Semidecidual, além de apresentar uma parcela muito pequena de sua área vegetada, apenas 10,0%, também se apresenta mais fragmentada, sendo que 43,9% de seus fragmentos têm no máximo 100 ha. A região fitoecológica da Floresta Ombrófila Densa apresenta 34,8% de sua área vegetada e a vegetação se encontra menos fragmentada, sendo que 91,4% de seus fragmentos têm área maior que 100 ha. 3889

Ao analisarmos os fragmentos no cenário 2, a distribuição por classe de área é modificada conforme podemos verificar nas Figuras 3 e 4. 120000,00 100000,00 total da área dos 80000,00 60000,00 40000,00 20000,00 0,00 <50ha 50-100 100-250 250-500 500-1000 >1000 Figura 3. Distribuição da área de vegetação por classe de área considerando os dois cenários na região fitoecológica da Floresta Estacional Semidecidual. (detalhe para classes até 1000ha) 40000,00 total da área dos 600000,00 400000,00 200000,00 total da área dos 30000,00 20000,00 10000,00 0,00 <50ha 50-100 100-250 250-500 500-1000 >1000 0,00 <50ha 50-100 100-250 250-500 500-1000 Figura 4. Distribuição da área de vegetação por classe de área considerando os dois cenários na região fitoecológica da Floresta Ombrófila Densa, com um detalhamento para as classes de área até 1000 ha. Nota-se que a área de vegetação no cenário 2 para a região da Floresta Estacional Semidecidual apresenta aumento a partir da classe 500 1000 ha, mas o aumento expressivo ocorre na classe de área maior que 1000 ha, cuja área total é 2,6 vezes maior que no cenário 1. Na região da Floresta Ombrófila Densa, onde predominam fragmentos maiores que 1000 ha, o cenário 2 amplia um pouco a área de vegetação nessa classe e reduz nas demais. O Estado do Rio de Janeiro tem 272.744,67 ha de Unidades de Conservação (UC) de Proteção Integral e 459.640,09 ha de UC de Uso Sustentável. Devido a sobreposições entre essas áreas, a totalização da área protegida no Estado na forma de UC federais e estaduais é de 685.186,97 ha. A área vegetada do conjunto de UC é de 54,35%, sendo que as de Proteção Integral apresentam 77% de sua área vegetada e as de Uso Sustentável, 43%. Ao incluirmos no cômputo da área vegetada do conjunto de UC a área total dos fragmentos de vegetação que se encontram parcialmente inseridos nas UC, a área vegetada aumenta de 372.369,92 ha para 548.718,30 ha, mostrando a extensão da vegetação composta por fragmentos que se encontram total ou parcialmente protegidos. Ao incluirmos no cômputo a área dos fragmentos que se encontram conectados ao conjunto de UC, a área aumenta para 670.825,80 ha. Desta análise pode-se concluir que 670.825,80 ha de vegetação podem estar 3890

conectadas a áreas protegidas na forma de Unidades de Conservação Federais e Estaduais, e os 227.279 ha restantes, ou um quarto da vegetação remanescente do Estado, encontra-se isolada do mosaico de UC. Também se analisou a possibilidade de conexão entre os fragmentos que não se encontram conectados a UC, ou seja, considerando o cenário 2. O resultado pode ser observado na Figura 5, em que é apresentada a distribuição dos fragmentos por classe de área considerando os cenários 1 e 2. Observa-se que existe a possibilidade de conexão entre os fragmentos, elevando a área vegetada conectada para as classes de área superiores a 500 ha. Os resultados têm padrão similar aos obtidos para a região da Floresta Estacional Semidecidual, uma vez que a maior parte dos fragmentos não conectados a UC se encontram nessa região fitoecológica. 150000 área total dos 100000 50000 0 <50ha 50-100 100-250 250-500 500-1000 >1000 Figura 5. Distribuição da área de vegetação por classe de área para o conjunto de fragmentos isolados de UC e conectados a UC, considerando o cenário 2. 4. Considerações Finais Os resultados obtidos permitiram conhecer a distribuição dos fragmentos no Estado do Rio de Janeiro, bem como identificar as áreas onde eles apresentam maiores possibilidades de conexão ou em que predominam fragmentos isolados e de área reduzida. Essas informações influem diretamente na definição de estratégias para conservação da biodiversidade. Tomando como exemplo a região Noroeste do Estado, em região de Floresta Estacional Semidecidual, os fragmentos são poucos, pequenos, distantes e desconectados de Unidades de Conservação, incorrendo em um custo para o estabelecimento de corredores. Neste caso, é essencial considerar onde já existe conexão potencial, dada pela proximidade dos fragmentos e pela permeabilidade da matriz, investindo recursos em sua manutenção ou melhoria de sua qualidade. Referências ESRI. Arc GIS: the complete Geographic Information System. Disponível em: http://www.esri.com/software/arcgis/index.html. Acesso em: 30 nov. 2006. Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. Índice de qualidade dos municípios verde (IQM-Verde). 2. ed. ampl. rev. Rio de Janeiro, 2003. CD-ROM. Fundação SOS Mata Atlântica. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica: período 1995-2000. São Paulo, 2002. 3891

Metzger, J. P. Estrutura da paisagem e fragmentação: análise bibliográfica. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 71, n. 3-I, p. 445-463, 1999. Pardini, R. Effects of forest fragmentation on small mammals in an Atlantic Forest landscape. Biodiversity and Conservation, v. 13, n. 13, p. 2567 2586, 2004. Projeto RADAMBRASIL. Folhas SF 23/24 Rio de Janeiro/Vitória, geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 1983. 780 p. 6 mapas. (Levantamento de Recursos Naturais, 32). Ray, N.; Lehmann, A.; Joly, P. Modeling spatial distribution of amphibian populations: a GIS approach based on habitat matrix permeability. Biodiversity and Conservation, v. 11, n. 12, p. 2143 2165, 2002. Rio de Janeiro. Instituto Estadual de Florestas. Unidades de Conservação do Estado do Rio de Janeiro. Mapa colorido. Disponível em: http://www.ief.rj.gov.br/unidades/mapa/mapaucs.jpg. Acesso em: 04 set. 2006. Taylor, P. D.; Fahrig, L.; Heinen, K.; Merriam, G. Connectivity is a vital element of landscape structure. Oikos, v. 68, n. 3, p. 571 573, 1993. Agradecemos à Fundação SOS Mata Atlântica pela cessão dos dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica de 2000 e à Fundação CIDE do Estado do Rio de Janeiro pela cessão do Mapa do Uso e Cobertura da Terra do Estado. Agradecemos também aos pesquisadores do Instituto Biomas e da UERJ, Carlos Frederico Rocha, Maria Alice dos Santos Alves e Monique Van Sluys, pela colaboração na definição de parâmetros para estabelecimento dos cenários. 3892