Análise do acoplamento oceano-atmosfera em escala sinótica ao longo de 33 S nos dias 19 e 20 de junho de 2012

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Transcrição:

Artigo Original DOI:10.5902/2179460X16213 Ciência e Natura, Santa Maria, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 39 45 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM ISSN impressa: 0100-8307 ISSN on-line: 2179-460X Análise do acoplamento oceano-atmosfera em escala sinótica ao longo de 33 S nos dias 19 e 20 de junho de 2012 Analysis of the ocean-atmosphere coupling at the synoptic scale along 33 S on 19 and 20 June 2012 Priscila Cavalheiro Farias 1,2, Ronald Buss de Souza 2, Luciano Ponzi Pezzi 2, Fabian Gualda Dias2, Fernando Rossato 1,2 e Rita de Cássia Marques Alves 3 1 Programa de Pós-Graduação em Meteorologia, UFSM 2 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) 3 Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia, UFRGS Resumo A região sul do Brasil é marcada, durante o inverno, pela presença de uma frente oceanográfica entre a Corrente do Brasil (CB) e a Corrente Costeira do Brasil (CCB). A frente oceanográfica CB/CCB imprime intensos gradientes horizontais termais entre águas frias da plataforma continental sul brasileira, dominada pela CCB, e águas quentes do oceano profundo dominadas pela CB. Esse trabalho analisa, pela primeira vez na literatura conhecida, o acoplamento entre oceano e atmosfera a partir de dados observacionais tomados por navio entre 19 e 20 de junho de 2012 ao longo de um transecto realizado na costa do estado do RS, Brasil. No período em que os dados foram coletados, observou-se a entrada de uma massa de ar pós-frontal que causou uma elevação da pressão atmosférica e uma diminuição da temperatura do ar. Dados de radiossondas lançadas em ambos os lados da frente oceanográfica indicam uma camada limite atmosférica mais espessa e turbulenta sobre a CB com relação à CCB. Os fluxos de calor permaneceram positivos, porém, com grande variação da magnitude. Observações simultâneas de parâmetros oceanográficos e meteorológicos tomadas in situ são indispensáveis para o entendimento do sistema acoplado oceano-atmosfera e têm importância primária para a previsão do tempo. Palavras-chave: Camada limite atmosférica. Interação oceano-atmosfera. Plataforma continental do Rio Grande do Sul. Fluxos de calor. Frentes oceanográficas. Abstract The southern coast of Brazil is marked during winter by the presence of an oceanographic front between the Brazil Current (BC) and the Brazilian Coastal Current (BCC). The BC/BCC oceanographic front imprints intense thermal gradients between the cold (BCC) waters of the continental shelf and the warm (BC) waters of the deep ocean. This work analyses, for the first time in the known literature, the ocean-atmosphere coupling using observational data taken by ship during 19-20 June 2012 along a transect off the coast of RS State, Brazil. During the period when the data were collected, a cold (post-frontal) air mass penetrated the study region causing an elevation of the atmospheric pressure and a diminution of the air temperature. Data from radiosondes launched in both sides of the oceanographic front indicate an atmospheric boundary layer thicker and more turbulent above the BC in respect to the BCC. The heat fluxes were positive along the entire transect although presenting a big variation in magnitude. Simultaneos in situ observations of both oceanographic and meteorological parameters are necessary for the understanding of the coupled ocean-atmosphere system, having primal importance for the weather prediction. Keywords: Marine atmospheric boundary layer. Ocean-atmosphere interaction. Rio Grande do Sul continental shelf. Heat fluxes. Oceanographic fronts.

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 39 45 40 1 Introdução Os processos de interação oceano-atmosfera que ocorrem no Oceano Atlântico Sul são importantes mecanismos para a manutenção do tempo e do clima na América do Sul (PEZZI; SOUZA, 2009). Na zona costeira do estado do Rio Grande do Sul (RS), no Brasil, especialmente devido aos complexos mecanismos que determinam os gradientes zonais de temperatura da superfície do mar (TSM) nos meses de inverno (SOUZA; ROBINSON, 2004), a importância do sistema acoplado oceano-atmosfera pode ser acentuada. Até o presente, os efeitos causados pelos contrastes horizontais termais entre as massas d água transportadas pela Corrente do Brasil (CB) e pela Corrente Costeira do Brasil (CCB) durante o inverno sobre a atmosfera imediatamente acima na costa do RS são praticamente desconhecidos. Por conta dos processos típicos de acoplamento oceano-atmosfera em regiões de alto gradiente termal horizontal de TSM nos oceanos e, em especial, no Atlântico Sul (PEZZI et al., 2005, 2009; Acevedo et al., 2010, Camargo et al., 2013), especula-se que a camada limite atmosférica (CLA) ao longo de transectos perpendiculares à costa do RS tenha características distintas sobre a CB e sobre a CCB. Souza e Robinson (2004) descreveram a CCB como uma corrente de natureza sazonal que domina a plataforma continental da região sul-sudeste brasileira durante o inverno. Nessa estação do ano, a CCB domina a região costeira do RS, transportando águas frias, de baixa salinidade e ricas em nutrientes para nordeste sobre a plataforma continental. A CCB é alimentada por uma mistura de águas oceânicas com águas da descarga do Rio da Prata, sendo também conhecida como Pluma do Rio da Prata (CAMPOS et al., 2008). O gradiente lateral de TSM entre a CB e a CCB apresenta valores típicos em torno de 0,1 C.km -1 ou maiores e, na maioria dos casos, cruza a isoterma de 20 C, sendo facilmente observada em imagens de satélite de TSM. Apesar da grande disponibilidade de dados de satélite para caracterizar a frente oceanográfica CB/CCB, muito poucos dados observacionais estão disponíveis para a região durante o inverno. Estudos baseados em observações in situ sobre as condições oceanográficas locais são muito raros e nenhum trabalho anterior a esse é conhecido com o objetivo de analisar parâmetros oceanográficos e meteorológicos tomados simultaneamente. O objetivo deste trabalho é descrever o sistema acoplado oceano-atmosfera através do comportamento da CLA e dos fluxos de energia entre o oceano e a atmosfera ao longo de um transecto tomado por navio na costa do RS durante o inverno numa situação sinótica atmosférica típica dessa estação. No entender dos autores, essa é a primeira análise de dados de oceano e atmosfera tomados simultaneamente na costa do RS durante o inverno. 2 Material e Métodos As primeiras observações in situ do sistema acoplado oceano-atmosfera em escala sinótica para a região sul do Brasil foram tomadas durante a realização do Cruzeiro Oceanográfico ACEx/SIMTECO entre 11 e 21 de junho de 2012. Os projetos ACEx (Atlantic Ocean Carbon Experiment) e SIMTECO (Sistema Integrado de Monitoramento do Tempo, Clima e Oceano para o Sul do Brasil) tem objetivos comuns, visando estudar o acoplamento oceano-atmosfera na costa sul-brasileira. O cruzeiro foi realizado a bordo do Navio Hidro-Oceanográfico (NHo) Cruzeiro do Sul da Marinha do Brasil ao longo de cinco transectos perpendiculares à costa numa área compreendida entre as latitudes de Paranaguá (PR) e Chuí (RS) (Figura 1). Desses cinco transectos, o presente estudo analisa aquele tomado ao longo de 33 S nos dias 19 e 20 de junho de 2012. Esse transecto foi escolhido por representar melhor os padrões oceanográficos típicos de inverno na costa do RS com grandes contrastes de TSM entre a CB e a CCB, além de estar sujeito, durante o período analisado, a condição meteorológica sinótica típica com a incursão de massas de ar polar promovendo ventos de sul. Ao longo do transecto de interesse (T5, Figura 1) foram realizadas estações oceanográficas completas e lançamento de radiossondas atmosféricas com balões. O transecto T5 foi recoberto pelo NHo Cruzeiro do Sul entre 19 e 20 de junho (dias Julianos 171 e 172) no sentido do alto mar para a costa do RS. Durante todo o cruzeiro, dados meteorológicos de pressão atmosférica, temperatura do ar, umidade relativa e velocidade do vento foram tomados utilizando-se uma estação meteorológica automática a bordo. O navio também dispunha de um termosalinógrafo que mediu TSM e salinidade ao longo de sua derrota no mar. Dados inéditos de fluxos de CO 2 também foram tomados a partir de uma torre micrometeorológica instalada na proa do navio. Esse trabalho, no entanto, não objetiva analisar esses últimos dados. A condição sinótica no período foi caracterizada através dos dados de reanálise de alta resolução (SAHA et al., 2010; 2013) disponibilizados pelo National Centers for Environmental Prediction (NCEP) Climate Forecast System (CFS) versão 2, na resolução espacial de 0.5 lat/ long e resolução temporal de seis horas. A altura da CLA foi estabelecida através da mudança abrupta da temperatura potencial e umidade específica em perfis de radiossondas, conforme realizado por Pezzi et al. (2009). Adicionalmente, aplicou-se o método proposto por Sullivan et al. (1998), que define a altura da CLA através do cálculo da posição de máximo gradiente vertical da temperatura potencial (dθ/dz). Os fluxos de calor foram estimados a partir de dados da estação automática do navio e de TSM do termosalinógrafo, conforme o esquema descrito por Fairall et al. (1996). Esse esquema permite calcular fluxo de momentum, calor sensível e calor latente através de

41 Farias et al.: Análise do acoplamento oceano-atmosfera em escala sinótica ao longo de 33 S... Figura 1- Imagem de TSM média temporal entre os dias 12 e 20/06/2012 para a costa sul-sudeste do Brasil. Os tons em azul-verde indicam a CCB, enquanto que os tons vermelho-amarelo representam as águas da CB. As linhas pretas indicam os transectos realizados no cruzeiro ACEx/SIMTECO e as linhas brancas a batimetria local em metros. um algoritmo que segue a Teoria da Similaridade de Monin-Obuklov para as medições meteorológicas próximas da superfície. As bulk formulas dos fluxos turbulentos de calor sensível ( Q ) e calor latente ( Q ) são: s Q ρc C U ( T θ ) (1) s = p h s Q = ρ C L U ( q qa) (2) l e e s Onde ρ é a densidade do ar, C é o calor específico p do ar à pressão constante, C h e Ce são os coeficientes de transferência de calor sensível e de calor latente, respectivamente. U é a velocidade média do vento em uma altura z, Ts é a TSM, θ é a temperatura potencial do ar, L é o calor latente de evaporação, q e s é a razão de mistura do vapor de água calculado a partir da razão de mistura de saturação da água pura na TSM e qa é a razão de mistura do vapor de água. Após estimar os fluxos de calor através das bulk formulas, a correção de Webb (Webb et al., 1980) foi considerada para corrigir os efeitos da transferência vertical de calor e massa na CLA. l 3 Resultados e discussões Entre os dias 19 e 20 de junho de 2012 houve a incursão de uma massa de ar pós-frontal sobre o Oceano Atlântico Sul e a costa sul-sudeste do Brasil (Figura 2). Durante a realização das estações oceanográficas e meteorológicas no transecto T5, a pressão atmosférica observada variou entre 1012,5 hpa e 1015,1 hpa sendo, na média, de 1013,7 hpa. Ao longo do tempo em que o T5 foi recoberto, houve queda na temperatura do ar (Tar) e os ventos predominantes foram de sudeste, associados à presença da massa de ar fria. Dados de radios sondagens atmosféricas foram obtidos em T5 sobre águas do domínio da CB (4 radios sondas) e da CCB (3 radios sondas). Como o transecto foi realizado no sentido do alto mar para a costa, os dados sobre a CB foram tomados primeiro do que aqueles sobre a CCB. O comportamento da CLA foi analisado a partir dos perfis verticais de temperatura potencial (θ), umidade específica (q) e umidade relativa (UR). Médias do perfil vertical dessas variáveis sobre os lados quente e frio da frente oceanográfica CB/CCB foram calculados a fim de melhor descrever o comportamento médio da CLA nas duas regiões.

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 39 45 42 a b c d Figura 2 - Pressão ao nível médio do mar (hpa) e vento a 10 m (m.s -1 ) nos horários sinóticos 12Z de 19/06/2012 (a), 18Z de 19/06/2012 (b), 00Z de 20/06/2012 (c) e 06Z de 20/06/2012 (d). O transecto T5 está indicado pelas cruzes em vermelho na costa do RS ao largo da cidade de Chuí. Sobre o lado quente da frente, na área de domínio da CB, observou-se uma CLA espessa e turbulenta, com uma altura média de 900 m (Figura 3). No lado mais frio da frente onde predominam águas da CCB, a CLA é mais estável, mais rasa (cerca de 700 m, Figura 3). Os ventos na superfície do mar são também mais fracos no lado frio da frente (não mostrados). A Figura 3 mostra também que o método de Sullivan et al. (1998) para o cálculo da altura da CLA é comparável àquele utilizado por Pezzi et al. (2009). Os resultados apresentados aqui corroboram aqueles de Pezzi et al. (2005; 2009), Acevedo et al. (2010) e Camargo et al. (2013) para a região da Confluência Brasil-Malvinas onde o gradiente de TSM entre a CB (quente) e a Corrente das Malvinas (fria) é semelhante ao encontrado aqui entre a CB e a CCB (cerca de 0,25 C.km -1 ). A Figura 4 mostra os fluxos de calor sensível e latente entre o oceano e a atmosfera ao longo do transecto T5. As estimativas estão dispostas com respeito ao tempo (em dias Julianos) onde o começo da série representa as estimativas para as águas da CB (alto mar) e o final

43 Farias et al.: Análise do acoplamento oceano-atmosfera em escala sinótica ao longo de 33 S... da série representa as estimativas para as águas da CCB (costa do RS). É importante notar que a direção dos fluxos de calor permaneceu do oceano para a atmosfera ao longo de todo o tempo. Há, porém, uma diferença muito grande entre a magnitude dos fluxos de calor entre os dois lados da frente: na CB a média do fluxo de calor latente é de 370 W.m -2 enquanto que no lado frio essa média é de 180 W.m-2, e nesta mesma proporção ocorre a diferença no fluxo de calor sensível, na CB, é de 110 W.m -2 enquanto que na CCB essa média é de 54 W.m -2. As oscilações dos fluxos de calor ao longo do transecto T5 são principalmente causadas pelas oscilações da TSM que respondem à variabilidade de mesoescala oceânica típica da área de estudo. Entre o começo e o final da tomada de dados no transecto T5, a Tar também diminuiu cerca de 3 o C (Figura 5). Tanto a TSM quanto a Tar são variáveis de entrada para as bulk formulas e para a correção de Webb. Figura 3 - Perfil vertical médio de temperatura potencial (θ), umidade específica (q em g.kg -1 ) e umidade relativa (UR x 101 %) sobre os lados quente (superior) e frio da frente oceanográfica CB/CCB (inferior). Figura 4 - Fluxos de calor latente e sensível estimados ao longo do transecto T5. A linha vertical indica a separação entre os lados quente (esquerda) e frio (direita) da frente oceanográfica CB/CCB.

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 39 45 44 Figura 5 - Temperatura do ar e TSM observadas ao longo do transecto T5. A linha vertical indica a separação entre os lados quente (esquerda) e frio (direita) da frente oceanográfica CB/CCB. 4 Conclusão Os resultados do presente estudo mostram a importância e o papel de dados observacionais do oceano e atmosfera, tomados simultaneamente, em um período do ano em que a situação sinótica apresentou-se típica de inverno juntamente com o efeito causado pelo contraste horizontal termal encontrado na frente oceanográfica CB/CCB. Os resultados apresentados aqui são inéditos e demonstram pela primeira vez que os intensos gradientes horizontais termais entre as águas da CB e da CCB que ocorrem durante o inverno ao largo da costa do RS têm papel importante na modulação da CLA marinha. Como demonstrado, a CLA apresentou um comportamento distinto em cada um dos lados da frente CB/CCB, conforme é observado em outras regiões de frentes oceanográficas do oceano global. Esse padrão distinto é representado pelos diferentes comportamentos do vento, da altura e estabilidade da CLA e também pelos diferentes padrões de calor sensível e latente nos dois lados da frente oceanográfica CB/CCB. Dados oceanográficos e meteorológicos observacionais tomados simultaneamente na região do estudo são indispensáveis para um melhor entendimento do sistema acoplado oceano-atmosfera, oferecendo informações importantes para a previsão de tempo na região sul do Brasil. Agradecimentos Os autores agradecem ao Com. André Moraes Ferreira e à tripulação do NHo Cruzeiro do Sul pela inestimável ajuda durante a realização do trabalho de campo. O Dr. Osmar O. Möller Jr. e equipe da FURG são agradecidos pelo apoio no campo. O MCTI é agradecido pela cessão de espaço a bordo do navio. O CNPq e FINEP são agradecidos pelo apoio aos projetos ACEx (CNPq No. 558108/2009) e SIMTECO (Convênio 01.09.0428-00), respectivamente. A primeira autora agradece à CAPES pela concessão de bolsa de estudos e ao Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais (CRS) do INPE pela infraestrutura oferecida. Referências ACEVEDO, O. et al. Atmospheric boundary layer adjustment to the synoptic cycle at the Brazil-Malvinas Confluence, South Atlantic Ocean. Journal of Geophysical Research, v. 115, n. D22, p. 1-12, 2010. CAMARGO, R. et al. Modulation mechanisms of marine atmospheric boundary layer at the Brazil-Malvinas Confluence region. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 118, p. 1-15 2013. CAMPOS, E. et al. PLATA: A synoptic characterization of the southwest Atlantic shelf under influence of the Plata River and Patos Lagoon outflows. Continental Shelf Research, v. 28, n. 13, p. 1551-1555, 2008. FAIRALL, C. et al. Bulk parameterization of air-sea fluxes for tropical ocean-global atmosphere coupled-ocean atmosphere response experiment. Journal of Geophysical Research, v. 101, p. 3747-3764, 1996. PEZZI, L., SOUZA, R. Variabilidade de mesoescala e interação oceano-atmosfera no Atlântico Sudoeste. In: Cavalcanti, I. (Ed.), Tempo e clima no Brasil. Oficina de Textos, 2009. cap. 24.

45 Farias et al.: Análise do acoplamento oceano-atmosfera em escala sinótica ao longo de 33 S... PEZZI, L. et al. Multiyear measurements of the oceanic and atmospheric boundary layers at the Brazil-Malvinas Confluence region. Journal of Geophysical Research, v. 114, n. D19, p. 1-19, 2009. PEZZI, L. et al. Ocean-atmosphere in situ observations at the Brazil-Malvinas Confluence region. Geophysical Research Letters, v. 32, n. 22, p. 2-5, 2005. SAHA, S. et al. The NCEP climate forecast system reanalysis. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 91, n. 8, p. 1015-1057, 2010. SAHA, S. et al. The NCEP climate forecast system version 2. Journal of Climate, 2012. SOUZA, R., ROBINSON, I. Lagrangian and satellite observations of the Brazilian Coastal Current. Continental Shelf Research, v. 24, n. 2, p. 241-262, 2004. SULLIVAN, P. et al. Structure of the entrainment zone capping the convective atmospheric boundary layer. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 55, n. 19, p. 3042-3064, 1998. WEBB, E., PEARMAN, G., LEUNING, R. Correction of flux measurements for density effects due to heat and water vapour transfer. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 106, n. 447, p. 85-100, 1980.