PARECER. Balcão das Heranças - Abertura da sucessão e chamamento de herdeiros adoção plena de herdeiro em momento posterior à abertura da sucessão.



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Transcrição:

Proc. n.º C.C. 109/2011 SJC-CT PARECER Balcão das Heranças - Abertura da sucessão e chamamento de herdeiros adoção plena de herdeiro em momento posterior à abertura da sucessão. 1. Devido a procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, e de posterior indeferimento de pedido de retificação à habilitação já efetuada, colocou a Conservatória do Registo Civil de. algumas questões ao Helpdesk do Balcão das Heranças, o qual, após análise, considerou que as dúvidas e delicado conflito de normas e institutos jurídicos em concurso Vocação ou chamamento sucessório / Adopção plena posterior / segredo de Identidade transcendem as suas competências funcionais. Por despacho do Sr. Vice-Presidente foi determinado que as questões suscitadas fossem submetidas à apreciação deste Conselho. 2. Perante o caso de filha menor de falecido no estado de divorciado, adotada plenamente, em momento posterior ao falecimento do pai biológico, pelo novo marido da mãe biológica, a Conservatória tinha questionado a) se a menor é herdeira do falecido, - ao que opinou positivamente por concluir que o chamamento se reporta ao momento da abertura da sucessão -, não relevando a adoção por ter sido declarada posteriormente ao falecimento; b) quem é possível considerar como representante legal da menor para efetuar a habilitação, se só a mãe biológica ou se a mãe biológica e o pai adotivo, casados entre si; c) e, por último, caso a menor seja adoptada plenamente por terceiros, com a consequente extinção do vínculo da filiação natural com a mãe biológica, quem é o seu representante legal. A Conservatória juntou ainda despacho de indeferimento de pedido de retificação a habilitação já efetuada, no âmbito do procedimento simplificado referido, e que tem em causa questão conexa, mas sem qualquer outro comentário sobre o teor do referido despacho. 3. Como é referido na resposta do Helpdesk e na informação dos Serviços Jurídicos, as questões prendem-se com o instituto da adoção e com o fenómeno sucessório, abundante e exaustivamente apreciados na resposta e informação referidas, pelo que prescindimos, nesta sede, de voltar a enumerar todos os efeitos e regras que a lei 1

estipula para ambos, sem prejuízo de nos socorrermos dos normativos legais correspondentes sempre que se mostre necessário. Os art.ºs 210.º-A a 210.º-R do Código do Registo Civil (CRC) regulam os procedimentos simplificados de sucessão hereditária, entre os quais se inclui o procedimento de habilitação de herdeiros com e sem registo (art.º 210.º-A, n.º 2, al. b) e 210.º-O do CRC). Sobre as questões concretamente colocadas pela Conservatória, cumpre dizer que a lei designa por sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e à consequente devolução dos bens que a esta pertenciam [art.º 2024.º do Código Civil (CC)]. Caso não existisse adoção plena posterior, cremos que nenhuma dúvida se colocaria à qualificação da qualidade de herdeira da menor. O que as questões colocadas pela Conservatória de. têm de específico é o facto de existir adoção plena da menor, posteriormente ao falecimento do autor da sucessão e, numa primeira hipótese colocada pela Conservatória consulente, pelo marido da mãe biológica. Sendo certo que a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, e que aberta a sucessão serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido, aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade, e ainda que têm capacidade sucessória todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão e que os descendentes do falecido são herdeiros legitimários (art.ºs 2031.º, 2032.º, 2033.º e 2157.º do CC), parece-nos que não podem existir dúvidas de que o menor, filho natural do falecido à data do óbito, e ainda que posteriormente adotado plenamente, é herdeiro do falecido. Os efeitos consignados no art.º 1986.º do CC não impedem, quanto a nós, esta conclusão. É verdade que o n.º 1 da norma referida determina que Pela adopção plena o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes e colaterais naturais,, porém, se atendermos a que o instituto da adoção visa, em primeira linha, realizar o superior interesse da criança 1 e possibilitar e facilitar a sua integração plena na família adotiva, então teremos que concluir que a finalidade do 1 Art.º 1974.º do CC. 2

art.º 1986.º é salvaguardar o futuro do menor a partir do momento da adoção, definindo e clarificando a sua posição na família adotiva, designadamente no domínio da sucessão, bem como no direito recíproco de alimentos (art.ºs 1986.º, 1996.º, 2009.º e 2157.º do CC) 2. Assim, e por força do art.º 1986.º do CC, se o falecimento do pai natural ocorrer em momento posterior à sentença de adoção, o menor adotado plenamente já não é herdeiro do pai biológico, uma vez que no momento da abertura da sucessão já se encontram extintos os vínculos com a família natural. Para a possibilidade de resposta à segunda questão, levantada pela Conservatória, colocam os serviços a dificuldade da sua conjugação com o segredo de identidade, previsto no art.º 1985.º do CC, e com o regime de prova resultante do art.º 1987.º do CC 3. Quanto à impossibilidade de estabelecer a filiação natural ou fazer prova da mesma, nota-se que, no caso concreto, a filiação paterna já está estabelecida desde o momento do registo de nascimento da menor, e que a finalidade do art.º 1987.º do CC é impedir que o estabelecimento se faça após o decretamento da adoção plena, ou seja, no que respeita ao estabelecimento da filiação, o art.º 1987.º do CC só se aplica aos menores que não tenham filiação estabelecida à data da sentença de adoção, dado que, atentos os efeitos da adoção plena e a finalidade do instituto (inserção plena na nova família), podemos considerar como extemporânea e desestabilizadora, para a nova relação constituída, a definição a posteriori da filiação natural do menor. Já no que respeita à impossibilidade de efectuar prova da filiação fora do processo de casamento, e dado que o intérprete da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico 4, cremos que também aqui se verificam as razões já invocadas para a não aceitação do estabelecimento da filiação natural após a adoção plena, tendo o legislador procurado que não houvesse perturbação do vínculo criado 2 Adquire a situação de filho, claro está, desde a data do trânsito em julgado da sentença, e não desde a data do nascimento: a adopção é constitutiva e não meramente declarativa do estado de filho, como a perfilhação e a declaração de maternidade (cfr. art. 1797.º, n.º 2). Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, pág. 299. 3 Da norma legal resulta que depois de decretada a adoção não é possível estabelecer a filiação natural do adotado nem fazer a prova dessa filiação fora do processo preliminar de casamento. 4 Art.º 9.º do CC. 3

entre o adotado e a sua família adotiva com o intuito da sua inserção plena na nova família afetiva e sociológica. O que nos parece pretender o legislador, com o art.º 1987.º do CC no seu todo, é manter uma estabilidade no relacionamento entre as partes envolvidas, e principalmente no interesse do próprio menor tendencialmente desfavorecido, que a não se verificar pode provocar sobressaltos e efeitos indesejáveis no desenvolvimento da relação afetiva 5. E, na questão concreta em análise, sendo certo que o sistema jurídico permite que seja chamada à sucessão do pai natural, na qualidade de herdeira, a menor posteriormente adotada, não nos parece que a intenção do legislador, através do art.º 1987.º do CC, seja a de obstar à verificação dessa mesma qualidade de herdeira, da identidade e da capacidade da interessada para o ato, como previsto no n.º 1 do art.º 210.º E do CRC. Seria uma incongruência do próprio sistema que o art.º 9.º, n.º 3 do CC não permite. Há, pois, que procurar o pensamento legislativo que esteve na base do art.º 1987.º do CC, - que se pode resumir em proteção da adoção -, e verificar se a prova da filiação, no âmbito da habilitação, provoca danos afetivos de tal forma graves ao menor e pais adotivos (no caso concreto, só pai adotivo) que impeçam a necessária produção da prova exclusivamente para aquele efeito. Na situação sub judice, a menor mantém o vínculo com a mãe natural, conservando laços pré-existentes à adoção e o pai adotivo é o marido da mãe, pelo que a verificação da qualidade de herdeira não conduz, seguramente, a sobressalto nos dois tipos de relacionamento existentes (o biológico e o afetivo). De referir que, atenta a finalidade dos art.ºs 1986.º e 1987.º do CC atrás exposta, mesmo no caso hipotético em que o menor foi adotado por terceiros, também não nos parece que se deva afastar o seu chamamento à sucessão. Sobre o segredo de identidade, previsto no art.º 1985.º do CC, e na medida em que a norma permite quer o segredo de identidade dos pais adoptivos em relação aos pais naturais, quer o segredo de identidade dos pais naturais em relação aos pais adotivos, 5 A proteção da estabilidade do vínculo, uma vez constituído, vai ao ponto de a lei não permitir que depois de decretada a adoção plena se estabeleça a filiação natural do adotado ou se faça prova dessa filiação fora do processo de casamento. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, pág. 302. 4

cremos que, nos casos em que tenha havido adoção plena de filho de um dos cônjuges, podemos dizer que não é pela habilitação de herdeiros que se verifica a violação desse segredo: por um lado, sendo o pai biológico já falecido, é óbvio que lhe assiste uma impossibilidade natural de conhecer a identidade do pai adotivo por força da habilitação; por outro lado, não é crível que, sendo a adoção feita pelo outro membro do casal, o adotante desconheça a identidade do pai natural. É certo que o art.º 1985.º do CC não distingue situações para a sua aplicação, pelo que se pode entender que tanto se aplica a adoções efetuadas por terceiros, como a adoções efetuadas pelo cônjuge do progenitor do menor, mas a norma só existe para salvaguardar situações em que, por força das circunstâncias, é realmente possível a sua aplicação, e não para situações em que a vida real ultrapassa a razão de ser da norma legal 6. Aliás, se bem atentarmos, a existência de segredo de identidade é uma possibilidade conferida pela norma legal que pode ser afastada pela vontade dos que dele usufruem, - o adotante, fugindo à regra, pode declarar que não se opõe à revelação da sua identidade aos pais naturais, e os pais naturais, fugindo à regra, podem declarar que se opõem à revelação da sua identidade ao pai adotivo -, pelo que no que aos próprios diz respeito não se pode entender a existência de segredo em termos permanentes, absolutos e totais. Por último, e sobre a representação legal do menor, embora caiba aos pais o dever de representação do filho menor até à sua maioridade ou emancipação, não podem os mesmos aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial, sem prévia autorização do tribunal (art.ºs 1877.º, 1881.º, 1889.º, 1901.º e 1986.º do CC), pelo que qualquer procedimento simplificado de sucessão hereditária que implique aceitação, tácita ou expressa da herança (art.º 2056.º do CC), e em que se verifique a necessidade de intervenção dos representantes legais de menor, deve obter previamente, e para o efeito, a devida autorização da entidade referida (art.º 2.º do 6 É um regime de secretismo que não deixa de levantar sérias dúvidas sobre a sua razoabilidade, em face da profundidade e da eficácia da adopção plena, mesmo que o seu objectivo fundamental seja o de conquistar o maior número possível de interessados na captação dos menores adoptáveis. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. V, pág. 333. 5

Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro e, caso não seja competência exclusiva do Ministério Público, art.º 1439.º do Código de Processo Civil 7 ). Mas, sendo certo que os pais não podem aceitar a herança a favor de filho menor sem autorização do tribunal, também é certo que a habilitação de herdeiros não é considerada título válido de aceitação 8, pelo que a situação explanada no presente parecer se aplica apenas ao pedido de procedimento de habilitação de herdeiros sem registos (art.º 210.º- A, n.º 2, alínea b), do CRC), devendo todos os outros procedimentos ser previamente objecto de apreciação pelo tribunal, o qual, em função dos interesses envolvidos, dará, ou não, a autorização para a prática do procedimento simplificado de sucessão hereditária pretendido pelo interessado. Sendo o menor representado legalmente por seus pais, e sendo ele o único herdeiro da herança a que se habilita, o cargo de cabeça de casal pode ser desempenhado por qualquer um dos seus representantes legais, com o consentimento expresso do outro (art.ºs 210.º-B do CRC, 1902.º, n.º 1 e 2082.º do CC). Termos em que formulamos as seguintes conclusões: 1. Pela adoção plena o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes naturais (art.º 1986.º do Código Civil). 2. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, pelo que, se o caso concreto o justificar, deve procurar uma interpretação dos artigos 1985.º, 1986.º e 1987.º do Código Civil, que permita a sua harmonização com o disposto nos artigos 2031.º e 2032.º do mesmo Código (art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil). 3. A finalidade da adoção plena é a de salvaguardar o futuro do menor, inserindo plenamente o adotado na sua nova família. Para tal fim, entendeu o legislador fixar que, depois de decretada a adoção plena, se extinguem as relações familiares entre o adotado 7 Sobre a entidade competente, v. Acórdão, de 27 de junho de 2006, do Tribunal da Relação de Lisboa (P.º 4669/2006-7, in www.dgsi.mj.pt). 8 A habilitação de herdeiros consiste apenas na declaração de que os habilitandos são herdeiros do falecido e que não existe quem lhes prefira ou com eles concorra na sucessão (art.º 210.º-O do CRC). Sobre aceitação tácita e expressa v. também P.º RP 196/2009 SJC-CT. 6

e a família natural, não sendo já possível estabelecer a filiação natural do adotado e devendo preservar-se o segredo de identidade dos adotantes em relação aos pais naturais do adotado (artigos 1986.º, 1987.º e 1985.º do Código Civil). 4. No caso em que o falecimento do pai natural ocorreu em momento anterior ao da constituição do vínculo de adoção plena, não estão em causa os efeitos referidos no número anterior, uma vez que a situação de herdeiro do falecido se consolidou antes da constituição do vínculo. 5. Atento o caráter constitutivo da adoção plena, o adotado adquire o estado de filho apenas desde a data do trânsito em julgado da sentença, e não desde a data do nascimento, pelo que o falecimento do pai biológico antes de aquela ser decretada determina o chamamento do adotado à sucessão, na qualidade de herdeiro legitimário do falecido (artigos 1986.º, 2031.º, 2032.º e 2157.º do Código Civil). 6. Sendo o menor representado legalmente por seus pais, e sendo ele o único herdeiro da herança a que se habilita, o cargo de cabeça de casal pode ser desempenhado por qualquer um dos seus representantes legais, com o consentimento expresso do outro (artigos 210.º-B do Código do Registo Civil, 1902.º, n.º 1 e 2082.º do Código Civil). 7. A aceitação da herança, pelos representantes legais do menor, só pode ser concretizada após autorização do tribunal (artigo 1889.º do Código Civil). Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 19 de abril de 2012. Maria de Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano, relatora, Laura Maria Martins Vaz Ramires Vieira da Silva, Maria Filomena Fialho Rocha Pereira, José Firmino Fernandes Lareiro, António José dos Santos Mendes, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 24.04.2012. 7