A QUESTÃO DA ÉTICA ARISTOTÉLICA COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO



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Transcrição:

A QUESTÃO DA ÉTICA ARISTOTÉLICA COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO Regina Coeli Barbosa Pereira Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa, da UFJF. Doutora e Pós-Doutora em Filosofia pela UFRJ. Professora da Faculdade de Educação da UFJF. rcoeli@bol.com.br Rosilene de Oliveira Pereira Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa, da UFJF. Doutora e Pós-Doutora em Filosofia pela UFRJ. Professora da Faculdade de Educação da UFJF. rosilene@powerline.com.br INTRODUÇÃO Falar de ética significa falar do homem, de sua conduta, de uma forma de agir com os outros homens, isto é da sua ação ética. Foi grande a preocupação de Aristóteles no sentido de elucidar o comportamento ético do homem. Para ele, o homem além de ser um animal racional ele é um animal político, que só atinge a realização de sua natureza na comunidade. A política não trata mais do indivíduo, mas do cidadão na pólis; trata das qualidades e atividades dos grupos humanos em busca de uma meta coletiva, englobante e suprema: o bem da cidadania. O

2 fim da pólis consiste em viver bem e agir bem, o que significa ser feliz. A suprema felicidade da pólis é a vida segundo as virtudes e a justiça: sendo o fim da política o bem propriamente humano, os cidadãos devem fazer ações virtuosas e justas. Os homens não se associam somente em vista de uma vida material. Mas sobretudo em vista de uma vida feliz. A comunidade política existe para a realização do bem e não apenas para viver em sociedade. No plano individual, as virtudes morais equilibram e conduzem a um justo meio-termo as ações de cada pessoa. Assim também, no plano coletivo, atua uma virtude moral, a justiça visando o equilíbrio e a eqüidade na comunidade política. As virtudes morais recebem da justiça seu sentido pleno e nela elaboram seus fundamentos. A moralidade se constrói na comunidade numa relação entre os homens. A ética de Aristóteles se organiza a partir do conflito entre matéria e forma, entre sabedoria prática e desejo, entre alma e corpo visando a superação dos excessos pela prática das virtudes através das quais o homem chega à harmonia interior e torna-se senhor de si, independente e feliz. Aristóteles vê o homem como um ser capaz de ações virtuosas, agindo conforme a reta medida. Para ele, o homem é um ser que pode, por sua natureza, tornar-se bom através de uma educação adequada, de bons hábitos e de leis justas. ÉTICA A ética de Aristóteles é fundamentalmente social e sua política é ética, no sentido de que a ética permeia toda a estrutura política. Na ética não se esquece que o homem individual é essencialmente um membro de sociedade. Movendo-se em direção de sua plenitude este passa pela família, pelo grupo (aldeia) e chega naturalmente à comunidade política. Só aqui ele realiza a sua causa final. Na Ética descreve-se o bem do estado como sendo o mais importante e mais perfeito que o

3 indivíduo, e este último constituindo aquilo com que temos de nos contentar se não conseguimos atingir o primeiro. É difícil a conquista de si, visto que entre matéria e forma, sensibilidade e razão, subsiste uma relação de conflito. A auto-conquista começa com a prática das virtudes e termina na comunidade política, onde a justiça comanda os atos das demais virtudes morais. Aristóteles subordina a ordem ética à política. O bem supremo depende da ciência suprema e arquitetônica por excelência. Esta ciência é política porque dispõe quais são as ciências necessárias à pólis e que tipo de ciência cada classe de cidadãos deve aprender. Os trabalhos da Ética e da Política visam ao mesmo fim: a vida virtuosa e feliz. A felicidade norteia toda a ética de Aristóteles. A felicidade não está somente na prática da virtude ou somente no acúmulo de bens nem exclusivamente nas honras. Mas, em tudo isso. A felicidade existe na medida em que não se concebe como um estado, mas uma atividade no sentido de realizar ao máximo as aptidões humanas. O homem alcança-a na medida em que realiza o que há de mais particular nele, que se traduz na atividade da alma de acordo com a razão. É uma atividade que realiza de modo mais perfeito as nossas potências e em particular, a capacidade intelectual do homem. Este é o seu bem supremo, já que a inteligência é o divino no homem. Aristóteles define a ética como o estudo da ação humana finalizada no bem. E para ele, o bem deve apresentar duas características: deve ser final, isto é, ser sempre escolhido por si próprio e nunca como meio de se atingir outra coisa. E, deve ser autosuficiente, algo que por si próprio torne a vida digna de ser escolhida. Assim, bem é aquilo em direção ao qual todas as coisas tendem. Sua ética é claramente teleológica. Para ele, a moralidade consiste na execução de certas ações, não porque as consideremos como corretas em si mesmas, mas porque reconhecemos serem as capazes de nos aproximar mais do bem para o homem.

4 A ética se ocupa da ação como práxis. Esta na sua iminência, é também teleológica e estrutura-se num horizonte que consiste, finalmente em viver bem. A ação humana finalizada em si mesma situa-se numa ordem interna de finalidades hierarquizadas e culmina numa finalidade suprema, perfeita, auto-suficiente e imanente. A ordem das finalidades se situa no interior da estrutura ontológica do indivíduo. A natureza humana encerra em sua estrutura ontológica o conflito da forma que luta para subordinar a matéria, e da razão que tenta comandar as paixões, desejos e sentimentos. Este conflito é importante na ética aristotélica pois é tomado como ponto de partida para toda a investigação e ordenamento moral. Aristóteles está convicto da superioridade da alma em relação ao corpo. No livro VI ele mostra esse seu pensamento, onde destaca duas virtudes: a sabedoria (sophia) que considera as supremas razões dos seres e a sabedoria prática (fronesis) ou prudência, as virtudes morais. Nesta última, está centrado todo o sistema ético. Cabe à prudência reger as virtudes morais, que por sua vez disciplinam as tendências, os apetites e desejos. Estes sentimentos são balizados num justo meio-termo. O justo meio das virtudes morais consiste em agir conforme a reta norma da sabedoria prática, ou seja, fazer o que se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias... para o fim devido e como é devido. A virtude é uma espécie de mediania; ela encontra e escolhe o meio-termo que se instala entre o excesso e a falta. Ao se referir ao meio-termo Aristóteles faz uma ressalva quanto ao seu significado. Em relação ao meio-termo no objeto, diz ele,... entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os homens; e por meio-termo relativamente a nós, o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco e este não é um só e o mesmo para todos. (1987, p.32) Aristóteles portanto discrimina o que significa o meio-termo, levando em conta não só o homem como ser moral, como também sua singularidade. O justo meio deixa de ser determinado simplesmente pela forma quantitativa e será determinado por uma regra ditada pela razão e considerada como dever. Este justo meio é expresso tanto numa ação como numa paixão medidas. E essa medida é que

5 ganha nova dimensão. E, o que significa a medida para elas? Conforme Aristóteles, é o ser virtuoso, não obstante apenas na medida em que esse ser virtuoso é também o phronimos, já que cabe à phronesis anunciar a regra. Assim, o justo meio é a conformidade da ação e do desejo como regra racional que é a sua medida. A virtude é uma espécie de harmonia, segundo as circunstâncias ou o termo médio que equilibra os extremos. É um termo médio em relação a nós mesmos definida pela razão e de conformidade com a conduta de um homem consciente. Aristóteles distingue o que é racional do que é irracional no homem. Na parte racional e na comandada por ela distingue as virtudes do racional em si (da inteligência ou dianoéticas o saber teórico) e as do caráter (ou virtudes éticas o saber prático). Portanto, algumas virtudes são intelectuais e outras morais. Entre as primeiras estão a sabedoria filosófica, a compreensão, a sabedoria prática; e entre as segundas, por exemplo, a liberdade e a temperança. A virtude intelectual gera-se e cresce graças ao ensino e por isso requer tempo e experiência, enquanto a virtude moral é adquirida como resultado do hábito. No que diz respeito as virtudes intelectuais, Aristóteles tem duas razões que tornam necessário o estudo delas: primeiro, o homem virtuoso tem sido definido como aquele que age de acordo com a regra certa. O estabelecimento desta regra consiste numa operação intelectual, e devemos considerar a sua natureza; segundo, o bem-estar tem sido definido como uma atividade da alma de acordo com a virtude, ou, se existir mais de uma virtude, de acordo com a melhor e mais perfeita. Se queremos saber o que é a felicidade, devemos considerar a natureza das virtudes intelectuais bem como a das morais, e perguntar qual a virtude, de todas as existentes em ambas as classes, é a melhor. Aristóteles discute como é produzida a virtude de caráter. Para ele, a virtude não é algo natural no ser humano, mas um hábito. É algo adquirido e não algo inato no homem. Temos predisposição para adquiri-la na medida em que levamos à perfeição. A natureza nos dá possibilidade e potência que devemos transformar em atos. A capacidade de fazer é nos dada pela natureza, mas a ação moral, a virtude, não; nem

6 pode ser imposta contra a natureza, nem imposta pela natureza. É da nossa essência sermos capazes de promovê-la ao máximo através do hábito. Os valores éticos, ao contrário da capacidade natural, que nasce realmente conosco, só conseguimos na medida em que agimos. As virtudes éticas como virtudes do saber prático, não se destinam ao conhecer, mas à ação. Por isso se adquirem pelo exercício. Para possuir virtudes morais o conhecimento tem pouca significação ou nenhuma, no sentido de que o valor moral se refere à experiência. A repetição constante de ações equilibradas pelas virtudes morais leva a paixão a participar da racionalidade, e racionalizada a paixão se subordina à sabedoria prática. Superado o confronto entre paixão e razão reina a harmonia. Assim, a virtude moral torna-se um estado habitual e os atos virtuosos são praticados com facilidade e prazer. O triunfo da virtude é a vitória do homem sobre si mesmo. Os estados de caráter são formados e a melhor indicação de uma disposição interna no homem reside no prazer e na dor que sente quando da execução de atos virtuosos ou viciosos. A prossecussão do prazer e a fuga da dor constituem as raízes fundamentais da ação e com os sentimentos, e todas essas são acompanhadas pelo prazer ou dor. É pela dor que a ação viciosa se corrige. Tendemos a julgar todas as ações segundo o prazer ou a dor por elas provocadas em nós. É mais difícil lutarmos contra o prazer do que contra a dor, diz Aristóteles. E a vitória sobre ele constitui o objeto essencial da virtude. Contudo, não devemos dizer que a virtude consiste na libertação do prazer e da dor. As tendências para sentir prazer e dor devem ser, não suprimidas, mas moldadas em torno de uma figura conveniente. Devemos aprender a sentir o prazer de modo certo e no momento conveniente. Na ação moral não basta que o homem pratique a justiça, mas é necessário que tenha consciência de seu ato; é preciso que haja por força de decisão da sua vontade, deve agir com firme e inabalável certeza, já que a dúvida quanto à moralidade do ato impede que ele seja virtuoso.

7 A virtude moral não é completa em si própria. Para se ser moralmente virtuoso é preciso possuirmos em nós mesmos a sabedoria prática, ou então, seguirmos o exemplo ou preceito de alguém que a possua, pois é pela aplicação de princípios gerais, por um processo de raciocínio, às circunstâncias particulares que se determina a ação conveniente. Mais tarde, a virtude moral, no pleno sentido do termo, implica a posse da sabedoria prática pelo próprio homem virtuoso. O outro elemento novo na definição, a referência ao justo meio, deve ser agora considerado. Isto, constitui para Aristóteles aquilo que diferencia a virtude moral do vício. A virtude não se assemelha mais a tal vício que a outro, mas temos tendência a opô-la ao vício porque estamos mais inclinados a assim proceder. Deste modo, opomos a temperança mais à depravação do que ao vício contrário. Disto segue-se o aviso prático de se salvaguardar, primeiro do vício que se opõe mais à virtude correspondente e, segundo do vício para o qual estamos mais inclinados e pelo qual sentimos maior prazer. Mas, em definitivo, nenhuma regra geral poderia ajudar-nos muito a conhecermos o que devemos fazer. Devemos esperar até nos encontrarmos em circunstâncias particulares, considerando-as todas. A decisão depende da percepção. Aristóteles compreende que um saber que pretende dirigir efetivamente a ação precisa ser concebido de uma maneira nova e original. Um saber que tem por objeto a ação não basta o simples conhecimento da natureza dessa ação, é preciso que esse saber desemboque numa posição efetiva frente a ação estudada. O conhecimento, neste caso se refere ao entendimento da situação, pois o conhecimento regra as ações e paixões por meio da razão, e esse ato é exercido pelo intelecto prático, mais precisamente pela phronesis. A phronesis aperfeiçoa o intelecto, permitindo-lhe bem comandar, e a virtude moral aperfeiçoa o desejo para lhe permitir obedecer. Daí pode-se dizer que existe uma interligação entre a phronesis e as virtudes morais, melhor dizendo, as suas ações se complementam. Ao se referir à phronesis, Aristóteles estabelece sua relação com o phronimos. A existência deste último é considerada, antes da essência da primeira. Assim quando ressalta o papel do phronimos no saber moral afirma que este é um homem que sabe

8 bem deliberar a respeito do que lhe é bom, não de uma maneira parcial mas de modo geral. Aristóteles deixa claro que no saber prático é importante a figura humana para que o particular seja contemplado. A lei é geral e não pode dar conta especificamente do particular; ela serve como um substituto na falta de um saber que possa lidar, aqui e agora, com os casos particulares. É preciso um homem que exerça o papel de decidir sobre esses casos, mas que seja senhor da virtude da eqüidade. Este homem deve encerrar em si a phronesis no mais elevado nível, pois esta virtude é que lhe permite definir a norma em cada caso. A virtude da phronesis não pode ser determinada por uma especificação da virtude em geral. Daí a importância de se compreender o papel do phronimos. A virtude consiste em agir segundo o justo meio e o critério para este é a reta razão. Aristóteles a considera como o juízo do phronimos. Para ele, o homem dotado de sabedoria prática não é apenas o intérprete da reta razão, mas ele é a própria reta razão. O phronimos é a reta razão na medida em que possui a phronesis. Sua autoridade, sua competência para decidir casos não tem correspondência com o transcendente. O phronimos extrai o seu saber de suas forças e experiências e como o seu domínio é o particular, ele fixa para cada caso, o justo meio que corresponde a sua particularidade. O valor da virtude moral, sua retidão depende da phronesis, no sentido em que a virtude moral consiste numa aplicação da regra determinada pelo phronimos. A retidão do juízo do phronimos depende dele próprio. E assim, o paradigma do saber moral é o homem de bem. Na Ética a Nicômaco Aristóteles exemplifica o phronimos com Péricles. Para que haja a verdadeira virtude, não basta que a nossa ação esteja em conformidade com a norma racional vinda do exterior, mas é preciso que ela seja acompanhada por uma phronesis pessoal em todo o seu desenvolvimento até o seu desembocar na ação eficaz, isto é, na decisão. Se uma pessoa é dotada de verdadeira virtude, a regra racional a seguir deve provir de si mesma. Conforme Aristóteles, a phronesis precisa comandar a ação e nela desembocar. O pensamento comanda e o desejo obedece.

9 Desembocamos na decisão (prohairesis) pelo encontro do pensamento e do desejo; pela decisão desembocamos na ação uma vez que a decisão é o princípio da ação. A sabedoria prática comanda a ação por meio da decisão. A origem da ação sua causa eficiente, não final é a escolha e a origem da escolha é o desejo e o raciocínio com o fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter. Neste sentido, afirma Aristóteles que... sendo a virtude moral uma disposição de caráter relacionada com a escolha, e sendo a escolha um desejo deliberado, tanto deve ser verdadeiro o raciocínio como reto o desejo para que a escolha seja acertada, e o segundo deve buscar exatamente o que afirma o primeiro. (1987, p.102) A phronesis é um saber relativo às coisas do homem e este é um ser político que deve ser visualizado num contexto político, melhor dizendo, na pólis. A relação do phronesis com a política é examinada por Aristóteles no livro VI em que o autor diz que ambas são a única e mesma disposição, no entanto, acontecem sob pontos de vista diferentes. A phronesis, ao ser aplicada à pólis, se apresenta sob dois aspectos: universal e singular. E assim se refere a elas:... a sabedoria prática que desempenha um papel controlador é a sabedoria legislativa, enquanto a que se relaciona com os assuntos da cidade como particulares dentro do universal é conhecida pela denominação geral de sabedoria política e se ocupa com a ação e a deliberação, pois um decreto é algo a ser executado sob a forma de um ato individual. (1987, p.108) Sob o aspecto universal, a phronesis é legisladora, a dos mestres de obra e sob o aspecto singular é a dos políticos. A phronesis legislativa tem por função enunciar a lei moral, cuja tarefa é a de tornar os homens bons em sua universalidade, daí ela requer do legislador o conhecimento universal. Para Aristóteles ao filósofo cabe esse trabalho, pois somente ele é capaz de codificar a lei moral de onde extrai a lei do estado.

10 No plano do singular as espécies da phronesis nada mais são do que a aplicação de leis universais que valem para todos os homens. Por requerer também um conhecimento do singular a phronesis não é um saber de fácil aquisição; ele requisita tempo e experiência para ser adquirido. Julga-se que é de cunho característico de um homem dotado de sabedoria prática o poder de deliberar bem sobre o que é bom e conveniente para ele, não sob um aspecto particular, como por exemplo sobre as espécies de coisas que contribuem para a saúde e o vigor, mas sobre aquelas que contribuem para a vida boa em geral. (1987, p.104) A sabedoria prática deve ser portanto uma capacidade verdadeira e racionalizada de agir com respeito aos bens humanos, de forma geral. Esta sabedoria versa sobre coisas humanas e coisas que podem ser objeto de deliberação. E é obra do homem dotado de sabedoria prática deliberar bem. Daí se atribuir à Péricles tal sabedoria, e aos homens como ele, porque percebem o que é bom para si mesmo e para os homens em geral. Neste sentido, somente eles serão bons administradores de casas e de Estado. Que a sabedoria prática não se identifica com o conhecimento científico, é evidente porque ela se ocupa com o fato particular imediato. Ela opõe-se, por outro lado, a razão intuitiva, que versa sobre as premissas limitadoras das quais não se pode dar a razão enquanto a sabedoria prática se ocupa com o particular imediato, que é objeto não de conhecimento científico mas de percepção. A percepção prática consiste, portanto, na habilidade para reconhecer, para reagir à, e para indicar certas características importantes de uma situação. Com a mesma naturalidade com que o homem é animal racional, o homem é também animal político (politikon zoon), que só atinge a realização de sua natureza na comunidade. Ninguém é virtuoso para si, ninguém é feliz sozinho; não se justifica ser solitário. Assim, a política não trata mais do indivíduo, mas do cidadão na pólis. Esta é considerada como uma comunidade natural e soberana, que visa um bem, um fim sua finalidade será suprema e o bem que ela procura é superior ao de todas as outras.

11 A luz do princípio da finalidade, Aristóteles erige o edifício da política. Segundo ele, a suprema finalidade da pólis é a vida segundo as virtudes e a justiça. Os homens devem ter ações virtuosas e justas. A virtude da justiça é a essência da sociedade civil. As virtudes morais recebem da justiça seu significado pleno, isto é, seu significado moral e nela a moralidade da vida política tem seu sólido fundamento. No livro V da Ética, Aristóteles expõe a parte doutrinária da justiça. Define a justiça como...aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo;... e a injustiça é a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto. (1987, p.81) A justiça é a virtude total, pois prescreve a obediência à leis e o respeito da igualdade entre os cidadãos. Essa forma de justiça não é parte da virtude mas uma virtude completa (1987, p.82). Nesse sentido, por sua completude e valor inigualável Aristóteles acredita que a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes, e nem Vésper, nem a estrela d alva são tão admiráveis (1987, p.82) Conforme foi mencionado, Aristóteles distingue dois tipos de justiça: a particular e a universal. A universal se define como a conduta de acordo com a lei; em sentido estrito, particular, ela se define como hábito, que realiza a igualdade. Como a justiça é uma virtude pode-se ver que a estrutura do ato justo revela desde logo a idéia de igualdade. Na ação não deve haver nem excesso, nem carência. A justiça é uma virtude que só pode ser praticada em relação ao outro, de modo consciente, na medida em que essa prática se destina à realização do seu elemento fundamental: a igualdade ou a conformidade com a lei, cujo objetivo é realizar a felicidade da pólis, num plano mais alto, ou o bem comum de modo geral. O justo e o injusto são caracterizados pela lei. O ato de justiça difere do simplesmente justo ou injusto visto que só se realiza voluntariamente. A lei existe para ordenar as relações entre os seres. A ordem é a lei e o governo da lei é preferível ao de qualquer cidadão.

12 A virtude para Aristóteles é que opera em definitivo a vinculação do político com o ético. A razão de ser dessa virtude é a comunidade sem a qual não se pode falar em justiça, porque esta, por sua vez, se destina ao bem da comunidade. A justiça é uma espécie de igualdade. O meio termo, o justo-meio da virtude, é colocado pela lei que define o justo equilíbrio da ação ao prescrever o que se deve ou não fazer. Esta é a função fundamental da justiça. Ao mesmo tempo, a justiça legal regula as relações entre os cidadãos livres e iguais. Neste caso, a lei determina que o justo meio da ação virtuosa é o tratamento igual. Conforme diz Aristóteles: o justo pois, é um meio-termo já que o juiz o é. O juiz é alguém de destaque, ele é o responsável por restabelecer a igualdade. A justiça existe apenas entre os homens cujas relações mútuas são governadas pela lei; e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça, pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto. O homem justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade. A lei ordena os atos bons e justos de todas as outras virtudes morais. Por isso, cumprir a lei é viver justamente e praticar todas as virtudes. A justiça legal chama-se também justiça geral porque determina os atos de todas as outras virtudes. Daí o provérbio: a justiça encerra toda a virtude. A justiça legal, como reguladora das relações entre os cidadãos, além de aperfeiçoar o indivíduo como as demais virtudes, ela tem a peculiaridade exclusiva de procurar o bem dos outros. Unicamente a justiça entre todas as virtudes é um bem para os outros. Em relação à justiça legal, Aristóteles nela distingue dois tipos de justiça: distributiva e comutativa. A distributiva tem por objetivo a justa distribuição dos bens públicos: honras, riquezas, encargos sociais e obrigações. O critério da distribuição é a igualdade, mas de forma geométrica ou proporcional dar para cada um o que lhe é devido, pesa os dotes naturais do cidadão, sua dignidade, o nível de suas funções, sua formação e sua posição na hierarquia organizacional da pólis. A justiça comutativa regula as relações entre os cidadãos. São as relações planejadas e voluntárias, como nos casos de contrato de compra e venda, salários, empréstimos, etc. O critério é aritmético ou a igualdade matemática. Mas, entre os cidadãos acontecem relações involuntárias como furtos, traições, estupros, assassinatos.

13 Nestas situações, para cada uma das partes cabe à sentença do juiz estabelecer a igualdade rompida. A justiça, alma da Ética e da Política, longe de ser um código de normas legais e cegas e de aplicação inflexível, adapta-se a todas as situações humanas e às condições históricas de nossa natureza. Cabe ressaltar que, embora Aristóteles afirmasse que o bom cidadão é aquele que segue a lei cegamente ele se refere à possibilidade de adaptação da lei às diversas circunstâncias, como esclarece o livro V. Daí sua ênfase na relativa importância da lei escrita na sua subordinação ao juízo prudencial do sábio. Na ética aristotélica a justiça é uma virtude moral, inerente à pessoa como disposição subjetiva de fazer ações conforme a lei geral e particular. Isso significa que o valor qualitativo das ações recai fundamentalmente sobre a qualidade moral do sujeito. O bom cidadão é virtuoso não pelo fato de cumprir a letra da lei, mas por causa da sua disposição interior permanente, formada e cultivada com esforço de cumprir seus deveres legais no seio da pólis. Somente nessas condições o cidadão é responsável por suas ações. Por isso nossas ações são moralmente justas ou injustas quando forem feitas voluntariamente; e a ação feita involuntariamente não é nem justa nem injusta. A justiça (ou a injustiça) de uma ação é determinada pelo seu caráter subjetivo voluntário ou involuntário. Ato voluntário é tudo aquilo que entre as coisas sujeitas ao poder do agente é cumprido com conhecimento de causa, sem ignorar nem a pessoa que padece a ação nem o instrumento usado e nem o fim alcançado. Assim, as ações justas ou injustas dependem intrinsecamente da deliberação do agente. É somente pelas ações voluntárias que os homens podem ser louvados ou censurados. As ações dizem-se involuntárias se forem devidas ou à coação ou à ignorância. As ações coercitivas são aquelas cuja origem vem de fora, o agente não contribui nada nela, isto é, são aquelas em que o corpo é manobrado por uma força exterior irresistível. Conta mais o cidadão nas virtudes do que lei com suas prescrições objetivas. De pouco vale a lei sem cidadãos virtuosos. A diferença entre as transações voluntárias e as involuntárias consiste no fato de, nas primeiras, o começo da transação ser voluntário, isto é, a pessoa

14 subseqüentemente lesada entrou inicialmente num contrato voluntário. As duas classes de injustiça correspondem às distinções, hoje estabelecidas, entre roturas de contrato duma parte, delitos ou prejuízos da outra. Em ambos os casos, a injustiça é vista como feita a um indivíduo, e em ambas a função do juiz não consiste em punir, mas em conceder uma reparação. As transações involuntárias mencionadas por Aristóteles são, de fato, na sua maior parte e igualmente, crimes; e, em sistemas legais modernos, seriam habitualmente resolvidas mediante um procedimento criminal. Contudo, são muitas vezes também, acionáveis pela lei civil, sendo a esta luz que Aristóteles as considera, em conformidade com a prática grega. Em se tratando do homem, o direito natural conforma-se à diversidade das manifestações da natureza humana. Por isso tanto a justiça natural (do homem) como a justiça legal (da pólis) ambas são mutáveis. A lei natural é uma norma imanente à natureza humana mutável que suscita a justiça legal (direito positivo) na variedade das culturas dos tempos e das características de cada pólis. Quando um caso escapa à lei geral, é preciso corrigir a omissão e interpretar a intenção do legislador. Esta função corretiva é desempenhada pela virtude da eqüidade (Epikeia) uma vez que esta é um complemento da virtude da justiça. Ela é uma virtude que interpreta a lei, flexibilizando sua rigidez. Seu papel é determinar o que é justo em cada situação particular. Por isso o equitativo é justo, superior a uma espécie de justiça não à justiça absoluta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. E essa é a natureza do equitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade (1987, p.96). Assim, o homem equitativo é aquele que procura praticar ações sem levar a lei a ferro e fogo e tende a exigir menos do que lhe é devido, muito embora tenha a lei a seu favor. A força da lei surge, nesse sentido, da própria natureza humana que se ordena interna e externamente para alcançar sua plena realização. Esta força ordenadora interna é a própria Phronesis, a responsável por conduzir o homem à harmonia interior e à participação política pela prática da cidadania. Além de conhecer os fins, de nos dizer o que é justo e bom ela nos guia a realizá-los, nos faz realizar o fim por um meio certo.

15 A justiça, como qualidade moral do indivíduo e como virtude da cidadania, é a excelência central e unificadora da existência pessoal e política. A vida ética consiste, portanto, na prática da justiça na comunidade humana.

16 CONSIDERAÇÕES FINAIS O comportamento ético do homem tem a cada dia sofrido transformações que o distanciam mais e mais das virtudes da cidadania, da felicidade que Aristóteles aponta como princípios fundamentais da existência humana. Os estados medianos por ele discriminados entre vícios e virtudes são disposições que têm sido menosprezadas. Os valores humanos encontram-se ameaçados de serem corrompidos pela ganância, pelo poder, pela força da racionalidade. A subjetividade do indivíduo, ou melhor, as flutuações subjetivas de seu caráter, tem sido o imperativo maior na sociedade. Tudo ocorre em torno dos desejos e interesses pessoais. Daí tornar-se urgente o repensar da humanidade sobre seu agir ético. Viver eticamente é viver conforme a justiça; ela estabelece não só a subjetividade do indivíduo como também a ordem jurídico-social. Hoje, com a intervenção irresistível das macroestruturas econômicas, tecnocientíficas e industriais que avassalam a humanidade, as metas de realização do ideal da justiça e do agir ético tornam-se comprometidos. A questão fundamental na atualidade é a racionalidade lógica a qual deveria proporcionar o fundamento racional para a técnica. Mas, ao contrário, desvincula-se a razão pura / teórica da razão prática, conduzindo as racionalidades éticas a caminhos tortuosos, destruidores de valores humanos consagrados. Pelo domínio do conhecimento científico e da tecnologia, o homem tem se colocado como o todo poderoso, acreditando que pode, inclusive, estabelecer uma ordem social desvirtuada. A ética não pode se perder nesse processo, mas deve propiciar uma ordem social mais justa, mais humana e feliz. Se, conforme Aristóteles, o homem pode tornar-se bom e justo através de uma educação que tenha o bem e a felicidade como princípios, é possível humanizar o homem e a sociedade. Fica claro sua crença no poder da educação, para a adoção de um

17 comportamento ético adequado às necessidades sociais. Assim, o encaminhamento das questões éticas é proporcionado pela educação. A educação é, no seu entender, fundamental para que o homem adquira virtudes, elimine vícios, tenha atitudes corretas, realize todo o seu potencial. As chances de realizar-se ou de perder-se estão ambas inscritas na estrutura ontológica do homem. A condição da auto-conquista é a subordinação das suas tendências naturais ao império e controle da razão, o elemento natural mais elevado, na visão deste filósofo. Isso não acontece com o indivíduo sozinho, isolado, mas é na pólis, na sua relação com os outros homens que o homem pode auto-realizar-se, alcançar sua plenitude. O cidadão (e não mais o indivíduo) pela prática da justiça alcança sua causa final e suprema: viver feliz numa ordem social justa, ou melhor, viver conforme as excelências humanas é o fim supremo do ser humano. A vida ética certamente consiste na prática da justiça numa vida harmoniosa na comunidade humana. O pensamento ético de Aristóteles traz contribuições valiosas na atualidade, pois auxilia na compreensão das ações humanas e expressa a possibilidade de sua melhoria por meio do processo educativo. Se a virtude não é algo natural no ser humano, mas um hábito adquirido, o triunfo da virtude só pode se apoiar na formação de atos virtuosos pautados na experiência, na racionalidade, enfim, na educação que é oferecida aos indivíduos. Somente ela é capaz de elevar o homem ao estado de civilidade, pois a cidadania é conquistada, desenvolvida. Aristóteles, com seu estudo sobre a ética, aponta caminhos que, bem interpretados, podem conduzir a humanidade a uma vida feliz, justa e mais humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

18 PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. Petrópolis: Vozes, 1995. ROSS, Sir David. Aristóteles. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987. Periódicos ANALYTICA A ética de Aristóteles e o destino da Ontologia. Volume I nº3 1996. REVISTA SÍNTESE Síntese Política Econômica Social (SPES) Nova fase nº 24 Vol. IX Jan/Abril 1982.