PRETA DE MONTESINHO - NOVA RAÇA CAPRINA COM RECONHECIMENTO OFICIAL EM PORTUGAL F.P. Afonso 1, C. Bruno de Sousa 2,3, A. Carloto 4, L.T. Gama 2,3 RESUMO: A população caprina Preta de Montesinho tem um efectivo estimado de cerca de 800 animais, dispersos sobretudo na região Nordeste de Portugal. Resultados do inquérito de campo, da caracterização morfo-funcional e o estudo de diversidade genética com base em 25 marcadores microssatélites indicam que a população caprina Preta de Montesinho apresenta características que a diferenciam das restantes raças caprinas actualmente reconhecidas em Portugal e justificam o seu reconhecimento como uma raça distinta. Este reconhecimento veio a ter lugar no ano de 2009. INTRODUÇÃO Portugal apresenta uma elevada diversidade dos recursos genéticos animais, que traduz os diferentes fluxos de genes ocorridos ao longo dos tempos, assim como a enorme variabilidade nas condições de orografia, clima, estrutura fundiária, envolvente humana, etc., em que a produção animal decorre. Até ao último ano encontravam-se oficialmente reconhecidas em Portugal cinco raças caprinas autóctones, conhecidas como Bravia, Serrana, Charnequeira, Serpentina e Algarvia. Estas populações possuem características morfo-funcionais que as diferenciam, e estão normalmente localizadas em áreas geográficas bem definidas. Em zonas mais remotas do Nordeste de Portugal encontra-se uma população caprina que aparenta características distintas das raças reconhecidas até ao momento, que é conhecida como Cabra Preta de Montesinho (PM), que traduz o nome da região onde esta população existe. Até recentemente não era claro até que ponto seria justificável o reconhecimento e autonomização desta população relativamente às restantes raças, ou se seria mais adequado considerá-la uma variedade de uma das raças já reconhecidas. Como a informação existente sobre esta população era muito reduzida, os Serviços do Ministério da Agricultura com responsabilidade nesta matéria, em colaboração com as Associações de Criadores com actividade na região onde esta população se encontra, decidiram proceder a um estudo visando a caracterização mais detalhada da população conhecida como Cabra Preta de Montesinho. Este estudo visou a obtenção de informação de base que permitisse o estabelecimento de um padrão racial, o conhecimento das aptidões produtivas e da demografia e distribuição geográfica deste grupo de animais, assim como a sua caracterização 1 Direcção Geral de Veterinária, Lgo. Academia Nacional de Belas Artes, 2, 1249-105 Lisboa; 2 L- INIA. Instituto Nacional de Recursos Biológicos, 2005-048 Vale de Santarém; 3 Faculdade de Medicina Veterinária - Universidade Técnica de Lisboa, 1300-477 Lisboa; 4 ANCRAS, Bairro. Fundo Fomento de Habitação, Bl. 14 Cv Dta, 5370-223 Mirandela, PORTUGAL
genética comparativamente às restantes raças caprinas portuguesas já reconhecidas. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um inquérito de campo para fazer o levantamento da população existente com características que correspondem ao que se considera ser a Cabra Preta de Montesinho, que frequentemente coexiste com caprinos de outras raças (sobretudo da raça Serrana) ou com ovinos. Nesta fase, procedeu-se à caracterização morfológica da população e a um registo preliminar, de forma a conhecer a dimensão e distribuição dos efectivos possuidores de animais potencialmente considerados da raça PM. Foram ainda recolhidas amostras de sangue em animais considerados representativos do padrão racial, abrangendo um total de 36 animais distribuídos por 13 rebanhos. Após extracção do DNA, estas amostras viriam a ser submetidas a análise de polimorfismos genéticos, utilizando um conjunto de 25 microssatélites escolhidos no painel recomendado pela FAO/ISAG, como descrito por Bruno de Sousa et al. (2010). Os resultados obtidos com este painel de marcadores foram comparados com os obtidos nas restantes cinco raças caprinas portuguesas reconhecidas até então, utilizando-se procedimentos estatísticos standard neste tipo de análises (Oliveira et al., 2010). RESULTADOS E DISCUSSÃO PADRÃO RACIAL Os animais da raça PM (Figura 1) manifestam uma aparência distinta das restantes raças caprinas reconhecidas em Portugal. São animais de estatura medi- Figura 1. Fêmea representativa da raça Preta de Montesinho 193
ana, com pelagem preta ou castanha muito escura e com pêlos curtos e lisos. Os cornos estão frequentemente ausentes; quando existem são pequenos, com base de secção triangular, lisos, dirigidos para trás em forma de sabre, com hastes paralelas ou ligeiramente divergentes. O pescoço é comprido, a linha dorso-lombar horizontal e a garupa descaída. A cauda é curta e o úbere é bem desenvolvido, com mamas cónicas e tetos grandes. Os membros são finos, com unhas pequenas e rijas. APTIDÕES As cabras desta raça são exploradas tanto para a produção de leite como de carne. Tradicionalmente, as pequenas explorações mantinham 1 a 2 cabras PM para produzir leite, sendo consideradas de boa capacidade leiteira. Contudo, este modo de exploração tem vindo a ser progressivamente abandonado. DEMOGRAFIA E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA O efectivo estimado da raça PM é de cerca de 800 animais, distribuídos por 55 rebanhos. Estes efectivos encontram-se exclusivamente na zona Nordeste de Portugal, na área abrangida pelo Parque Natural de Montesinho. Após o início do registo em 2009, encontram-se actualmente registados 16 machos e 281 fêmeas, distribuídos por 10 criadores. CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA Os resultados das análises de polimorfismos observados nos 25 microssatélites analisados, comparativamente às restantes caprinas autóctones de Portugal, encontram-se na Tabela 1. Em termos globais, verifica-se que a raça PM apresenta uma elevada diversidade genética, com um número médio de alelos superior à média das restantes raças, mas com um número efectivo de alelos e uma heterozigotia esperada semelhantes às outras raças. Por outro lado, o número de loci com alelos exclusivos foi superior na raça PM. A proporção de loci em desequilíbrio foi mais elevada na cabra PM do que nas restantes raças, como resultado da menor heterozigotia observada, reflectindo-se num maior défice de heterozigotia observado Tabela 1. Número médio de alelos (NMA), número efectivo de alelos (N a ), número de loci com alelos exclusivos (LAE), proporção de loci que não se encontram em equilíbrio de Hardy- Weinberg (LHWD), heterozigotia esperada (H e ) e observada (H o ) e défice estimado de heterozigotia (F IS ) com base em 25 loci, para a raça Preta de Montesinho e valor médio para as restantes cinco raças caprinas portuguesas Preta de Montesinho Média das 5 raças caprinas nacionais NMA 7.8 7.4 N a 3.2 3.2 LAE 7.0 4.2 LHWD 0.28 0.22 H e 0.69 0.69 H o 0.60 0.65 F is 0.12 0.06 194
nesta raça quando comparada com as restantes. O valor médio da distância de Nei entre a raça PM e as restantes raças foi de 0.100, semelhante ao observado para as outras raças, cuja distância média variou entre 0.088 e 0.136 (Bruno-de-Sousa e tal., 2010). O software Structure (Pritchard, 2002) foi utilizado para investigar o contributo de diferentes populações ancestrais para as raças caprinas actualmente existentes, admitindo-se um número de populações ancestrais (K) variando entre 2 e 6. O logaritmo da função de verosimelhança indicou que o número mais provável de populações ancestrais era K=6, e os resultados desta análise encontram-se na Tabela 2. À excepção das raças Algarvia e Bravia, verifica-se uma acentuada partilha entre raças nas contribuições das diferentes populações ancestrais. No entanto, para a raça PM, observou-se uma maior contribuição da população ancestral 5, cujo contributo foi menor para qualquer das restantes raças analisadas. Tabela 2. Contribuição proporcional de populações ancestrais para as raças caprinas actualmente existentes, ordenadas geograficamente, admitindo a existência de seis clusters subjacentes (K=6) Raça População ancestral 1 2 3 4 5 6 Bravia 0.675 0.040 0.050 0.089 0.095 0.051 Preta de Montesinho 0.027 0.058 0.053 0.154 0.332 0.377 Serrana 0.055 0.109 0.153 0.167 0.167 0.35 Charnequeira 0.044 0.061 0.233 0.351 0.110 0.202 Serpentina 0.050 0.115 0.456 0.194 0.121 0.064 Algarvia 0.043 0.756 0.047 0.051 0.038 0.065 Os resultados do inquérito de campo realizado indicam que a população caprina conhecida como Preta de Montesinho apresenta características morfo-funcionais únicas, que a distinguem das distantes raças reconhecidas em Portugal. A população actual é de cerca de 800 fêmeas reprodutores, essencialmente mantidas em pequenos efectivos. A sua dispersão, e o facto de ser frequentemente mantida em efectivos em que se encontram também outras raças, colocam particulares dificuldades à sua conservação. Estudos recentes com base em marcadores neutros (Bruno-de-Sousa et al., 2010) indicam que, em Portugal, a espécie caprina é aquela que apresenta uma menor diferenciação entre raças, não sendo por isso fácil identificar populações distintas com base com base neste tipo de marcadores genéticos, contrariamente ao que se verifica noutras espécies. Esta menor distinção racial dos caprinos, como aliás se verifica também nos ovinos, é justificável por razões históricas, em que a transumância e a troca de animais entre explorações foram práticas comuns durante muitos anos. As análises de diversidade genética indicam que a cabra Preta de Montesinho é, das populações caprinas Portuguesas, a que apresenta maior número médio de alelos e número de alelos privados nos 25 loci estudados, o que leva a crer que é 195
efectivamente distinta das restantes raças, ainda que possa ter sofrido a sua influência em maior ou menor grau. A análise Bayesiana realizada com o software Structure indica que existe um grau de miscigenação muito acentuado na maioria das raças caprinas portuguesas, com excepção das raças Bravia e Algarvia. Contudo, verifica-se que a cabra PM tem uma contribuição predominante de uma população ancestral que tem menor representatividade nas restantes raças caprinas portuguesas. Um resultado particularmente preocupante nas análises de diversidade genética foi o acentuado défice de heterozigotia encontrado na cabra Preta de Montesinho (F is =0.12), que pode interpretar-se como indicador de uma consanguinidade elevada nesta população. Este resultado, conjugado com a pequena dimensão e elevada dispersão dos efectivos sugerem a necessidade urgente de estabelecer um programa de conservação in situ desta população, para evitar perdas adicionais de diversidade genética. Tomados globalmente, os resultados do inquérito de campo, da caracterização morfo-funcional e o estudo de diversidade genética indicam que a população caprina Preta de Montesinho apresenta características que a diferenciam das restantes raças caprinas actualmente reconhecidas em Portugal e justificam o seu reconhecimento como uma raça distinta. Com base nestes resultados, a raça Preta de Montesinho foi, em 2009, reconhecida como a sexta raça caprina autóctone portuguesa. BIBLIOGRAFIA Bruno-de-Sousa, C., A.M. Martinez, C. Ginja, F. Santos-Silva, M.I. Carolino, J.V. Delgado and L.T. Gama. 2010. Genetic diversity and population structure in Portuguese goat breeds. Livestock Science (http://dx.doi.org/10.1016/j.livsci.2010.06.159). Oliveira, J.C.V., M.N. Ribeiro, L.L. Rocha, M.A. Gomes-Filho, J.V. Delgado, A.M. Martinez, M.P.C. Menezes, C.M. Bettencourt and L.T. Gama. 2010. Genetic relationships between two homologous goat breeds from Portugal and Brazil assessed by microsatellite markers. Small Ruminant Research 93:79. Pritchard, J.K., Stephens, M., Donnelly, P. 2000. Inference of population structure using multilocus genotype data. Genetics 155, 945 959. 196