A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E A IDEOLOGIA DO INTÉRPRETE: O PROCESSO DE HEGEMONIA NA HERMENÊUTICA



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Transcrição:

129 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E A IDEOLOGIA DO INTÉRPRETE: O PROCESSO DE HEGEMONIA NA HERMENÊUTICA Júlio César de Sá da Rocha Prof. Auxiliar do Dep. de Ciências Sociais Aplicadas Mestre em Direito das Relações Sociais - Direito Ambiental - PUC/SP RESUMO O artigo tem como fundamento a análise da interpretação jurídica. Apuramos, ao longo de nosso estudo, que o direito é instrumento da disputa de hegemonia na sociedade. A interpretação jurídica tem uma importância fundamental na manutenção e sustentação da ideologia dominante. ABSTRACT This article concerns about law interpretation. Law is an instrument of power and its interpretation is very important in order to sustain the dominant ideology. 1 A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E A IDEOLOGIA A hermenêutica pode ser entendida, como menciona Ricoeur, como a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos. 1 A interpretação jurídica conduz à possibilidade de entendimento do conteúdo do texto normativo. Para o direito, a interpretação pode ser compreendida como a tentativa de extrair da lei todo seu significado. Uma gama de métodos interpretativos aparecem com o objetivo de determinar o alcance da norma. Se analisarmos esses métodos de interpretação, podemos observar uma sintonia entre a formação ideológica do intérprete e a significação do discurso. Orlandi corrobora esse entendimento, quando menciona que não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia. 2 Tomamos o conceito de ideologia com fundamento na tradição marxista que a define como uma superestrutura intelectual, um meio secundário das idéias, construído a partir das bases primordiais, ou seja, a subestrutura material da sociedade. 3 Miguel Reale reconhece que toda norma jurídica assinala uma direção para algo em virtude de assim ter sido querido por outrem, em função das valorações dominantes em dado ambiente histórico-social. 4

130 Warat estabelece que os métodos de interpretação da lei se constituem em recursos ideológicos e políticos. Para o professor da UFSC os métodos interpretativos aparecem definidos pelo imaginário jurídico, o 'senso comum teórico dos juristas', como técnicas rigorosas que permitem alcançar o conhecimento científico do direito positivo. É notório sua conexão com a ideologia das distintas escolas que conformam o pensamento jurídico. 5 Da observação acerca dos mais variados métodos de interpretação, chegamos à conclusão de que o pano de fundo ideológico perpassa todos os seus contornos. O método exegético, o dogmático, o positivismo sociológico, o egológico, todos eles, representam, historicamente, escolas bem definidas ideologicamente. Por exemplo, a escola exegética responde claramente a um paradigma de construção de um arcabouço jurídico de afirmação da hegemonia econômico-social da burguesia. O professor Fábio Ulhoa Coelho menciona que através, portanto, da teoria da interpretação e do tratamento dispensado às questões das lacunas e das antinomias, a tecnologia jurídica possibilita a quem detém o poder contornar a rigidez do princípio da legalidade, adequando-o a situações concretas... Mais adiante menciona que o poder domina as mentes das pessoas e, também, dos tecnólogos do direito, recrutados, em sua maioria, nas camadas superiores da sociedade capitalista. 6 Sem qualquer dúvida, podemos sustentar a natureza valorativa do ato interpretativo e sua condicionalidade com a realidade histórica e econômica. Oscár Correas ressalta com propriedade a função ideológica do direito moderno: el hecho de que el orden jurídico sea formal, que esta característica es producida por la base misma y que por lo tanto no es uma engañifa de los juristas, no implica que, por otra parte, el derecho no cumpla también una función ideológica de ocultación de la realidad. 7

131 Podemos, portanto, chegar ao entendimento de que a interpretação do direito tem, na ideologia, seu alicerce fundamental. O ato de interpretar se constitui no "poder de violência simbólica, como menciona Tércio. 8 Utilizando de uma categoria gramsciana e realizando uma transposição para o campo do direito, a interpretação se constitui num processo de hegemonia na hermenêutica. 2 O DIREITO COMO INSTRUMENTO IDEOLÓGICO A ciência do direito não pode ser entendida sob o paradigma da neutralidade. Wolkmer menciona que o direito é a projeção lingüístico normativa que instrumentaliza os princípios ideológicos e os esquemas mentais de um determinado grupo hegemônico. 9 O direito é fenômeno social que somente pode ser compreendido com base na realidade e no processo histórico em que foi gestado. Os sistemas jurídicos trazem o conteúdo da classe dominante na sociedade. As ideologias do direito têm reproduzido um modo de produção predominante historicamente. 3 A HEGEMONIA PROPRIAMENTE DITA A conceituação de hegemonia que sustentamos é aquela que se desenvolve na capacidade de direção intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se classe dirigente e obtém o consenso ou a passividade da maioria da população... 10 Essa compreensão é observada na teoria da hegemonia em António Gramsci, em que a classe que possui a supremacia política se impõe pelos mecanismos de coerção e consenso. O papel da ação hegemônica torna-se fundamental na gestão, conquista e construção do Estado. Toda classe social se serve dos mais diversos instrumentos de hegemonia: o parlamento, os partidos, a imprensa, os sindicatos. Para o marxista italiano, naturalmente todos os três poderes são

132 também órgãos da hegemonia política, mas em medida diversa: 1) parlamento; 2) magistratura; 3) governo. 11 Pode se depreender da obra de Gramsci que a todo momento se disputa a hegemonia na sociedade, quer a classe dominante, quer o proletariado, através da constituição de seus respectivos blocos históricos. 12 Como fala com propriedade Gruppi: "A hegemonia tende a construir um bloco histórico, ou seja, a realizar uma unidade de forças sociais e políticas diferentes; e tende a conservá-las juntas através da concepção de mundo que ela traçar e difundir." 13 O objetivo da política é a hegemonia que se constitui no exercício do poder por parte de quem o detenha. Exercer a hegemonia é fazer com que os outros atuem de certa maneira. Significa dominar, dirigir, enfim, o próprio ato de coação em si mesmo. Oscár Correas fala que el aporte de Gramsci al pensamiento marxista, consiste em haber mostrado que conseguir 'hacer hacer', es el fruto de una labor ideológica; que para que otro haga lo que sea desea que haga, es necesario 'convercelo', esto es, 'educarlo' o forjar su ideología. 14 4 DIREITO E HEGEMONIA POLÍTICA Tomar o direito no sentido da dominação hegemônica não é freqüente em Gramsci, que percebe o aspecto repressivo do fenômeno jurídico exercido pelos órgãos estatais: O direito é o aspecto repressivo e negativo de toda atividade de ação civilizadora desenvolvida pelo Estado." 15 A função de dominar cabe, originariamente, à ideologia. Correas menciona que esta espécie de desconexión entre ideología y derecho hay que atribuirla más bien a cierta despreocupación por pensar más cuidadosamente lo jurídico, puesto que no cabe sino pensar que, si se hubiese detenido que aceptar que el derecho es ideología... 16 Compreendemos que é da essência do direito seu caráter ideológico, e que como instrumento ideológico que é, assim como o Estado, está a serviço da classe dominante. O direito se constitui, portanto, numa das técnicas principais da hegemonia.

133 5 O DIREITO E A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA COMO SIGNIFICADO DA HEGEMONIA POLÍTICA O direito é a ideologia que, como nenhuma outra, pode indicar domínio, crise ou ausência de hegemonia. É a ideologia que oferece melhor possibilidade de comprovar empiricamente sua eficácia. 17 A hegemonia pode ser entendida, finalmente, como a possibilidade de dirigir os outros através do consenso. Gruppi fala que a hegemonia, portanto, não é apenas política, mas é também um fato cultural, moral, de concepção do mundo. 18 Há algo que mais configure a dominação e o consenso do que o direito e sua teoria da interpretação? Os processos estatais de hegemonia sintetizam a obediência e a aplicação das normas e caracterizam em muito o ato de interpretar do direito pelos tribunais competentes e o consenso comum no mundo jurídico.conforme menciona Luiz Fernando Coelho: o direito possibilita o controle social, como é desejado pelas forças hegemônicas, desde sua criação, até a sua decodificação, interpretação e aplicação de forma a atingir as expectativas dos grupos dominantes. 19 Entendendo, por fim, a ideologia como processo, e como um processo guiado pela hegemonia, o ato de interpretação do direito se constitui em locus privilegiado de embate ideológico e de disputa hegemônica. Interpretar é realizar a hegemonia no campo da hermenêutica. Como expressa com propriedade Ihering: A luta não é, portanto, um elemento estranho ao direito, mas uma parte integrante de sua natureza e uma condição de sua idéia. 20 Percebemos, entretanto, que há uma crise de hegemonia e disfunções do paradigma jurídico. Wolkmer fala que por conseguinte, a significação da crise...quer seja alusiva especificamente ao Direito, quer seja associada ao Estado, à sociedade de capitalismo periférico e aos valores hegemônicos de época, denota sempre a disfuncionalidade, a falta de eficácia ou o esgotamento do modelo ou situação histórica, aceitos e tradicionalmente vigentes. 21

134 Como a hegemonia está em disputa sempre, podemos conceber a possibilidade de atitudes contra-hegemônicas na hermenêutica. A interpretação também pode significar a ação dos intérpretes do bloco popular no convencimento dos demais atores do mundo jurídico. Nem tudo está perdido...interpretar é realizar a disputa de hegemonia por dentro das contradições da própria sociedade. NOTAS 1 Paul RICOEUR. Interpretação e ideologias, p. 17. 2 Eni Puccinelli ORLANDI. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos, p. 99. 3 Frederick M. WATKINS. et al. A idade da ideologia, p. 6. 4 Miguel REALE. O direito como experiência, p.248. 5 Luiz Alberto WARAT. Introdução geral ao direito, p. 6 Fábio Ulhoa COELHO. Direito e poder, p. 89 e 103. 7 Oscár CORREAS. Ideologia jurídica, p. 200. 8 Tércio Sampaio FERRAZ JR.. Introdução ao estudo do direito, p. 9 Antonio Carlos WOLKMER. Ideologia, estado e direito, p.145. 10 Norberto BOBBIO et al. Dicionário de política, p. 580. 11 António GRAMSCI. Obras escolhidas, v.1, p. 387. 12 Sobre o tema Remo BODEI.Gramsci: vontade, hegemonia, racionalização. In: Política e história em Gramsci. v.1. Ferri, Franco (coord.) e Gazzaneo, Luiz Mário (trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 13 Luciano GRUPPI. O conceito de hegemonia em Gramsci, p. 78. 14 Oscár CORREAS. Kelsen y los marxistas, p. 129. 15 António GRAMSCI. Op. cit., p. 388. 16 Oscár CORREAS. Op. cit., p. 130-131. 17 Sobre o tema Oscár CORREAS. Op. cit., p.133. 18 Luciano GRUPPI. Op. cit., p.73. 19 Luiz Fernando COELHO. Teoria crítica do direito, p.336. 20 Rudolf von IHERING. A luta pelo direito, p.15. 21 Antonio Carlos WOLKMER. Pluralismo jurídico, p.64.

135 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto, et al. Dicionário de política. Tradução por Carmen C. Varriale et al 6.ed. Brasília: EdUnB, 1994. BODEI, Remo. Gramsci: vontade, hegemonia, racionalização. In:FERRI, Franco (coord.) Política e história em Gramsci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. v.1. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder. São Paulo: Saraiva, 1992. COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. Curitiba: HDV, 1986. CORREAS, Oscár. Ideología jurídica. Puebla: Universidad Autónoma depuebla, 1983.. Kelsen y los marxistas. México, D.F: Coyoacán/Universidad Autónoma Benito Juárez de Oaxaca, 1994. FERRAZ JR.,Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito.são Paulo: Atlas, 1989. GRAMSCI, António. Obras escolhidas. Tradução por Manuel Cruz.Lisboa: Estampa, 1994. v.1. GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. 2. ed. Tradução por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1980. IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito., Tradução por Sílvio Donizete Chagas.São Paulo: Acadêmica, 1993. ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 1993. REALE, Miguel. O direito como experiência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Tradução por Hilton JAPIASSU, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994. WATKINS, Frederick M., et al. A idade da ideologia. Tradução por Rosa Maria, Brasília: EdUnB, 1979. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.. Pluralismo jurídico - fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Omega, 1994.