MATHIEU DOSSE. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução.

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Transcrição:

http://dx.doi.org/10.5007/2175-7968.2017v37n2p359 MATHIEU DOSSE O tradutor, professor e pesquisador Mathieu Dosse é Mestre e Doutor em Literatura Comparada pela Université Paris VIII - Vincennes-Saint-Denis (2005/2011). Em sua tese, intitulada Poétique de la lecture de la traduction: Nabokov, Guimarães Rosa, Joyce, Dosse faz reflexões sobre o ofício da tradução e suas dificuldades, refletindo sobre as implicações de se transpor autores de estilos de escrita tão particulares para outros idiomas, e discutindo também a forma com que a poética do texto original incide nas respectivas traduções. A sua tese deu origem à sua última publicação, o livro: Poétique de la lecture des traductions: Joyce, Nabokov, Guimarães Rosa (Editora Garnier/2016). O seu trabalho como pesquisador e tradutor de Guimarães Rosa o alçou à condição de especialista deste autor brasileiro no cenário internacional. O jovem tradutor trabalhou em obras de autores consagrados da literatura brasileira como Graciliano Ramos (Vidas secas/vies arides - 2014), Luiz Ruffato (Estive em Lisboa e lembrei de você/a Lisbonne j ai pensé à toi - 2015) e, também, João Guimarães Rosa (Estas estórias/ Mon oncle le jaguar et autres histoires - 2016), todos publicados na França pela Editora Chandeigne. Alggeri Hendrick Rodrigues * Gabriela Hessmann ** Universidade Federal de Santa Catarina * Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. ** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice

Alggeri Hendrick Rodrigues & Gabriela Hessmann ENTREVISTA COM MATHIEU DOSSE Cadernos de Tradução (CT): Como e quando você começou a traduzir? Mathieu Dosse (MD): A idéia surgiu enquanto estava fazendo meu doutorado sobre tradução. Tive que traduzir trechos do Grande Sertão: Veredas para o francês pois as traduções existentes não davam conta da complexidade do original. Adorei o trabalho. Depois tive vontade de traduzir o conto Páramo de Estas Estórias, que nunca havia sido traduzido em francês e que é, ao meu ver, um dos melhores do autor. Foi uma experiência tão forte que, depois de acabar meu doutorado, propus uma tradução do livro inteiro para a editora Chandeigne, que aceitou. CT: Quais foram os primeiros autores brasileiros com os quais você teve contato? MD: Leio em português desde criança. Me lembro em particular do Tesoura da Juventude, uma obra genial, que infelizmente não é mais editada. Mas meu primeiro encontro, já adulto, com um autor brasileiro, foi mesmo com o Guimarães Rosa. CT: Qual é a sua relação com o Brasil e com a literatura brasileira? Qual foi a sua motivação para pesquisar Guimarães Rosa e dedicar parte de sua tese de doutorado na análise de Grande Sertão: Veredas? MD: Sou filho de mãe brasileira e pai francês, portanto já conheço o português e o francês desde criança. Descobri Guimarães Rosa 360

Entrevista com Mathieu Dosse com 22 anos e fiquei maravilhado com a obra dele. Quando co - mecei a pensar num projeto de tese, depois de ter trabalhado sobre Nabokov no mestrado, a ideia da tradução e do Guimarães Rosa me veio naturalmente. Queria trabalhar com os meus auto - res preferidos! CT: Em sua tese foram analisados três autores: James Joyce, Vladimir Nabokov e João Guimarães Rosa. Em sua opinião, qual é a relação que se pode estabelecer entre eles e em qual lugar o escritor brasileiro se encontra no cenário literário internacional? MD: Existe uma ligação entre as invenções lexicais e estilístic - as de Joyce e de Guimarães Rosa, mas acho que na verdade são escritores bem diferentes, embora sejam todos os dois gênios da literatura. O que se pode dizer sobre esses três escritores é que são três gênios singulares, com uma escritura absolutamente própria, que não se parece com nada. Joyce e Nabokov são reconhecidos internacionalmente, mas Guimarães Rosa ainda não; não somente pelo fato da sua obra ser tão difícil de ser traduzida, mas também porque o português não é o inglês... CT: Seria possível falar/descrever algumas especificidades da forma de escrever de Guimarães Rosa? Como foi traduzir a literariedade autêntica deste autor? Como você se posiciona diante dos elementos estéticos e de estilo do autor? MD: Guimarães Rosa é tão singular que cada frase, ou até mesmo várias palavras dele, são imediatamente reconhecíveis. Existem além disso muitas expressões que são quase incompreensíveis... mas a dificuldade, para o tradutor, é tentar manter, sempre que possível, a polissemia do original. Não traduzir uma frase enig - mática por uma frase simples, não anular esse efeito tão particular. Quando um leitor comum lê Guimarães Rosa, ele não deve parar a 361

Alggeri Hendrick Rodrigues & Gabriela Hessmann cada frase ou palavra, ele deve se deixar levar por essa escritura, pela sonoridade das palavras... mas como fazer isso quando se traduz? O tradutor tem que parar quando ele não entende uma palavra ou um frase; parar e pesquisar nos dicionários, na internet... tentar entender algum sentido, para somente depois começar o processo de tradução e tentar reproduzir o mesmo efeito do original, man - tendo se possível uma forma de ambiguidade. CT: Você traduziu recentemente para o francês a obra rosiana Estas Estórias sob o título Mon oncle le jaguar et autres histoires. Quais foram as dificuldades encontradas no processo tradutório? Quanto tempo de trabalho foi necessário para realizar a tradução? MD: Demorei um ano, mais ou menos, trabalhando todos os dias. Alguns contos foram mais fáceis que outros. Aqueles escritos no fi - nal dos anos 60 são sem dúvida os mais difíceis. Busquei arcaísmos em francês, palavras raras, um pouco envelhecidas, um ou outro regionalismo. Para o conto A simples e exata estória do burrinho do Comandante tive que pesquisar o vocabulário marítimo, muito usado pelo narrador, privilegiando sempre palavras antigas, pouco usadas. O importante, traduzindo Guimarães Rosa, é fugir os lugares comuns, as expressões corriqueiras, gastadas. Tem que ser uma escritura absolutamente nova! CT: Como foi o processo de escolha das obras que você traduziu? Você que deu o start indicando autores e títulos ou isso parte da editora? MD: Com o Guimarães Rosa, foi um projeto meu, que a editora aceitou. Quanto aos outros autores, traduzi a pedido deles. CT: Qual foi o maior desafio que a tradução de Rosa lhe apresentou? 362

Entrevista com Mathieu Dosse MD: Manter a originalidade do texto original, não nivelar tudo num francês que já existe, mas criar em francês uma forma de língua que seja tão bela quanto o português de Guimarães Rosa. Mas em alguns contos o texto é tão denso, tão difícil de acesso, que é preciso tempo para, num primeiro momento, entender o que está sendo dito, e depois começar o trabalho de tradução. Se o autor estivesse vivo, com certeza o meu trabalho teria sido mais fácil! Não são tanto os neologismos que são difíceis de traduzir (embora alguns tenha me tirado o sono), são também os arcaísmos, muito numerosos, e a complexidade rítmica do texto, essencial. É relativamente fácil traduzir criando, a partir do português, um francês simples, elegante, neutro. Mas isso não é o Guimarães Rosa! Cada frase dele é imediatamente reconhecível, em português. Então, idealmente, é importante que, em francês, ele seja também tão reconhecível, tão original. CT: Você tomou por base outras traduções para desenvolver a sua tradução de Estas Estórias? MD: O conto Meu tio o iauaretê tinha sido traduzido para o francês por Jacques Thiériot. Embora minha leitura de Guimarães Rosa seja bem diferente da desse tradutor, olhei de vez em quando em francês algumas expressões que ele usa. CT: Qual(is) foi(ram) a(s) metodologia(s) de tradução que você utilizou para a tradução desta obra de Rosa? MD: Sou um grande leitor de Henri Meschonnic, mas traduzindo procuro esquecer tudo que sei sobre teoria da tradução e servir, da melhor maneira possível, o texto original. Além disso, o Gui - marães Rosa é tão particular, tão original, que ele desencadeia sua própria metodologia da tradução. 363

Alggeri Hendrick Rodrigues & Gabriela Hessmann CT: Além da formação em Literatura, você possui alguma formação na área de tradução? Como começou o ofício de tradução na sua vida? Existe alguma teoria de tradução com a qual você se identifica para traduzir Guimarães Rosa? MD: Fiz minha tese sobre teoria da tradução. Portanto li pratica - mente tudo que se fez nessa área. Com certeza considero Henri Meschonnic um dos maiores teóricos da tradução. Foi traduzindo trechos do Grande Sertão: Veredas para meu trabalho que senti a necessidade de traduzir Guimarães Rosa. Comecei com o conto Páramo, que é incrível, um dos melhores do autor, a meu ver. CT: Você poderia descrever qual é o público francês que lê João Guimarães Rosa? MD: Diria que é um público que gosta de literatura em geral, e que não tem medo de se aventurar na obra de um autor que não é sempre fácil de acesso. Mas alguns contos, como Meu tio o iauaretê, que são mais simples, quanto à linguagem, podem ser lidos por qualquer um. Outros exigem mais dedicação. Mas, de uma forma geral, acho que o público na França é o mesmo do que no Brasil. CT: Como é a recepção hoje, na França, das obras de Guimarães Rosa? Você acha que o interesse tem evoluído com o tempo? MD: Tenho a impressão de que está cada vez melhor. Ainda falta, talvez, uma nova tradução de Grande Sertão: Veredas para que o autor seja realmente considerado como um dos maiores artistas do século passado, mas acho que esse dia vai chegar. CT: Como é o mercado editorial para obras de autores como Guimarães Rosa? 364

Entrevista com Mathieu Dosse MD: A editora Chandeigne, para a qual trabalho, vem fazendo há anos um imenso trabalho de divulgação da literatura em língua portuguesa. É graças a ela que a literatura brasileira vem sendo cada vez mais conhecida na França. CT: Qual é a situação atual da tradução da literatura brasileira na França? Como é a recepção da tradução de autores brasileiros no seu país? MD: Ano passado, o Brasil foi pela segunda vez o convidado especial do Salon du Livre de Paris. Cada vez mais a literatura brasi - leira vem sendo conhecida e reconhecida. Se falou muito do Brasil nos últimos anos, com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. É um Brasil de verde-amarelo que vende muito: festa, carnaval, música. Os franceses adoram. Mas sempre digo que a jóia escondida do Brasil, o diamante dentro da pedra, é o Guimarães Rosa. CT: Até que ponto você acredita que o tradutor precisa ser também um escritor? O que busca em suas traduções? MD: Me parece que não se deve confundir o escritor com o tradutor. São atividades distintas. É claro que o tradutor deve saber escrever e ter um bom ouvido (saber escutar o autor que traduz e saber ouvir na língua para a qual traduz), mas isso não quer dizer que um escritor será necessariamente um bom tradutor, ou que um bom tradutor seja um bom escritor. É uma questão que já foi muito debatida, mas de - vemos lembrar que há na tradução algo da restituição, e não somente da criação. Além disso, um ponto importantíssimo, é que a tradução é, por essência, mortal, ao contrário do texto original. O escritor tem a esperança de que sua obra atravesse os tempos; o tradutor sabe que ele apenas pode servir essa obra original, que seu trabalho é de qualquer forma (porque toda língua evolui e toda tradução envelhe - ce) efêmero. Mas isso não deve ser considerado um ponto negativo; 365

Alggeri Hendrick Rodrigues & Gabriela Hessmann ao contrário, tomando em conta esse mortalidade, podemos, como tradutor, trabalhar o texto e a língua para a qual traduzimos, criar algo novo, que acrescente algo. CT: Com qual tradução você mais se identificou? Por quê? MD: Não diria que me identifico com o que traduzo. Tento escutar o autor e fazer com que o leitor francês tenha um efeito similar (não idêntico) na sua leitura à experiência do leitor brasileiro. É necessário abandonar algo quando se traduz. Não se pode traduzir tudo. Por isso, busco a essência do texto original, aquilo que, além do simples sentido, faz com que o texto seja um grande texto. CT: Sabemos que o ofício de tradutor ainda não é uma profissão institucionalizada (ao menos no Brasil). Na França é possível viver atuando somente como tradutor? MD: É difícil viver só de traduções literárias, mas não impossível, ao meu ver. Isso pede tempo e também sorte. Por enquanto vivo disso. Vamos ver o que o futuro reserva! CT: Você está trabalhando atualmente em alguma tradução? Você tem algum projeto de traduzir (ou retraduzir) outras obras de Guimarães Rosa para a língua francesa? Em razão de sigilo profissional Mathieu Dosse não pôde informar quais obras está traduzindo no momento. Recebido em: 19/10/2016 Aceito em: 28/12/2016 Publicado em maio de 2017 366

Entrevista com Mathieu Dosse ANEXO Livros traduzidos RAMOS, Graciliano. Vies arides. Tradução de Mathieu Dosse. Paris: Éditions Chandeigne, 2014. 160 p. ROSA, João Guimarães. Mon oncle le jaguar et autres histoires. Tradução de Mathieu Dosse. Paris: Éditions Chandeigne, 2016. 432 p. RUFFATO, Luiz. A Lisbonne j ai pensé à toi. Tradução de Mathieu Dosse. Paris: Éditions Chandeigne, 2015. 112 p. Publicações DOSSE, Mathieu. Poétique de la lecture des traductions: Joyce, Nabokov, Guimarães Rosa. Paris: Classiques Garnier, 2016. 479 p. 367